(por Deuce Richardson)
“Saiba, ó príncipe, que entre os anos em que os oceanos engoliram a
Atlântida e as cidades brilhantes, e os anos do surgimento dos filhos de Aryas,
houve uma era inimaginada... (...) Para cá veio Conan, o cimério...”.
(As Crônicas Nemédias)
Em dezembro de
1932, as palavras acima apresentariam pela primeira vez Conan O Cimério e sua
Era Hiboriana à America do século XX. Leitores de todas as gerações, desde
então, têm sido intrigados por este cabeçalho do Capítulo 1 de “A Fênix na Espada”.
Numa postagem anterior, discuti o que exatamente Robert E. Howard poderia querer
dizer com “os filhos de Aryas”. Por que um “cronista
nemédio”, da Nemédia da Era Hiboriana,
falaria da Era Hiboriana como “uma era inimaginada”?
Por causa do
argumento, vamos supor que este “cronista” estava escrevendo durante o fim da
nação Nemédia, 500 anos depois de Conan O Cimério, quando mercenários aesires
transformados em nobres estavam tentando resistir aos seus próprios e
não-amolecidos irmãos. Certamente, a ameaça dos cimérios (ancestrais dos
gaélicos irlandeses e escoceses, de acordo com Howard) também estava no ar.
Esse “cronista” chamaria sua própria era
de “inimaginada”? Parece difícil acreditar. Tal coisa equivaleria a eu contar
às minhas sobrinhas hoje: “Saibam, ó sobrinhas, que entre a ascensão de Teddy e
o congelamento dos mercados financeiros houve uma era inimaginada... A Era Americana”.
Admito que, nestes tempos decadentes, quando tudo é tão “cinco minutos atrás”,
quando tradições e memórias de poucas décadas atrás são como as de eras
esquecidas, minha analogia não é exata. Mesmo assim, há motivo zero para
acreditar que o “cronista”, fosse quem fosse, estivesse vivendo durante a Era da qual estava escrevendo.
A epigrama não faria sentido se ele fosse.
Iria o
“cronista” (se ele fosse um nemédio da Era Hiboriana) relembrar com nostalgia a
carreira de Conan, um cimério que deu um golpe esmagador na Nemédia meio
milênio antes, e imortalizar isso numa “crônica”? Possível, no sentido de todas
as coisas serem possíveis. Eu diria que a motivação para tal atitude seria fraca
e insuficiente. Vamos considerar que este hipotético “Cronista Nemédio da Era
Hiboriana” serviria melhor ao seu “príncipe” de cabeça de estopa, ao regalar o
garoto com histórias dos dias mais antigos, da dominação aesir, quando os
homens eram homens. Homens cujo sangue corria nas veias do dito “príncipe”, e
não um aventureiro cimério cujos parentes distantes ainda pilhavam as fronteiras.
Fazer o contrário, escrever sobre a força implacável de apenas um único
guerreiro cimério, seria o equivalente a guerra psicológica (uma possibilidade
que estou desconsiderando por enquanto).
Se não algum “Cronista Nemédio da Era
Hiboriana”, então quem escreveu essas
palavras que ecoaram pelos séculos até a nossa própria época (num senso
“sub-criacional”)?
Robert E. Howard
nos dá alguns indícios no fragmento “Eons Negros”. Naquele fragmento, ele
revela que Friedrich Wilhelm Von Junzt, o autor de “Unausprechlichen Kulten” (Cultos sem Nome, em Alemão), havia
“descoberto” a Era Hiboriana. Von Junzt era um alemão nascido em 1795 e
falecido em 1840. Sua habilidade em desvendar segredos perdidos no tempo e
sondar antigos mistérios era fantástica, de acordo com Howard.
Patrice
Louinet afirmara que Robert E. Howard escreveu quatro esboços de A Era Hiboriana. Os nemédios (tanto os
modelos etnicamente hiborianos, quanto seus homônimos aesires/irlandeses)
aparecem em cada um deles. É sempre bom se lembrar que, quando Robert E. Howard
criou os nemédios, Conan o Cimério e a Era Hiboriana, ele estava no meio de sua
“fase celta”. A evidência do fascínio de Howard pelos celtas data de uma carta
para Tevis Clyde Smith, de janeiro de 1926. Seu interesse não diminuíra muito,
na época em que escreveu a epigrama inicial para “A Fênix na Espada”.
Há uma conexão entre os nemédios que
foram expulsos pelos seus irmãos aesires, durante o fim sangrento da Era
Hiboriana, e Von Junzt na Alemanha do século 19. Howard parecia saber qual era.
Em sua carta a
H. P. Lovecraft, Howard escreveu: “Os Firbolgs e os Tuatha de Danaans, como
você sabe, eram representados como sendo descendentes daqueles nemédios que
escaparam das espadas dos Fomores e retornaram à Grécia, da qual haviam
originalmente chegado à Irlanda. Retornando várias vezes, eles foram rivais
implacáveis até a chegada dos Milesianos...”. Esta passagem foi ecoada mais
tarde em seu ensaio “A Era Hiboriana”, onde Howard ligou explicitamente os
aesires nemédios da Era Hiboriana com os “nemédios das lendas irlandesas”.
Poderiam as
lendas da Era Hiboriana ter sido levadas até a Irlanda por descendentes dos
nemédios? As lendas irlandesas que temos agora, as mesmas que Howard leu e pelas
quais foi inspirado, pretendem traçar as perambulações de vários celtas, da
“Cítia” até a Irlanda, alguns eventos sendo situados tão distantes no passado
como 2438 a .C..
Através de suas leituras, Howard sabia muito bem que os filólogos tendiam a
situar as origens dos “arianos”/indo-europeus na área geral da antiga Cítia (anteriormente o domínio dos
cimérios históricos); e, de fato, é onde ele situa seus “arianos” no ensaio “A
Era Hiboriana”.
Na carta para
Smith de janeiro de 1926, Robert E. Howard escreveu: “Eu poderia lhe contar
muito sobre a ascensão e o declínio da Irlanda; e como ela foi, no passado, o
centro de religião e Cristianismo, e rival de Roma, mas não vou lhe entediar”.
Embora tenha sido necessário Thomas Cahill para realmente espalhar a palavra
para as massas (muito mal, na minha opinião), os fatos relativos à “Era dos
Santos e Estudiosos” irlandesa estavam em livros escritos para públicos
populares, bem antes de Howard ter nascido. Em História da Irlanda, W. C. Taylor, que não era amigo dos gaélicos,
reconheceu de má-vontade as façanhas de estudiosos e missionários irlandeses
nas Ilhas Britânicas e no Continente. O volume de Taylor foi publicado em 1854. A História da Raça Irlandesa (1921), de
Seumas MacManus, dedica quase 70 páginas para seguir o curso da escolaridade
irlandesa e de sua construção de monastérios na Europa ocidental. Da época de
Saint Patrick até o fim da Era Viking, estudiosos irlandeses trouxeram manuscritos
e códices, preservados ou escritos em Irlandês, até a Europa continental para serem
abrigados em mosteiros e nas cortes de reis como Otto o Grande. Otto o Grande
da Alemanha.
O local de
nascimento de Friedrich Wilhelm Von Junzt nunca foi dito por Robert E. Howard.
Sabemos que ele era alemão, e que a primeira edição de Cultos sem Nome foi publicada em Dusseldorf. Não
muito longe ao sul de Dusseldorf, há vários monastérios com laços fortes e
antigos com a Irlanda – dentre eles, os de Salzburg e Regensburg. Considerando
o talento de procurar “coisas ocultas” que Howard atribuiu a ele, não é de modo
algum impossível que, num daqueles mosteiros, Von Junzt “descobrisse” a Era
Hiboriana.
Tradução: Fernando Neeser de Aragão.
A Seguir: Sonya de Rogatino – Origens (por Keith J. Taylor).