(por Keith J. Taylor)
“O janota da lancha estava diante de mim.
Claro, era menor do que eu havia pensado, embora fosse flexível e esbelto. Ele
usava botas de fino couro espanhol nas pernas adornadas, e acima delas, calças
justas de pele de corça. Um fino cinto escarlate, com enfeites e brincos nas
extremidades, estava amarrado à sua cintura delgada, e daquele cinto se
sobressaíam as coronhas douradas de duas pistolas. Um casaco azul, com
extremidades brilhantes, estava aberto para mostrar a camisa ornamentada de
babados e rendas, sob ele”.
[...]
“Agora, eu olhava pela primeira vez para seu
rosto. Era um oval delicado, com lábios vermelhos que sorriam zombeteiros e
grandes olhos cinzas que dançavam; e só então, eu percebi que estava olhando
para uma mulher, e não para um homem”.
(Robert E.
Howard – “A Ilha da Perdição Pirata”)
O ano era 1669. Port Royal, o refúgio bucaneiro da Jamaica, zumbia com
as tagarelices sobre a filha adotiva de O’Farrel. Numa viagem com o Capitão Hilton,
um dos mais impiedosos homens sobre as águas, ela havia mostrado sua semelhança
com o temível O’Farrel, e no final partira rapidamente, pois não confiava nem
um pouco em Hilton e achou que ele poderia entregá-la ao governador inglês.
Este irritado Hilton, claro, quando ela escapou dele, ficou parecendo um
imbecil. Henry Morgan gargalhou ruidosamente com aquela história, embora ele
entregasse tanto Helen quanto O’Farrel ao seu amigo, o Governador Modyford, sem
hesitação, se pudesse pôr as mãos neles. “Cão rebelde na cama com os duplamente
malditos Dons”, Morgan havia dito sobre O’Farrel.
O’Farrel havia deixado Havana após uma rixa com seu desonesto Capitão
Geral, e se estabeleceu em Santiago na costa sul, uma cidade com um Capitão
Geral não menos incorreto. Os dois oficiais tinham aversão um pelo outro, mas o
administrador de Santiago, pelo bem das aparências, teve que mandar de volta o
navio com o qual O’Farrel havia fugido, e assegurou ao rival que o imprudente
pirata irlandês seria preso e castigado, e depois mandado de volta a Havana
para responder acusações. Estas garantias custaram apenas o fôlego sob eles.
O’Farrel era rápido para adquirir mais habilidade pirata, começando por
um par de pirogas de cedro, capazes de carregar 50 homens cada, e depois uma
chalupa veloz como a Serpe de Hilton.
Helen trabalhava com o amado pai adotivo, enquanto ele contrabandeava e
negociava com fazendeiros dentro do sul de Cuba, e se empenhava em outros tipos
de comércio ilícito, mas ele havia abandonado quase totalmente a pirataria, e
talvez Helen o visse como envelhecendo e querendo mudar de vida; ele estava se
aproximando dos 50 anos. Jovem, selvagem como o mar e inquieta, Helen navegava
com outros capitães além de O’Farrel – “Hilton, Hansen e le Ban nesse meio
tempo”, como ela dissera a Harmer mais tarde, e acrescentou: “Gower é o
primeiro capitão a me insultar”. Eu imagino o Capitão (Arnaud?) le Ban como um
garanhão espalhafatoso e extravagante de Provença, num casaco azul com enfeites
prateados nas mangas, rendas e um esplêndido chapéu de aba erguida, com um
sabre pronto. Seu antro preferido pode ter sido Tortuga; seu navio favorito, um
pesadamente armado de velas quadradas. Quanto a Hansen – Troels Hansen, talvez
–, ele pode ter sido dinamarquês, um patife caprichoso e beberrão que preferia
aquavita destilada com âmbar e alcaravia do que rum, duro como o anterior teria
sido para entrar no Caribe. Ele também não era sutil. Suspeito que ele
despedaçasse suas vítimas com um machado, ou os partisse ao meio com um bacamarte.
“Beberrões, assassinos, ladrões, gente que
merece a forca”, Helen disse sobre eles para Stephen Harmer, “todos, exceto o
Capitão Roger O’Farrel”.
Além dos piratas acima e de alguns historicamente conhecidos, como
Roche Brasiliano e Henry Morgan, houveram outros piratas fictícios de Robert E.
Howard aparentemente pilhando naquela década. Black Terence Vulmea devia ter em
torno de 22 anos em 1669, e havia apenas recentemente se tornado pirata, após
um par de viagens à Costa dos escravos e África Ocidental. Na verdade, creio que ele estava navegando com
o pirata holandês Laurens de Graaf. Outro pirata holandês mencionado por Vulmea
e Wentyard, em “A Vingança de Black Vulmea”, foi van Raven, uma “ave de
passagem”. Também havia Harston de Bristol, e “Tranicos” (L. Sprague de Camp
trouxe um “Tranicos Sanguinário”, mas aquilo foi o tipo de reciclagem que o
próprio Howard fazia freqüentemente). Suponho que o “Tranicos” mencionado em “A
Vingança...” fosse um grego, que viu pela primeira vez a luz do dia na baía de
Pireu, chamado Gregor Tranicos, e antes de alcançar o Caribe, havia servido na
marinha de guerra otomana durante o reinado do Sultão Mehmed IV (“o caçador”).
Em 1669, ele se aproximava dos 35. Guillaume Villiers aparece em “Espadas da
Irmandade Vermelha”, que se passa cronologicamente (eu acho) em torno de quatro
anos antes de “A Vingança...”. Mas Villiers ainda não era um pirata em 1669.
Presumo que ele fosse um oficial júnior na marinha de guerra francesa.
Dick Harston de Bristol, da mesma idade de Vulmea, era um jovem pirata,
com anos à frente antes de chegar a capitão, e pode ter navegado com Hilton, le
Ban ou Hansen numa das mesmas viagens, como Helen. Havia os irmãos John e
Tobias Gower, brutais mesmo entre os bucaneiros, que haviam estado com l’Ollonais
em sua última viagem, mas desertaram antes do desastre final. Pierre le Picard
havia feito o mesmo. Outro bucaneiro francês, de Romber, cujo nome aparece em
“A Ilha da Perdição Pirata”, pode também ter estado em cena nas Índias
Ocidentais, ou pode ter perecido.
Certamente foi enquanto se misturava com tais homens, e com os piratas
de O’Farrel também, que Helen ouviu pela primeira vez a lenda de Mogar. É um
nome curioso que soa diferente de qualquer palavra galibi ou arauaque, e pode
ser uma corruptela que se tornou comum entre os piratas, mas, como Helen diz:
“quando os espanhóis navegaram pela primeira vez em alto-mar, encontraram uma
ilha na qual havia um império em decadência... Os nobres espanhóis destruíram
esses nativos...”. Naturalmente, surgiu a história de um vasto tesouro, o tipo
de história na qual caçadores de fortuna sempre querem acreditar. John Gower
finalmente chegou à ilha e procurou por ele, em “A Ilha...”.
Sua suspeita, se ela realmente considerou uma, de que O’Farrel estava
passando da idade de pintar o sete, se provou incorreta. O irlandês levou sua
chalupa ao longo das ilhotas meridionais de Cuba, às quais conhecia
profundamente, e emboscou um pirata que querenava seu próprio navio, o Jezebel. O’Farrel o pegou e adicionou à
sua chalupa e par de pirogas. Com sua pequena frota, ele estava pronto para
abandonar suas associações espanholas, antes que o Capitão Geral de Santiago
também o enganasse – um evento provável – e cumprisse um grande golpe final ao
partir. Durante algum tempo, ele havia mantido Tortuga em mente como seu
próximo refúgio, caso precisasse.
Seu alvo era a esquadra de tesouro Tierra Firme, que ia de Cartagena
para Havana. Helen o acompanhou na aventura, à qual ela não perderia por nada.
O’Farrel preparou sua cilada com cuidado, esperando por uma presa que estivesse
perdida ou separada do corpo principal de navios por causa do mau tempo, e suas
esperanças se realizaram. Capturou um navio de tesouro e um comboio de navios
de guerra. Então, ele e Helen partiram para Tortuga.
Aquela famosa base pirata havia sido governada por uma gangorra incerta
entre franceses e ingleses no passado, além de ter sido retomada pelos
espanhóis ocasionalmente; mas, em 1669, era francesa. O Governador Bertrand
d’Oregon presidia lá para Luis XIV. O navio de comboio que O’Farrel derrotara
afundou no caminho, bombardeado por um tiro de canhão, e ele vendeu o navio de
tesouro em Tortuga após dividir o saque. Hilton Sanguinário aconteceu de estar
em porto Tortuga na ocasião, e Helen, inquieta, juntou-se novamente a ele como
capitão. Hilton capturou um navio mercante da Inglaterra, o qual estava a
caminho da Jamaica com colonizadores a bordo, e seria queimado até a linha da
água após ser saqueado. Helen o contestou e insistiu para que os colonizadores
e tripulação fossem postos ao mar em botes com água e comida. Hilton gargalhou
e recusou.
Helen pôs uma das mãos no seu florete e a outra numa pistola. Ela disse
gentilmente:
- Então, desembarquemos num baixio e vamos discutir o assunto. Quem
retornar vivo, decidirá o destino desta gente e será capitão também. – Ela
então acrescentou, em voz suficientemente baixa para que somente Hilton
ouvisse: – Lembre-se que os rapazes aqui me conhecem agora, e me consideram
sortuda. Eles podem preferir a mim.
O manês também conhecia Helen
àquela altura, e sabia que ela não estava brincando quando falou de morte num
baixio. Ele recuou. As pessoas foram mais tarde levadas a bordo de um navio
honesto, com Stephen Harmer casualmente como um dos membros da tripulação. Ele ouviu
uma mulher entre os sobreviventes testemunhar que Helen havia salvado suas
vidas, e se lembraria disso mais tarde. Quanto a Helen, ela decidiu que já
estava cansada de Hilton e não navegaria mais com ele. Havia outros capitães.
Henry Morgan levou a cabo sua expedição em grande escala, com centenas
de bucaneiros, para atacar Cartagena e Macaraibo em 1669, mas Helen nunca
procurou participar dela. Assim como O’Farrel, ela não confiava nem um pouco em
Morgan. Além disso, ela sabia do descuido de Morgan em outubro de 1668, quando
ele e sua tripulação haviam conseguido explodir sua própria nau capitânea, a
fragata Oxford de 34 canhões, após
uma longa noite de bebedeira de rum. Tanto o rudemente magnífico Capitão le Ban
quanto o taciturno dinamarquês, Hansen, foram mais cuidadosos que isso.
Helen zarpou de Provença com o homem e sua tripulação. Arnaud le Ban se
dirigiu rapidamente às Ilhas Virgens e Leeward, onde interceptou vários prêmios
– dentre eles, navios mercantes da Europa, com bens manufaturados do tipo que
não são produzidos no Caribe. Eram geralmente trocados por açúcar e escravos.
Houve lucro, mas não muita luta, pois os mercadores se renderam assim que le
Ban os alcançou, e ele os deixou partir, exceto por sua carga, para roubá-los
novamente em algum outro dia, o que ele considerava uma política melhor que o
terror e matança indiscriminados de Hilton. Aquilo estava mais ao gosto de
Helen, mas o inesperado ocorreu, como sempre acontece na vida pirata.
Um navio de guerra inglês pairava à vista – parte da Esquadra
Jamaicana. Era apenas uma leve fragata, carregando 25 canhões; dois na proa,
três na popa e dez de cada lado – nenhum de seus canhões era pesado demais. O
navio de três velas de le Ban tinha 20 canhões leves, embora pudesse levar
mais; mas a pólvora era cara e seus canhoneiros não tinham a habilidade e
disciplina dos homens da marinha de guerra. Além disso, exceto pelo próprio
navio, não havia nada na fragata que a fizesse um prêmio digno dos riscos e
perdas envolvidos. Le Ban mostrou as cores francesas e fingiu ser um navio
honesto. O truque não funcionou, no entanto, pois o capitão da fragata tinha
uma descrição do navio atual de le Ban. Ele ordenou que le Ban se rendesse. A
resposta do corsário provençal foi: “Venez au diable!”.
O resultado foi uma luta no mar.
Helen já se envolvera em tal ação antes – com seu pai adotivo O’Farrel.
Aquela embarcação inglesa era normalmente grande e bem-armada para a
mal-financiada Esquadra Jamaicana, embora fosse uma fragata de 40 canhões. Os
navios menores e mais ágeis de O’Farrel só tinham sucesso em fazer a fragata
recuar, parcialmente inutilizada, até a Jamaica. Neste caso, a leve fragata
inglesa, recentemente inclinada naquela ocasião, estava firme e bolineira,
ajustada em muitos aspectos para ultrapassar le Ban. Entretanto, seu casco de
três mastros estava desobstruído o bastante e, apesar de seu desgrenho
espalhafatoso, le Ban era um ótimo marinheiro.
Ele tinha o melhor da fragata, em certo ponto, em substituição ao fogo
dos canhões. Após lançar uma bordada, le Ban apareceu dentro do vento, recuando
até a popa e enchendo suas velas, ficando, desse modo, capaz de seguir
rapidamente sua primeira bordada com uma segunda. Ele não atingiu os conveses
da fragata, recentemente querenada para isso, mas ao invés disso enviou suas
bordadas através dos cordames, rasgando-os em pedaços e derrubando o mastro de
proa. Após isso, ele evitou dar mais tiros de canhão; como muitos piratas, não
tinha enormes reservas de pólvora, e os longos mosquetes de seus bucaneiros
eram mais econômicos. Eram especialistas e peritos com aquelas armas de fogo
também, tendo caçado gado selvagem com elas como meio de vida, antes de se
tornarem piratas – a origem do nome bucaneiro.
Abateram muitos da tripulação da fragata antes de abordá-la e, como
sempre, Helen estava entre os primeiros sobre o parapeito. Sua risada era
perversa, seu florete brilhava e estocava; e ela se movia no convés esfumaçado
e alastrado de obstáculos como se tivesse olhos nos pés. Homens morriam ao
confrontá-la. Como Jack London, cujo trabalho Robert E. Howard amava, escreveu
em “The Star Rover”: “É fácil, muito mais fácil, matar um homem vivo, forte e
respirando com uma arma tão crua quanto um pedaço de aço. Ora, homens são como
caranguejos de casco mole, de tão delicados, frágeis e vulneráveis que são”.
Mas o mesmo se aplicava a Helen, e ela poderia ser morta tanto quanto
qualquer um de seus adversários, se a sorte ficasse contra ela por um instante.
Lembrava-se disso sempre que sua consciência ficava contra ela, como às vezes
fazia, em momentos tranqüilos quando seu sangue selvagem não corria. Em sua
visão, os marinheiros da Esquadra Jamaicana eram pouco melhores que piratas em
geral, e freqüentemente aliados a eles – com Henry Morgan e seus iguais. Quando
os ingleses sobreviventes largaram as armas, le Ban os colocou numa lancha com
suprimentos, disse a eles para irem aonde quisessem e se apoderou de sua
fragata – um comportamento, de qualquer modo, melhor que as ações típicas de
Hilton Sanguinário. Ele substituiu o mastro destruído, e navegou com sua
própria embarcação e a fragata capturada em direção às Bahamas, onde pretendia
recrutar mais homens.
A ilha de Nova Providência era então pouco habitada, e o distrito que
mais tarde se chamaria Nassau era conhecido como Charles Town. Sua população em
1670 era de pouco mais de 500 almas, de todas as probabilidades, incluindo os
escravos. Corsários e piratas usavam-na como base para saquear navios
espanhóis. Seu porto era excelente, cheio de recifes rasos, ajustados para
navios. O comércio honesto era limitado, mas os navios eram freqüentemente
destruídos naquelas águas e cargas valiosas flutuavam à praia.
Os habitantes de Charles Town se cansavam de esperar por destruições
causadas pela Natureza. Eles foram levados a pôr falsas luzes de recifes no
largo, para atrair os navios à destruição. O Capitão le Ban sabia disto; estava
entre as poucas práticas marinhas ilícitas que o ofendiam, vez que um navio
pirata – como o dele – estava tão propenso a se tornar vítima disso quanto uma
embarcação honesta. Ao invés de ser enganado pelas luzes no largo, ele usou a
brisa terrestre para se manter livre do perigo. Então retornou pela manhã. Com
Charles Town sob suas armas, ele desembarcou com 50 demônios bucaneiros – o
suficiente para intimidar todo o povoado.
Le Ban saqueou cada pedaço de pilhagem que ele continha. Então queimou Charles Town até virar cinzas –
não que fosse muita coisa, senão cabanas esquálidas e um ou dois armazéns.
“Dêem-se por felizes, por eu deixá-los viver”, ele disse à população, e foi-se
embora em seu navio. Uns 15 anos mais tarde, Charles Town seria novamente
queimada, desta vez por espanhóis. Dez anos depois, seria reconstruída e
rebatizada de Nassau.
Surgiu uma tempestade, forçando os piratas a se abrigarem em Andros, de
longe a maior ilha do grupo, margeada por palmeiras e bela ao lado de águas
primitivas, com a grande vala da Língua do Oceano, “mais profunda que qualquer
som de chumbada”, imediatamente ao leste. A praia era cheia de grutas marinhas
azuis. Apesar de seu tamanho, era raramente visitada, exceto por piratas e
pescadores. Helen e le Ban, entretanto, foram pegos pelo vento e pelo tempo
quando um grande bando de índios do sul da Flórida chegou em suas longas canoas
de casco duplo, expulsos talvez pelos mais poderosos Calusas. A qual povo
pertenciam, não se sabe. Eram excelentes navegantes, que, por suas próprias
tradições, haviam outrora dominado o mar desde a Flórida, atravessando as
Bahamas, até as costas setentrionais de Hispaniola. Dois homens, irmãos, de sua
raça, que pertenciam à tripulação de O’Farrel e lutavam como tigres, tinham
piques e machetes como armas preferidas. Seu antigo poder desaparecera e sua
tribo agora era uma mera remanescente, devido a carnificinas espanholas e
doenças européias. Mas os sobreviventes não eram menos ferozes que seus
antepassados, e as mulheres lutavam ao lado dos homens. Quando encontraram os
piratas de le Ban, seguiu-se uma batalha pesada, a qual os piratas não teriam
ganhado sem seus mosquetes nem suas armas de aço (os índios eram em número de
quase trezentos). Mas os piratas sofreram perdas, enquanto ganhavam o dia
contra os homens vermelhos.
Le Ban navegou de volta a Tortuga, para recrutar mais cães-do-mar
gatunos. Ele chegou a tempo de testemunhar o aparecimento do pirata holandês
Jacob van Raven, e vê-lo queimar o navio de O’Farrel em seus ancoradouros. Van
Raven culpava O’Farrel pela morte de seu mentor Blauvelt. Helen Tavrel,
enfurecida, jurou perseguir van Raven e lhe ensinar uma lição, mas ela não
tinha navio, nem O’Farrel tinha. Quanto a le Ban, estava pouco disposto a
perseguir o holandês como favor a O’Farrel e, quando Helen teve condições de
procurá-lo, ele provou ser difícil de achar. Como Black Vulmea disse mais tarde
sobre o homem: “Ele é uma ave de passagem. Quem sabe por onde ele navega?”.
O dinamarquês Troels Hansen se mostrou mais disposto a se aventurar em
fazer uma longa perseguição a van Raven, pois tinha uma dívida a pagar com
aquele patife enorme e jovial. Um primo de Hansen, recém-chegado da Escandinávia
às Índias, havia visto o navio de van Raven na ilha de Curaçao, e ouviu uma
história de que ele estava indo para a Holanda. Hansen aceitou o pedido
insistente de Helen, e atravessou o Atlântico na esperança de pegar van Raven,
embora ele também tivesse outros planos.
Eles nunca encontraram van Raven. Ou ele mudou de idéia, ou os rumores
em Curaçao haviam sido falsos. Onde quer que o holandês estivesse naquele
momento, não era nos Países Baixos.
Hansen não estava tão irritado por van Raven tê-lo iludido. Ele tinha
seus próprios planos, e grandes planos, de aparelhar o recém-adquirido navio.
Um radiante navio mercante que parecia honesto, e ele o havia tripulado com
mais de 200 homens, vasculhando desde Port Royal até Tortuga. Hansen tinha
bastante espaço no porão de seu navio. Além disso, não era reconhecível de
longe como um pirata – uma vantagem nos portos da Europa setentrional.
Helen Tavrel provou seu valor para qualquer um que duvidasse, enquanto
cruzavam o Atlântico. Ágil como um macaco na aparelhagem do navio, ela nunca
fugia de qualquer tarefa de marinheiro que estivesse ao alcance de sua força, e
havia sido ensinada pelo pai adotivo sobre como navegar. Ele também a instruíra
nas habilidades médicas (ele estudara medicina na juventude). Helen era
competente no tratamento de muitos ferimentos comuns, e muito raramente havia
homens na “conta vermelha” atendidos por uma jovem que se parecesse com um anjo
– sendo ou não, ela se comportava como um. Não houve lutas naquela viagem, mas
um pouco de mau-tempo e muitos dos ferimentos normais agüentados por homens do
mar. Muitos da tripulação de Hansen, quando chegassem a Amsterdã, teriam de
lutar contra qualquer marinheiro que dissesse uma só palavra contra a garota
Tavrel.
Não encontraram sinal algum de Jacob van Raven em Amsterdã, nem ouviram
qualquer notícia sobre seu navio, embora o primo de Hansen tivesse muitas
fontes lá. Mas descobriram dois navios mercantes suecos, carregados de armas
para a Rússia. Amsterdã era um importante centro de manufatura de armas, e
naquela época a Rússia enfrentava a maior revolta de camponeses do século 17,
ainda não reprimida com sucesso. O grande líder cossaco Stenka Razin havia se
tornado uma séria ameaça no Volga. O czar russo precisava de armas. Os navios
suecos estavam abarrotados de pólvora, balas, espingardas de pederneira, piques
e espadas. Para os bucaneiros, aquilo era mais do que apenas interessante.
Esconderam-se à espera dos navios com armas, entre as ilhas frísias.
Hansen, com seu longo rosto lúgubre implacável, disse rudemente aos seus
homens:
- Aqui não é o Caribe. Os mares são estreitos, as esquadras estão por
toda a parte, e há muitos patíbulos esperando por um pirata. Além disso, este
navio não é muito rápido! Não deixaremos ninguém vivo para contar histórias. –
Dando aos seus ouvintes tempo suficiente para entenderem, ele acrescentou: –
Não se contenham! Certifiquem-se de matarem cada um dos homens.
Helen, aos 18 anos, já havia matado e matado novamente, mas esta
perspectiva lhe arrepiou um pouco o coração. Embora percebesse o sentido do que
Hansen estava dizendo, e houvesse se endurecido para lhe seguir as instruções,
algo dentro dela recuou. Olhou para suas pistolas – um par feito por um
especialista, acurado como qualquer arma de fogo daquela época – e treinou com
seu florete, para deixar de pensar tão profundamente. E então a sentinela gritou
as notícias de dois navios hasteando a bandeira sueca.
Hansen navegou para encontrá-los, hasteando as mesmas cores. Eles
estavam pesadamente carregados, enquanto seu navio se movia levemente.
Saudando-os em amizade fingida, perguntou por notícias – um truque tão comum no
Mar Espanhol, que não enganaria ninguém, mas aqui o outro capitão se
considerava seguro (exceto, talvez, dos ingleses). Então os piratas abriram fogo,
e seguiu-se sua rajada de mosquetes, deitados lado a lado. Hansen saltou sobre
o parapeito deles, disparou seu bacamarte com efeitos sangrentos, e pisou nos
mortos e moribundos enquanto girava o sabre de abordagem. Helen, usando camisa
de malha e elmo com aba, estava instantaneamente ao seu lado, seu florete uma
ofuscante tira de luz em sua mão. Suas dúvidas foram rapidamente dissipadas na
batalha. Perguntar o quão pessoalmente errada um homem a havia tornado era
dificilmente uma reflexão, quando ele tentava enfiar um pique em seu fígado.
Marujo após marujo sueco, e soldado também – pois alguns desses estavam a bordo
–, ela transpassou quando a enfrentaram, e usou as pistolas quando necessário.
Um homem caiu diante dela, com os miolos estourados, e outro recebeu uma bala
no pulmão. A tripulação do outro navio estava muito mal-avisada para ir ajudar
seus companheiros, achando que a quantidade de piratas era menor do que
realmente era – e outros 100 demônios selvagens saíram do porão onde estiveram
escondidos. Os suecos não tiveram chance. Cobraram um preço, até pesado, antes
que o último deles morresse, mas aquilo era tudo no trabalho diário ao gosto da
tripulação de Hansen.
Ao invés de se arriscarem em descer os Mares Estreitos, eles seguiram
para o norte e percorreram ao redor da Escócia e Irlanda. Tanto Hansen quanto
Helen sabiam o quão penosamente a Armada Espanhola fracassara em fazer o mesmo,
mas sua sorte com o tempo foi melhor. Eles e seus prêmios chegaram novamente a
Tortuga. Hansen e seus companheiros lucraram nobremente ao venderem armas aos
bandidos da Ilha da Tartaruga, e Hansen havia inclusive obtido um bom
suprimento de sua bebida alcoólica favorita, o akvavit, enquanto esteve na Holanda.
Helen, no entanto, meditava consideravelmente e bebia mais que o seu
normal – puro rum escuro, em terra firme, em seus aposentos e sozinha.
Tradução: Fernando Neeser de Aragão.
A Seguir: A Perigosa Helen Tavrel –
Parte 4