(por Keith J. Taylor)
Eu estava no convés de
um navio em direção ao largo
E escutava o rugido
terrível e aterrador
Das ondas do oceano,
quando elas atingiam os baixios;
Lançado lá no alto da
maré, como chefes coroados,
Cujas plumas se agitam
bem acima das hordas em batalha,
Onde as lanças saltam
e as espadas faíscam,
E as poderosas ondas
se erguem altas e íngremes
Para a mão das ondas
que atingem o mar alto.
E minha alma pulava
alto e minha alma pulava livre,
Até o pulo e o balanço
do mar que rolava!
(Robert E.
Howard – “O Mar”)
O estranho
casal, a pirata Helen Tavrel e o calmo e honesto comerciante Stephen Harmer, haviam
sido lançados juntos pelo destino numa ilha remota do Caribe. Eles tinham
inimigos mútuos, o grupo de piratas liderados pelo brutal John Gower, de rosto
simiesco; e, num par de conflitos, já haviam reduzido a quantidade de
adversários. Ao verem os cinco velhacos sobreviventes se juntarem outra vez, nenhum
deles com a lancha na praia, Helen decidiu voltar e roubar o bote de
suprimentos. Era uma atitude imprudente, e foram flagrados por Mike Donler e
Will Harbor. Stephen atravessou uma bala no peito de Donler, e logo o matou com
um sabre de abordagem, enquanto Helen transpassou o outro pirata. Agora a
diferença era de apenas três contra dois.
Gower e seus
companheiros, um francês moreno e sério com o nome espanhol La Costa – uma
coisa que ele nunca explicou –, e um gigante barbudo de má natureza chamado
Bellefonte, poderiam ter fugido na lancha. Mas Gower, o capitão, estava obcecado
com a idéia de que havia um tesouro fabuloso na ilha. Estava supostamente
dentro de um templo de pedra, uma relíquia de um império perdido chamado
“Mogar”, o que Harmer duvidava. Ele também achava que fabuloso era justamente a
palavra para descrever o tesouro. Helen achava válido procurá-lo, pelo menos, e
ela provou estar certa.
Eles
descobriram o templo, no outro lado de uma barreira malcheirosa de bambu,
videiras e lama. A descrição que Howard faz de sua arquitetura não é diferente
da do “Templo do Sapo”, encontrado umas 15 décadas depois por Friedrich von
Junzt, em Honduras (“A Coisa no Telhado”, de Robert E. Howard): “feito com
grandes blocos de pedra [...] sem janelas nem portas [...] colunas enormes e
atarracadas [...] formavam a frente do edifício...”. Talvez fossem produtos da
mesma cultura. Steve se perguntou: “Que estranho povo teria construído aquele
santuário há tanto tempo? Certamente algum povo terrível e sombrio, que pereceu
eras antes dos caraíbas de pele marrom erguerem seu império transitório”.
Gower e seus
companheiros os pegaram em desvantagem ali, e Steve foi ferido por um tiro de
pistola. Derrubado por uma coronhada por La Costa, ele não pôde ajudar Helen, e
ela também foi aprisionada. Gower os poupou por enquanto, apenas porque estava
impaciente para achar o tesouro, o qual ele insistia estar lá. Bellefonte
estava igualmente ansioso, mas La Costa ficou cético. “Quanto às jóias”, ele
afirmou, “uma lenda diz que os antigos sacerdotes deste povo as lançaram ao
mar, e eu particularmente acredito nessa lenda”. Apesar disso, ele se sentiu
supersticioso sobre o próprio templo. “Isto é um antro de demônios... Não, o
próprio Satã abriu suas asas escuras sobre este templo, e aqui não é lugar para
cristãos!”.
O que quer que
tenha dado a La Costa a idéia de que ele, Bellefonte e Gower eram cristãos,
está além de mim. Mas isso é proposital. Robert E. Howard tinha um senso de
ironia. Logo depois, La Costa foi mordido por uma cobra mortífera e deu um tiro
em si próprio, para encerrar seu tormento.
O Capitão
Gower mal se abalou, e continuou sua busca. Após algum tempo, ele afirmou:
“Acho que aquele altar ali é a chave deste mistério. Traga o malho, e vamos dar
uma olhada naquela coisa”. Tinham um martelo enorme com eles, e Bellefonte
tinha a força necessária para quebrar quase tudo, até mesmo o que parecia ser
um sólido quadrado de pedra. Mas Stephen Harmer sentiu um calafrio enquanto os
observava se prepararem. Expressou isso:
“Subiram as
escadas, como dois patifes subindo os degraus da forca, e sua aparência na luz
fraca era a de homens já mortos. Uma mão fria tocou minha alma, e eu parecia
ouvir o bater de grandes asas de morcego. Um terror gélido se apossou de mim,
não sei por que, e puxou meus olhos para a grande pedra que pendia meditativamente
sobre o altar. Todo o horror deste antigo lugar de mistérios esquecidos caiu
sobre mim como uma névoa, e acho que Helen sentiu o mesmo, pois ouvi sua
respiração ficar rápida e áspera”.
Gower e
Bellefonte não pareciam compartilhar tais sentimentos. Continuaram a golpear o
altar, até ele se mostrar oco e se abrir. Contudo, não havia nada na cavidade,
exceto uma grande gema vermelha no fundo, a qual parecia estar firmemente fixa
no lugar. Eles a soltaram. Não tendo lido “A Coisa no Telhado”, de Howard, nem
assistido a um filme de Indiana Jones, não tinham conhecimento suficiente para
serem bastante cautelosos com o que tocaram num templo secreto e antigo.
Com um ruído
triturador e rangente, a enorme pedra central caiu do teto, esmagando os pedaços
do altar e os dois piratas. Nada mais foi visto deles, exceto sangue escorrendo
de baixo da pedra. Não havia tesouro, também; aquilo havia sido uma fábula, ou
então La Costa estava certo em acreditar que os sacerdotes de Mogar haviam
jogado as jóias no mar, na época da conquista espanhola. O derramamento de
sangue e a morte haviam sido inúteis, mas na rotina pirata era freqüente. E
então a morte se aproximou novamente de Helen, quando uma embarcação, passando
pela ilha, provou ser um navio de guerra, cujos oficiais a enforcariam se lhe
soubessem a identidade. Steve prontamente jurou fazê-la se passar por sua irmã,
e logo fez uma declaração de amor, propondo que eles mudassem os planos e dissessem
ao capitão do navio que ela era sua noiva. Helen não recusou, mas pediu tempo
para pensar e ganhar a aprovação de Roger O’Farrel, sendo ele a coisa mais
próxima a um pai que ela tinha. Steve praguejou frustrado, mas por fim pediu um
beijo.
Estes eventos
aconteceram em 1672. Helen tinha 20 anos, Stephen Harmer 27, e Roger O’Farrel,
que havia fixado residência na praia de Tortuga, 50. Ele havia estudado
medicina na Universidade de Pádua em sua juventude, e na sua idade, achou mais
proveitoso montar e vender cofres de cirurgiões a tripulações piratas, do que
seguir ativamente o comércio – no qual muitos homens morreram pobres.
Roger não
ficou radiante em encontrar Helen estimando um rapaz de crença puritana. Ele
havia lutado com unhas e dentes contra os puritanos de Cromwell, em sua juventude.
Eles haviam assassinado sua esposa e filho no Massacre de Wexford. Stephen disse,
em voz baixa, que ele não tinha “resposta para aquilo, exceto amaldiçoar
aqueles que haviam feito isso, e lhe asseguro que não sou esse tipo de
puritano”. O’Farrel soube, pelo relato de Helen, que ele parecia leal e
corajoso, e os viu navegar na chalupa Grace,
de Helen, com sentimentos misturados.
Todas as
coisas relativas à pirataria ainda chegavam aos ouvidos de O’Farrel. Tortuga
era certamente o lugar para ouvir notícias sobre os nômades do mar. Amigos o informaram
que o irmão de John Gower, Tobias, amaldiçoava Helen Tavrel pela morte de John,
e pretendia se vingar dela. O primeiro imediato de John, Frank Marker, estava
com ele, assim como Moses van Vin, que havia sido segundo-em-comando de l’Ollonais
na selvagem e última viagem daquele homem maligno. Moses chefiava um navio
bem-equipado, com três mastros, 24 canhões e uma tripulação de 215. O navio de
Tobias Gower era ainda maior: um que fora capturado da Companhia das Índias
Orientais, de 700 toneladas, o qual poderia intimidar qualquer embarcação
mercante que não fosse rápida o bastante para evitá-lo. O navio tinha mais de
30 armas – originalmente mais, mas Gower havia reduzido o armamento, para
aumentar o espaço para a carga. Ele também infiltrou um espião na tripulação de
Helen, e soube de sua intenção de atacar uma rica plantação de açúcar numa
mansão em Barbados. Ele e van Vin pretendiam estar lá também.
O’Farrel, no
entanto, deu cada centavo que devia ao governador, pelo empréstimo de um navio,
e se apressou ele próprio até Barbados, pretendendo resgatar Helen, como
outrora ele a resgatara de um navio em chamas, quando ela tinha dois anos. Brevemente,
quando acuada pela força maior de Gower e van Vin, Helen abandonou sua chalupa
e liderou seus homens terra adentro, até Monte Hillaby, onde poderiam fazer uma
resistência em terreno alto. Gower a seguiu, enquanto van Vin permaneceu na costa
com os navios; e estava lá quando O’Farrel chegou. Na batalha que se seguiu,
tanto van Vin quanto O’Farrel foram fatalmente feridos. Tobias Gower se retirou
e escapou – por enquanto.
Helen não deu
atenção à sua fuga. Ela estava aturdida com a morte de O’Farrel. Primeiro, ela
se amaldiçoou e desejou ter morrido no lugar dele; depois, voltou seu desgosto
e fúria contra Tobias Gower. Ela jurou que ele pagaria. Embora ele não gostasse
do sentimento de fúria vingativa numa mulher, muito menos em Helen, Steve
Harmer o achou mais saudável que sua primeira reação, e ambos os irmãos Gower
eram vilões sanguinários, dos quais o mundo ficaria melhor sem eles. Ele vira
John ser esmagado sob uma pedra que caíra, na Ilha da Perdição dos Piratas. Mas
Tobias... para onde iria?
- Ele é tanto
um comerciante de escravos quanto um pirata – Helen disse, com os olhos ainda
vermelhos de chorar. – Pelo Trono de Satã, mas agora que ele matou meu pai
adotivo, ele vai querer ficar longe do Caribe por um tempo. Não somente eu, mas
muitos dos amigos de Roger estarão procurando por ele! Farei um juramento por
lucro e um esconderijo, que ele procurará a Costa dos Escravos. E aqui estamos
com um ex-navio escravo para caçá-lo. É como achei que deveria ser.
O “ex-navio
escravo” era aquele no qual O’Farrel viera resgatar Helen. O Governador
d’Oregon de Tortuga o havia vendido para ele a crédito oportuno. O navio havia
sido transformado, de um negreiro da Costa dos Escravos, com um convés
fortemente reforçado e trinta portas de armas. Helen nunca havia comandado um
navio tão grande antes – somente uma rápida chalupa –, mas ela tinha os homens
de confiança de O’Farrel, seus amigos Deaf Tom Colclough, o artilheiro; Seamus
Browne, o mestre de vela, e tinha Stephen Harmer. Stephen era um bom navegante,
que havia, como ele mesmo disse, passado “boa parte de minha vida equipando
navios”. Nem faltava bucaneiros prontos para tirar vantagem com a vingança por
O’Farrel.
Steve não
tinha certeza de que as razões de Helen fossem impecáveis. Nem Bertrand
d’Oregon. Ele concordava que Gower desejaria ficar fora de Tortuga e do Mar
Espanhol por um tempo, mas correr até a África parecia exagero. Então chegou a
notícia à vinha bucaneira, de que o navio desprezível de Gower havia entrado no
porto de Curaçao, uma possessão holandesa e um notável mercado de escravos. Mas
Gower, no momento, não tinha escravos para vender. Tanto d’Oregon quanto Helen
sabiam disso. Então, qual era seu negócio em Curaçao?
Luca Loreto, o
ex-padre de Havana e mestre-de-armas de Helen, tinha a resposta para aquilo:
- É o asiento! – ele disse. – Deve ser!
D’Oregon
entendeu imediatamente, mas Helen e Harmer precisariam que ele explicasse um
pouco. O asiento era uma (altamente
proveitosa) permissão da Coroa Espanhola, para outros países venderem escravos
nos mercados das colônias espanholas. Seu atual dono era Antonio Garcia, um
português. Como seus predecessores, Garcia se dispunha a comprar seus bens
humanos de revendedores ingleses e holandeses, sem fazer muitas perguntas –
neste caso, da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, em Curaçao. Mas um
bem-arranjado lucro adicional poderia ser feito, se Gower emboscasse navios
negreiros portugueses, indo da África ao Rio de Janeiro, massacrasse suas tripulações
e tomasse o navio, os escravos e tudo o mais, sem pagar um centavo. Garcia poderia
renegar todo o conhecimento dos atos de Gower.
Era limpo.
Havia outras palavras para isso, também, e Helen as usou. Tobias Gower havia
lhe causado a morte do pai adotivo, a quem ela amava acima de tudo. Ela queria
justiça e, se muitos chamavam isso de vingança, Helen Tavrel em nada se
importava com suas opiniões.
As atividades
mais recentes de Gower foram como Loreto havia presumido. Da Curaçao Holandesa,
ele navegara ao longo do Mar Espanhol, ao redor da extremidade leste do Brasil
e descendo o Trópico de Capricórnio. Lá, ele ficou à espreita, aguardando por
navios escravos portugueses, que vinham regularmente através do Atlântico desde
os portos de Angola. Não esperou muito.
Gower havia
perdido um ótimo navio, outrora da Companhia das Índias Orientais, em sua luta
contra Helen e O’Farrel em Barbados. Ele o havia substituído da forma bucaneira,
atravessando até a costa oeste com seus homens e erguendo um patacho, após o
que usou o patacho para tomar a fragata
espanhola, e de posse dela, logo assumiu uma inofensiva aparência de navio
mercante (da esquadra do açúcar) na costa oeste do Brasil. Usando aquilo como
chamariz, e utilizando as cores de Portugal como impostura adicional, ele
emboscou um navio de escravos da África, quando este se aproximava do Rio.
“Desprovido de dó e piedade”, como sempre, ele massacrou tripulação e capitão,
primeiro com tiros de mosquete, depois com aço afiado após a abordagem, até não
restar nada vivo a bordo do navio negreiro, exceto seus piratas e os cativos
acorrentados lá embaixo. Eram principalmente povos Bakongo, que haviam sido
levados de navio desde o porto de Luanda. Gower, rindo guturalmente de
satisfação, deu ordens para navegar na direção sul, para Rio de la Plata, em
território espanhol, onde havia sempre um mercado pronto para escravos, e onde
ele poderia vender os bakongos. Ele agora tinha três navios nas mãos: a fragata, o navio mercante de açúcar e o
sobrecarregado navio negreiro, mas ele também tinha mãos suficientes para
manejar todos eles, caso os espalhasse.
Então,
apareceu uma mosca em sua lucrativa pomada, na forma do navio de Helen com seu
convés fortalecido e 30 armas. Gower o reconheceu imediatamente, e se não o
tivesse, Helen ergueu a bandeira pela qual Roger O’Farrel era há muito
conhecido: o brasão de sua família – um leão dourado e feroz, num fundo verde.
Ela queria sangue e menosprezava cores falsas. Tinha tripulantes experientes em
armas de fogo no seu navio, comandados por Deaf Tom Colclough. Ela comandava
uma tripulação inteira, e mais que uma tripulação inteira, de bucaneiros que
haviam conhecido Roger O’Farrel e estavam prontos para vingá-lo. Seu navio
rápido e com bom vento poderia fazer círculos ao redor de qualquer um dos que
Gower tinha, e suas armas eram suficientes para deter qualquer pirata.
Gower fugiu
dela. O navio mercante brasileiro, o mais lento dos três, ficou para trás, e
Gower o abandonou com todos os seus companheiros que estavam a bordo. Com
Harmer, Luca Loreto, Seamus Browne e os demais, Helen abandonou o navio
mercante, matou qualquer um que lhe resistisse e empilhou o restante lá embaixo
a ferros, e então deixou uma pequena parte da própria tripulação para
esperá-la, enquanto ela continuava a perseguição. Uma perseguição inflexível,
como de costume, provou ser uma longa perseguição, mas ela lentamente alcançou
a fragata e o navio negreiro da
África.
- Maldita
cadela! – Gower praguejou. – Bom, vamos testar o quão duro é seu coração.
Lancem 20 negros sobre a proa. Aquilo também iluminará um navio.
Vinte homens e
mulheres bakongos, arrastados do porão, foram prontamente lançados à água,
ainda acorrentados. Debatiam-se desesperadamente. Helen soltou algumas pragas
sulfurosas do fundo do mar, e Harmer fez o mesmo, apesar de suas origens puritanas.
Apesar de pirata, Helen, de maneira estranhamente contraditória, detestava a escravidão
mais do que Steve, tendo aprendido essa atitude com Roger O’Farrel. Seu pai
adotivo havia enfrentado os homens de Cromwell com unhas e dentes durante anos,
e Cromwell havia embarcado milhares de irlandeses católicos até as Índias como
escravos. O’Farrel conhecera, em primeira mão, a sensação de ver seu povo
sofrer aquele destino, e odiou escravistas desde então até sua morte.
Helen hesitou,
dividida entre a piedade e a vingança. Mas não havia tempo para tremores e,
quaisquer que fossem seus defeitos, indecisão não era um deles. Ela disse
energicamente:
- Pare.
Leve-os a bordo, e rápido, antes que se afoguem.
Stephen estava
feliz em ouvi-la dizer isso.
Dezesseis das
almas na água havia conseguido se manter à tona. Quatro afundaram. Trazidas a
bordo, nuas e molhadas, elas ouviram os piratas falando numa língua que não
entendiam, e se perguntaram qual seria seu destino agora. Quanto a Helen, ela
viu que seu impulso de resgatar os escravos tornou qualquer futura perseguição
insustentável. Bastava que ela começasse a alcançar Gower outra vez, e ele
simplesmente lançaria outros 20 no mar e ela enfrentaria a mesma escolha de
antes.
- Deixe-o ir –
ela disse, sufocada de fúria. – Haverá outro dia. Os escravos que ele não
lançou ao mar... terão de ser vendidos em Buenos Aires. Talvez eles achem isso
melhor do que se afogarem. Talvez.
Ela permitiu
que ele escapasse, por enquanto. Não havia nada a ser feito, exceto procurar
presas e prêmios; sua tripulação pirata estava ávida por saque, como sempre. Agora
estavam em águas que ela não conhecia muito bem, o que parecia ser um mau presságio
para a viagem, mas ela abaixou o leão de O’Farrel e levantou as cores de
Portugal, como Gower havia feito. E então a sorte apareceu.
O comércio
escravo do Brasil até Rio de la Plata trazia um suprimento fixo de prata ao
Brasil. E justamente um navio brasileiro, guardado por um único navio de
guerra, agora saía do estuário e se dirigia para norte. Cada pirata do navio de
Helen sabia que ele não teria uma escolta armada para nada. Sua própria
embarcação lembrava um navio negreiro – outrora havia sido um – e, no momento,
suas portas de armas estavam cobertas e ela ondulava a bandeira de Portugal.
Não havia motivo para que fosse confundida com qualquer outra coisa, que não
fosse um navio de escravos vindo da África, deslizando baixo porque estava
abarrotado de escravos, especialmente nessas águas tão próximas a Buenos Aires.
Os dois navios se aproximaram espontaneamente dele, em busca das últimas
notícias de Angola. Os atiradores de Helen abriram as coberturas de madeira das
portas, acenderam os canhões e mandaram uma despedaçadora bordada para dentro
do navio de guerra. Seguiram aquela surpresa com uma vigorosa abordagem, que
inundou de sangue o navio de guerra e deu súbita vitória aos bucaneiros; e
depois, mandaram o outro navio se render e foram obedecidos.
O navio
carregava os familiares produtos coloniais de couros, sebo, madeira de
construção e cera – e três pesados cofres, abarrotados de prata. Os rapazes de
Helen gritaram de prazer. Ela pôs a tripulação do navio capturado sobre a água,
em lanchas – seu costume usual, enquanto o de Gower era assassinar todo mundo.
Então, encheram a vela de ar, para a longa ida ao norte e o retorno a Tortuga.
O saque seria dividido de acordo com os artigos de O’Farrel, e o próprio navio
pagaria o débito que O’Farrel tinha com o Governador d’Oregon. Helen preferia
se sufocar a renegar aquilo.
Mais tarde,
vieram notícias de que ela não precisaria mais se incomodar com Tobias Gower.
Ele vendera sua carga roubada de marfim negro e vivo, e então havia contraído
febre e icterícia sérias enquanto bebia bastante, junto com outros, em Rio de
la Plata. Logo depois, sua vida perversa estava decaindo. Robert E. Howard
descreveu as circunstâncias em “A Canção da Corrente da Âncora”:
“Deixe cair, deixe sair a corrente da âncora,
As gaivotas estão descendo,
Um fraco matraquear de vento permanece em vão...
Oh, deixe a âncora ir.
Uma bruma amarela está se deitando,
Um vento quebrado está suspirando
E o Capitão Gower está morrendo...
Oh, deixe a âncora ir!”.
Bem antes de
ouvir essas notícias, ela estava ouvindo uma declaração de amor de Stephen
Harmer, mais eloqüente do que qualquer coisa que já houvesse passado antes
pelos lábios dele. Ele disse ardentemente que estava orgulhoso em conhecê-la;
que, quando ela abandonou a vingança para tirar 20 desafortunados do mar aos
quais ela nem sequer conhecia, ela praticou um ato mais cristão do que muitos,
que rezavam alto na igreja todo domingo, poderiam reivindicar, e que ele faria
dela uma mulher honesta se a pudesse raptar. Disse-lhe que a amava mais que o
sol, e era louco demais para ter esperança de que ela o amasse.
- Oh, Lorde
Steve – ela respondeu, meio rindo, meio chorando. – Eu amo.
Eles
retornaram ao Mar Espanhol e ao redor do vasto litoral do Brasil. Uma vez que
alcançaram um local onde isso pudesse ser feito com segurança, libertaram os
escravos resgatados. Bem atrás deles, Tobias Gower morria sem nenhum memorial,
exceto quaisquer esposas e filhos que ele tenha abandonado em seu tempo, e a
canção lúgubre de seu falecimento:
“Ele procurou sonhar com navios voadores
E ventos que abanam e voam,
Mas o avanço ruidoso da morte lhe estava nos lábios
E o Inferno estava em seu coração.
“E a visão sempre aparecia e fugia:
Uma embarcação amurada na parte externa.
E um comandante fantasmagórico que oscilava e dizia:
‘Nenhum homem de nossa tripulação voltou’.
“E a visão sempre seguia rápido...
Um navio com uma vela esfarrapada
Ociosamente açoitando um mastro quebrado...
E havia uma prancha sobre o parapeito”.
Registros
escritos daqueles dias são insuficientes. Mas Steve e Helen parecem ter sido
casados por um pastor huguenote em Tortuga, e navegando até Massachusetts, uma
vez que Helen usava legalmente o nome de Harmer ao invés do mais notório
Tavrel. Eles prosperaram no comércio marítimo. Navegavam juntos com freqüência.
Às vezes havia perigo, mas eram páreos para isso, e se piratas os abordassem –
não havia um truque velhaco de piratas que Helen não conhecesse.
“Deixe cair, deixe sair a corrente da âncora,
O vento está se erguendo devagar,
Está longe de Rio e do Mar Espanhol.
Oh, deixe a âncora ir.
Oh, vire seus remos para Cádis,
Para saudar as damas do cais,
E Gower partiu para Hades,
Oh, deixe a âncora ir”.
Tradução: Fernando Neeser de Aragão.
A Seguir: Um Bucaneiro Fala (poema de Robert E. Howard).