(por Fernando Neeser de
Aragão)
Uivos de lobos
e um grito de mulher chamam a atenção de um cimério de cabeleira negra e olhos
azuis, fazendo-o acelerar o ritmo de seu cavalo e avistar uma espadachim
morena, meio agachada em posição defensiva, com três lobos vivos e furiosos
diante dela, e um caído ao chão, com a garganta cortada – indubitavelmente pelo
ensangüentado sabre daquela bela mulher, de roupas sumárias e porte guerreiro.
O barulho dos
cascos do cavalo de Conan, aliado a seu grito-de-guerra cimério, assusta um dos
lobos – o qual foge – e faz o segundo investir contra aquele cavaleiro barulhento,
apenas para ter o crânio partido em dois pela enorme espada cherkess, habilmente
manejada pelo bárbaro.
O terceiro
lobo investe contra a ágil espadachim, mas seu uivo morre quando o sabre da
morena atravessa-lhe a boca, até projetar-se pela parte posterior do pescoço
peludo. Enquanto isso, o cimério cavalga até ela e desce do cavalo. A bela
garota de olhos amendoados, em sumários trajes de seda, agradece a Conan, e
este lhe pergunta o nome.
- Isuke, filha
de...
No momento
seguinte, o cimério é cercado por guerreiros a cavalo, os quais lhe apontam
flechas. Conan segura firmemente a espada, sem temer os arqueiros e pronto para
lutar até a morte, mas antes que aqueles estranhos homens façam algo, a jovem
se põe à frente do cimério.
- Não façam
mal a ele! – ela diz, embainhando a própria espada. – Ele me salvou a vida.
Deixem que ele nos siga se quiser.
Curioso com
relação àquela gente, Conan resolve segui-los.
***
São os primeiros hirkanianos que Conan encontra. Descendentes dos
lemurianos – como mencionado ao cimério, dois anos antes por Yag-Kosha –, o
povo da Hirkânia é, em geral, alto e esguio, todos de pele morena e cabelos e
olhos negros. Aqueles hirkanianos em particular são miscigenados com uma raça
aborígine, de baixa estatura e olhos puxados, que vive nas montanhas a leste do
Vilayet. Tal miscigenação dá àqueles arqueiros olhos amendoados e estatura
mediana. Eles vivem em tendas ou cabanas circulares, e bebem aguardente de
leite de égua.
Apenas os hirkanianos de Khorusun e do litoral oeste do Mar de Vilayet
– no qual se ergue o poderoso reino de Turan – vivem em cidades. Os distantes
turanianos, a oeste, são quase todos altos e de olhos grandes (e Conan até já
vira uma ou duas mulheres daquele povo, acorrentadas nas masmorras da
Hiperbórea), enquanto em Khorusun, o povo é tão miscigenado quanto o das
tendas. Todos vestem seda colorida, ou lã ou pele de arminho – embora predomine
a seda –; os soldados usam armaduras e lâminas de aço, com elmos de ouro; e o
mesmo é dito dos hirkanianos de Khorusun, a cidade à qual o povo das tendas pretende
tomar.
Todas as tendas possuem estrutura de madeira, e tetos ligeiramente abobadados.
Cobertas por feltro ou lã,
geralmente brancos, todas as estruturas são de fácil montagem, fornecendo boa
proteção contra o calor e o frio.
A principal diversão das crianças daqueles hirkanianos é acompanhar os
pais nas caçadas e, principalmente, o treino de esgrima – como entre as
crianças cimérias – e o tiro ao alvo, com seus arcos de madeira.
Diversas famílias nômades a cavalo, com todos os seus pertences –
inclusive as tendas – carregados em camelos, conduzem rebanhos de carneiros e
cabras. Além da pecuária, a caça e a coleta também lhes servem como fonte de
alimentação.
- Muito bem, o que um homem de aparência ocidental faz nestas terras? –
pergunta subitamente um homem forte, cerca de uma cabeça mais alto que os
demais membros daquela tribo, e usando um khalat
de franjas de arminho a lhe cobrir a cota-de-malha no tronco musculoso; um chapéu
hirkaniano de pele, com copa alta, sobre a cabeça; botas com solas de prata;
uma cimitarra, numa bainha de couro trabalhada a ouro, lhe pendendo do quadril
esquerdo, e facas embainhadas em seu cinto. Trata-se do líder que, apesar de
grato por Conan lhe ter salvado a vida da filha, é um homem desconfiado com
estranhos.
- Sou um mercenário, e estou disposto a ajudá-los com uma espada
aliada.
- E... qual o seu interesse nisto, estrangeiro? – retruca o chefe
daquela confederação.
- Dinheiro... ou então, uma parte do espólio do inimigo ao qual
atacarem.
O chefe o encara, pensativo, por alguns momentos, e então fala:
- Uma lâmina a mais é sempre bem-vinda... desde que você nos prove o
seu valor. Se o forasteiro passar em dois testes, será aceito como um de nós.
Se não... isto pouco lhe importará, pois estará morto.
No minuto
seguinte, o cimério é levado a um cercado, para enfrentar “um dos maiores
guerreiros locais” – na verdade, um espião khorusuniano capturado por aqueles
hirkanianos das estepes. O prisioneiro investe contra Conan, tentando decepá-lo
com a cimitarra, mas o bárbaro ocidental se esquiva e o derruba ao solo
empoeirado, cravando-lhe o sabre no ventre no segundo seguinte. A lâmina penetra na altura do
umbigo, rasgando a couraça do inimigo para expor seus intestinos, tão violento
tinha sido o golpe. O khorusuniano
rola para trás, ainda vivo e urrando de raiva enquanto Conan salta para a
frente; tirando a espada de sua barriga, ele a brande e decepa sua cabeça.
O teste seguinte é o de cavalgar num caminho ladeado por vários
arqueiros e se esquivar das flechas atiradas pelos mesmos. Para quem se
esquivou de flechas incendiárias a pé nos muros de Venarium e a cavalo nas
cidades coríntias, aquilo não passa de uma brincadeira de criança. Curvando-se
para a frente e para trás, sobre a sela do cavalo, o jovem cimério passa no
teste, e é finalmente aceito por aqueles hirkanianos mestiços.
Todos os presentes o aclamam, juntamente com Bleda – o líder daqueles
nômades. Entretanto, há uma jovem que observa aquele cimério alto, de pele
morena e olhos azuis, com um olhar e um sorriso que indicam muito mais do que
admiração pela habilidade guerreira do forasteiro: é a bela Isuke, filha de
Bleda, e cuja vida fora salva por Conan há poucas horas.
***
Acolhido na enorme tenda de Bleda – o qual agora confia no cimério –,
Conan é aquecido do frio da noite das estepes – não muito diferente do de sua
Ciméria natal – numa lareira, e apresentado à esposa do líder da coalizão.
Diferente da mãe – a qual usa um longo vestido de fina lã azul, com beiradas
vermelho-claras –, a arqueira Isuke veste uma camisa de lã branca sem mangas, e
um par de calças de seda cor de rosa.
Logo, o cimério, o líder e a filha deste são servidos com chá e pão.
Enquanto o bárbaro come e conversa com Bleda, a esposa deste apanha um enorme
pedaço de carne de carneiro crua, que está pendurada na parede. Logo, vem o
aroma de carneiro cozido. Após o jantar, uma tigela de aguardente de leite de
égua é bebida por todos, e uma hora depois, todos adormecem nos três aposentos
daquela tenda: o de Bleda e sua esposa Shria; o da filha Isuke, e o dos
hóspedes, para o qual o recém-chegado Conan fora conduzido. Durante a conversa,
o cimério havia sido informado por Bleda que este pretende unir o máximo
possível de hirkanianos para atacar e destruir Khorusun, onde ondula a bandeira
do Lobo Branco, da imperialista Turan, para depois poderem criar seu próprio
império, nas estepes a leste do Mar de Vilayet.
Sob o governo do rei Yildiz, a expansão imperial de Turan – com quem os
hirkanianos mantinham um próspero comércio – para leste destruiu tribos amigas
e aliadas da de Bleda. Por vingança e auto-preservação, o líder teve a idéia de
criar uma coalizão tribal, a fim de conquistar Khorusun e desarticular o poder
turaniano.
***
É um ruído suave que desperta Conan de madrugada. Totalmente desperto e
alerta, o cimério vê, na penumbra, uma silhueta feminina, esguia e morena se
aproximar dele. Então, o jovem ocidental relaxa e sorri, ao perceber que se
trata da bela Isuke, a qual tira o vestido de dormir e beija Conan. Este
percebe que o busto da garota, apesar de não ser grande, é flácido.
Mas aquilo não o incomoda, vez que a garota tem o corpo firme, esguio e
curvilíneo de uma guerreira. Contudo, à medida que Isuke se debruça sobre o
bárbaro que se despe, este percebe que o balanço daquelas grandes aréolas
escuras lhe é tão excitante quanto os da yezudita Jaelle, a quem conhecera na
agora distante cidade zamoriana dos ladrões.
Após ambos se
despirem completamente, a princesa hirkaniana monta sobre o cimério, esfregando
e espetando-lhe o membro com o uso da própria negra mata pubiana,
arrancando-lhe suspiros. Enquanto ofega, o bárbaro vê Isuke aproximar o busto –
cujos seios médios balançam alternadamente, um para frente e outro para trás –
de seu rosto moreno e cicatrizado.
Aquele balanço faz o cimério sugar as mamas da jovem filha de Bleda,
enquanto esta, completamente excitada, se deixa adentrar por Conan e crispa,
minutos depois, as unhas sobre as coxas do cimério, sentindo o êxtase do prazer
e do desejo, enquanto o bárbaro do Norte adentra-a fortemente, sem parar, um
minuto sequer, de sugar os seios trêmulos da morena. Quando esta sente que o
bárbaro vai ter um orgasmo, ela põe imediatamente o falo do cimério na boca,
onde Conan ejacula em grande quantidade. Sorrindo para o bárbaro ocidental, Isuke
engole todo o sêmen do mesmo.
Notando certa perplexidade no olhar do cimério, ela responde ter feito
aquilo para que os pais dela não vissem qualquer “mancha suspeita” na cama de lã
e seda, onde Conan se deita. Este, por sua vez, nunca tinha visto – nem mesmo
na sua breve estadia em Zamora – mulher alguma lhe fazer isso e, extasiado de
desejo com o fato de uma mulher lhe ter engolido o esperma, puxa Isuke para o
leito, onde lhe suga novamente os seios, até ambos explodirem num novo orgasmo,
motivado desta vez por uma felação recíproca, após a qual Isuke engole
novamente o sêmen do cimério.
- Amanhã, falarei com meu pai para que você seja treinado no manejo do
arco, estrangeiro – sussurra Isuke, pouco antes de voltar silenciosamente ao
quarto.
***
Assim é feito. No dia seguinte, o cimério recebe, daqueles hirkanianos,
o treinamento que não pôde ter com os aesires devido àquele inesperado ataque
de hiperbóreos, há três anos. Ele nota que, embora tão velozes quanto as setas
dos arqueiros bossonianos de Venarium, as flechas hirkanianas são lentas em
comparação às daqueles guerreiros bárbaros de cabelos dourados, os quais haviam
sido seus primeiros aliados não-cimérios. Após aprender a atirar a pé e parado,
Conan começa a aprender a atirar a cavalo.
Os jovens se exercitam nos campos em grandes grupos. A cada galope,
puxa-se a corda do arco, não até o queixo, mas diretamente ao longo da linha do
braço estendido, trazendo a flecha ao peito, sede das emoções, e deixando que o
instinto escolha o momento de soltá-la. Nas trombetas são tocados sinais. Um
toque longo e grave significa a retirada. Dois toques longos e agudos
significam dar meia-volta a pleno galope e atirar. Após longo treino, Conan já
está quase dominado esta última manobra. Os hirkanianos praticavam-na desde a
infância: quando os cavalos estão galopando tão depressa a ponto de parecerem
flutuar no ar, os cavaleiros giram o tórax para trás e, inclinados para a
frente, disparam a flecha para trás e para longe. Pouco depois, o cimério já
consegue atirar flechas a pleno galope, mas apenas para a frente.
Há, também, treinos para luta corpo-a-corpo, e exercícios como carregar
pesos declives acima, bem como a prática de flexões, deitados de bruços no
chão, a fim de fortalecerem os tríceps – músculos cuja força é importante para
o manuseio das cimitarras. O cimério participa de todos os exercícios dos
treinos, e pouco tempo depois, já consegue dominar a técnica de atirar para
trás durante as cavalgadas.
A cada dia, novas tribos hirkanianas, vindas do leste, se unem àquela
admirável coalizão das estepes: os Megujins, os Mungliks, os Lobos das Estepes
e muitas outras. Nisso, o líder da coalizão chama Conan para realizar uma
missão para eles.
***
O dia já havia
amanhecido há algum tempo quando Conan da Ciméria chega ao topo da estrada que
leva a Khorusun. As nuvens pesadas dissipam-se em fiapos escuros, dando lugar a
um sol tímido que aos poucos desperta e lança seus poderosos raios sobre a planície
e a cidade hirkaniana.
Khorusun, vista do alto,
é um intrincado labirinto, um indecifrável emaranhado de antigas e tortuosas
ruas que serpenteiam em volta de prédios, fontes e pequenos templos. Conan, do
alto da estrada que desce para a cidade, vê os transeuntes apressados espalhando-se
por todas as direções, no início de suas atividades citadinas que o cimério
tanto despreza.
Os olhos azuis
de Conan são estreitados pelas pálpebras, e as grossas e negras sobrancelhas
arqueiam-se quando o cimério fixa o olhar no ponto mais distante e encontra o
colossal templo de Tarim, o deus dos hirkanianos.
Olhando para o
oeste, Conan avista o palácio de Khorusun, o coração da cidade, com o sol da
manhã agora resplandecendo nas abóbadas douradas e de onde o rei – cujo nome,
segundo Bleda, é Altan, o qual, como todos os reis das cidades turanianas, só
obedece ao rei Yildiz, governante da capital Aghrapur – governa aquela cidade.
As enormes colunas, que são as torres a flanquearem a edificação, parecem
punhos cerrados que desafiam os céus num gesto de imponência e força. Nas
laterais do palácio, há algumas esculturas de leões com cabeças humanas,
semelhantes às das cidades do Iranistão, das quais o cimério ouvia falar desde
quando chegou a Zamora.
No lado norte
da cidade, um sinuoso rio desenha caminhos caudalosos através da cidade. Pode-se
perceber as furiosas e espumantes torrentes daquele fundo e cheio rio,
alimentadas pelas recentes chuvas, carregando sedimentos e entulhos numa
velocidade alucinante até desembocarem na ampla bacia ao sul. O rio, Conan sabe,
ainda percorreria alguns quilômetros até virar a oeste e desaguar no Vilayet, o
grande mar interior dominado por Turan.
Com aparente
desânimo, Conan desce a estrada enlameada e puxa o capuz de sua capa para
ocultar suas feições estrangeiras e, quando chega diante dos portões de Khorusun,
sente um leve arrepio ao avistar as duas enormes estátuas de lobos, em granito
branco, que simbolizam o poderio turaniano.
Ele adentra a
cidade sobre seu cansado cavalo, enquanto os atentos olhos azuis volteam sob o
capuz, observando todos os detalhes possíveis e os pontos de fuga caso necessário.
Como espião dos arqueiros hirkanianos em Khorusun, Conan fica
perambulando pelas ruas por algum tempo, até que em um dos mercados apinhados
de gente, ele vê um orangotango de olhos tristes aprisionado numa jaula, e
sente a mesma revolta que lhe tomara conta na Torre do Elefante, na qual um
mago zamoriano usava um ser de outro planeta como escravo. Ao mesmo tempo, o
cimério acha idiota e detestável o costume das mulheres daquela cidade esconderem
a beleza sob véus.
Mais detestável ainda para Conan é ver, nos fartos mercados de escravos
da cidade, mulheres de vários países sendo vendidas por apenas três pequenas
moedas de prata cada uma – loiras britunianas, morenas stígias, zamorianas de
cabelos escuros, kushitas cor de ébano e shemitas cor de oliva. Os hirkanianos
não são menos escravistas que os hiborianos que Conan conheceu, da Hiperbórea a
Koth, e da Britúnia à Aquilônia. O cimério também se surpreende ao perceber
que, apesar da desigualdade social local – inexistente entre os hirkanianos das
tendas, e entre quaisquer povos bárbaros –, todos naquela cidade vestem seda –
desde os membros das classes superiores até os mais pobres.
Em Khorusun, apenas a elite se constitui de hirkanianos
não-miscigenados, com olhos grandes, pele morena, corpo esguio e estatura
elevada, tendo a população daquela cidade o mesmo aspecto físico dos hirkanianos
que vivem a leste e aos quais o cimério se aliou. Somente nas cidades
turanianas a oeste do Mar de Vilayet, os hirkanianos – ou turanianos – são
todos altos, morenos, magros e de olhos grandes.
Súbito, gritos arrogantes chamam a atenção das mulheres veladas e
homens esfarrapados que caminham por um dos mercados.
- Abram caminho, porcos! – brada um altivo cavaleiro, com elmo de ouro
e armadura de aço, a vestir calças, manto e turbante de seda. – Deixem os
superiores passarem!
“Superiores?”, pensa o disfarçado cimério, “Ah, esses malditos cães
turanianos merecem uma boa lição, antes da invasão que virá”. Puxando
discretamente sua faca, Conan corta de um só golpe as rédeas do cavalo,
deixando-o desgovernado. Ciente de que, em poucos minutos, a população vai se
revoltar contra o cavalo sem freio e seu arrogante montador, o cimério segue em
sentido oposto, até sair da cidade.
* * *
O sol acaba de nascer sobre os baixos morros a leste do rio que passa
pelo acampamento, quando Conan e Bleda cavalgam juntos, conversando sobre a
possibilidade do cimério se tornar vizir de Khorusun. As preciosas informações
sobre a cidade, dadas pelo bárbaro de olhos azuis ao líder hirkaniano o
empolgaram a ponto deste chegar a pensar em fazer de Conan seu genro!
- Lorde Bleda – diz Conan ao chefe da coalizão tribal hirkaniana –, o
que pensa da idéia de expormos Khurusun a um cerco, vencendo-os primeiramente
pela fome, ao invés de partirmos para um ataque frontal? – O cimério diz isso,
baseado nas táticas de assédio a cidades hiborianas, criadas após o fracasso em
se tomar Yaralet de forma tão direta, um ano antes. – Assim, será mais fácil
tomarmos a cidade e construirmos um império paralelo ao turaniano.
- Escute aqui, fedelho do norte! – explode o chefe Bleda. – Eu te
nomeei capitão e espião para seguir as minhas
ordens, não para dar palpite sobre...
- Escute aqui, você!... – Conan começa a dizer, mas é interrompido
quando uma figura esguia e ágil cavalga sorridente entre ele e Bleda. É a bela Isuke,
tão encouraçada quanto todos ali, embora use uma armadura um pouco menor, por
não ser corpulenta como a maioria dos hirkanianos mestiços daquela região.
- Tenham calma, por favor... Estamos aliados contra um inimigo comum,
um inimigo imperial. Não conseguiremos nada, brigando uns contra os outros.
Ambos param a recém-iniciada discussão; Bleda, por causa do amor
paterno a Isuke, e Conan, devido à atração que sente pela filha do chefe – além,
é claro, das noites já passadas com ela. Enquanto isso, tanto Bleda quanto os
líderes Ogolai, da tribo dos Megujins, e Khuchar, da tribo dos Mungliks – assim
como Jakha, líder dos Lobos das Estepes –, se encarregam, juntamente com
outros, de eliminar quaisquer mensageiros e pombos-correios que saiam da cidade
ou circulem por aquela região, a fim de evitar possíveis contatos, avisos e
alianças entre Khorusun e outras cidades e tribos.
Por um momento, Bleda chega até a cogitar a possibilidade de uma
aliança com o mestiço povo cherkess, mas logo a descarta, pois tais tribos –
embora fortes o bastante para resistirem a turanianos, iranistanis e afghulis –
não se aliam a outros povos que não sejam eles mesmos, e são desunidas demais para
forjarem um reino para si mesmas.
* * *
Estão sendo feitos os preparativos para a guerra. Todos os guerreiros
campônios das estepes da Hirkânia já comeram sua ração de guerra – um pedaço de
carne de carneiro cozida e 200
gramas de coalhada seca para cada guerreiro e guerreira.
O ruído constante de centenas de cascos de cavalos é quebrado apenas pelos
gritos dos líderes, dos guerreiros e do principal líder, o guerreiro Bleda.
Xamãs hirkanianos das estepes dançam com os rostos voltados para o céu azul,
invocando Tarim e Erlik – deuses de todos os hirkanianos, desde o Vilayet até
as longínquas costas do Oceano Oriental.
De longe, o cimério, com seus olhos capazes de rastrearem pegadas de lobos
nas pedras nuas, em sua terra natal, avista melhor do que qualquer um ali, os
desenhos de cabeças de lobos brancos, nos casacos de seda que recobrem as
malhas dos khorusunianos. Tanto os hirkanianos das estepes quanto os da cidade
usam calças e mantos de seda, e algum tipo de armadura – tanto de aço quanto de
ouro –, e seus cavalos estão igualmente protegidos. Como em Venarium, a
superioridade numérica garantiria a vitória da facção camponesa à qual Conan se
aliou.
As duas cornetas soam quase ao mesmo tempo – a dos campônios e a dos citadinos
(cujo exército saiu da cidade, em um grupo de 2 mil homens – mil em cada
regimento). Os dois regimentos de Khorusun estão a quilômetros do exército
camponês.
Logo, soa o toque da corneta da coalizão tribal, a qual cavalga para o
ataque. Conan, com sua experiência como mercenário na Coríntia, estranha o fato
de os hirkanianos da cidade estarem parados, com as fileiras imóveis, enquanto
observam o avanço cada vez mais rápido dos soldados das estepes.
Os defensores continuam parados, enquanto os hirkanianos dos campos
começam a armar seus arcos, ao mesmo tempo em que cavalgam em alta velocidade.
Ao alcançarem a distância de apenas setecentos metros, os hirkanianos
da coalizão tribal disparam a todo galope, mas o líder dos campônios calculou
mal a distância, de modo que quase todas as flechas se perdem, atingindo poucos
do exército de Khorusun. Conan não está gostando disso, apesar de ter dado um
disparo certeiro a cavalo.
Quinhentos metros.
Dez por cento dos khorusunianos disparam suas flechas para o alto. Em
apenas cinco segundos, duzentos guerreiros das estepes são atingidos
mortalmente e derrubados de suas selas, com a rapidez do avanço a cavalo dando
maior velocidade e penetração às setas dos hirkanianos da cidade.
Agora, a 400
metros de distância, os hirkanianos das estepes disparam
outra vez contra os da cidade, mas o número de baixas que os camponeses sofrem
é cada vez maior, superando de longe a quantidade de mortos de Khorusun e
invertendo a vantagem numérica dos guerreiros das estepes a favor dos da
cidade. Desta vez, todos os arqueiros khorusunianos disparam, aumentando mais
ainda o estrago feito, por suas afiadas flechas com pontas de aço, contra os
arqueiros nascidos na estepe. Na fileira posterior destes, outros avançam em
grandes números, mas também acabam tombando.
Embora os hirkanianos das tendas sejam excelentes arqueiros montados,
os das muralhas de Khorusun têm uma vantagem em relação a seus parentes menos
“civilizados”: seus arcos possuem aletas de osso, com 3 cm de comprimento cada uma,
nas extremidades. Isto faz com que as flechas dos citadinos possuam um alcance
maior que as dos camponeses.
Os exércitos de Khorusun já imaginavam uma invasão daquelas e
confeccionaram secretamente aqueles arcos, de modo que nem mesmo o cimério, enquanto
trabalhava como espião na cidade, os viu ou ouviu falar neles.
Enquanto isso, com toda a sua leveza e graciosidade feminina, Shria se
esquiva de diversas flechadas turanianas e acerta, um a um, os pretensos
assassinos. Contudo, um khorusuniano, mais ágil no corpo e reflexos, consegue
se esquivar de uma das setas da esposa de Bleda e lhe acerta uma flecha
certeira na garganta. Furioso, Bleda vinga a morte de sua esposa com uma
flechada nas costas do citadino; mas, no instante seguinte, o líder da coalizão
cai de sua sela com uma seta turaniana cravada na testa. Ao seu lado, a bela Isuke
– disposta a tentar vingar os pais recém-assassinados por setas khorusunianas –
continua disparando, uma após outra, flechas contra o exército de Khorusun.
Conan está prestes a convencer aquela bela morena, de negros olhos amendoados,
a fugir com ele, quando uma das flechas citadinas atinge o peito encouraçado da
bela jovem, atravessando-lhe o coração.
Furioso, o bárbaro das colinas do norte, embora incapaz de vingar a
morte da jovem, descarrega seu ódio e frustração lançando flechas certeiras no
máximo possível de hirkanianos da cidade, até sua aljava ficar vazia. Outros
homens e mulheres na vanguarda vão sendo flechados, e o exército de hirkanianos
dos campos vai sendo paulatinamente dizimado, enquanto o cimério bate em
retirada, com o cadáver de sua linda aliada e amada sobre a sela do cavalo.
Contudo, três guerreiros turanianos, os quais conseguiram abrir caminho através
do exército de rebeldes derrotados, conseguem alcançar Conan. Este desembainha
sua espada cherkess na mão direita, e o sabre hirkaniano que Bleda lhe dera, na
esquerda. Esquivando-se dos golpes das cimitarras dos dois primeiros, o cimério
decepa a cabeça de um com a lâmina direita e crava a lâmina esquerda nos olhos
do segundo atacante. Contudo, sua espada hirkaniana havia ficado presa no
crânio do segundo, enquanto o terceiro resolveu tentar atingir Conan pelas
costas. Mas, num extremamente ágil giro mortal do seu cavalo e espada
remanescente, o cimério abre, num só golpe, elmo, crânio e rosto do último
turaniano próximo a ele, numa explosão de faíscas, sangue e miolos, reduzindo a
face do khorusuniano a uma rubra massa amorfa.
Retirando o sabre do turaniano ao qual estraçalhara os olhos, Conan da
Ciméria se dá conta de que a batalha está definitivamente perdida, e que não há
outra alternativa, exceto ir embora dali. Os campônios mal tiveram tempo para
utilizarem suas habilidades de virarem o corpo sobre a montaria e dispararem, e
pouquíssimos puderam utilizar outra coisa: o laço, uma arma típica daqueles
pastores dos campos – mas que só tem eficácia a curta distância. Sem contar que
a aglomeração, durante a batalha, incapacitou os rebeldes de se curvarem para
trás e para diante sobre a sela – como Conan havia feito dias atrás –, para
evitarem as flechas inimigas.
* * *
Após o fracasso em tomarem Khorusun (onde os hirkanianos pretendiam
criar uma base para fazerem oposição a Turan), Conan é o único sobrevivente
daquele sonho imperial e foge para o leste, onde, após cremar o corpo de Isuke,
encontra, em montanhas inabitadas, uma caverna de um milhão de anos, na qual
vê, pela primeira vez, um estranho símbolo entalhado na parede de uma delas.
Retornando para oeste, Conan se depara com gorilas gigantescos numa selva
próxima às praias do Mar de Vilayet. Fugindo deles, o cimério atravessa Shem e
o leste de Koth, até alcançar Zamora.
FIM
Agradecimento
especial: Aos howardmaníacos e amigos Osvaldo Magalhães, de Brasília (DF) e
Deuce Richardson, dos EUA.
A seguir: Yezud
e Shadizar.