A Torre do Elefante




Por Robert E. Howard


Originalmente publicado em Weird Tales, março de 1933


Capítulo 1

Tochas tremeluziam sombriamente nas festas do Marreta, onde os ladrões do Leste faziam carnaval à noite. No beco, eles podiam fazer quanta algazarra e gritaria quisessem, pois as pessoas honestas evitavam este bairro, e os guardas, bem pagos com dinheiro sujo, não interferiam na diversão deles. Ao longo das ruas tortuosas e sem pavimentação, com montes de lixo e poças lamacentas, cambaleavam e vociferavam os bêbados briguentos. O aço brilhava nas sombras de onde vinha o riso estridente das mulheres e os ruídos de arruaça e luta. A luz das tochas flamejava tênue das janelas quebradas e portas escancaradas, e emanava o mau cheiro do vinho azedado e de corpos suados, o clamor de bêbados e o bater de punhos sobre mesas grosseiras, as animadas canções obscenas, lançadas como uma bofetada.

Numa dessas espeluncas, a diversão trovejava até o telhado baixo manchado pela fumaça, onde os vagabundos se reuniam vestidos com toda espécie de farrapos – eram batedores de carteira, astutos raptores, ladrões de dedos ligeiros, vociferando exclamações animadas com suas meretrizes de vozes estridentes, vestidas com suntuosos vestidos de gosto duvidoso.

O elemento dominante eram os vagabundos do lugar – zamorianos de pele e olhos escuros, com sabres em seus cintos e fel em seus corações. Mas lá estavam também alguns lobos vindos de meia dúzia de nações do interior. Havia um gigante hiperbóreo renegado, taciturno, perigoso, com uma espada amarrada a seu enorme corpanzil terrível – pois, no Marreta, os homens carregavam o aço abertamente. Havia um contraventor shemita, com seu nariz adunco e barba encaracolada negro-azulada. Havia uma prostituta brituniana de olhos ousados sentada no colo de um gunderlandês de cabelos castanhos – um soldado mercenário nômade, desertor de algum exército derrotado. E o gordo indecente, cujas piadas picantes provocavam gargalhadas, era um raptor profissional vindo da longínqua Koth para ensinar como raptar as mulheres dos zamorianos, que nasceram com mais conhecimento sobre essa arte do que jamais ele conseguiria obter. Este homem interrompeu sua descrição dos encantos de uma futura vítima e enfiou sua cara num enorme caneco de cerveja espumante. Em seguida, soprando a espuma de seus lábios gordos, disse:

- Por Bel, deus de todos os ladrões, eu lhes mostro como roubar prostitutas; eu a farei passar pela fronteira zamoriana antes de amanhecer, e haverá uma caravana esperando para recebê-la. Trezentas peças de prata foi o que um conde de Ophir me prometeu em troca de uma esguia jovem brituniana da classe mais alta. Levei semanas andando pelas cidades fronteiriças, disfarçado de mendigo, para encontrar uma que servisse. E essa é uma linda peça!

Ele jogou no ar um beijo obsceno.

- Conheço alguns lordes de Shem que negociariam o segredo da Torre do Elefante em troca dessa jovem – disse, voltando à sua cerveja.

Um toque na manga de sua túnica o fez voltar a cabeça, resmungando por ter sido interrompido. Em pé ao seu lado estava um jovem alto e robusto. Este estava tão deslocado naquela espelunca quanto um lobo cinzento entre ratos famintos nos bueiros. Sua túnica barata não conseguia esconder as linhas duras, bem proporcionadas de sua estatura poderosa, os ombros largos e pesados, o peito maciço, a cintura delgada e os braços pesados. Sua pele estava tostada pelo sol dos campos, seus olhos eram azuis e ardentes; uma negra cabeleira emaranhada coroava sua fronte larga. Do seu cinturão pendia uma espada numa bainha de couro surrado.

O kothiano recuou involuntariamente; pois o homem não pertencia a nenhuma raça civilizada que ele conhecia.

- Você falou da Torre do Elefante – disse o estranho, falando o zamoriano com um sotaque estrangeiro – Ouvi muitas histórias sobre a torre. Qual é seu segredo?

O camarada não parecia ameaçador; a cerveja e a audiência deixaram o kothiano todo cheio de si.

- O segredo da Torre do Elefante? – exclamou – Ora, qualquer idiota sabe que Yara, o sumo sacerdote, mora lá com uma grande pedra preciosa chamada Coração do Elefante, que é o segredo de sua feitiçaria.

O bárbaro ficou digerindo a informação por algum tempo.

- Eu vi essa torre – disse ele – Ela fica no meio de um grande jardim a um nível acima da cidade, cercada por muros altos. Não vi nenhum guarda. Seria fácil pular o muro. Por que ninguém ainda roubou essa jóia?

O kothiano arregalou os olhos e abriu a boca, pasmo com a simplicidade do outro; em seguida caiu numa gargalhada, e os outros o acompanharam.

- Ouçam este pagão! – vociferou ele – Ele quer roubar a jóias de Yara! Ouçam, camaradas. – disse ele, voltando-se solenemente para o jovem – Suponho que você seja alguma espécie de bárbaro do Norte...

- Sou da Ciméria – respondeu o estrangeiro, num tom nada amistoso. A resposta e a maneira como ela foi dita pouco significavam para o kothiano; de um reino que ficava bem ao sul, nas fronteiras de Shem, ele só ouvia falar vagamente nas raças do norte.

- Então abra os ouvidos e fique esperto, camarada – disse ele, apontando com seu caneco para o jovem desconcertado – Saiba que em Zamora, principalmente nessa cidade, existem mais ladrões destemidos do que em qualquer outro lugar do mundo, mesmo em Koth. Se um mortal pudesse roubar a jóia, tenha a certeza que ela já teria sido roubada há muito tempo. Você fala em pular o muro, mas uma vez tendo pulado, você desejaria imediatamente estar de volta. Não existem guardas no jardim por uma razão muito boa: lá não há guardas humanos, embora na parte baixa da torre, homens armados a vigiem. E, mesmo se você passasse por aqueles que fazem a ronda dos jardins à noite, ainda teria de passar pelos soldados, pois a jóia está guardada em algum lugar, bem lá no alto da torre.

- Mas, se um homem conseguisse passar pelos jardins – argumentava o cimério –, por que não poderia chegar até a jóia pela parte superior da torre, evitando assim os soldados?

Novamente o kothiano ficou pasmado com ele.

- Ouçam este camarada! – gritou ele com escárnio – O bárbaro pensa que é uma águia que pode voar até a borda da torre, que está apenas a quarenta e cinco metros acima do solo, com seus lados arredondados mais lisos que vidro polido!

O cimério olhou ao redor, embaraçado com a trovoada de gargalhadas que a sua observação provocara. Ele não via nada de engraçado nisso, e ainda conhecia pouco da civilização para entender o que era falta de cortesia. Os homens civilizados são mais mal-educados que os selvagens, porque eles sabem que podem faltar com a cortesia sem ter o crânio despedaçado. Ele estava embaraçado e envergonhado e, sem dúvida, teria ido embora, sentindo-se humilhado, mas o kothiano quis continuar a rebaixá-lo.

- Vamos! Vamos! – gritou ele – Diga pra esses pobres camaradas, que são ladrões há muito, mesmo antes de você ter sido gerado, diga pra eles como você pretende roubar a jóia.

- Existe sempre uma maneira, se a vontade estiver associada à coragem – respondeu abruptamente o cimério irritado.

O kothiano resolveu tomar isso como uma afronta pessoal. Seu rosto ficou rubro de raiva.

- O quê? – esbravejou ele – Você ousa nos dizer como devemos proceder e insinua que somos covardes? Suma da minha frente! – esbravejou, empurrando o cimério com violência.

- Você zomba de mim e depois quer pôr as mãos em mim – esquentou-se o bárbaro, pronto para despejar sua fúria; e devolveu o empurrão com um soco que jogou seu ofensor contra a mesa tosca. A cerveja espirrou da boca do tratante, e o kothiano foi desembainhando a espada, trovejando de fúria.

- Cão do inferno! – vociferou ele – Vou arrancar seu coração por isso!

O aço faiscou, e a multidão precipitou-se abrindo caminho. Em sua fuga, eles derrubaram a única vela acesa e a taverna mergulhou na escuridão. Só se ouvia o ruído de bancos caídos, o trotar de pés em fuga, os gritos, as pragas quando trombavam uns com os outros e um grito estridente de agonia que cortou a espelunca como uma faca. Quando acenderam uma vela, a maioria dos fregueses havia desaparecido pela porta e pelas janelas quebradas, e o resto se escondia embaixo das mesas e atrás das pilhas de barris de vinho. O bárbaro se fora; o centro da sala estava deserto, com exceção do corpo ensangüentado do kothiano. O cimério, com seu infalível instinto selvagem, havia matado seu oponente em meio à escuridão e confusão.


Capítulo 2

O cimério deixou para trás as luzes lúgubres e a orgia de bêbados. Ele tinha abandonado a sua túnica rasgada e caminhava seminu pela noite, vestido apenas com uma tanga e calçado com suas sandálias de tiras. Ele se movia com a agilidade de um enorme tigre, com seus músculos retesados sob a pele escura.

Ele havia penetrado na parte da cidade reservada aos templos. De todos os lados, eles refletiam sua brancura à luz das estrelas – pilares de mármore branco como a neve, cúpulas douradas e arcos prateados, santuários dos inúmeros e estranhos deuses zamorianos. Não se preocupava com eles; sabia que a religião de Zamora, como todas as coisas de um povo civilizado e antigo, era muito complicada e tinha perdido a maior parte da essência primordial, numa confusão de fórmulas e de rituais. Ele havia ficado de cócoras durante horas nos pátios dos filósofos, ouvindo as discussões dos teólogos e dos mestres, e acabara confuso e desorientado, certo apenas de uma coisa, isto é, que todos eles eram malucos.

Os deuses dele eram mais simples e compreensíveis; Crom era o chefe, e vivia numa montanha enorme, de onde enviava destruição e morte. Era inútil chamar por Crom, porque ele era um deus sinistro e selvagem, e odiava os fracos. Mas ele dava coragem ao homem por ocasião de seu nascimento, e a vontade e o poder para matar seus inimigos, o que, na cabeça do cimério, era tudo o que se esperava de um deus.

Seus pés calçados não faziam ruído sobre o pavimento reluzente. Nenhuma sentinela passava, pois nem mesmo os ladrões do Marreta invadiam os templos, onde se sabia que maldições estranhas recaíam sobre os violadores. À sua frente, ele vislumbrou a Torre do Elefante, cuja silhueta tenebrosa se destacava no céu. Ele se perguntava por que aquela torre se chamava assim. Ninguém sabia. Jamais havia visto um elefante, mas entendia vagamente que era um animal monstruoso, que tinha uma cauda na frente e outra, pequena, atrás. Quem lhe contara isto fora um shemita nômade, jurando que havia visto milhares desses animais no país dos hirkanianos; mas todos sabiam como eram mentirosos esses homens de Shem. De qualquer forma, não havia elefantes em Zamora.

A torre erguia-se como gelo ao encontro das estrelas. À luz do sol, reluzia de maneira tão estonteante que poucos agüentavam olhar para ela, e os homens diziam que era feita de prata. Era redonda, um cilindro delgado e perfeito, com quarenta e cinco metros de altura, e sua borda incrustada com enormes pedras preciosas brilhava à luz das estrelas. A Torre se erguia entre as exóticas árvores ondulantes de um jardim cultivado bem acima do nível geral da cidade. Um muro alto circundava esse jardim, e fora dos muros havia um nível inferior, também cercado por um muro. Nenhuma luz ardia na Torre; parecia que ela não tinha janelas, ao menos não acima da altura no muro interno. Bem mais acima, somente as pedras preciosas reluziam geladas à luz das estrelas.

Um matagal espesso crescia do lado de fora do muro externo, mais baixo. O cimério arrastou-se furtivamente até a barreira e parou, medindo-a com o olhar. Era alta, mas ele seria capaz de pular e se agarrar na beirada. Depois, seria brincadeira de criança içar-se e pular por cima do muro, e ele não duvidava que pudesse passar pelo muro interior da mesma maneira. Mas Conan hesitava ao pensar sobre os estranhos perigos que se dizia que o aguardariam do lado de dentro. Essas pessoas eram-lhe estranhas e misteriosas; não pertenciam a sua espécie – nem mesmo eram do seu sangue, como os britunianos mais a oeste, os nemédios, os kothianos e os aquilonianos, cujos mistérios civilizados o haviam assombrado no passado. O povo de Zamora era muito antigo e, pelo que tinha visto, muito mau.

Ele pensou em Yara, o sumo sacerdote, que elaborava estranhas destruições nessa torre ornamentada, e os cabelos do cimério se eriçaram quando ele se lembrou de uma história contada por um pajem embriagado da corte zamoriana – de como Yara, rindo na cara de um príncipe hostil, erguera uma pedra preciosa reluzente e maléfica diante dele, e de como essa pedra infernal emitira raios ofuscantes que envolveram o príncipe, que caiu aos berros e se encolheu até virar um montículo seco e enegrecido; depois esse montículo se transformou numa aranha negra que, após correr selvagemente pelo salão, foi terminar esmagada sob o calcanhar de Yara.

Yara não costumava sair de sua torre de feitiços, e sempre que o fazia era para fazer o mal para algum homem ou alguma nação. O rei de Zamora tinha mais medo dele do que da morte, e se mantinha embriagado a maior parte do tempo, porque este medo era tão grande que só podia agüentá-lo neste estado de torpor. Yara era muito velho – tinha séculos de idade, assim diziam os homens, acrescentado que iria viver para sempre por causa do feitiço de sua pedra preciosa, que os homens chamavam de Coração do Elefante; por essa razão, chamaram o seu refúgio de Torre do Elefante.

O cimério, absorto nesses pensamentos, de repente se colou ao muro. Havia alguém caminhando a passos medidos dentro do jardim. Ouviu o tilintar do aço. Então, afinal, havia de fato guardas naquele jardim. O cimério esperou pelos seus passos na ronda seguinte; mas o silêncio se estendia sobre os jardins cheios de mistério.

Finalmente, a curiosidade tomou conta dele. Saltando com leveza, agarrou o muro e se jogou no topo. Deitado sobre a beirada larga, observou o espaço vazio entre os muros, com apenas alguns arbustos cuidadosamente aparados perto do muro interno. A luz das estrelas caía sobre o gramado regular e ouvia-se o borbulhar de uma fonte invisível.

O cimério se abaixou cautelosamente para o lado de dentro e desembainhou a espada, olhando ao redor. Nervoso por estar desprotegido à luz das estrelas, caminhou pé ante pé ao longo da curva do muro, tateando, até se aproximar dos arbustos que havia notado antes. Então, correu agachado em sua direção e quase atropelou um vulto deitado à beira dos arbustos.

Uma rápida olhada à direita e à esquerda não revelou nenhum inimigo – pelo menos à vista – e ele se curvou para investigar. Seus olhos vivos, mesmo na penumbra, mostraram-lhe um homem robusto vestido com a armadura prateada e com o capacete em pontas da guarda real de Zamora. Um escudo e uma lança jaziam a seu lado, e num instante percebeu que o homem havia sido estrangulado. O bárbaro olhou ao redor, indeciso. Ele sabia que o homem devia ser o guarda que ele havia escutado passar por seu esconderijo ao lado do muro. Nesse curto intervalo, mãos desconhecidas haviam estrangulado o soldado.

Forçando os olhos na penumbra, viu um indício de movimento nos arbustos perto do muro. Mergulhou naquela direção, segurando a espada com força. Não fez mais ruído do que uma pantera esgueirando-se pela noite e, no entanto, o homem que ele estava espreitando o ouvira. O cimério sentiu alívio ao perceber que pelo menos era um ser humano; em seguida, num sobressalto de pânico, o camarada deu um rápido giro, fez menção de se lançar para a frente, as mãos cerradas, mas quando a lâmina do cimério reluziu à luz das estrelas, recuou. Por um tenso instante nenhum deles falou, os dois prontos para qualquer coisa.

- Você não é soldado! – sibilou o estranho finalmente – É um ladrão como eu.

- E quem é você? – perguntou o cimério, num sussurro cheio de suspeitas.

- Taurus da Nemédia.

O cimério abaixou sua espada.

- Já ouvi falar de você. Chamam-no de Príncipe dos Ladrões.

Uma risada baixa foi a resposta. Taurus era tão alto como o cimério, porém mais pesado; gordo, tinha o ventre grande, mas cada movimento seu era imbuído de um sutil magnetismo dinâmico, que se refletia em seus olhos penetrantes e brilhantes, cheios de vitalidade. Ele estava descalço e carregava um rolo que parecia uma corda fina e forte, com nós amarrados a intervalos regulares.

- Quem é você? – sussurrou ele.

- Conan, da Ciméria – respondeu o outro – Estou procurando uma maneira de roubar a jóia de Yara, que os homens chamam de Coração do Elefante.

Conan percebeu que o ventre enorme do homem se sacudiu com o riso, mas não era um riso de desprezo.

- Por Bel, deus dos ladrões! – sussurrou Taurus – Pensei que somente eu tivesse a coragem de tentar essa façanha. Esses zamorianos se denominam ladrões... bah! Conan, gosto de sua audácia. Eu nunca compartilhei uma aventura com alguém; mas, por Bel, tentaremos isso juntos, se você quiser.

- Então você também está atrás da jóia?

- Que lhe parece? Planejei tudo durante meses; mas você, meu amigo, acho que agiu por impulso.

- Você matou o soldado?

- É claro. Passei pelo muro quando ele estava do outro lado do jardim. Escondi-me nos arbustos; ele me ouviu, ou pensou que tivesse ouvido alguma coisa. Quando veio procurando, não foi difícil esgueirar-me atrás dele e agarrar de repente seu pescoço para estrangulá-lo. Ele estava como a maioria dos homens, meio cego na escuridão. Um bom ladrão deve ter os olhos de um gato.

- Você cometeu um único erro – disse Conan.

Os olhos de Taurus faiscaram.

- Eu? Eu, um erro? Impossível!

- Você devia ter arrastado o corpo para dentro dos arbustos.

- Disse o aprendiz ao mestre da arte. Eles só trocarão a guarda depois da meia-noite. Se alguém vier à sua procura agora e encontrar o corpo, irá correndo avisar Yara, e assim teremos tempo para fugir. Se não o encontrassem, iriam bater nos arbustos e nos apanhariam como ratos numa ratoeira.

- Você tem razão – concordou Conan.

- Então. Agora preste atenção. Estamos perdendo tempo com essa maldita discussão. Não há guardas no jardim interno, guardas humanos, quero dizer, embora haja sentinelas ainda mais mortíferas. Foi isso que me barrou tanto tempo, mas finalmente descobri uma maneira de dominá-las.

- E os soldados na parte inferior da torre?

- O velho Yara mora nos aposentos superiores. É por aquele caminho que iremos, e voltaremos, assim espero. Não se preocupe em me perguntar como. Eu arrumei um jeito. Vamos nos esgueirar pelo topo da torre e estrangular o velho Yara antes que ele possa lançar um de seus malditos feitiços sobre nós. Pelo menos vamos tentar; é o risco de sermos transformados numa aranha ou num sapo, contra a riqueza e o poder do mundo. Todos os bons ladrões devem saber se arriscar.

- Eu irei até onde um homem pode ir – disse Conan, tirando as sandálias.

- Então, siga-me – e, voltando-se, Taurus saltou para cima, agarrou o muro e subiu. A agilidade do homem era espantosa, considerando o seu tamanho; ele parecia quase deslizar por cima da beirada do muro. Conan o seguiu e, deitados sobre o topo largo, falaram por sussurros.

- Não vejo luz alguma – murmurou Conan. A parte inferior da torre parecia-se muito com aquela porção visível do lado de fora do muro – É um perfeito cilindro reluzente, sem nenhuma abertura visível.

- Existem portas e janelas disfarçadas – respondeu Taurus –, mas estão fechadas. Os soldados respiram o ar que vem de cima.

O jardim era uma poça nebulosa de sombras, onde arbustos fofos e árvores baixas e frondosas acenavam à luz das estrelas. A alma cansada de Conan sentia a ameaça que espreitava no jardim. Ele sentia a presença de olhos invisíveis queimando na escuridão e percebeu um cheiro sutil que eriçou seus cabelos instintivamente como o cheiro de um velho inimigo eriça o pêlo de um cão de caça.

- Siga-me – sussurrou Taurus – Fique atrás de mim, se dá valor a vida.

Tirando do seu cinto algo que se parecia com um tubo de cobre, o nemédio andou pé ante pé até o gramado do lado de dentro do muro. Conan o seguia de perto, a espada de prontidão, mas Taurus empurrou-o para trás, para perto do muro, e não mostrou nenhuma tendência em avançar. Sua atitude toda era de tensa expectativa, e seu olhar, assim como o de Conan, estava fixo na massa sombria dos arbustos a alguns passos dali. Esses arbustos se mexiam, embora a brisa tivesse parado de soprar. Então, dois olhos enormes faiscaram das sombras ondulantes e, atrás deles, outras línguas de fogo brilharam na escuridão.

- Leões! – murmurou Conan.

- Sim. De dia, eles são guardados nas cavernas subterrâneas abaixo da torre. É por isso que não há guardas humanos nesse jardim.

Conan contou rapidamente os olhos

- Cinco à vista; talvez mais deles atrás dos arbustos. Eles vão atacar num minuto...

- Fique quieto! – sibilou Taurus, e desprendendo-se do muro, cautelosamente, como se estivesse caminhando em cima de navalhas, ergueu o tubo delgado. Ouviram-se grunhidos baixos nas sombras, e os olhos chamejantes se adiantaram. Conan podia ver as enormes mandíbulas salivantes, as caudas com tufos na ponta batendo nos flancos escuros. A tensão aumentava – o cimério agarrou sua espada, esperando o ataque daqueles corpos gigantescos. Então Taurus soprou o tubo com força. Um longo jato de pó amarelado saiu do outro lado do tubo e se transformou instantaneamente numa espessa nuvem verde-amarelada que se instalou sobre os arbustos, escondendo os olhos faiscantes.

Taurus voltou correndo até o muro. Conan olhava sem entender. A nuvem espessa escondia os arbustos, e de lá não vinha som algum.

- O que é esta névoa? – perguntou o cimério, hesitante.

- Morte! – sibilou o nemédio – Se um vento soprá-la em cima de nós, devemos fugir o mais depressa que pudermos para o outro lado do muro. Mas não, o vento está parado, e agora a névoa está se dissipando. Espere até que desapareça por completo. Respirar isto é morte certa.

No momento, restavam apenas alguns resíduos amarelados suspensos no ar como fantasmas; em seguida desapareceram, e Taurus impeliu seu companheiro para a frente. Eles se esgueiraram em direção aos arbustos, e Conan parou estupefato. Cinco enormes vultos marrons estavam estendidos nas sombras; o fogo de seus olhos sinistros estava apagado para sempre. Um cheiro adocicado, enjoativo, ainda pairava no ar.

- Eles morreram sem fazer ruído algum! – murmurou o cimério – Taurus, o que era aquele pó?

- Era feito do lótus negro, cujas flores crescem nas selvas perdidas de Khitai, onde moram apenas os sacerdotes de crânio amarelo de Yun. Essas flores matam quem as cheirar.

Conan ajoelhou-se ao lado das enormes formas, certificando-se que estavam realmente inofensivas. Ele sacudia a cabeça; a magia das terras exóticas era misteriosa e terrível para o bárbaro vindo do norte.

- Por que você não mata os soldados da torre da mesma maneira? – perguntou ele.

- Porque era tudo o que eu tinha. Obter esse pó foi uma façanha que por si só me tornou famoso entre os ladrões do mundo. Eu o roubei de uma caravana que se dirigia para a Stygia; estava num saco de tecido dourado, guardado por uma enorme serpente. E consegui tirá-lo sem despertá-la. Mas venha, em nome de Bel! Vamos desperdiçar a noite discutindo?

Eles deslizaram pelos arbustos até o pé da torre reluzente, e ali, com um gesto pedindo silêncio, Taurus desenrolou sua corda de nós, que tinha em uma das extremidades um forte gancho de aço. Conan percebeu seu plano e não fez perguntas, enquanto o nemédio agarrava a corda um pouco abaixo do gancho e começava a girá-la acima da cabeça. Conan colou o ouvido no muro liso, mas não ouvia nada. Evidentemente os soldados que estavam dentro não suspeitavam da presença de invasores, que não faziam mais barulho do que o vento noturno soprando entre as árvores. Mas um nervosismo estranho tomou conta do bárbaro; talvez fosse o cheiro de leão que predominava no local.

Taurus jogou a corda com um movimento poderoso e suave de seu braço musculoso. O gancho curvou-se pra cima e para dentro, de uma maneira peculiar, difícil de descrever, e desapareceu por cima da borda ornamentada. Aparentemente, se firmou bem, pois os puxões vigorosos não o tiraram do lugar.

- Sorte no primeiro arremesso! – murmurou Taurus – Eu...

Foi o instinto selvagem de Conan que o fez girar abruptamente; pois a morte que estava sobre eles aproximara-se em total silêncio. Um relance instantâneo mostrou ao cimério a gigantesca forma escura, erguendo-se contra as estrelas, prestes a desferir o golpe mortal. Nenhum homem civilizado poderia ter se movido com a metade da rapidez do bárbaro. Sua espada relampejou como gelo à luz das estrelas, impulsionada por cada grama de nervos e músculos desesperados, e homem e animal caíram juntos.

Praguejando incoerentemente, Taurus curvou-se sobre a massa e viu seu companheiro debater-se, tentando se livrar do enorme peso que o esmagava. Num relance, o nemédio espantado viu que o leão estava morto, com o crânio despedaçado. Ele agarrou a carcaça e, com sua ajuda, Conan rastejou para o lado e se ergueu, ainda agarrando sua espada gotejante.

- Você está ferido? – arfou Taurus, ainda confuso com a estonteante rapidez do episódio.

- Não, por Crom! – respondeu o bárbaro – Mas foi por um triz. Por que esse maldito animal não rugiu quando nos atacou?

- Todas as coisas neste jardim são estranhas. – disse Taurus – Os leões atacam silenciosamente, assim como outras mortes. Vamos, houve pouco barulho nessa matança, mas os soldados podem ter ouvido, se não estiverem dormindo ou embriagados. Esse animal estava em algum outro lugar do jardim e escapou da morte causada pelo veneno, mas certamente não há mais leões. Devemos subir por essa corda; não preciso perguntar a um cimério se ele consegue.

- Se ela agüentar o meu peso – grunhiu Conan, limpando sua espada na grama.

- Ela agüenta três vezes o meu – respondeu Taurus – Foi tecida com tranças de mulheres mortas, roubadas de seus túmulos à noite. Para torná-la ainda mais forte, eu a mergulhei no vinho mortífero das árvores upas. Eu vou primeiro, me siga de perto.

O nemédio agarrou a corda e, apoiando o joelho numa laçada, começou a subida; ele subia como um gato, compensando seu corpo aparentemente desajeitado. O cimério o seguiu. A corda balançava e girava em torno de si mesma, mas os dois não se deixaram intimidar; ambos já haviam realizado escaladas muito mais difíceis. A borda ornada projetava-se perpendicularmente ao muro, de maneira que a corda pendia talvez a uma distância de meio metro do lado da torre, fato que facilitava enormemente a subida.

Enquanto os dois subiam silenciosamente, as luzes da cidade foram se afastando mais e mais, as estrelas acima deles iam ficando cada vez mais ofuscadas pelo brilho das jóias ao longo da borda. Então, Taurus alcançou-a com a mão, içando-se para cima. Conan se deteve por um momento na beirada, fascinado com as enormes pedras preciosas cujo brilho gelado ofuscava seus olhos – diamantes, rubis, esmeraldas, safiras, turquesas, opalas, incrustadas como estrelas na prata reluzente. Ao longe, seus reflexos diferentes pareciam fundir-se num único brilho branco pulsante; mas agora, de perto, elas brilhavam com um milhão de tons espectro, hipnotizando-o com suas cintilações.

- Aqui há uma fortuna fabulosa, Taurus – sussurrou ele.

Mas o nemédio respondeu impaciente:

- Vamos! Se conseguirmos o Coração, essas e todas as outras coisas serão nossas.

Conan passou por cima da beirada reluzente. O nível do topo da torre estava alguns metros abaixo da beirada ornamentada. Era liso, composto de alguma substância azul-escura, incrustada do ouro que refletia a luz das estrelas, de maneira que o topo se parecia com uma enorme safira salpicada com pó de ouro. Do outro lado, por onde eles haviam entrado, havia uma espécie de sala construída sobre o telhado. Era de um material prateado, semelhante ao das paredes da torre, adornada com desenhos trabalhados em pedras menores; sua única porta era de ouro, com a superfície recortada em escamas e incrustada com pedras preciosas que reluziam como gelo.

Conan lançou um olhar no oceano pulsante de luzes que se estendia abaixo deles, e em seguida olhou para Taurus. O nemédio recolhia e enrolava a corda. Ele mostrou a Conan onde o gancho havia se fixado. Uma fração de centímetro da ponta havia se enterrado sob uma enorme pedra preciosa do lado de dentro da borda.

- A sorte estava de novo do nosso lado – murmurou ele – Nosso peso poderia ter arrancado esta pedra. Siga-me; os verdadeiros riscos da aventura começam agora. Estamos na toca da serpente, e não sabemos onde ela está escondida.

Arrastaram-se como tigres pelo chão escuro e pararam diante da porta de ouro. Com toda a cautela, Taurus tentou abri-la. Ela cedeu sem oferecer resistência alguma, e os companheiros espiaram para dentro, tensos, esperando por qualquer coisa. Por cima do ombro do nemédio, Conan viu uma câmara reluzente, as paredes, o teto e o chão na qual se incrustavam enormes pedras brancas, que pareciam ser sua única iluminação. Não se via ser vivo algum.

- Antes de cortar nossa única via de retirada – sussurrou Taurus –, vá até a borda e olhe em todas as direções; se avistar um soldado nos jardins, ou qualquer coisa suspeita, volte e me avise. Vou esperar por você nesta sala.

Conan não viu razão alguma para fazer isto, e uma leve suspeita de seu companheiro tocou sua alma cansada, mas ele fez o que Taurus pedira. Quando saiu, o nemédio deslizou para dentro e fechou a porta. Conan rastejou por toda a volta da borda da torre, voltando para o ponto de início sem ter visto nenhum movimento suspeito no mar ondulante de folhas embaixo. Voltou para a porta – de repente, dentro da sala, ouviu-se um grito estrangulado.

O cimério saltou para a frente, eletrificado. A porta reluzente abriu-se, e lá estava Taurus, emoldurado pelo frio esplendor às suas costas. Ele cambaleou e entreabriu os lábios, mas somente um engasgo seco saiu de sua garganta. Agarrando-se à porta dourada, ele precipitou-se para o telhado e em seguida caiu de cabeça, apertando a garganta. A porta se fechou atrás dele.

Conan, agachando-se como uma pantera à espreita, nada viu na sala atrás do nemédio atingido, durante o breve instante em que a porta ficou entreaberta – a não ser por um truque de luz que fez parecer como se uma sombra passasse pelo chão reluzente. Nada seguiu Taurus até o telhado, e Conan curvou-se sobre o homem.

O nemédio estava de olhos arregalados, as pupilas dilatadas, cheias de confusão e espanto. Suas mãos apertavam a garganta, os lábios tremiam e balbuciavam algo incompreensível; em seguida, ele ficou inerte, e o espantado cimério percebeu que Taurus estava morto, sem saber o que o havia atingido. Conan fixou os olhos na misteriosa porta dourada. Naquela sala vazia, com suas reluzentes paredes ornadas de jóias, a morte havia alcançado o príncipe dos ladrões tão rápida e misteriosamente quanto ele havia matado os leões no jardim abaixo.

Hesitante, o bárbaro passou as mãos sobre o corpo seminu do homem, procurando uma ferida. Mas as únicas marcas de violência que encontrou entre os ombros, perto da base de seu pescoço taurino, foram três pequenas feridas, que pareciam ter sido feitas por três unhas enterradas na carne. A pele em volta dessas feridas estava enegrecida, e exalava um leve cheiro de putrefação. Dados envenenados? – pensou Conan. Mas nesse caso, eles ainda deveriam estar nos ferimentos.

Cautelosamente, ele se esgueirou em direção à porta dourada, empurrou-a e espiou para dentro. A sala estava vazia, banhada pela luz pulsante e fria de milhares de pedras preciosas. No centro do teto havia um desenho esquisito, um padrão octogonal em preto, no centro do qual havia quatro pedras preciosas que emitiam uma chama vermelha diferente do brilho branco das outras pedras. Do outro lado do quarto havia outra porta, semelhante àquela onde ele estava, mas não estava esculpida em escamas. Foi por aquela porta que a morte havia surgido? E, uma vez tendo atingido sua vítima, voltara pelo mesmo caminho?

Fechando a porta atrás de si, o cimério avançou pela câmara. Seus pés descalços não faziam ruído sobre o chão de cristal. Não havia cadeiras nem mesas, somente três ou quatro divãs de seda, com estranhos desenhos bordados a ouro, e vários baús de mogno emoldurados com prata. Alguns estavam trancados com pesados cadeados de ouro; outros estavam abertos, com suas tampas entalhadas caídas para trás, revelando montes de jóias numa confusão de esplendor aos olhos espantados do cimério. Conan praguejou; ele já havia visto mais riqueza naquela noite do que jamais sonhara existir no mundo inteiro, e ficou tonto, de pensar no valor da jóia que estava procurando.

Agora ele estava no centro do quarto, caminhando inclinado para a frente, a cabeça erguida, e a espada de prontidão, quando de novo, a morte atacou em silêncio. Uma sombra esvoaçante que varreu o chão polido foi o único aviso, e o salto instintivo para o lado foi o que salvou sua vida. Ele viu de relance um terror negro e peludo que passou por ele com um barulho de presas mortíferas, e algo que queimava como gotas de fogo infernal caiu em cima de seu ombro nu. Pulando para trás com a espada erguida, ele viu o terror bater no chão, girar e lançar-se contra ele com uma rapidez incrível. Era uma gigantesca aranha negra, igual ao que se vê apenas em pesadelos.

Era do tamanho de um porco, e suas oito patas grossas e peludas carregavam seu corpo repulsivo com a cabeça na frente; seus quatro olhos maldosos brilhavam com uma terrível inteligência, e de suas presas gotejava o veneno que Conan sabia, pela queimação em seu ombro, estar carregado de morte instantânea. Este era o assassino que havia se precipitado da teia pendurada no meio do teto sobre o pescoço do nemédio. Tolos foram eles por não terem suspeitado que as câmaras superiores estariam tão bem guardadas quanto as inferiores!

Esses pensamentos passaram de relance pela mente de Conan, enquanto o monstro avançava. Ele pulou para o alto e o monstro passou por baixo dele, girou e atacou novamente. Dessa vez, ele também evitou o ataque, pulando para o lado e defendendo-se como um gato. Sua espada decepou uma das pernas peludas, e novamente ele se salvou por um triz do ataque do monstro, que o ameaçava com as presas estalando diabolicamente. Mas a criatura não voltou a atacar; deu-lhe as costas, passou correndo pelo chão de cristal e subiu pela parede até o teto, de onde, por alguns instantes, ficou estudando-o com seus diabólicos olhos vermelhos. Em seguida, sem aviso, lançou-se pelo espaço, soltando um fio cinzento e pegajoso.

Conan recuou, evitando o impacto do corpo; em seguida abaixou-se desesperadamente, a tempo de escapar de ser aprisionado pelo fio de teia. Ele viu a intenção do monstro e pulou em direção à porta, mas esse foi mais rápido, e um fio pegajoso lançado contra a saída aprisionou-o. Ele não ousava cortá-lo com sua espada, pois sabia que o fio grudaria na lâmina; e, antes de conseguir livrá-la, o inimigo estaria enterrando as presas nas suas costas.

Então, começou um jogo desesperado, com a astúcia e a rapidez do homem contra a arte e rapidez diabólicas da aranha gigantesca. A aranha já não mais desferia ataques diretos correndo pelo chão, nem lançava-se pelo espaço em sua direção. Ela corria pelo teto e pelas paredes, tentando prendê-lo nos fios gosmentos que lançava com precisão diabólica. Esses fios tinham a grossura de uma corda, e Conan sabia que uma vez enrolados nele, sua força desesperada não seria suficiente para rompê-los antes que o monstro voltasse a atacar.

Essa dança macabra ocupava o espaço inteiro da sala, no mais completo silêncio, quebrado apenas pela respiração ofegante do homem, o arrastar de seus pés descalços sobre o chão reluzente, e o tinido das presas do monstro. Os fios cinzentos caíam em rolos sobre o chão, com a ponta presa na parede; cobriam os baús de jóias e os divãs de seda; e pendiam como festões sombrios no teto ornamentado. A rapidez do olhar agudo e dos músculos de Conan, o mantinham incólume, embora os anéis pegajosos passassem tão próximo dele que chegavam a raspar na sua cabeleira desprotegida. Ele sabia que não seria capaz de evitá-los todos; tinha de ficar atento não apenas nos fios pendurados no teto, mas também no chão, para não tropeçar nos laços espalhados por ali. Mais cedo ou mais tarde, um laço grudento iria envolvê-lo como um abraço de jibóia, e assim, enrolado como um casulo, ele estaria à mercê do monstro.

A aranha correu pelo chão da sala, agitando a corda cinzenta atrás de si. Conan pulou para cima e o monstro, com um rápido giro, correu parede acima, e o fio, saltando do chão como se estivesse vivo, enrolou-se em volta do tornozelo do cimério. Ele se apoiou nos braços ao cair, debatendo-se freneticamente para se livrar da teia. O demônio peludo estava descendo a parede para completar a sua captura. Em seu desespero, Conan agarrou um baú de jóias e arremessou-o com toda a sua força contra o monstro. Não era um movimento pelo qual o bicho esperasse. Acertando bem no meio da aranha, esmagou-a contra a parede com um ruído abafado e enjoativo, espirrando sangue e uma substância viscosa esverdeada. O corpo negro esmagado caiu entre o brilho chamejante de jóias que se esparramaram sobre ele; as pernas peludas se agitavam sem objetivo, os olhos vermelhos moribundos brilhavam entre as faiscantes pedras preciosas.

Conan olhou à sua volta, mas nenhum outro terror apareceu, e ele se pôs a tentar livrar-se da teia. A substância grudava tenazmente no tornozelo e nas mãos, mas finalmente ele se libertou e, tomando a espada, esgueirou-se entre os fios e rolos cinzentos até a porta interna. Que horror se esconderia lá dentro ele não sabia. O sangue do cimério estava quente, e já que ele tinha chegado tão longe e vencido tantos perigos, estava decidido a ir até o fim da horrível aventura, qualquer que fosse. E sentia que a jóia que procurava não estava entre as que se espalhavam pela sala reluzente.

Tirando os laços que emaranhavam a porta interna, ele descobriu que, assim como a outra, essa também não estava trancada. Ele se perguntava se os soldados lá embaixo ainda não tinham percebido a sua presença. Bom, ele estava bem acima de suas cabeças, e se as histórias deviam ser acreditadas, os soldados estavam acostumados a ruídos estranhos no alto da torre; sons sinistros e gritos de agonia e terror.

Yara ocupava seus pensamentos, e Conan não estava nem um pouco confortável quando abriu a porta dourada. Mas havia apenas uma escada de degraus prateados que conduzia para baixo, precariamente iluminada de uma maneira que ele não conseguia descobrir. Desceu silenciosamente, espada em punho. Não havia ruído algum; chegou até uma porta de marfim, incrustada com hematitas. Tentou ouvir alguma coisa, mas nenhum som vinha do lado de dentro; somente tênues tufos de fumaça se esticavam preguiçosamente por debaixo da porta, exalando um odor exótico, desconhecido ao cimério. Abaixo dele, a escada de prata serpenteava para baixo, desaparecendo na penumbra, e nenhum som vinha daquele poço sombrio. Conan tinha um pressentimento sinistro de que estava sozinho numa torre ocupada somente por fantasmas e assombrações.


Capítulo 3


Cautelosamente, ele empurrou a porta de marfim, que abriu-se silenciosamente. Na reluzente soleira, Conan olhava como um lobo num ambiente estranho, pronto para lutar ou fugir. Era uma grande sala com um teto em abóbada dourada; as paredes eram de jade verde, o chão, de marfim, parcialmente coberto por tapetes espessos. Fumaça e um exótico cheiro de incenso saíam do braseiro apoiado sobre um tripé de ouro, atrás do qual estava sentado um ídolo sobre uma espécie de divã de mármore. Conan olhava estupefato; a imagem tinha o corpo de um homem nu, de cor verde; mas a cabeça era feita de algum pesadelo e loucura. Era grande demais para o corpo humano; não tinha atributos humanos. Conan olhava as grandes orelhas de abano, o nariz enrolado, ladeado por dois chifres brancos com bolas de ouro na ponta. Os olhos estavam fechados, como se a figura estivesse dormindo.

Era essa então a razão do nome Torre do Elefante, pois a cabeça da coisa era muito semelhante às dos animais descritos pelo nômade shemita. Esse era o deus de Yara; onde mais poderia estar a jóia a não ser escondida dentro do ídolo, já que a pedra era chamada de Coração do Elefante?

Quando Conan se aproximou, com os olhos fixos no ídolo imóvel, os olhos da coisa se abriram abruptamente! O cimério ficou paralisado. Não era uma imagem, era um ser vivo, e ele estava encurralado em sua câmara!

O fato de que ele não explodiu no mesmo instante num acesso de frenesi assassino demonstrava o tamanho de seu terror, que o mantinha grudado ao chão. Numa condição dessas, um homem civilizado iria se refugiar na conclusão de estar louco; ao cimério, porém, não ocorreu duvidar de sua sanidade. Ele sabia estar face a face com um demônio do Mundo Antigo, constatação essa que lhe embotou todos os sentidos com exceção da visão.

A tromba da criatura estava erguida interrogativamente, os olhos de topázio fitavam sem ver, e Conan percebeu que o monstro era cego. Com este pensamento, seus nervos congelados se amoleceram, e ele começou a recuar silenciosamente em direção à porta. Mas a criatura ouviu. A tromba sensível se esticou em sua direção, e o terror de Conan o paralisou novamente quando o ser falou, numa voz estranha, trêmula que jamais modificava o tom ou o timbre. O cimério sabia que aquelas mandíbulas não tinham sido feitas para a fala humana.

- Quem está aí? Você veio para me torturar de novo, Yara? Você jamais fica satisfeito? Ó, Yag-Kosha, quando essa agonia terá fim?

Lágrimas rolavam dos olhos cegos da criatura; Conan deteve seu olhar nos membros estendidos sobre o divã de mármore. E percebeu que o monstro não seria capaz de se levantar para atacá-lo. Ele conhecia as marcas da roda de tortura e as cicatrizes do fogo, e por mais que fosse impiedoso, ficou horrorizado com as deformações daqueles que outrora foram membros tão graciosos como os dele próprio. E, de repente, todo o medo e repulsa foram substituídos por uma grande pena. Conan não podia saber o que era esse monstro, mas as evidências de seus sofrimentos eram tão terríveis e patéticas que uma estranha tristeza tomou conta do cimério, sem ele saber por quê. Apenas sentia que estava olhando para uma tragédia cósmica, e encolheu-se de vergonha, como se a culpa de uma raça inteira estivesse sobre os seus ombros.

- Eu não sou Yara – disse ele – Sou apenas um ladrão. Não vou machucá-lo.

- Aproxime-se para que eu possa tocá-lo – implorou a criatura, e Conan se aproximou sem medo, com a espada esquecida na mão. A tromba sensível estendeu-se e apalpou seu rosto e seus ombros, tateando como um cego; um toque leve como o de uma menina.

- Você não pertence à raça diabólica de Yara – suspirou a criatura – Você traz as marcas dos desertos limpos e selvagens. Conheço o seu povo desde um tempo antigo, quando era chamado por outro nome, quando outro mundo erguia seus pináculos ornados para as estrelas... Há sangue em seus dedos.

- Uma aranha na câmara de cima e um leão no jardim – murmurou Conan.

- Você também matou um homem esta noite – respondeu o outro – E há morte no alto da torre. Eu sinto; eu sei.

- Sim – murmurou Conan – O Príncipe dos Ladrões jaz lá em cima, morto pela mordida da aranha.

- Então, então! – a estranha voz não humana elevou-se numa espécie de canto monótono – Uma morte na taverna... uma morte no telhado, eu sei; eu sinto. E a terceira fará a magia que nem mesmo Yara sonha: a magia da libertação, ó deuses verdes de Yag!

Novamente as lágrimas rolaram, enquanto o corpo torturado era embalado por diversas emoções. Conan observava, confuso.

Então as convulsões cresceram; os olhos meigos e cegos voltaram-se para o cimério, a tromba acenou.

- Escute, humano – disse a criatura estranha – Sei que sou repulsivo e monstruoso para você, não é? Não, não precisa responder; eu sei. Mas você também seria para mim, seu eu pudesse vê-lo. Existem incontáveis mundos além dessa Terra e a vida neles assume muitas formas. Eu não sou nem deus nem demônio, mas um ser de carne e osso como você, embora a substância seja em parte diferente e a minha forma tenha sido fundida em outro molde.

“Sou muito velho, ó homem dos países desertos; eras atrás, eu vim para este planeta junto com outros do meu mundo, de um planeta verde chamado Yag, que gira eternamente na orla desse universo. Viemos voando pelo espaço com asas poderosas que nos levaram pelo cosmo mais rápido que a luz, porque fomos banidos depois da derrota numa guerra contra os reis de Yag. Mas jamais pudemos voltar, pois, na Terra, as nossas asas murcharam. Aqui, vivíamos separados da vida terrestre. Lutamos com as estranhas e terríveis formas de vida que andavam pela Terra então, de maneira que nos tornamos temidos e não éramos molestados nas florestas escuras do Oriente onde morávamos.

“Vimos os homens evoluírem dos macacos e construírem as reluzentes cidades de Valúsia, Kamelia, Commoria e suas irmãs. Vimos como elas tremeram por causa dos ataques dos atlantes, pictos e lemurianos pagãos. Vimos os oceanos se erguerem e tragarem a Atlântida e a Lemúria, as ilhas dos pictos e as reluzentes cidades civilizadas. Vimos os sobreviventes de Pictdom e da Atlântida construírem seu império da idade da pedra, para depois caírem na ruína, envolvidos em guerras sangrentas. Vimos os pictos afundarem no abismo da selvageria, os atlantes voltarem ao estado simiesco. Vimos novas levas de migrações de selvagens rumo ao sul, vindas do Círculo Ártico, para construir uma nova civilização, com novos reinos chamados Nemédia, Koth, Aquilônia e suas irmãs. Vimos o seu povo ascender dos atlantes, que regrediram ao nível dos macacos. Vimos os descendentes dos lemurianos, que haviam sobrevivido ao cataclismo, surgirem de novo como selvagens que migraram para o oeste, com o nome de hirkanianos. E vimos essa raça de demônios, sobreviventes de uma antiga civilização que existia antes da submersão da Atlântida, adquirir de novo a cultura e o poder, que é este maldito reino de Zamora.

“E isso nós vimos, sem ajudar nem atrapalhar o cumprimento da imutável Lei Cósmica, e fomos morrendo um após o outro; pois nós, de Yag, não somos imortais, embora a nossa vida seja longa como a vida dos planetas e das constelações. Por fim somente eu restei, sonhando com os tempos antigos entre os templos em ruínas de Khitai perdido nas florestas, adorado como um deus pela ancestral raça de pele amarela. Então veio Yara, versado no conhecimento oculto transmitido desde os dias da barbárie, desde antes da submersão da Atlântida.

“De início, ele se sentava a meus pés e aprendia sabedoria comigo. Mas não ficava satisfeito com o que eu lhe ensinava, pois era magia branca, e ele queria a sabedoria do mal para escravizar soberanos e satisfazer suas diabólicas satisfações. Eu jamais lhe ensinaria por vontade própria, os negros segredos que aprendi involuntariamente, sem procurá-los.

“Mas ele sabia mais do que eu imaginara; com a maldade obtida entre as tumbas sombrias da escura Stygia, ele me obrigou a lhe passar um segredo que eu não pretendia desvelar; e, voltando meu próprio poder contra mim, ele me escravizou. Ah, deuses de Yag, minha taça tem sido amarga desde aquela hora!

“Ele me tirou das floretas perdidas de Khitai, onde macacos cinzentos dançavam ao som das flautas dos sacerdotes amarelos, e oferendas de frutas e de vinhos abarrotavam meus altares quebrados. Eu não era mais um deus para o bondoso povo das florestas... eu era o escravo de um demônio em forma humana”.

Novamente, lágrimas surgiram nos olhos cegos da criatura.

- Ele me aprisionou nessa torre que, sob seu comando, eu construí em apenas uma noite. Dominou-me pelo fogo e pela roda da tortura, e por outras torturas tão estranhas e extraterrenas que você jamais entenderia. Há muito eu teria acabado com minha vida, se pudesse, mas ele me mantém vivo, aleijado, cego e mutilado – para obedecer às suas ordens nojentas. E durante trezentos anos, eu obedeci às suas ordens, sentado neste divã de mármore, denegrindo minha alma com pecados cósmicos e manchando minha sabedoria com crimes, porque não tinha outra escolha. No entanto, nem todos os antigos segredos ele conseguiu arrancar de mim, e meu último ato será o feitiço do Sangue e da Jóia.

“Pois sinto que o fim se aproxima. E você é a mão do Destino. Eu lhe peço, pegue a gema sobre aquele altar”.

Conan voltou-se para o altar de ouro e marfim indicado, e pegou uma grande pedra redonda e escarlate, límpida como um cristal; e reconheceu que era o Coração do Elefante.

- Por fim, chegou a hora da mais poderosa magia jamais vista até hoje, e que jamais será vista no futuro, por milhares e milhares de milênios. Pelo sangue de minha vida, eu o conjuro, pelo sangue nascido no peito verde de Yag sonhando suspenso na imensidão azul do Espaço.

“Pegue sua espada, humano, e arranque meu coração; em seguida esprema-o deixando o sangue escorrer sobre a pedra vermelha. Desça as escadas e entre na câmara de ébano onde Yara está sentado, envolto nos sonhos malignos do lótus. Pronuncie seu nome e ele acordará. Então coloque esta jóia diante dele, e diga: “Yag-Kosha lhe dá um último presente e um último encantamento”. Em seguida, saia rapidamente da torre; não tenha medo, seu caminho estará livre. A vida humana não é igual à vida de Yag, nem a morte humana é igual à morte de Yag. Deixe-me ficar livre dessa prisão de carne alquebrada e cega, e eu serei mais uma vez Yogah de Yag, coroado pela manhã, reluzente, com asas para voar, pés para dançar, olhos para ver e mãos para tocar”.

Conan se aproximou indeciso, e Yag-Kosha, ou Yogah, sentindo sua indecisão, indicou onde ele deveria desferir o golpe. Conan cerrou os dentes e enfiou fundo a espada. O sangue espirrou na lâmina e nas mãos de Conan, o monstro debateu-se em convulsões e depois caiu imóvel para trás. Certificando-se que a vida o tinha deixado, pelo menos a vida como ele a entendia, Conan se pôs a executar a macabra tarefa e rapidamente retirou e rapidamente retirou algo que achava ser o coração da estranha criatura, embora esse fosse diferente de qualquer outro que já tinha visto. Segurando o órgão ainda pulsante sobre a jóia reluzente, ele o espremeu com ambas as mãos, e um jorro de sangue caiu sobre a pedra. Para a sua surpresa, o sangue não escorreu por fora, mas foi absorvido pela pedra como se fosse uma esponja.

Segurando hesitante a jóia, ele saiu da câmara fantástica e chegou até os degraus de prata. Não olhou para trás; instintivamente, ele sentia que estava acontecendo algum tipo de transmutação no corpo estendido sobre o divã de mármore, e sentia também que era do tipo que não devia ser testemunhada por olhos humanos.

Conan fechou a porta de marfim atrás de si e aí, sem hesitar desceu os degraus de prata. Não lhe ocorreu ignorar as instruções que lhe foram dadas. Parou na porta de ébano, no centro da qual havia uma caveira de prata esboçando um sorriso macabro. Abriu a porta e, dentro do aposento de ébano e azeviche, viu uma figura alta reclinada sobre um catre de seda negra. Yara, o sacerdote e feiticeiro, estava deitado com os olhos abertos e dilatados pelos eflúvios do lótus amarelo, com o olhar perdido nos abismos noturnos além do alcance de um simples ser humano.

- Yara! – disse Conan, como um juiz decretando a destruição – Acorde!

No mesmo instante, seus olhos voltaram ao normal, frios e cruéis como os de uma ave de rapina. A figura alta, vestida de seda, ergue-se e ficou bem mais alta que o cimério.

- Cão! – sibilou como uma serpente – O que faz aqui?

Conan colocou a jóia sobre a grande mesa de ébano.

- Aquele que mandou essa gema, ordenou-me que dissesse: “Yag-Kosha lhe dá um último presente e um último encantamento”.

Yara encolheu-se; seu rosto escuro empalideceu. A jóia deixara de ser límpida como um cristal; suas profundezas lamacentas pulsavam e tremiam, e esquisitas ondas esfumaçadas de cor mutante passavam por sua superfície lisa. Como que hipnotizado, Yara se curvou sobre a mesa e agarrou a gema nas mãos, olhando nas suas profundezas sombrias, como se um imã estivesse atraindo a sua alma trêmula para fora do corpo. E Conan pensou que seus próprios olhos estivessem lhe pregando peças. Pois quando Yara se levantou do divã, parecera gigantesco; agora a cabeça de Yara mal chegava aos seus ombros. Ele piscou, confuso e, pela primeira vez naquela noite, duvidou de seus sentidos. Então, percebeu, chocado, que o sacerdote estava encolhendo cada vez mais diante de seus olhos.

Conan continuou olhando sem se emocionar, como um homem observa um jogo; imerso num sentimento de irrealidade esmagadora, o cimério não estava mais certo de sua própria identidade; percebeu que estava olhando para evidências externas de um combate invisível entre forças imensas, muito além de sua compreensão.

Agora Yara não era maior que uma criança; depois do tamanho de um bebê, ele esticou-se sobre a mesa, ainda segurando a jóia. Súbito, percebendo o seu destino, o feiticeiro levantou-se de um salto, soltando a gema. Ele continuava encolhendo mais ainda, e Conan viu uma minúscula figura correndo loucamente pela mesa de ébano, agitando os minúsculos braços e gritando numa voz que parecia o guinchar de um inseto.

Agora ele estava encolhido até o ponto em que a enorme jóia se erguia acima dele como uma montanha. Conan viu como ele cobriu os olhos com as mãos para se proteger da luz, cambaleando como um louco. O cimério sentiu que alguma força magnética invisível atraía Yara para a gema. Três vezes ele correu ao redor dela num círculo cada vez mais fechado, três vezes ele tentou voltar-se e correr para o outro lado da mesa; em seguida, com um grito quase inaudível que ecoou nos ouvidos do observador, o sacerdote jogou os braços para cima e correu direto para o globo chamejante.

Curvando-se, Conan viu Yara rastejar por cima da superfície lisa e curva como um homem que realiza a impossível façanha de escalar uma montanha de vidro. Agora o sacerdote estava em pé sobre o topo, ainda com os braços erguidos, invocando nomes sinistros que apenas os deuses conhecem. E de repente, ele afundou no centro da jóia como um homem afunda no mar, e ondas de fumaça se fecharam sobre sua cabeça. Agora, no coração rubro da pedra que voltara a ser límpido como um cristal, ele era minúsculo como numa cena distante. E lá dentro apareceu uma figura verde, reluzente, com o corpo de homem e a cabeça de elefante, não mais cego nem aleijado. Yara jogou os braços para cima e fugiu como um louco, com o vingador em seu encalço. Então, a enorme pedra desapareceu como uma bolha de sabão que estoura, num arco-íris de luzes muito brilhantes, e a mesa de ébano ficou vazia, tão vazia como o divã de mármore na sala acima, onde o corpo daquele estranho ser trans-cósmico chamado Yag-Kosha e também Yogah havia estado.

O cimério voltou-se e desceu correndo a escada de prata. Estava tão perplexo que não lhe ocorreu fugir pelo mesmo caminho que usara para entrar na torre. Correndo pelo sinuoso poço de prata, chegou a uma grande sala ao pé dos degraus reluzentes. Deteve-se por um instante; era a sala dos soldados. Viu o brilho de seus peitorais de prata e das suas bainhas ornadas de jóias. Estavam aglomerados ao redor de uma mesa, com suas plumas escuras ondulando sombriamente acima das cabeças caídas, vestidas com capacetes; eles estavam deitados no meio de seus dados e canecos de vinho espalhados pelo chão de lápis-lazúli manchado de vinho. E Conan sabia que estavam mortos. A promessa havia sido cumprida, a palavra fora mantida. Conan não sabia se foi feitiçaria, ou encantamento ou a sombra das grandes asas verdes que silenciou os inimigos, mas seu caminho havia sido desimpedido. E uma porta de prata estava aberta, emoldurada pela claridade da aurora.

O cimério saiu para os jardins e, quando o vento da aurora soprou sobre ele a fresca fragrância das plantas viçosas, Conan despertou como de um sonho. Voltou-se indeciso, para olhar para a torre enigmática que acabara de deixar. Ele esteve enfeitiçado ou encantado? Será que tudo não passara de um sonho? A torre reluzente, oscilando contra a aurora rubra, com a borda ornada de jóias brilhando sob a luz crescente, desabou, transformando-se num monte de escombros brilhantes.

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Digitação: Fabrício Sousa fabriciossousa@hotmail.com

Revisão: Fernando Neeser de Aragão.

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