(por Deuce Richardson)
“Saiba, ó príncipe, que entre os anos em que os oceanos engoliram a
Atlântida e as cidades brilhantes, e os anos do surgimento dos filhos de Aryas,
houve uma era inimaginada...”.
Essa sentença
introdutória de “A Fênix na Espada” é, sem dúvida, uma das mais memoráveis em
todo o cânone de Conan. Aquele parágrafo inteiro sequer existiria sem a interferência editorial de Fansworth Wright. Wright
pediu a Robert E. Howard que excluísse boa parte da informação geopolítica,
contida no Capítulo 2 do “esboço apresentado” que fora mandado à Weird Tales. Howard resumiu aqueles
dados (juntos com fatos adicionais) nas “Crônicas Nemédias” – epígrafe para o
primeiro capítulo de “A Fênix na Espada”. Robert E. Howard parece ter colocado
mais naquela primeira sentença, do que pode parecer à primeira vista.
“[E]ntre os
anos quando os oceanos engoliram a Atlântida” é direto o bastante. De todas as
indicações, os reinos dos hiborianos e seus vizinhos floresceram mesmo depois que “os oceanos engoliram a
Atlântida”. No entanto, “os anos do surgimento dos filhos de Aryas” é
problemático. Se, como parece ser o
caso, o “surgimento dos filhos de Aryas” se refere à expansão dos “arianos” que
Howard descreve quase no penúltimo capítulo do ensaio “A Era Hiboriana”, então,
Belverus, temos um problema. Um problema, isto é, se assumirmos que os
“nemédios” das “Crônicas Nemédias” foram os mesmos “nemédios” da era de Conan.
Como, exatamente, um “cronista nemédio” da época de Conan (ou de qualquer época
antes do “surgimento dos filhos de
Aryas”) saberia sobre os ditos
“filhos de Aryas”? Para qual “príncipe” este “cronista” está ensinando sobre os
costumes e tradições pertencentes a tempos inimaginados?
Poderia o “cronista” em questão ter sido
um “nemédio” que viveu antes da queda da Era Hiboriana, como tem sido imaginado
durante todos estes anos? De que modo, então, como visto acima, poderia ele
profetizar o advento dos filhos de Aryas? Por que esse sábio profeta não usou
seus talentos de vidente, para evitar
o colapso do regime hiboriano? E,
mais importante, por que nosso
hipotético estudioso da Era Hiboriana, com o dom de profetizar, iria sequer se importar com os “filhos de Aryas” que
domesticavam cavalos? Os “arianos” que Howard descreve no ensaio “A Era
Hiboriana” eram uma mistura de nordheimeres e cimérios. Nenhum sangue “nemédio”
hiboriano pulsava em suas veias. Os
filhos de Aryas eram herdeiros exatamente dos mesmos matadores de mãos ensangüentadas,
que tocaram os sinos fúnebres para o fim do orgulho e da história milenar da
Nemédia.
Teria uma
cópia das “Crônicas Nemédias” sido levada para o sul (de alguma forma), e
guardada e preservada nos (supostos) arquivos do “Egito” vanir? Mais uma vez,
por quê? Por que aqueles saqueadores pragmáticos (iletrados) iriam sequer se
importar? Através de indicações nos textos de Conan e em “A Era Hiboriana”, os
vanires (especialmente a variedade “egípcia”) tiveram apenas encontros
passageiros com qualquer um que lembrasse um “hiboriano”, quanto mais um
nemédio. Os últimos governantes da Nemédia eram usurpadores aesires. Os aesires
e vanires eram inimigos de longa data. Por outro lado, L. S. De Camp uma vez
escreveu que algumas das façanhas de Conan foram preservadas nos tempos
faraônicos, de modo que eu imagino que tal teoria teria esse andamento para ela. Claro, ainda temos a precoce passagem dos
“filhos de Aryas” para levar em conta.
Talvez os
hirkanianos que recuavam tenham levado uma cópia para o Leste Azul, em sua
longa retirada. Por que eles o fariam, é um mistério. Quem arranjaria um tradutor?
Os não-hiborianos zamorianos, ou os não-hiborianos zíngaros? Kushitas talvez?
Mesmo se os hirkanianos tivessem um
tradutor, qual escravo-profeta introduziu dessa forma a menção aos “filhos de
Aryas”? Assim como no caso do hipotético cronista da Era Hiboriana, qual seria
o motivo para também usar o “surgimento dos filhos de Aryas” como uma linha de
demarcação de tempo?
Em dias
passados, ouvi o argumento de que talvez “os filhos de Aryas” não se refira
sequer aos “arianos” mencionados no ensaio “A Era Hiboriana”. Além do fato de
“Aryas” e “Aryan (“ariano”) diferirem em apenas uma consoante final, também
temos a frase altamente similar “os
filhos de Aryan”, de “O Vale do Verme” e “Os Filhos da Noite”. No contexto em que Howard a apresenta,
essa frase indubitavelmente se refere aos mesmos “arianos” que ele menciona em
muitas outras histórias. Há também o proto-celta/“ariano” Aryara, em “Os Filhos
da Noite”, de Howard. Se os referidos
“filhos de Aryas” não são sinônimos
de “filhos de Aryan” (“filhos dos arianos”), quem exatamente eles poderiam ser?
A fim de (toscamente) acomodar um paradigma “hiboriano nemédio”, os “filhos de
Aryas” poderiam ser tanto nordheimeres, cimérios, pictos ou hirkanianos.
“Aryas” parece ser um nome que não pertence a nenhum deles, se a lista de nomes
de Howard for algum guia. Os “filhos de Aryas” pareceriam ser os “arianos” do
ensaio “A Era Hiboriana” – uma mistura de cimérios e nordheimeres, da qual um
nome como “Aryas” poderia surgir.
Se não um
“nemédio autêntico”, quem poderia ser nosso “cronista”? Robert E. Howard
fornece vários indícios. Em primeiro lugar, sabemos, através do ensaio “A Era
Hiboriana”, que os nemédios etnicamente “hiborianos” da Era Hiboriana não eram os “únicos” nemédios. Um quadro
de matadores aesires assumiu a defesa da Nemédia em seus últimos dias. Eles
tomaram para si o nome de “nemédios”
também. Cambaleando devido a sucessivos ataques de cimérios e companheiros
nordheimeres, os nemédios “nórdicos” (“a quem o termo ‘nemédios’ se refere
daqui em diante”, de acordo com Howard) recuaram para Koth. Eles não parecem
ter se movido para o mar Vilayet/Cáspio, como seus parentes aesires fizeram. O
leste de Koth ocupa a mesma localização geográfica da Grécia, Ásia Menor e sul
da Cítia. Howard afirma que os “nemédios das lendas irlandesas eram os aesires
nemédios”. As lendas irlandesas afirmam que os seguidores de Nemed, “os
irlandeses nemédios”, vieram da Cítia. Após uma breve permanência na Irlanda
(de acordo com o Lebor Gabala Ereen),
alguns dos filhos de Nemed foram capturados na Grécia, escravos acorrentados.
Eles retornariam à Irlanda como Fil Bolg
e se apossariam de Connacht.
Como Robert E.
Howard diria, nós agora chegamos “dentro do alcance da história moderna”; e a
história de como as “Crônicas Nemédias” possivelmente chegaram aos nossos
tempos decadentes, terá de esperar pela Parte Dois.
Tradução: Fernando Neeser de Aragão.
A Seguir: De Celtas e Cultos sem Nome: As Crônicas Nemédias (Irlandesas).