(por Fernando Neeser de Aragão)
“Ele foi rei da Aquilônia, penso eu, durante muitos anos, num reinado
turbulento e inquieto, quando a civilização hiboriana alcançou o mais magnífico
ápice e todos os reis tinham ambições imperiais. Primeiro ele lutou na
defensiva, mas sou da opinião de que, no final, foi forçado a guerras de agressão,
no mínimo por auto-preservação”.
(Robert E. Howard – Carta a P.
Schuyler Miller, 10 de março de 1936)
Sentei-me no trono da Sala de Julgamentos de meu palácio
em Tarantia, a capital do reino da Aquilônia. Além das grandes janelas de
vidro, se estendia o céu azul sobre os jardins cheios de flores perfumadas. E,
além dos parques, elevavam-se as torres azuis e douradas, junto às cúpulas de
cobre e as silhuetas dos templos, palácios e casas de telhas vermelhas. Pois
aquela era a cidade mais principesca de todo o Ocidente.
Do lado de fora dos jardins, as ruas limpas de
Tarantia ferviam de gente, de pessoas montadas em lombos de cavalos, mulas ou
asnos; de liteiras opulentas, ricas carruagens ou modestas carroças. Ao longo
das docas, as embarcações enchiam as margens do Rio Khorotas como enxames de
insetos aquáticos. Durante 35 anos, governei a Aquilônia com mão firme, porém
tolerante. E, por Crom, transformei o reino no mais próspero e poderoso que o
mundo havia conhecido desde sua criação!
No grande salão rodeado de colunas, se reuniam os
nobres de ricos trajes, cortesãos arrumados com túnicas de seda e cidadãos
roliços com roupas simples, sobre os quais luziam os medalhões de seus
respectivos grêmios. Todos eles esperavam ver como eu administraria a justiça
daquela vez. Posto que, naquela ocasião, seriam julgados alguns casos de
importância excepcional, metade dos nobres da Aquilônia estava presente. Entre
eles, o velho Conde Trocero de Poitain – elegante como sempre, usando uma jaqueta
de veludo verde, com o leopardo escarlate de seu condado bordado nela. Ali
também estava o Conde Amalric de Valerus e sua esposa, a linda condessa gazali
Lissa, juntamente com Nissus, filho do casal – um belo homem de 40 anos, com os
cabelos negros que a mãe tinha na juventude e os olhos cinzentos do pai (e agora
casado com a filha de Silvia e neta de Trocero) –; bem como a Condessa Albiona,
o velho General Pallantides e a Condessa Valéria – ex-pirata da Irmandade
Vermelha e excelente guerreira, capaz de superar o próprio Pallantides, se
algum dia eles tivessem duelado.
Soldados de rosto austero, pertencentes aos Dragões
Negros, permaneciam de guarda junto à enorme porta e ao pórtico; os raios de
sol se refletiam em seus capacetes e nas afiadas pontas de suas lanças. Todos
os olhos estavam fixos no estrado central, onde haviam sido instalados três
tronos por cima da multidão, e onde minha esposa Zenóbia e meu herdeiro Brion
me ladeavam em seus respectivos tronos – a rainha com nossa filha de pé ao seu
lado, e meu filho com sua esposa também de pé ao lado dele. Também olhavam para
o mercador coberto de jóias, que permanecia em pé, com aspecto nervoso,
enquanto seu advogado, vestindo uma toga negra, argumentava em favor de seu
representado, diante do mais alto dos tronos.
Eu me sentava neste último, examinando-os e odiando,
como sempre, as discórdias por imposto, aqueles problemas intrincados e
laboriosos, com suas armadilhas legais e seu fundo complexo de matemáticas.
Meu nome é Conan, nascido na Tribo do Grande Lago, no
noroeste da Ciméria. Como ladrão, pirata, mercenário, chefe de tribos bárbaras
ou general de exércitos reais, eu havia me aventurado por terras desconhecidas
e cheguei a conhecer todos os azares e maravilhas do mundo. Lutei contra
inimigos humanos tanto quanto contra demônios, dragões e monstros das trevas.
Milhares de inimigos haviam conhecido o frio contato de minha lâmina – bruxos
malignos, ferozes chefes bárbaros e reis arrogantes. Havia transcorrido mais de
trinta anos desde que uma jogada do destino, um capricho dos deuses e minha própria
vontade indomável haviam me destacado até me colocar num lugar importante, como
soberano do reino ocidental mais rico e poderoso.
Súbito, a chegada de um mensageiro esbaforido à sala
do trono interrompeu aquela manhã tediosa. Segundo ele, o maldito rei de
Zingara havia forjado uma aliança com Argos e Ophir, para tomarem meu reino. O
único meio de destruir esta coalizão seria invadir e conquistar Zingara,
anexando-a à Aquilônia, enquanto Poitain enfrentava os argoseanos e ophirianos na tentativa de anexá-los também.
Eu tinha 75 anos e já não era tão forte e ágil quanto na minha juventude; e a
idade havia feito meu corpo emagrecer, como o faz com todos os bárbaros. Mas, por
Crom, eu ainda era Conan, um cimério! Meus músculos agora esguios continuavam
mais fortes e ágeis que os de qualquer jovem da civilização, e – assim como
todos os homens do meu povo – eu ainda possuía virilidade suficiente para ter
deliciosos êxtases de prazer, tanto com as mulheres do meu harém, quanto com a
minha amada esposa, a rainha Zenóbia.
Assim, sem disfarçar a alegria em meu coração, respondi que haveria
guerra, sim, e que eu, como sempre, iria à frente dos exércitos aquilonianos.
* *
*
“Corre
a lua, por que longe vai?
Sobe o dia tão vertical,
O horizonte anuncia, com o seu vitral,
Que eu trocaria a eternidade por essa noite,
Sobe o dia tão vertical,
O horizonte anuncia, com o seu vitral,
Que eu trocaria a eternidade por essa noite,
Por que está amanhecendo?
Peço o contrário: ver o sol se pôr!
Por que está amanhecendo,
Se não vou beijar seus lábios quando você se for?”.
Peço o contrário: ver o sol se pôr!
Por que está amanhecendo,
Se não vou beijar seus lábios quando você se for?”.
(Nando Reis, em “Relicário”)
Enquanto a lua
cheia subia no céu, iluminando a noite, eu estava a sós nos aposentos reais com
minha linda Zenóbia. Em seu olhar, eu percebia uma preocupação comigo ainda
maior que das outras vezes.
Minha rainha
era a mulher a quem eu amava, e que sempre me amou e aceitou como sou e sempre
fui; ela nunca sentiu ciúmes por eu ter meu harém, tanto antes quanto depois de
me casar com ela (como toda hiboriana, Zenóbia sabia que este era um costume
normal nos reinos do ocidente, e sabia que eu jamais a enganei, nem a enganaria).
Em outros tempos, eu não compreenderia suas lágrimas, pois os cimérios só
choram no dia em que nascem. Mas, há muito tempo aprendi que quem ama se
preocupa – e por que com ela seria diferente? Acalmei-a com um beijo ardente e
feroz, excitando-a.
Minhas mãos
calejadas caíram sobre os ombros da minha rainha. Meus lábios buscaram
novamente os dela; suas roupas se abriram, e seus grandes e lindos seios
pesados despencaram trêmulos de desejo e ávidos por prazer. Eu os beijei e
suguei com a ferocidade de sempre e com uma avidez ainda maior que de outras
vezes, fazendo-a suspirar de um prazer ainda maior que todos que eu já a tinha
feito sentir.
Os fartos
cabelos prateados de Zenóbia lhe caíam em cascata sobre as costas ebúrneas, e
seu lindo corpo avantajado rebolava sobre o meu, enquanto ela gemia de êxtase
de prazer, pouco antes de eu também me abandonar ao orgasmo.
* *
*
Acompanhado dos meus dois filhos, o príncipe Brion e a princesa Flavia,
liderei o ataque a Zingara, enquanto Prospero e Trocero defendiam Poitain de
Argos e Ophir, respectivamente.
Meus
aquilonianos haviam formado uma linha de defesa cuneiforme, a qual resistia à
pressão zíngara. Eu e meu primogênito Brion I estávamos à frente daquela cunha
humana, forrada pelo metal das nossas armaduras e capacetes, onde as vestes dos
arqueiros refletiam a luz do sol entre rochas e arbustos, os altivos guerreiros
da Aquilônia em seus corcéis, com penas flutuando nos capacetes e lanças erguidas,
como moitas eriçadas.
Do outro lado,
havia 40 mil zíngaros, cuja cavalaria era a espada do exército. Como na
Nemédia, os homens a pé – 20 mil arqueiros e lanceiros – eram usados para abrir
caminho para o ataque dos homens de armadura. Ao comando de avançar do Rei de
Zingara, os arqueiros começaram a abrir caminho, sem quebrar as alas, lançando
suas setas com zunido e ardor. Mas as flechas não chegaram aos alvos, ou
atingiram inofensivamente os escudos dos gunderlandeses. Antes que as balestras
zíngaras pudessem entrar na linha de alcance assassino, os longos arcos dos
bossonianos estavam fazendo um belo estrago em suas fileiras.
De ambos os
lados, os arqueiros lançavam suas setas a longa distância, e os lanceiros
marcharam enfileirados e, atrás deles, vinham os cavaleiros. Os zíngaros se
chocaram contra as lanças das falanges gunderlandesas, morrendo espetados nos
corações, estômagos e pescoços. Fazendo jus ao pai que tinha, Aison, filho de
Nestor (este último agora idoso demais para uma batalha – detalhe que nunca
impediu os cimérios de lutarem, mesmo na velhice), agarrava no ar lanças
zíngaras endereçadas a ele e as usava no contra-ataque, perfurando fatalmente
testas e pescoços dos inimigos.
Meu filho
Brion, por sua vez, honrava seu sangue semi-cimério ao arremessar duas lanças certeiras
ao mesmo tempo com as duas mãos, como meus conterrâneos faziam e eu ensinara a
ele desde sua infância. Eu e meu herdeiro nos destacávamos naquela batalha,
abrindo testas, despedaçando escudos e peitos encouraçados, fazendo jorrar
sangue, tripas e miolos zíngaros, com nossas espadas. Minha filha Flavia,
disparando impiedosamente contra os cães zíngaros, era uma excelente arqueira
montada, tão habilidosa quanto um hirkaniano, e capaz de fazer inveja aos
bossonianos e shemitas. Tomado pelo furor da guerra, eu cortava gargantas,
decepava membros e me deliciava com a dança macabra de cabeças rodopiando no
ar.
A ex-pirata –
e há 35 anos, uma nobre aquiloniana, graças a mim – Valéria lutava próxima,
sorrindo como sempre e com os olhos flamejantes. Embora com 61 anos, ela ainda
era mais forte que um homem civilizado comum, e mais veloz e muito mais impiedosa.
A espada parecia viva em suas mãos. A cada golpe sangrento que ela dava, o
balanço trêmulo de seus seios volumosos me excitava, mesmo durante a ofegante
fúria da batalha. A Condessa Valéria – de quem eu era amante ocasional –
movimentava-se como um elusivo fantasma, mudando constantemente de lugar,
atacando quando parecia recuar. As espadas zíngaras não acertavam nela, e os adversários
davam golpes no vazio e morriam com o coração trespassado, ou com a garganta
degolada com a escarnecedora risada dela ecoando em seus ouvidos.
Homens,
animais e armas se misturavam naquela orgia de morte. Não era possível
distinguir bons ou maus, heróis ou vilões, certos ou errados. Naquele momento,
éramos todos feras primordiais, criaturas da destruição. Isto estava nos nossos
corações, estava em nossa alma.
Quando os
lanceiros começaram a fraquejar diante da selvagem saudação de morte que zunia e
assobiava, uma trombeta soou, dividindo os grupos para a direita e esquerda. No
meio deles, os cavaleiros trovejaram em suas couraças. Correram diretamente
contra uma nuvem de morte pungente. As setas encontravam cada brecha nas armaduras
zíngaras e feriam os corcéis, que se atropelavam na planície gramada,
retrocedendo, empinando e caindo para trás, arrastando seus cavaleiros.
Lanças, espadas e flechas vibravam e resvalavam na armadura de Brion,
sem lhe causar dano algum. Como uma tempestade que ataca as esquadras, meu
primogênito golpeava as fileiras cerradas da facção do Rei Kallidio, e seus
ataques redobrados talhavam um caminho sangrento, partindo tanto ferro quanto
ossos. Agora sem flechas, Flavia cruzou espadas com um zíngaro e abriu-lhe o
peito num giro sangrento, espalhando anéis de cota-de-malha, sangue e faíscas,
e seguiu matando vários outros cães do Exército Real de Zingara, ficando tão
coberta de sangue quanto eu e Brion. Minha Zenóbia não pôde vir, pois, apesar
de lutar quase tão bem quanto meus filhos, precisava ficar em Tarantia, pois
alguém tinha de comandar a defesa do Palácio Real, numa possibilidade remota
dele ser invadido.
Por um instante, com o escudo erguido, um dos zíngaros só conseguiu se
defender contra a chuva de golpes que Pallantides lhe despejava com ambas as
mãos sobre ele, e, por um instante, somente a força de seu elmo o salvou. No
momento seguinte, entretanto, aproveitando-se do cansaço do zíngaro,
Pallantides acertou um golpe na lateral do homem, cortando-lhe cota-de-malha,
costelas e coluna vertebral.
Centímetro a
centímetro, passo a passo, metro a metro, a horda de zíngaros foi recuando
diante de nossas armas, e da formação à frente da qual eu me encontrava.
Mas Kallidio
reagrupou suas tropas e praguejou ao olhar para a floresta de lanças
gunderlandesas, com pontas visíveis acima de seus capacetes. Os soldados
zíngaros, como sempre, lutavam tão galantemente quanto suas tradições
almofadinhas exigiam. Mas não conseguiriam romper minha boa e velha formação em cunha. Kallidio
deu nova ordem de ataque, e os cães de Zingara, com a coragem dos desesperados
e ainda em maior número que nós, esporaram seus cavalos para o rio. Nós os
ferimos e despedaçamos. A pé, surgiram os gunderlandeses sedentos de sangue e
os bossonianos.
Mergulhávamos
cada vez mais na formação inimiga. Nem mesmo todos os poderes do Inferno seriam
capazes de nos conter! A maré estava mudando...
Eu havia
acabado de partir um guerreiro zíngaro ao meio, numa explosão de miolos, sangue
e tripas, quando avistei um dos meus grandes amigos, Servius Galannus, ser
morto com uma lança no flanco. Louco de ódio, investi contra o cão de Zingara
que o havia matado e fiz sua cabeça aquilina voar, num jato de sangue.
- Kallidio,
seu cão zíngaro! – gritei furioso. – Apareça se for homem, seu covarde dos
infernos!
Ao avistar
outro zíngaro – o qual matara um de meus generais – correr até o rio, eu o
persegui. Ele, vendo que não conseguiria alcançar a água antes que eu o
pegasse, se voltou em minha direção e estocou sua lança para o alto, ao mesmo
tempo em que fiz um arco descendente com minha espada. O canalha errou o alvo,
mas meu giro foi certeiro e fatal, abrindo-lhe o crânio, do qual seus miolos
ensangüentados se derramaram.
No momento
seguinte, outro inimigo, tão alto e forte quanto eu, investiu na minha direção
e, mais por sorte que por habilidade, me derrubou do cavalo e desarmou com um
só golpe de sua espada. Eu lhe segurei o punho direito, impedindo-o de usar sua
arma contra mim, ao mesmo tempo em que ele agarrava o meu desarmado punho da
espada. A força daquele jovem gigante era tão grande quanto a minha, mas eu pus
a balança a meu favor, puxando-lhe o braço para baixo, ao mesmo tempo em que
acertava o pulso direito daquele bastardo com meu joelho esquerdo. Então, eu
lhe esmurrei o queixo com minha mão direita, à qual ele havia largado,
momentaneamente enfraquecido pela minha joelhada no pulso.
Quando ele
caiu ao chão, tentou se apoderar de minha espada – a qual não caíra muito longe
de nós quando o cão de Kordava me desarmou –, mas eu consegui agarrar o cabo de
minha arma, ao mesmo tempo em que ele agarrava a lâmina. Com um urro de fúria e
uma violenta torção, arranquei a espada da mão dele, juntamente com dois dedos
desta última. Enquanto o zíngaro urrava de dor e ódio e puxava uma adaga com a
mão intacta, atravessei-lhe o coração e coluna vertebral com duas estocadas
ferozes de minha espada.
Espadas brilhavam
sob as últimas luzes do entardecer, as quais davam ao sangue uma coloração
espectral. Outro zíngaro investiu e eu o encontrei, com minha exaustão reduzida
pelo ódio e pelo delírio pungente por batalha. Lutamos avançando e recuando.
Ele lutava
como um selvagem, mas com toda a técnica que os mestres de espada de sua
Zingara natal o haviam ensinado. Já eu lutava como havia aprendido em batalhas
sombrias e impiedosas, nas colinas, estepes e desertos, com a intensidade
furiosa do ataque, a qual reúne força como um furacão à medida que progride.
Batendo em sua
lâmina como um ferreiro na forja, fiz o zíngaro cambalear diante de mim, até o
homem oscilar vertiginosamente.
- Suíno! – ele
ofegou, quase sem fôlego, cuspindo no meu rosto e talhando loucamente em
direção à minha cabeça.
Mas, com um
rugido, fiz minha espada rodopiar a lâmina daquele cão para trás e atingi o
alvo com um rangido.
O zíngaro
cambaleou de novo, seu rosto subitamente manchado por sangue e miolos, e caiu
silenciosamente para trás. A maré da batalha tragou os confusos arqueiros
inimigos, os quais fugiram em ondas dispersas, jogando as balestras fora. Os
lanceiros que sobreviveram ao ataque explosivo dos cavaleiros foram retalhados
pelos brutais gunderlandeses e pelos arqueiros bossonianos, os quais corriam
atrás de qualquer zíngaro que ainda se movesse. Em louca confusão, a batalha se
transformou em combates individuais e em grupos, enquanto os cavalos zíngaros
empinavam e davam coices.
No Rio
Alimane, que fervilhava e espumava de escarlate, o trabalho de matança
prosseguia. Lá, aquilonianos e zíngaros, lutando corpo-a-corpo, dilaceravam
pescoços e entranhas uns dos outros, afundando no rio. Os homens do Rei
Kallidio, que resistiram até agora, começavam a cambalear e cair. O rei de
Zingara os havia movido para a aparência de uma formação, e lutaram como
demônios, até Brion, Valéria, Pallantides, Flavia e eu corrermos para a parte
mais aglomerada da batalha, em direção ao Rei Kallidio. E os zíngaros cederam
ante o ataque dos enlouquecidos aquilonianos.
Sacudindo o
suor e sangue dos olhos, vi o líder rival. Kallidio lutava à frente dos
zíngaros, abrindo crânios e gargantas aquilonianas com sua espada – apesar de
canalha, o rei inimigo não era tão covarde. Fiquei louco de raiva ao vê-lo, e
investi contra ele. Muitos zíngaros já estavam fugindo de volta para Kordava.
Poucos o conseguiriam. Por Crom, eu percebi, naquele momento, que os zíngaros
nunca mais atacariam Poitain! O sol poente afundava num oceano de sangue
escuro, como um símbolo da independência e soberania da Aquilônia.
- Voltem aqui,
seus covardes! Voltem e lutem! – gritava Kallidio aos militares que fugiam,
pouco antes de eu encontrá-lo, enquanto sua facção era atingida, durante a retirada,
por flechas bossonianas e lanças gunderlandesas nas costas. Os cães de Zingara
foram esmagados e, incapazes de se reagrupar ou formar uma resistência, eles
saíram em debandada para o rio. Muitos o alcançaram, escapando para a estrada
oeste, com toda a Aquilônia atrás deles. Meus guerreiros os caçavam como lobos.
Eu já estava
cansado e sangrava de vários ferimentos, mas não vacilei. Ataquei aquele cão,
com toda a minha fúria berserk,
aparando-lhe vários golpes de espada, numa desconcertante combinação de
defensiva e ofensiva contra aquele desgraçado. Num breve momento em que
fraquejei, ele me acertou uma estocada profunda no coração. Por um breve
instante, vi o mundo oscilar ao meu redor; mas meu ódio foi mais forte que a
dor, e transformei o sorriso triunfante de Kallidio num olhar de dor e
surpresa, ao atravessar minha larga espada de aço azulado entre o pescoço e
queixo do rei inimigo, de modo que a ponta da minha lâmina se sobressaiu do
alto do crânio dele, empurrando-lhe o elmo para cima.
Um último
zíngaro, girando como um grande gato, ergueu sua espada gotejante, apenas para
tê-la espantosamente batida em seu crânio sob meu terrível golpe. Ele cambaleou
e, no instante seguinte, minha lâmina, brandida com toda a força dos meus músculos
enrijecidos, decepou-lhe o braço esquerdo na altura do ombro, desceu cortando
as costelas e se cravou profundamente no osso de sua bacia. Numa bruma
vermelha, ainda o vi desabar morto ao chão, antes de dar, ainda de pé, meu
último suspiro, e as trevas se fecharem ao meu redor.
Quando morri,
já era velho; mas nenhum de meus antigos ferimentos, das velhas batalhas, me
doía. Minha única dor fora a do golpe derradeiro que eu havia recebido, pouco
antes de vingar minha própria morte e matar mais um zíngaro.
Epílogo:
Após a morte
de Conan, seu corpo foi levado de volta a Tarantia e cremado. Seu primogênito
Brion o sucedeu no trono – embora Zenóbia, a mãe dele, continuasse sendo rainha
da Aquilônia (a qual, apesar de ter rechaçado os ataques argoseanos e ophirianos, não obtivera sucesso na conquista destes dois últimos países). Ao contrário do pai, o jovem Brion I se mostrou um rei sem escrúpulos
e, ao conquistar Zingara, exterminou todos os generais zíngaros,
substituindo-os pelos aquilonianos, além de mandar assassinar todos os homens
da família real de Zingara.
A dourada
bandeira real do país conquistado foi queimada e substituída pela bandeira
aquiloniana do leão dourado. Com a ajuda de Prospero e Pallantides – e desapontados
com a política do novo rei da Aquilônia –, Lissa, Amalric, Albiona, Trocero,
Valéria, Zenóbia e Flavia viajaram disfarçados até o reino de Khauran
(juntando-se, no oeste de Koth, a ninguém menos que a Condessa Sancha de
Kordava, e suas duas abastadas e leais amigas Lady Belesa e Tina, as quais
fugiam dos exércitos aquilonianos que agora invadiam Zingara), onde, graças à
grande e velha amizade do falecido cimério com a agora idosa rainha Taramis,
foram bem-acolhidos naquele pequeno reino e viveram em paz até o fim de seus
dias, longe das intrigas imperiais aquilonianas. Nos séculos seguintes, a
crescente falta de escrúpulos dos sucessivos reis da Aquilônia em suas guerras
de conquista, levaria à derrocada do Império Aquiloniano, sob invasões pictas.
Após a época
de Conan, os yamalis continuaram vivendo suas vidas simples no extremo norte do
mundo, mas, quando Khamatar Khan veio das praias orientais da Hirkânia para
forjar um império que impressionaria o próprio Gêngis Khan, ele recrutou guerreiros
yamalis para atacar regiões setentrionais. Guerreiros yamalis ajudaram nas campanhas
contra a Hiperbórea e, apesar de sua selvageria e austeridade não terem sido
suficientes para conquistarem os cimérios, eles não causaram vergonha em
batalha contra os vampiros de cabelos negros da terra escura. Finalmente, o
Império Hirkaniano caiu, e os yamalis voltaram a seus velhos tempos – onde
permaneceram, até se ramificarem nos povos modernos da orla mais setentrional
do mundo: os povos Urais. Os nenets são descendentes puros dos yamalis; os sami
e os finlandeses são mestiços de yamalis com nórdicos; e os ugrics, dos
descendentes dos yamalis fixados pelos hirkanianos em Zamora e na Britúnia. O
próprio nome é lembrado entre os nenets: “Fim do Mundo”, e é dado a uma de suas
terras natais.
Os turanianos,
reconhecendo a utilidade de aliados na fronteira ocidental, fizeram um acordo
de paz com os kozakis, usando-os como proteção contra as nações hiborianas e,
logo depois, como mercenários em sua investida ao mundo ocidental, quando, desprovidas
do domínio e proteção do recém-destruído Império Aquiloniano, as nações de
Zamora, Britunia, Coríntia, Shem Oriental e Koth Oriental foram invadidas pelos
cavaleiros de Turan.
Durante as
invasões hirkanianas, Kordafan foi absorvido pelo grande Império Negro, o qual
ameaçou a Stygia, se insurgindo contra seus antigos inimigos e tomando grandes
faixas de território. Os conquistadores vanires da Stygia conseguiram repelir
as hordas, as quais caíram novamente em lutas internas e desmoronaram de volta
à selvageria. Algum vestígio do velho reino de Kordafan permaneceu, através de
um vasto exército que se fixou logo ao sul do Egito – sucessor da Stygia –,
onde ele influenciou os reinos núbios – especialmente a parte kordafana do
Sudão.
Os cherkess
continuaram a repelir tentativas turanianas de aquisição de suas terras, mas na
época da máxima expansão turaniana, o poder de Turan era simplesmente grande
demais, e os cherkessianos passaram a fazer parte do Império Turaniano. Durante
séculos, suportaram a indignidade da sujeição – o desejo de rebelar palpável
sob a fachada de tolerância pelos seus novos senhores. Entretanto, quando os
pictos se ergueram para desafiar Turan, os cherkess se rebelaram, apenas para
serem novamente subjugados. De tempos em tempos, os cherkessianos se
rebelariam, mas Turan era impiedosa em sua repressão; somente na época em que
os cimérios vieram para dispersar o exército de Turan, é que os cherkess
finalmente se livraram do jugo turaniano, e a essa hora era tarde demais. As
geleiras vieram, e os cherkessianos caíram na barbárie. Mesmo assim, a
lembrança daqueles homens fortes e mulheres bonitas de Cherkessia ecoaria em
seus descendentes: os circassianos.
Após a Era
Glacial, a lembrança de Bakhara seria ecoada na cidade de Bukhara, na Báctria:
uma brilhante herdeira de sua gloriosa predecessora da era Hiboriana.
Entre a queda de Turan e a conquista da Stygia pelos
vanires, os nordheimeres que continuaram em Nordheim recuaram, da Idade do
Ferro à Idade do Bronze. Após a fundação do Egito, os loiros e ruivos de Asgard
e Vanaheim continuaram quase todos em sua terra natal – apesar de uma grande
quantidade deles ter destruído quase todo o mundo ocidental em sua migração
para o sul, à exceção de Shem Ocidental, Stygia, e domínios pictos na Aquilônia
e Zingara –, e, devido às glaciações, foram recuando à Idade da Pedra, só sendo
expulsos completa e definitivamente de Nordheim para o Vilayet pelo penúltimo cataclismo que se abateu sobre a Terra.
No final, até
mesmo a antiga Sabatea se perdeu, quando a Era Hiboriana chegou ao fim, mas seu
legado não foi totalmente esquecido: os grandes reinos comerciais árabes dos
sabeus e nabateus podem afirmar serem os herdeiros da anoitecida Sabatea, e há
rumores de que, sob as rochas de Arabah, os restos de um antigo sistema de
corredores e tumbas se escondem sob os chãos de pedra de Petra. Quem sabe se alguém
encontrará uma entrada para os salões perdidos de Sabatea – e os horrores que
habitam lá dentro?
Khorala, por
sua vez, permaneceu largamente independente, ocasionalmente caindo sob o
governo do Ghulistão, Vendhya ou Bactria, quando aqueles poderes experimentaram
uma onda imperial, finalmente caindo sob a bandeira de Turan durante a maior expansão
imperial desta última. Após os cimérios destruírem o império de Turan, Khorala
ficou independente, apenas para cair no barbarismo e selvageria. Na era do surgimento
dos Filhos de Aryas, contudo, os primeiros indianos se instalariam nas antigas
terras de Khorala, e alguma continuação memética do antigo reino surgiria, na
mitologia e povo de Kerala.
Enquanto isso,
Ghanara ficou em eterna batalha com seus inimigos de Vendhya, ao norte, tomando
grandes extensões territoriais, mas nunca conseguiram conquistar completamente
os kshatriyas. Eles finalmente
olharam para além do mar, a fim de aumentar seu império, conquistando as
regiões meridionais de Kosala, Khitai e os Pântanos dos Mortos, e formando um
grande império marítimo. Guerrear em três frentes de batalha significava que
eles não poderiam estender seu império mais além e, na época da Era Glacial, o
império entrou em colapso sob seu próprio poder. O grande império e gloriosa arquitetura
de Ghanara foram varridos, quando o contorno atual do mundo tomou forma, embora
salpicos daquele reino antigo possam ser encontrados em reinos e impérios do povo
tâmil de Panjabe.
FIM
Agradecimento especial: Ao howardmaníaco Fred Blosser, e aos
howadmaníacos e amigos Al Harron e Deuce Richardson.
A Seguir: “Saiba, ó Príncipe...” As Crônicas “Nemédias”? – por Deuce
Richardson.