(por Fernando Neeser de Aragão)
É noite nas
estepes ao sul de Turan, as quais dão lugar abruptamente a uma floresta próxima
a uma cadeia de montanhas. Um cavaleiro solitário atravessa a floresta em direção
a um desfiladeiro. Apesar do homem a cavalo já ter sido mercenário em Yaralet e
outras cidades kothianas, bem como nas cidades shemitas de Akbitana e Eruk –
dentre outras –, ele usa apenas um manto vermelho, um par de sandálias e uma
tanga da qual pende sua espada numa surrada bainha de couro. Sua cota-de-malha
se perdeu na última cidade de Shem pela qual lutara.
Mesmo sob a
luz tênue das estrelas e lua minguante, seu ágil e bronzeado corpo seminu é de
evidente poder primitivo, combinando a força de um urso pardo com a rapidez de
uma pantera. Aquele jovem cavaleiro agora busca mais uma cidade, onde possa
trabalhar como mercenário, como ele vinha fazendo há vários meses.
De repente,
ele vê várias formas indistintas saltarem do alto daquele desfiladeiro no qual
pretendia dormir. O primeiro a tentar matá-lo recebe uma estocada fatal da
espada do cimério nas tripas. O segundo, mais volumoso que o forasteiro,
consegue derrubá-lo do cavalo, mas tem sua cabeça decepada num giro sangrento.
O terceiro tenta agarrar o cimério por trás, pelo pescoço, mas este o arremessa
por cima do ombro, até o fio da espada do atacante seguinte, o qual estoca
involuntariamente, no pulmão, o companheiro de armas.
Mesmo em meio
à loucura do combate e cercado pela penumbra, o bárbaro do ocidente percebe que
aqueles montanheses têm traços hiborianos – apesar de viverem bem longe do
reino hiboriano mais próximo dali – miscigenados com negros olhos brilhantes e
corpos esguios. Há algo de familiar naquela gente, mas o cimério não sabe
definir exatamente o quê. Súbito, uma voz feminina interrompe abruptamente
aquela peleja:
- Esperem!
Parem!
- O que há,
Nedaxe? Ele é um forasteiro, e não é bem-vindo aqui.
Aquele sotaque
é vagamente familiar ao cavaleiro recém-chegado, bem como a voz feminina, cuja
dona se aproxima cada vez mais, de tocha em punho. Ao ouvir o nome
da mulher, o cimério já tinha quase certeza de quem se tratava. Ao contemplar
aquele rosto alvo, de olhos negros, lábios vermelhos, lustrosos cabelos negros
e beleza excepcional, o bárbaro tem certeza absoluta de quem é Nedaxe.
- Conan?! –
exclama a bela jovem. – Conan, o cimério?!!
- Por Crom,
Nedaxe! – ele responde, com um largo sorriso. – Há quantos anos, hein? –
exclama o bárbaro de olhos azuis.
- Este
forasteiro não é afghuli, iranistani,
hirkaniano, nem dos Reinos Dourados! – diz, a todos ali presentes, a jovem
montanhesa, a quem Conan conhecera, como ladra e mercenária, há três anos em Shamar.
- Quem é ele,
então? – pergunta o mais velho daqueles montanheses.
- Ele é da
Ciméria, Beroqwe – responde Nedaxe. –
Uma terra muitas milhas a noroeste daqui; além de Turan e de todos os reinos
hiborianos. Seja bem-vindo às Montanhas Cherkess, Conan! – ela acrescenta, com
um sorriso.
Beroqwe resmunga qualquer coisa, mas não
duvida das palavras de Nedaxe, a qual viajara muito mais que o velho co-líder,
cuja esposa se encontra na única cidade daquela região.
- Tudo bem, então – acrescenta Beroqwe. – Uma
espada a mais contra os iranistanis será bem-vinda. Nossos batedores informaram
que aqueles cães estão a caminho de nossas montanhas.
Os
cherkessianos são um povo resistente e perigoso das Montanhas Cherkess, ao sul
do Mar de Vilayet. Descendentes de uma tribo errante de hiborianos, chamada Cherkess,
a qual se miscigenara com aborígines descendentes de grondarianos, o povo de
Cherkessia é famoso por seus guerreiros impiedosos e por suas mulheres de
beleza excepcional – como Nedaxe, a quem Conan agora acompanha até a cidade
fortificada de Adegya (o principal assentamento da região).
As montanhas
cherkessianas têm picos rugosos – não tão terríveis quanto as Himelianas, mas
ainda assim, difíceis de atravessar e extremamente difíceis de invadir. Os ancestrais
hiborianos dos cherkessianos ocuparam as terras altas e cadeia de montanhas, ao
sul do Vilayet e ao norte das Grandes Planícies, as quais ficaram conhecidas
como Cherkessia.
Laços de
família, como os dos hiborianos do oeste, quase não existem: cada criança é
vista mais como um filho da comunidade tribal do que dos próprios pais, e
muitos pais criam seus filhos para outros adultos. As sociedades cherkessianas
também são fortemente matriarcais: as mulheres são as cabeças da comunidade,
deixando assuntos de luta armada para os homens, embora as mulheres freqüentemente
lutem ao lado dos homens em tempos de guerra, como o que se aproxima. As
mulheres daquele povo são fortes, mas loucamente leais aos seus homens. Os
cherkess também são bastante igualitários, com pouca diferença econômica entre
as comunidades e seus respectivos líderes – muito semelhante às primeiras
tribos hiborianas. Conan se sente quase em casa, diante daquela região tão
montanhosa e com valores quase tão igualitários quanto os dos cimérios.
A mais notável
arma dos cherkessianos é a shasqa –
um tipo especial de sabre bem afiado, com apenas um gume, levemente curvo, com
cabo curto e sem guarda-mão, eficaz tanto para perfurar quanto cortar. O cabo
da shasqa é bem-decorado, e ela é
guardada numa bainha de madeira que cobre parte da empunhadura larga e curva.
*
* *
Enquanto isso,
um fortemente armado exército do Iranistão se aproxima das Montanhas Cherkess.
Embora a infantaria leve forme o grosso dos soldados iranistanis a pé, há
divisões dentro destes, compostas por soldados da melhor qualidade. Todos na
infantaria – leve ou pesada – usam, assim como seus adversários montanheses,
espadas, adagas e lanças. A cavalaria pesada, por sua vez, tem o suporte da
cavalaria leve, infantaria e arqueiros.
- Aqui é
território cherkessiano – diz, em voz baixa, o líder dos iranistanis, olhando
para trás em direção aos soldados, enquanto adentram um dos vales daquela
região. – Mantenham-se em silêncio, se quiserem chegar vivos até a cidade
deles, à qual emboscaremos.
Quando todos
aqueles militares encouraçados chegam àquele vale, uma súbita chuva de pedras,
vindas de ambos os lados do desfiladeiro, lhes bloqueia o avanço e atinge
fatalmente alguns dos iranistanis. Outras pedras os esmagam, vindas dos lados,
enquanto um alarido selvagem, vindo do alto, preenche aquele vale e o exército
é ao mesmo tempo atacado por trás, por alguns outros montanheses.
Todas as
companhias do exército iranistani estão vestidas em malhas de ferro da cabeça à
cintura – tanto os soldados quanto a parte frontal dos cavalos. Mas a parte de
trás das montarias está desprotegida, o que facilita aos cherkessianos derrubarem
os animais com lanças arremessadas nos lombos posteriores dos mesmos, de modo
que, quando seus montadores caem, suas cotas-de-malha são ineficazes,
permitindo aos montanheses abater os iranistanis com enormes pedras lançadas
sobre os rostos dos que caem para trás, ou sobre as colunas vertebrais dos que
caem de bruços. As lanças daquele exército são ineficazes na batalha
corpo-a-corpo contra aqueles ferozes homens das montanhas.
Lanças,
espadas e shasqas se saciam
desordenadamente em sangue iranistani e cherkess. Cavalos iranistanis são
derrubados por trás, por lanças cherkessianas. Beroqwe é derrubado por um golpe de maça em seu ombro, e receberia um
golpe fatal de lança no peito, se não fosse pela filha Zuliy, a qual, pulando
na garupa da montaria, abre por trás, com sua espada, a garganta do iranistani
a cavalo, num jato de sangue.
Dentre aqueles
guerreiros das colinas, se destaca um montanhês ainda mais feroz e implacável
que os cherkess. Com os olhos azuis a brilharem de fúria, Conan da Ciméria, que
já decepara e estocara corpos encouraçados de gunderlandeses em Venarium, não
encontra dificuldade em abrir armaduras iranistanis, partindo invasores ao
meio, decepando cabeças e membros, abrindo peitos musculosos sob cotas-de-malha
e até rachando crânios cobertos por elmos, numa explosão de faíscas, sangue e
miolos.
A cavalaria
pesada, apesar de equipada com placas peitorais e cotas-de-malha, tanto nos
montadores quanto nos cavalos, não resiste às pedras arremessadas pelos
cherkessianos nem ao ataque borrascoso e elementar daquele cimério à frente
deles, o qual, ao contrário da maioria dos aliados, ataca o exército no
corpo-a-corpo, cobrindo de pingos escarlates tantos aos iranistanis quanto a si
mesmo.
Com suas
espadas, maças, lanças e balestras, aquele exército consegue matar alguns dos
cherkess que se encontram nos altos dos desfiladeiros, mas é muito difícil
matar o que não se vê. Pouco a pouco, o vale vai sendo preenchido por uma
quantidade cada vez maior de guerreiros e guerreiras daquelas montanhas.
Os cavaleiros
iranistanis são muito importantes nos combates em campo aberto. Usam arcos de
longo alcance e lanças leves, de arremesso, e normalmente irritam o adversário
ao fazer ataques rápidos e recuarem logo depois. Mas, entre as colinas de Cherkessia,
cercados pelos impiedosos defensores de suas aldeias, os imperialistas do Iranistão
não têm chance.
O cimério abre
um largo sorriso, ao ver duas guerreiras decepando e erguendo a cabeça
ensangüentada de um guerreiro iranistani morto por elas. As mulheres cherkessianas
não lutam tão bem quanto as cimérias ou nordheimeres, mas não fazem nada feio.
Em meio à batalha, Conan vê uma cherkessiana e um iranistani engalfinhados no
chão; o invasor blindado derrubara a espadachim com o peso da armadura que usa,
e, travando a mão armada da jovem, está prestes a lhe enfiar um punhal no
pescoço. Com um chute nas costelas do iranistani – o qual rola para um lado –
Conan salva a vida da cherkessiana, a qual perfura a jugular de seu pretenso
assassino com um golpe descendente do seu punhal. Lenta e inexoravelmente, os
poucos iranistanis restantes vão sendo empurrados para a beira de um penhasco
pelos ferozes e impiedosos montanheses de Cherkessia.
Próximo à
beira daquele penhasco, Conan finalmente avista o líder daquele exército,
vencendo e matando a bela Nedaxe num duelo, com uma estocada no torneado ventre
da jovem, sem que o cimério tenha tempo de ajudá-la. Uma onda vermelha de ódio
toma conta do bárbaro do norte. Girando sua arma pesada no alto, o general
iranistani se aproxima, mas antes que ele possa atacar, Conan, cuja lâmina se
quebrara no coração de um dos inimigos, agarra o punho da espada do líder
militar num aperto de ferro e, com a mão livre, acerta golpes esmagadores no diafragma
do líder iranistani.
Naquela luta
executada em silêncio, o jovem cimério e o veterano iranistani tombam para trás
e para frente, apertados num abraço mortal. A negra barba crespa raspa a pele
de Conan, enquanto seus vulcânicos olhos azuis fitam selvagemente os olhos
negros do general. Conan crava os dentes na base do pescoço do líder
iranistani, sentindo o gosto de sangue quente na boca, a temível exultação
selvagem em sua alma, e a investida e agitação de força e fúria quase inumanas.
Boquiabertos,
o cherkessianos vêem o acirrado duelo entre aqueles dois leopardos humanos
engalfinhados, onde o cimério quebra, como madeira podre, o braço encouraçado
do general, fazendo o sabre lhe cair da mão inutilizada. Dificultado por seu
braço quebrado, o fim do líder militar é inevitável e, com uma selvagem e
gritante inundação de poder decorrente de sua fúria berserk, Conan o arremessa até a beirada daquele platô e o curva
para trás. Por um instante, o cimério e o iranistani se engalfinham ali; logo,
o bárbaro do ocidente se livra, com um puxão, do aperto do general e o lança
para baixo; e um único grito agudo se ergue quando o iranistani cai
despenhadeiro abaixo.
- Isto foi por
Nedaxe, cão dos infernos – resmunga Conan, arfando.
Uma das jovens
guerreiras cherkessianas ali presentes, a jovem moreno-clara de nome Zuliy, observa aquele ofegante e vitorioso
gigante ensangüentado com muito mais do que simples admiração.
* * *
Após a
batalha, Conan crema o corpo de Nedaxe e do marido desta – o qual também
morrera na batalha – numa pira funerária, como ele aprendera entre os aesires.
Os corpos dos iranistanis são dados como alimento aos animais predadores das
montanhas. A seguir, todos tomam banho e um farto banquete é servido na cidade
de Adegya – a única de Cherkessia –, em comemoração à vitória contra os
iranistanis. A comida consiste em carne de carneiros assados, pão e vinho
servido em copos de cobre.
O jovem
cimério é um dos maiores homenageados ali, pela maneira como matara o líder dos
invasores. A comemoração adentra a noite, e está longe de terminar quando Conan
e Zuliy trocam olhares e sorrisos, e resolvem se recolher. Com um olhar de desejo,
a cherkessiana guia o cimério até um local de dormir.
*
* *
Eles estão
deitados de lado – um de frente para o outro –, numa pele de cordeiro sobre uma
cama de folhas no chão de terra batida. A sala é ampla, com paredes rudes,
porém fortes, feitas de rocha sem cortes, engessadas por lama cozida ao sol.
Toras pesadas apóiam o teto de mesma constituição. Não há janelas nas paredes
grossas – apenas seteiras. A única porta do enorme aposento é robusta e feita
de madeira.
A morena Zuliy tem um rosto largo, lindo e
audaz, com rubros lábios carnudos; e os grandes seios firmes estão juntos,
devido à posição em que está deitada. O sangue selvagem do bárbaro ocidental
diante dela é levado ao extremo por tudo o que passara. Excitado, Conan a
abraça e aperta os lábios finos contra os dela. Afogada na mulher elemental, Zuliy
fecha os belos olhos e se embriaga em beijos ardentes e ferozes em seu rosto,
olhos, bochechas, boca, pescoço, seios e baixo-ventre, com todo o abandono da
sede de paixão, ofegando de desejo, pouco antes de suas entranhas úmidas serem adentradas
pelo falo do cimério e ambos explodirem de prazer, num orgasmo intenso e vibrante,
no qual ambos gemem, e Zuliy, tomada pelo êxtase do prazer e desejo, enfia o
rosto do cimério entre os seios. Este, também no auge do orgasmo, sente o
cheiro excitante de suor salgado no meio do busto da cherkessiana, e passa a
língua e boca entre as mamas da guerreira, engolindo-lhe o suor, pouco antes do
casal relaxar.
* *
*
Ao partir
dali, Conan leva mantimentos, roupas e uma espada cherkess – esta última, em
substituição à que havia quebrado durante a batalha.
- Vai mesmo
para leste, cimério? – pergunta Beroqwe,
líder daquele grupo de guerreiros.
- Irei para conhecer lugares onde nunca
estive! – sorri o bárbaro ocidental ao povo que lhe acena sorridente.
- Cuidado com os turanianos, Conan – alerta o
chefe tribal cherkess.
- Para quem ajudou a destruir um exército
iranistani, os cães de Turan não são problema – ele responde autoconfiante.
Dando a volta, Conan parte dali, ouvindo, às suas costas, as interjeições de
alegria daquele povo guerreiro.
Dentre todos
os presentes, a única pessoa a chorar é a bela Zuliy, saudosa das duas noites que passara com o cimério na cama. Com uma
lágrima em cada face, a belíssima jovem vê a enorme silhueta de Conan
desaparecer na direção do sol nascente.
FIM
Agradecimentos especiais: Aos howardmaníacos e amigos Ricardo
Medeiros, de Brasília (DF); Al Harron, da Escócia, e Deuce Richarson, dos EUA.
A Seguir: Khorusun.