(por Keith J. Taylor)
“Quanto a Roger O’Farrel... Ele me tirou de
um navio que afundava, quando eu era apenas um bebê, e me criou como se eu
fosse sua própria filha. E, se eu assumi uma vida de pirata, não foi culpa dele,
que teria me estabelecido como uma fina dama em terra firme, se eu desejasse.”
(Robert E.
Howard – “A Ilha da Perdição Pirata)
Helen Tavrel tinha a pirataria e o selvagem nomadismo no sangue. Sua
família era os Taverels da Cornualha, que (dentre outros) haviam trabalhado
como piratas no porto Fowey, nos séculos 14 e 15. Tinham autorização para tomar
navios franceses, enquanto rugia a Guerra dos Cem Anos, mas continuaram sem
autorização real depois que a paz foi feita, e Edward IV teve que tomar
providências para reprimi-los – o que incluía enforcar vários.
Os Taverels estavam entre os cães elizabetanos do mar da época de Drake
(e de Solomon Kane). Enfrentaram a Armada e pilharam portos e navios espanhóis.
Alguns dos Taverels de Fowey se dirigiram às costas de Munster, na Irlanda, no
início do século 17, quando James I buscava reprimir a pirataria, ao passo que
Edward IV o havia feito antes dele. Tornaram-se parte da Irmandade Munster, uma
forte organização de ladrões do mar finalmente esmagada pelos holandeses, que
haviam se cansado de suas rapinagens. Aqueles Taverels que sobreviveram para
voltar de Munster (com um “e” excluído de seus nomes) se fixaram novamente na
Cornualha.
Assim como as maiores famílias córnicas, tais como os Killigrews, eles
apoiavam a causa Monarquista durante a Guerra Civil Inglesa, mesmo após Charles
I ter sido decapitado. Contrabandeavam armas para os Monarquistas Ingleses, e
informações para o exilado Charles II, mas acabaram sendo traídos. Tentaram
fugir para o continente, mas foram interceptados por um navio parlamentar, em
1654. Helen Tavrel, então com dois anos de vida, era uma dos que estavam a
bordo.
O navio de Cromwell foi afugentado pelo corsário O’Farrel, a serviço da
Irlanda Confederada. Ele resgatou Helen de seu navio em chamas e a carregou à
bordo de seu próprio navio, a fragata Tisífone. De cabelos dourados e olhos
cinzas, ela o lembrava a própria filha pequena, Finola, a qual, juntamente com
a mãe, havia sido assassinada por soldados Cabeças-Redondas em Wexford.
O’Farrel havia lutado contra os Cabeças-Redondas nos mares, como
corsário, durante nove anos, e enfrentado os ingleses antes disso, de 1641 a 1643, ao lado do pai,
até o velho O’Farrel ser morto. Agora ele navegava para Bruxelas, com a pequena
garota à qual tornara sua filha adotiva. Helen nunca se lembrou de nada sobre
Bruxelas, embora seu terror a bordo do navio em chamas, e O’Farrel erguendo-a
nos braços com uma risada e palavras de conforto, ficassem gravados na sua
cabeça e no seu coração por toda a vida. De qualquer forma, não ficaram muito
tempo em Bruxelas. Os Países
Baixos, ao sul, eram um centro de Contra-Reforma sob o comando dos Habsburgos,
e O’Farrel, um católico com lembranças impressivas de lutas contra hereges, foi
bem-recebido lá. Os espanhóis desconfiaram das intenções de Oliver Cromwell nas
Índias Ocidentais, e ofereceram a O’Farrel uma comissão em Cuba. O ’Farrel aceitou.
O resultado foi Helen ter crescido em Havana, na época o porto mais
rico e opulento do Caribe. A esquadra espanhola do tesouro se reunia lá todo
ano. Quando ela e O’Farrel chegaram, o Capitão Geral (ativo) era Don Ambrosio
de Sotolongo. De Sotolongo e sua esposa se encantaram com Helen, e logo
aprenderam a valorizar O’Farrel. O irlandês achou um casal hispano-índio, Ramon
e Eulália, para cuidar de sua casa e de sua filha adotiva. Tinham sua própria
filha, Renata, da idade de Helen, que O’Farrel achou que seria uma agradável
companheira de brincadeiras para sua menina sem mãe.
Ele cuidava de assistir regularmente à missa e, de outras formas, ficar
do lado certo da Igreja; o Santo Ofício era um poder nos territórios espanhóis
e O’Farrel, embora católico, não era um homem excessivamente religioso, e enfrentou
perigo suficiente no mar, de bucaneiros e ingleses, para precisar de algum de
outras direções. A Guerra Anglo-Espanhola de Oliver Cromwell havia causado a
conquista da Jamaica, e as novas autoridades inglesas de lá estavam recrutando
bucaneiros – ingleses, de preferência – para evitar uma reconquista espanhola.
Muito antes, O’Farrel estava ocupado numa luta perigosa com o Capitão Myngs, da
Esquadra da Jamaica. Helen nada sabia sobre isto; brincando com Renata e
aprendendo a manusear barcos onde seu chefe se divertia, quando não estava
sendo instruída nas habilidades consideradas adequadas para uma garota na Cuba
colonial. Isto ela odiava; costura e orações não agradavam a alguém com o
sangue dos Tavrels. Nem a experiência do navio em chamas lhe havia deixado
qualquer terror duradouro. Helen amava navios e o mar, tanto quanto amava o pai
adotivo.
Aos sete anos de idade, foi ameaçada novamente. A sociedade de Havana
era dissoluta, apesar de sua esplêndida catedral e muitas igrejas. Um
esbanjador aristocrata, com dívidas de jogo e amantes caras, viu em Helen uma
saída para suas dificuldades. Ofereceu-se para a raptar e entregar para
Christopher Myngs. Com Helen em mãos inglesas na Jamaica, seria fácil coagir
O’Farrel. No mínimo, ele logo cessaria suas pilhagens contra as colônias
inglesas. No máximo, poderia tentar resgatar Helen e ser capturado.
Além de ruim, o plano foi mal-concebido e ainda pior posto em prática. A esposa do
homem o detestava. Ela informou O’Farrel, no que só fez confirmar o que ele já
sabia de outras fontes. O’Farrel procurou o homem, insultou-o em público e o
matou num duelo de espadas e adagas. Embora ele não pretendesse que Helen
soubesse, ela também perdeu pouco do que acontecia ao redor de si, e espiou a
luta desde as sombras. Viu o homem morrer. Sabendo a causa, ela passou a
idolatrar ainda mais o pai adotivo.
Entre 1658 e 1660, O’Farrel permaneceu em Havana com Helen. Durante a
Restauração na Inglaterra, ele visitou Londres, levando-a com ela. Sua relação
com a luta contra os Cabeças-Redondas o fez congenial com Charles II, Samuel
Pepys e o Príncipe Rupert, mas não com o Parlamento. Helen não gostava da
Inglaterra; ela a achava fria e chuvosa em comparação ao Caribe, e ficou feliz em voltar. Sentira a
falta de sua companheira de brincadeiras, Renata. Entre as idades de oito e dez
anos, no entanto, ela encontrou muita diabrura indisciplinada para brincar com
a garota mestiça – algumas delas perigosas. O sangue pirata dos Taverels,
combinado com sua adoração pelo pai adotivo, a inspirou a ser impetuosa, e aos
dez anos ela procurou se igualar à habilidade dele com o florete também. Rogou
a ele que a ensinasse, e ele o fez, achando que ela provavelmente perderia o
interesse, enquanto tivesse outros entusiasmos; era uma criança, afinal.
Helen não perdeu o interesse. Tinha talento para a lâmina, e logo
desenvolveu um verdadeiro amor por ela; tanto que O’Farrel convenceu um mestre
de esgrima a ensiná-la diariamente, quando ele estivesse distante no mar.
Christopher Myngs retornou ao Caribe naquela ocasião – 1662 – e saqueou
Santiago de Cuba, na costa sul da ilha. O’Farrel estava pronto para retaliar no
ano seguinte, quando Myngs liderou 20 navios numa expedição de pilhagem contra
Campeche. O’Farrel, com apenas cinco embarcações, ainda recuperou parte do
saque e afundou três dos navios bucaneiros.
Quando Helen chegou aos 13 anos, começou a andar pomposamente pelas
ruas ensolaradas de Havana, vestida como um garoto, seus cabelos dourados
cobertos por uma peruca preta, seu pequeno florete ao lado. Renata a
acompanhava freqüentemente, às vezes de calças compridas e camisa como sua
amiga, às vezes de saia. Aconteceu o inevitável: foram emboscadas por um grupo
de devassos com intenções lascivas para a mestiça. Helen resistiu, desembainhou
o florete, atravessou o ombro de um dos jovens e retalhou o rosto de um
segundo. Logo depois, as duas fugiram através das ruas estreitas e sinuosas, e
sobre os telhados. O grupo jurou vingança obscena, mas não sabiam contra quem.
Então, Helen começou a treinar com pistolas aos 13 anos também. Suas
mãos eram muito pequenas aos 10, mas agora ela praticava com armas de fogo,
orientada por um mestre profissional, e logo aprendeu a acertar seu alvo.
Gostava de atirar, mas amava o florete com paixão.
Roger O’Farrel era o ídolo dela, e foi principalmente graças a ele que
ela ansiou pela vida pirata. Ela, sem dúvidas, ouvia histórias da rainha-pirata
de Connacht, Grace O’Malley, contadas pelo pai adotivo. Também desenvolveu
admiração e fascínio pela pirata de cabelos de fogo Jacquotte Delahaye,
originalmente de Saint-Domingue. Contava-se que Jacquotte se tornara uma pirata
após o pai ser assassinado, e liderou uma tripulação de degoladores durante
anos, até as águas caribenhas se tornarem quentes demais para ela. Ela escapou
da perseguição ao fingir a própria morte, mas retornou após algum tempo, e
recebeu o apelido “Retornada da Morte Vermelha”. Há muito, seus seguidores
estavam na casa das centenas, e em 1656 haviam tomado uma pequena ilha, com a
intenção de torná-la uma república pirata. Jacquotte morreu defendendo-a numa
ação sangrenta, quando Helen Tavrel tinha em torno de nove anos, de modo que
elas nunca se encontraram, mas Helen adorava as histórias e baladas sobre ela.
Outra pirata que perambulou pelas Índias Ocidentais durante o início da
juventude de Helen foi Charlotte de Berry. Charlotte nasceu por volta de 1636
e, na adolescência, se apaixonou por um marinheiro, com o qual se casou contra
a vontade dos pais. Na melhor tradição romântica, ela se disfarçou de homem,
navegou como seu companheiro de bordo e lutou em batalhas navais ao lado dele.
Um oficial descobriu seu segredo, mas não o divulgou, movido pelo desejo por
Charlotte. Ele deu ao marido de Charlotte as tarefas mais perigosas, num
esforço para matá-lo, e quando o capitão não logrou êxito, acusou o jovem de
planejar um motim, pelo qual este foi açoitado até a morte. Charlotte resistiu
aos avanços posteriores até desembarcarem, após o que ela o esfaqueou
fatalmente e embarcou.
Vestida novamente em roupas de mulher, Charlotte logo percebeu ter
cometido um erro, pois um brutal capitão mercante a raptou e sujeitou a um
casamento forçado, e Charlotte se libertou ao fazer de verdade o que seu marido
anterior havia sido acusado de fazer – fomentando um motim. Durante uma viagem
até a África, ela inspirou a tripulação a se revoltar contra o capitão e os
oficiais, decapitou o primeiro e se tornou capitã por aclamação, como a melhor
líder lá. Manteve-se capitã durante anos, até um desastroso naufrágio reduzir
os sobreviventes famintos ao canibalismo, antes de serem resgatados por um
navio holandês. Quando outros piratas emboscaram os holandeses, Charlotte e
seus companheiros ficaram do lado de seus salvadores, e enfrentaram os
atacantes até eles serem expulsos. O que aconteceu a ela depois disso é
incerto.
Roger O’Farrel havia tido uma vida bastante calma – para ele – em
Havana, entre 1665 e 1667, quando Helen fez 15 anos. Então, lhe fora oferecida
uma grande recompensa pelo Capitão Geral da cidade, Francisco de Ávila Orejón y
Gastón, caso ele procurasse e destruísse o pirata l’Ollonais, um louco bestial
que odiava todos os espanhóis. Ele jurara não dar piedade a nenhum, um
juramento que mantinha barbaramente. O’Farrel aceitou, e embarcou na missão.
Helen, então com 15 anos, estava cansada da vida em terra firme e
deleitada com os feitos do pai adotivo. Ela queria participar deles. Sabendo
que ele nunca a permitiria navegar em busca do demoníaco l’Ollonais, ela se
disfarçou novamente de garoto de cabelos negros e embarcou num dos navios de
O’Farrel, como carregador de pólvora, demonstrando que conhecia as habilidades
do ofício e era esperta. Não entrou na tripulação do navio do próprio O’Farrel,
o San Patrício, onde ele a
reconheceria, mas no segundo, o Pilar.
Ambos eram fragatas, um tipo de navio de três mastros do Novo Mundo,
precursores das fragatas navais do século 18, de quase 150 toneladas cada.
Traziam canhões nas proas, com outros numa fila no costado ao lado, ao longo do
convés de armas. Manobravam melhor contra o vento do que os galeões mais largos
e altos. O’Farrel usava um galeão na época, o Santa Barbara de 400 toneladas, mas o deixou para trás. Sua carga
era muito grande para seus propósitos desta viagem.
Helen não levou arma alguma a bordo, exceto um prático punhal. Seu
amado florete lhe teria traído imediatamente a identidade. O comandante do Pilar, Seamus Browne, um ex-escravo
libertado por O’Farrel, conhecia a bela loira Helen Tavrel, mas não fez
qualquer associação entre Helen e o mal-vestido garoto de cabelos negros diante
do mastro – e Helen se manteve distante dele.
L’Ollonais viajou desde Tortuga, com uma frota de seis navios, manejada
por 600 velhacos. Trezentos manejavam o maior, sua nau capitânia, uma
embarcação espanhola que ele capturara em Macaraibo na sua última incursão de
pilhagem, marcada pelos seus costumeiros assassinatos e torturas. Seus capitães
incluíam Moses van Vin, os irmãos Gower – John e Tobias –, o manês Finlo Hilton
(“Hilton Sanguinário”) e Pierre Le Picard, o mais novo.
(Moses van Vin e outro Moses, Moses Vanclein, juntamente com le Picard,
são alguns dos capitães de l’Ollonais em sua última viagem que são
historicamente conhecidos. Hilton Sanguinário e os irmãos Gower são fictícios,
criações de Robert E. Howard. Pelo menos Hilton Sanguinário é mencionado em
conexão com Helen Tavrel em “A Ilha da Perdição Pirata”, na qual John Gower
encontra seu fim, enquanto um diferente “Capitão Gower” é descrito como
moribundo a bordo de seu navio no poema “Uma Canção da Corrente da Âncora”.
Supus que este era Tobias Gower, irmão de John.)
Em desvantagem, O’Farrel teve que ser prudente, e ele seguiu a trilha
marítima do abjeto l’Ollonais até ele ficar bem longe de Cuba, esperando
pegá-lo em desvantagem.
Em determinado ponto, a frota do francês e as duas fragatas
de O’Farrel ficaram calmas por um tempo. Quando um vento fresco se ergueu,
O’Farrel retomou a perseguição, mas fez uma pausa para interceptar um navio
mercante holandês e o aliviar da água e alimentos, deixando apenas o suficiente
para sua tripulação desembarcar. Aquilo mal satisfazia o intenso desejo de
Helen por ação. Eventos em
Pedro Cortes , na extremidade noroeste da Honduras moderna, a
agradavam mais. L’Ollonais deixou sua frota na costa e marchou terra adentro
contra a cidade de San Pedro Sula. O’Farrel desembarcou no porto e devastou os
mastros dos navios do pirata e seus cordames com balas encadeadas. Ele também
usou bombas incendiárias fazendo um bom estrago. Como carregador de pólvora,
Helen foi mantida alegremente ocupada durante esta ação. Depois O’Farrel se
retirou.
Embora um jogo de espera não combinasse com o temperamento de Helen, em
sua juventude, ela viu que isso poderia ser eficaz. O’Farrel sabia que
l’Ollonais estava inclinando seu navio principal antes de continuar sua viagem.
O’Farrel mandou de volta a Cuba em busca de um navio-armadilha, um decrépito
galeão velho, e l’Ollonais mordeu a isca. Ele capturou o navio, mas foi
novamente frustrado: a carga valia pouco, e o costado do navio estava crivado
de teredos (*). Entretanto, estava equipado com 42 canhões, os quais
l’Ollomais teimosamente guardava, embora seu peso os tornasse mais uma
responsabilidade do que uma vantagem. Alguns de seus capitães, inclusive os irmãos
Gower e Picard, o desertaram, cansados da viagem mal-sucedida. O’Farrel finalmente
derrotou l’Ollonais e o abandonou numa costa selvagem, onde foi morto por
índios.
Não antes de estar quase de volta a Havana, O’Farrel descobriu que sua
filha adotiva havia estado o tempo todo no Pilar.
Ele ficou assombrado. Se seus planos dessem errado, Helen poderia ter caído nas
mãos do monstro mais vil do Caribe. Helen não estava arrependida; seu único
arrependimento era o de não ter havido uma ação mais direta. O’Farrel castigou
a garota. Ela recebeu o castigo sem lágrimas nem ressentimento, mas O’Farrel
viu que ela era a verdadeira prole de seus ancestrais piratas córnicos, e que
não havia como estabelecê-la em terra firme como uma fina dama respeitável. Helen
era o que era – e, em parte, devido ao exemplo dele, sem dúvida.
Tradução: Fernando Neeser de Aragão.
(*) –
Teredo: Espécie de verme que rói a
madeira dos navios (Nota do Tradutor).
A Seguir: A Perigosa Helen Tavrel – Parte 2.