A Perigosa Helen Tavrel – Parte 4

(por Keith J. Taylor)


“Depois de tudo o que já fiz para me manter pura,” ela soluçou, “isto é demais! Eu sei que sou um monstro aos olhos dos homens; há sangue em minhas mãos. Já pilhei, praguejei, matei, joguei dados e bebi até meu próprio coração se calejar. Meu único consolo, a única coisa que me salva de me sentir totalmente condenada, é o fato de que permaneci tão casta quanto qualquer menina. E agora, os homens acreditam no contrário. Eu gostaria... de... estar morta!”
(Robert E. Howard – “A Ilha da perdição Pirata”)


Helen Tavrel retornou de sua viagem agitada e ensangüentada aos Países Baixos, e dividiu seus lucros. Seu capitão, Troels Hansen, vendou os dois carregamentos navais de armas originalmente com destino à Rússia, para vários velhacos do comércio bucaneiro em Tortuga e Port Royal. Helen recebeu sua parte, de acordo com os lucros da viagem. Seu pai adotivo, Roger O’Farrel, não mais um jovem, tinha agora uma vida mais calma. Ganhava sua vida – pois tivera treino médico –, vendendo cofres médicos bem-equipados para os cirurgiões de navios piratas.

Havia adquirido uma quantidade modesta de terras em Tortuga, e uma casa na cidade. Era amigável com o governante francês Bertrand d’Ogeron (um Governante d’Ogeron aparece numa das aventuras de Sabatini do Capitão Blood, mas anacronicamente; o verdadeiro d’Ogeron morreu em 1676, em Paris). Seus empregados cubanos Ramon e Eulália, de sangue espanhol e índio misturados, mudaram-se para Tortuga com ele. O mesmo fizera a filha deles Renata, amiga mais próxima de Helen. Renata estava prestes a se casar com um jovem pirata francês, que estava abandonando a trilha sangrenta e adquirindo terras sob o esquema de d’Ogeron. Helen foi ao casamento deles, assim como seu pai adotivo, e deram ao casal presentes generosos para começarem sua vida de casados. Helen teve um ou dois momentos saudosos, enquanto bebia ao futuro deles. Mas estava convencida de que não existia homem que se comparasse a Roger O’Farrel, e sua visão dos companheiros piratas não era alegre. Hansen e le Ban eram provavelmente os melhores de uma laia desprezível. Não, uma vida decente com um marido decente pareciam estar ausentes das cartas de Helen Tavrel. Até mesmo o homem de Renata poderia se cansar e deixá-la um dia...

Helen ficou em Tortuga com O’Farrel por pouco tempo. Ela até pensou em fixar residência, mas pensar naquilo era como pensar na morte – muito tedioso para agüentar. Ainda não tinha vinte anos. Amava o mar, e sua vida selvagem e aventureira. Seu grande e único modelo era O’Farrel. Seu credo poderia ter sido o que Robert E. Howard pôs em seu poema “O Dia em Que Eu Morrer”.

“E vós, que me nomeiam em anos posteriores,
Vós direis isto de mim:

“Que eu segui a estrada da gaivota errante,
Tão livre quanto uma brisa nômade,
Que desnudei meu peito para a agitação dos ventos
E para a fúria dos mares que levam.

“Que amei a canção dos mastros que tangiam
E o erguer da proa saltadora,
Mas eu não conseguia aguardar nos portos marítimos das cidades
E não conseguia seguir o arado.

“Pois o vento sempre veio do leste,
Para me acenar sempre e sempre,
A sedução do pôr-do-sol era minha amante
E eu amava cada aurora rosa-pálida”.

No entanto, as chacinas das tripulações dos navios de armas, às vezes, tornavam seus sonhos desconfortáveis. Helen decidiu tentar a sorte como capitã de sua própria tripulação – uma chalupa de um só mastro, rápida e leve, como aquelas do comércio considerado conveniente para o trabalho na costa. E ela decidiu atacar Havana, onde outrora havia morado, e onde O’Farrel havia sido trapaceado pelo Capitão Geral. Francisco Oregón y Gascón só deixara seu ofício naquele ano. O novo Capitão Geral, outro Francisco (Rodriguez de Ledesma), não a conhecia nem a O’Farrel. Estava prestes a conhecer.

Helen não navegou diretamente para Havana. Sua chalupa pirata era óbvia demais para entrar no porto da cidade, sem ser percebida nem desafiada. Ao invés disso, navegou para leste, para Porto Rico, onde – como em Cuba – havia um grande comércio de contrabando, devido às taxas da coroa espanhola no comércio legal. Perto daquela ilha montanhosa, ela emboscou uma nao espanhola, chamada Nuestra Señora de Encarnación.

(As naos eram navios mercantes armados, de velas quadradas, com cascos arredondados, desenvolvidas a partir de navios de guerra. Tinham pouco espaço para carga e poucas armas, mas ainda podiam ser modificados e equipados para a batalha. Numa função comercial, carregavam poucos canhões para economizar peso, e com a menor tripulação possível para poupar dinheiro – a prática normal. Deste modo, a tripulação bucaneira de Helen foi capaz de abordar o Encarnación).

Helen colocou a tripulação em longos botes, para retornar a Porto Rico, com suprimentos adequados. A Encarnación havia sido destinada a Havana, de qualquer forma, carregando pau-campeche, gengibre e colorau, e Helen manteve o mesmo rumo. Entre sua tripulação, havia um certo Luca Loreto, um renegado ex-sacerdote espanhol, que agora posava de capitão do Encarnación enquanto o navio de aproximava de Cuba. Helen assumiu o disfarce de garoto, que lhe servira tão bem antes.

Do convés da capturada nao, ela examinou o porto que tão bem conhecia, e a rica cidade agitada onde havia sido tão feliz quando menina. Agora ela era uma pirata examinando as docas para saquear, e não apenas com a intenção de lucrar, mas como meio de humilhar a coroa espanhola. Uma pena Oregón y Gascón não ser mais Capitão Geral ali, mas com sorte, ela daria a impressão de que ele lhe fora conivente pelo dinheiro de Judas. Aquilo o ensinaria a calotear O’Farrel!

Para seu deleite, ela vira o galeão de 400 toneladas Santa Bárbara, no porto: um navio que outrora pertencera a O’Farrel e que as autoridades de Havana haviam confiscado dois anos antes. Decidiu roubá-lo e levá-lo de volta a Tortuga. Ela precisava de mais tripulantes para manejá-lo, no entanto, e começou furtivamente a recrutar patifes espanhóis e índios que conheceram seu pai adotivo, quando ele era uma figura maior na magnífica e opulenta Havana.

Desta vez, a sorte não estava do lado de Helen. Jovem e temerária, ela havia suposto otimistamente que a tripulação da Encarnación, à qual deixara à deriva em lanchas, nunca esperaria que ela fosse até Havana. Mas as autoridades porto-riquenhas mandaram notícias da emboscada até Cuba. Ela foi capturada e jogada numa prisão, com a rápida experiência de um garrote a encarando. Por sorte, a tripulação da chalupa e os ex-sócios de O’Farrel planejaram uma fuga para ela, usando uma combinação de suborno e sagacidade. Helen, Loreto e os outros escaparam, mas tiveram de abandonar o galeão Santa Bárbara, intocado, e o Encarnación também.

(A última parece ter sido uma embarcação sem sorte. Construída originalmente em Veracruz, no México, ela viu serviço mercante durante anos, após Helen tê-la emboscado; e na época ela estava vinculada à frota do tesouro Tierra Firme, que levava prata e ouro de Nova Espanha para Cadiz. Navegando com a flotilha, mais tarde, em 1681, Nuestra Señora de Encarnación afundou numa tempestade, arremessada contra rochas próximas à foz do Rio Chagres. Seus restos, notavelmente intactos, foram descobertos por arqueólogos marinhos da Universidade do Estado do Texas, em 2011).

Helen então embarcou em uns 15 meses de pirataria com sua chalupa, à qual nomeou Grace em homenagem a Grace O’Malley, e com sua tripulação. Pesava 15 toneladas, carregava seis canhões leves, um canhão giratório e cerca de 70 bucaneiros. Correndo à frente do vento com a gávea içada, conseguia exceder a velocidade de 11 nós. Helen Tavrel rapidamente adquiriu uma habilidade de descobrir e tomar navios mercantes da Europa, com bens manufaturados, quase mais preciosos que o ouro no Caribe. Ela os vendia no paraíso do comércio ilícito, em Porto Rico, que se tornou um dos seus locais mais freqüentados. Seu crime de tomar o Encarnación foi logo esquecido pelos oficiais desonestos da ilha, e ela falava Espanhol, tendo crescido em Havana.

Após seu fracasso e quase desastre em Havana, a visita mais próxima de Helen veio quando ela foi perseguida por um patacho de 150 toneladas da Esquadra Jamaicana. O navio inglês a viu e reconheceu. Como carregava 10 canhões, todos eles mais pesados que os de Helen, e uma tripulação de quase 100 pessoas, os bucaneiros sabiamente fugiram. Helen se sentiu certa de que, se pudessem se aproximar e abordar, seus piratas tomariam o patacho, mas tentá-lo também envolvia um grande risco de serem riscados dos mares. O navio inglês perseguiu o Grace por mais de três horas, de perto, e finalmente alcançando-o, quase na popa, estava certo de que ia capturá-lo rapidamente, ou afundar a chalupa. Helen se arriscou em mudar rapidamente de direção e disparar os três canhões naquele lado, carregados de balas. Eles destruíram o topo do mastro de proa e dilaceraram o cordame. Seus bucaneiros, ótimos atiradores, também mandaram uma saraivada de balas de mosquete, as quais mataram vários homens no convés do patacho. A chalupa pirata fugiu.

Durante aqueles 15 meses, Helen também ficou muito conhecida por preferir roupas masculinas num estilo elegante, e até vaidoso – calças, coletes ou camisetas tecidos com brocado, e elegantes botas de couro. Ela até gostava de usar um chapéu de aba erguida, de vez em quando – raro entre piratas, exceto se fosse o capitão; e um capitão exibido e espalhafatoso, como le Ban naquela época. Helen só usava roupas comuns de marujo, quando estava disfarçada de garoto. Ela agora raramente o fazia, quando sua figura havia se tornado muito claramente feminina para ser disfarçada, como quando ela era mais jovem.

Ela havia declarado isso como a lei de sua tripulação, e reforçou, com florete e pistola, que sua virtude, e sua modéstia também, deveriam ser respeitadas. Eles acabaram aceitando. Uma condição necessária para essa aceitação era uma fileira de sucessos. Helen a conseguiu. Em breve, sua tripulação se gabava dela, considerava um prêmio ser comandada por Helen Tavrel, e estava pronta para enfrentar qualquer laia de cães do mar que a caluniasse, por uma questão de orgulho. Foi dito pelo Mar Espanhol, como Stephen Harmer ouviu e repetiria, que “embora você siga um caminho indigno e sangrento, nenhum homem pode dizer sinceramente que chegou a lhe beijar os lábios”.

Então, em Tortuga, Helen ouviu um pedaço de balela de taverna, que despertou seu forte interesse. Um patife alto e barbudo, de nome Dick Comrel, se gabava enquanto bêbado. Ele declarava ter navegado com um bucaneiro francês chamado Romber, e que eles haviam achado um porto avançado do lendário Império Mogar: uma ilha onde ficava um templo de pedra, como nenhum nativo caraíba poderia ter construído em sua época, ou de fato durante centenas de anos, e que possuía um vasto tesouro de pedras preciosas. Eles haviam sido forçados a correr de um galeão naval espanhol, antes que pudessem saquear o templo, e escaparam do galeão, mas entraram em conflito com uma fragata inglesa, a qual os afundou. Somente Dick Comrel sobreviveu.

Helen teria descartado isso como tagarelice de marujo, mas ela já ouvira antes a história de Mogar, através de marinheiros ingleses, franceses e espanhóis, alguns deles comandantes responsáveis. Ela seguiu os movimentos de Comrel, e logo que percebeu a força daquela história, juntou-se à tripulação do Capitão John Gower. Ela conhecia John e seu irmão Tobias como dois horríveis suínos brutais, e nada amigos de seu pai adotivo também. Eles haviam acompanhado juntos o diabólico pirata l’Ollonais em sua última viagem. Roger O’Farrel havia caçado l’Ollonais, do início daquela viagem até seu final desafortunado, e feito muito para lhe causar desastre. Os irmãos Gower haviam desertado l’Ollonais antes do fim, motivo pelo qual ainda estavam vivos – lamentavelmente, no ponto-de-vista de Helen e O’Farrel. Mas aquilo foi durante a viagem. Se Comrel estava colocando John Gower na trilha do tesouro mogar, Helen, jovem, impulsiva e audaciosa, desejava muito estar lá.

Ela se aproximou direta e ousadamente de Gower, como de costume, com um pedido para navegar com ele em sua próxima viagem. Explicou que Roger O’Farrel não tinha navio no momento, e que outros capitães anteriores dela, como le Ban, não estavam disponíveis. O cara-de-macaco do Gower sabia que aquilo era verdade.

- O’Farrel não é meu amigo – ele rosnou. – Você sabe disso.

- Ele não precisa ser – Helen respondeu friamente. – Sou uma mão tão útil na aparelhagem do navio quanto você verá, como você sabe, Gower. E tão boa numa luta quanto qualquer homem.

Gower indelicadamente a aceitou. Helen deixou sua própria tripulação e chalupa, a Grace, e embarcou no Incursor Negro de Gower. Era uma “embarcação longa e baixa”, como Stephen Harmer a descreveria, com “tinha um aspecto desleixado, uma aparelhagem desalinhada e descuidada, a qual não indicava uma tripulação honesta ou um dono cuidadoso”. Helen não havia tido expectativa melhor; nem ela nem O’Farrel tinham opiniões elevadas sobre os Gowers como marinheiros. O Incursor Negro havia, pelo menos, sido devidamente querenado num espaço razoável de tempo.

Gower também era profissional o bastante para saber que caçadas otimistas a tesouros normalmente falhavam, e colher informações sobre prêmios mais realistas no caso da história do templo mogar não dava em nada. Ele tinha notícias sólidas sobre um navio mercante indo para Cuba, e outros navios aos quais poderia atacar de surpresa. Preparado assim, ele embarcou.

Dick Comrel o guiou diretamente até a ilha da qual se gabara. Gower, com certeza, o mataria lentamente se ele falhasse. Ávido pelo fabuloso tesouro e pouco disposto a compartilhar o conhecimento dele, Gower foi à praia num longo bote com Helen e vários homens. O Incursor Negro ele havia mandado, sob o comando de seu imediato, Frank Marker, para interceptar o navio mercante espanhol e retornar oportunamente.

Como aconteceu, já havia alguém na ilha – Stephen Harmer, sobrevivente do navio Condessa Azul, da Virginia. O Condessa havia pegado fogo e queimado até a linha da água. Stephen havia sobrevivido ao se agarrar num quartel de escotilha. Seu caminho e o de Helen estavam prestes a se cruzarem.

O que se seguiu foi contado por Robert E. Howard, em sua história “A Ilha da Perdição Pirata”. A posição daquela ilha não é dada, mas devia ter, no mínimo, algumas milhas de comprimento e de largura, porque o narrador fala de “árvores altas, suas fileiras se afastando a ambos os lados”, e novamente sobre pássaros “no alto dos galhos entrelaçados de árvores densas”. Ele também fala sobre “adentrar a ilha numa distância considerável”. Há pelo menos dois córregos, uma cachoeira, penhascos rochosos e ravinas na parte mais alta da ilha, e um pântano baixo.

Evidentemente houvera atrito entre Helen e Gower, antes que desembarcassem na ilha, no longo bote do navio. Havia “sete sujeitos grandes e rudes”, além da jovem – o próprio Capitão Gower, seu guia Dick Comrel; la Costa, um francês magro de pele escura, com um nome estranhamente espanhol; Tom Bellefonte, Will Harbor, Mike Donler, e um que morreu sem que seu nome fosse mencionado. A lancha mal desembarcou, antes que Helen precisasse desembainhar sua lâmina em auto-defesa, deter um golpe de espada e correr até a selva. Os piratas se separaram para procurarem-na e ao templo que supostamente continha o tesouro, e parece que o primeiro a achar Helen morreu rapidamente.

Stephen encontrou o cadáver por acaso. Ele lhe roubou as pistolas e o sabre. Enquanto ele fazia a tarefa desagradável, Helen apareceu e zombou dele como ladrão de cadáveres, ao que ele respondeu que mais alguém tinha de responder por matá-lo. Formaram um par desirmanado, e não se deram bem a princípio; Harmer via a trilha vermelha de Helen com aversão, enquanto ela logo percebeu que ele era um puritano, e sempre compartilhou a aversão de O’Farrel por eles. Mas Harmer tinha sangue vermelho o bastante para lhe admirar a forma, e achar que os lábios dela eram os mais dignos de serem beijados que ele já vira.

Suas origens exatas não são dadas. Ele pode ter nascido na colônia de Massachusetts, e sido um simples marujo desde menino, vez que ele diz: “passei boa parte de minha vida equipando navios”. Sua posição a bordo do Condessa Azul havia sido a de um imediato. Embora Helen o chamasse zombeteiramente de “Farisaico” e “Aba Larga” (uma referência aos chapéus puritanos) a princípio, não lhe demorou muito para que visse seu novo companheiro não-escolhido como corajoso, leal e honesto, e nem um pouco um homem de figura meio má...

Uma rixa não demoraria a começar, apesar de dividirem o perigo. Steve se cansou de ouvir os elogios ilimitados a Roger O’Farrel, a quem ele considerava um patife; e, quando o assunto veio à tona, ele disse asperamente que não conseguia ver como uma mulher poderia ser uma pirata e assassina, mas ainda virgem. Helen disse, num sussurro de lábios pálidos, que já matara homens por menos; Steve disse teimosamente que, se ela o matasse, isso mal mudaria sua opinião. Então, para seu espanto, ela se jogou ao chão, chorando que sua pureza sexual era a única coisa da qual tinha orgulho em sua vida, e ele se desculpou, lembrando-se das histórias que ouvira, sobre sua piedade com tripulantes e passageiros dos navios que pilhara. Fizeram mais ou menos as pazes e, de qualquer forma, eles ainda tinham inimigos comuns para enfrentarem...



Tradução: Fernando Neeser de Aragão.



A seguir: A Perigosa Helen Tavrel – Parte 5.



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