(por Keith Taylor)
“Sonya, a Ruiva de Rogatino – é tudo o que sabemos. Marcha e luta como
um homem – Deus sabe por quê. Jura que é irmã de Roxelana, a favorita do
Sultão. Se os tártaros que se apoderaram de Roxelana naquela noite tivessem
pegado Sonya, por São Pedro! Suleyman estaria bem-servido! Deixe-a em paz, caro
irmão; ela é uma gata selvagem. Venha beber um canecão de cerveja”.
(Robert E. Howard – “A Sombra do
Abutre”)
Enquanto
Gottfried Von Kalmbach se ocupava em aventuras (e desventuras) da Hungria à Itália,
a mulher a quem ele encontraria no Cerco de Viena estava particularmente em atividade.
Sonya a Ruiva nasceu em Rogatino, ou Rogathyn, uma cidade na Ucrânia ocidental
(o nome pode derivar da palavra eslava “rogatyna”, uma lança pesada e de ponta
larga).
A região era
então conhecida como Rutênia, e estava sob a influência da Polônia-Lituânia. Se
ela era realmente uma irmã de Roxelana, a favorita do Sultão, deve ter nascido
no início do século XVI. Estimativas sobre a data de nascimento de Roxelana variam
de 1502 a 1506. Suponho que Sonya disse a verdade e, ou mais velha ou mais
jovem que sua irmã, ela nasceu em 1504 – o mesmo ano em que a outra espadachim
ruiva de Robert E. Howard: Agnes de Chastillon de La Fere, na Normandia.
A Rutênia era
infestada por incursões em busca de escravos, feitas pelos tártaros da Criméia.
O canato deles era um estado vassalo do Império Otomano, e um dos seus maiores
depósitos de comércio de escravos. Atacavam constantemente e numa larga escala,
dentro da Rutênia e Rússia. A invasão a Rogatino, que teve a irmã de Sonya capturada,
foi apenas um caso. Estimo que isso aconteceu em 1521, quando Sonya tinha 17
anos. Se eu estiver correto, isso significaria que tanto Sonya a leste, quanto
Agnes de La Fere na Normandia, experimentaram uma reviravolta violenta em suas
vidas na mesma idade – Agnes, quando se rebelou contra um casamento forçado,
matou seu abominável noivo e fugiu; Sonya, quando sua irmã foi capturada e sua
cidade queimada.
(Gottfried Von
Kalmbach tinha 23 anos naquela época, pelos meus cálculos. Ele havia sido um
Cavaleiro de São João desde sua adolescência, e se tornou um lutador experiente
na terra e no mar. O cerco a Rhodes foi um ano depois).
O pai de Sonya
e Roxelana era aparentemente um sacerdote cristão ortodoxo, embora pouco se
saiba sobre a infância de ambas. A irmã ruiva deve ter sido feroz e agressiva
desde pequena, a julgar pela sua carreira posterior. Ela possivelmente aprendeu
a montar, e a usar sabre e lança, através de um servo da casa de seu pai –
servo que outrora havia sido um soldado. Ele pode até ter sido um cossaco
envelhecido e aposentado. Numa região tão sujeita a incursões de tártaros –
para não mencionar cossacos –, todas aquelas habilidades eram provavelmente necessárias.
A aversão de
Sonya por sua irmã, a qual ela expressaria veementemente nos muros de Viena,
provavelmente também datava daqueles dias. Não parece provável que ela quisesse
mandar Roxelana ao Hades com um tiro de canhão, meramente porque esta se tornou
a favorita do Sultão. Ela, assim como Sonya, deve ter mostrado suas qualidades
fundamentais desde jovem e, mais tarde, como esposa favorita do Sultão, ela fez
Suleiman crer que o filho dele Mustafá queria lhe usurpar o trono, resultando
na execução de Mustafá, porque ela queria que seu próprio filho fosse o
sucessor. Ela também fez com que Ibrahim, vizir de confiança do Sultão, a quem
este amava como a um irmão, fosse executado sob falsas acusações, apesar de
Suleiman ter jurado para Ibrahim que jamais o estrangularia com uma corda de
arco. O nome de Roxelana para traição impiedosa não é mera calúnia mítica. Ela
cobria tais características com charme e esperteza; seu nome turco era Khurrem,
a Risonha ou a Alegre. Talvez, quando menina, ela nunca fosse mais alegre do
que quando causava problemas dolorosos para Sonya.
Como resultado
do ataque tártaro a Rogatino, tenho certeza de que Sonya ficou mais violenta do
que nunca e cavalgou com os Cossacos Zaporozhianos. Eles haviam surgido no
século 15, quando bandidos, escravos fugidos, soldados desertores e outros
foras-da-lei formaram suas próprias comunidades em lugares selvagens. Ficaram
conhecidos pela palavra polonesa kozaki
– homens livres. Robert E. Howard era fascinado pelos cossacos; parece difícil
achar que Sonya nunca se juntou a eles. Tal bando de machos brigões exigiria
testes bastante árduos de uma mulher, mesmo que ela fosse recomendada pelo
(suposto) velho cossaco que a ensinou a cavalgar e manejar uma espada em
primeiro lugar. Sonya deve ter sido aprovada, no entanto.
O Sich
Zaporozhiano, no baixo Dnieper, fica numa região contestável entre
Polônia-Lituânia e Moscóvia. A vida simples e violenta atraía Sonya; também lhe
atraíam as freqüentes batalhas dos cossacos com os tártaros da Criméia, aos
quais saqueavam enquanto os tártaros saqueavam outros. Sonya tinha um débito a
cobrar deles. Ela foi atrás disso, cavalgando tão duramente e cortando tão
fundo quanto qualquer um dos cossacos homens. Como um lansquenete disse a
Gottfried anos mais tarde: “Cortar... talhar... morre, cão! Eis o que ela tem
por feitio”.
O estado
Polonês-Lituano (na época, um grão-ducado) viu possibilidades nesses cavaleiros
ferozes, os quais haviam formado uma comunidade disciplinada e unida, apesar de
seus primórdios desorganizados. Um conselho de estado em 1524 deu consideração
oficial à idéia de recrutar companhias de cossacos para trabalharem na
fronteira. Nada se concretizou a esse respeito, pois os nobres e magnatas
relutavam em investir dinheiro para pôr isso em prática. Sonya Ruiva ,
naquela ocasião, já estava há três anos com os cossacos, e eu acredito que ela
havia se tornado a filha adotiva de um hetman.
Quando ele foi morto em combate, alguns, que desaprovavam uma mulher cavalgando
e lutando entre eles, falaram mais alto, e um bom colega, que se considerava
totalmente um rapaz, tentou arruiná-la. Sobrecarregada por um peso bem maior,
Sonya ainda o matou, e talvez, como Valéria em “Pregos Vermelhos”, lançou-lhe a
cabeça decepada para longe. Os chefes cossacos ainda a expulsaram do Sich. Ao
invés de chorar e ranger os dentes, Sonya cavalgou para o horizonte. Levou com
ela a espetacular equitação e resistência dos cossacos.
Seria
interessante saber quando e como ela soube que sua irmã raptada havia sido
escolhida para o harém do Sultão, e se tornou favorita dele. “Roxelana”
significa simplesmente “a garota russa”, e provavelmente não era seu nome
original mais do que “Khurrem – A Risonha”. Já li que ela se chamava Alexandra
Anastásia Lisowska, antes dos tártaros pegarem-na. Talvez Sonya soubesse
daquilo, de alguma forma. É também de se imaginar se Roxelana soube que sua
irmã era a jovem guerreira Sonya Escarlate, a mulher que, junto com Gottfried
Von Kalmbach, desafiou-lhe o marido e mandou para ele a cabeça de Mikhal Oglu.
O ano de 1524
viu Gottfried cavalgando para dentro da Lituânia, e mais tarde Rússia adentro.
Curiosamente, Sonya escolheu, ao mesmo tempo, viajar para oeste. Ela queria ver
a Itália, e viu; a fase de 1521
a 1526 das Guerras Italianas estava em total atividade e
Sonya, tipicamente, logo mergulhou na ação. Era basicamente a França contra o
Império Germânico e a Espanha (governados pelo mesmo monarca), com o solo da
Itália como seu campo de batalha. A França perdeu Milão em 1521 e foi derrotada
novamente em Bicocca, em 1522. Não sendo francesa, germana nem espanhola, Sonya
se sentiu livre para lutar em qualquer lado que a agradasse, e foi para Milão,
a qual – agora que os franceses haviam sido expulsos – era novamente governada
pelo Duque Francesco Sforza. Sonya atraiu a atenção da corte de Milão, com demonstrações
dramáticas de equitação cossaca e habilidades de luta. Ela esperava se tornar
líder da cavalaria do duque, com sua experiência contra os tártaros, se pudesse
superar os esperados preconceitos contra capitães femininas de guerra. Uma
prova difícil, mas Sonya nunca foi intimidada por uma prova difícil.
Então, o
inesperado colidiu com o destino de Sonya. Charles, Duque de Bourbon e
anteriormente Condestável da França, havia rompido com o Rei Francis no ano anterior,
e passado para o lado do Império. Ele havia sido caloteado da sua herança e
títulos; a mãe do Rei Francis I, Louise de Savoy, que odiava Charles, havia
tentado matá-lo (o conto de Howard “Espadas Para a França” faz uma avaliação
dos eventos). A ferramenta dela havia sido Françoise de Foix, a amante do rei.
Françoise estava totalmente relutante, mas não ousava desafiar Louise. Agora
ela ficava a par de um novo plano da parte da vingativa Louise, para matar
Charles de Bourbon. Nesta época não havia necessidade de maquinações complexas
e ocultas, como trabalhar através de bandos de sicários e tripulações piratas.
Charles foi considerado um traidor da França. Poderia se argumentar, com alguma
validade, que Louise e seu rei ingrato o haviam levado a isso; mas Charles, no
entanto, não tinha mais apoio na França, e Louise poderia mandar assassinos
atrás dele sem medo de conseqüências políticas.
Ela o fez.
Não podiam
alcançar Charles imediatamente. Ele havia invadido Provença à frente de um
exército imperial, mas foi empurrado de volta à Itália e o Rei Francis o
perseguiu, liderando pessoalmente uma hoste francesa. Sua amante, de Foix, como
fizera em 1521, decidiu entrar em ação para evitar o assassinato de Charles,
pois Charles a amava e ela tinha um sentimento distintamente suave por ele; ela
era a amante do rei por ordem secreta de Louise. Ela precisava esconder suas
ações de seu temido amante manipulado, mas Louise estava então preocupada
demais com o destino do filho para vigiar Françoise de perto. Louise sabia que
os germanos, aliados aos ingleses, estavam avançando desde o norte contra
Francis, e implorou a ele que voltasse, escrevendo: “Nosso bom anjo nos
abandonou. Seu horóscopo prevê desastre!”.
Charles de
Bourbon chegou a Milão em 1525. Assim, sem que ele soubesse, mas muito bem
sabido por Françoise de Foix, ele tinha assassinos pagos por Louise lhe seguindo
em sua trilha homicida. A própria Françoise também, sob um nome falso, e fingindo
ser uma rica e jovem abadessa numa peregrinação. Enquanto isso, Sonya havia
causado uma agitação na cidade, por lutar num duelo com um jovem nobre que
havia decidido colocá-la em seu lugar, e o derrotado sonoramente. Françoise
naturalmente supôs que fosse Agnes de Chastillon; quantas mestras ruivas da
lâmina poderiam existir na Europa Ocidental? E Agnes estava prestes a ir à
Itália, com Etienne Villiers, quando Françoise os encontrou.
Ela descobriu
o próprio erro, mas foi bem-sucedida quando Sonya a ajudou por um preço, e
Sonya concordou com a barganha. Truques complexos e lâminas cruzadas sucederam
na noite, mas no final Sonya acabou com os assassinos. O lansquenete, que
contou a Gottfried “Cortar... talhar... morre, cão! Eis o que ela tem por
feitio”, não mentiu para ele. Quanto a Françoise, ela disse, em estado de pasmo,
entregando o pagamento a Sonya, “Mon Dieu,
não pensei que pudesse existir outra como Agnes”; ao que Sonya respondeu:
“Pelos santos abençoados, eu não
havia pensado que pudesse existir outra como eu!”
Não acho que
elas tenham realmente se encontrado. Isso também era provável. Duas do mesmo
tipo poderiam não se harmonizar.
O Rei Francis
encontrou o desastre que suas estrelas haviam predito. Derrotado e ferido na
Batalha de Pavia, foi mantido prisioneiro na Espanha até janeiro de 1526, as
condições para sua liberdade resultando no desmembramento de seu reino. Ele
finalmente assinou o Tratado de Madri, mas o repudiou uma vez livre. Havia, no
entanto, contraído sífilis e um abscesso na cabeça. Nem sua saúde, nem sua
personalidade, nem sua acuidade mental foram as mesmas depois disso.
Sonya decidiu
que estava cansada da Itália. Percebeu que nada seria, exceto uma curiosidade,
na corte milanesa, como um anão ou um dançarino brasileiro – e provavelmente em
qualquer outra corte italiana também. Na época, a Itália era extremamente
católica, e Sonya era russa ortodoxa. Ela preferiu não arriscar um
interrogatório por heresia. Fugiu para o norte – primeiro Suíça, depois França
e depois Inglaterra, onde teve que viver com pressa, embora a parte da lenda
que afirma que ela atraiu a atenção luxuriosa de Henrique VIII e não quis se
tornar amante dele seja, sem dúvida, apenas isso: lenda. É mais provável que
ela tenha matado alguém. Fugiu da Inglaterra, através de York, num navio
mercante holandês a caminho do Mar Báltico, e desembarcou em Gdánsk. Após isso,
ela viajou para o sul, através da Polônia-Lituânia. Provavelmente esteve
envolvida nas lutas pessoais de nobres feudais, e outras revoltas ao longo do caminho.
Ela não esteve nem na Batalha de Mohacs nem no saque de Roma, mas sabia tão bem
quanto qualquer um que o Grande Turco não pararia em Mohacs, e que Viena seria
a próxima. Sonya reuniu consigo uma força heterogênea de poloneses, morávios,
boêmios e estírios – todos eles lutadores endurecidos e cavaleiros hábeis –, um
regimento de 500 homens, e ofereceu seus serviços ao Arquiduque da Áustria.
Talvez tenha
sido nessa ocasião que ela descobriu que a nova favorita do Sultão era ninguém
menos que a irmã.
Ferdinando
também sabia o que estava chegando. Ele aceitou a tropa irregular dela. Até os
otomanos realmente marcharem contra Viena, o principal trabalho deles era fazer
reconhecimento e inspeção lá dentro da conquistada Hungria. Eles o fizeram bem.
Então, quando os terríveis akinji a
cavalo vieram à frente do principal exército turco, Sonya e seus velhacos
tomaram seus lugares atrás das muralhas de Viena, à espera do ataque.
Gottfried Von
Kalmbach apareceu não muito depois, com Mikhal Oglu, O Abutre, furiosamente em
seu encalço, caçando-lhe a cabeça para o sultão turco.
Inshallah...
Tradução: Fernando Neeser de Aragão.
A Seguir: Sonya Lisowska e Gottfried von Kalmbach.