A proposta continua sendo traçar uma correlação entre a Era Hiboriana de Robert E. Howard e uma possível Quinta Era na Terra-média de Tolkien.
Artigo anterior: Das Eras Perdidas: Númenor, Atlântida e o Ciclo da Queda
Um ensaio especulativo por um cronista das Eras Ocultas
“Pois tudo o que foi grande já se perdeu no tempo. E mesmo as sombras esquecidas ainda carregam ecos da canção primordial.”
– Fragmentos do Livro Cinzento
I. A Longa Sombra da História
Se a Quarta Era marca o início da "história dos homens", conforme os contos de Arda, seria lógico pensar que outras eras viriam depois, embora Tolkien tenha silenciado quanto a seus detalhes. O que viria após a queda de Gondor, da magia élfica, e da influência dos Valar? Uma era de reconstrução? Ou uma era de fragmentação?
A Era Hiboriana, concebida por Howard como um ciclo entre o mito e a história, surge como um ponto intermediário entre mundos encantados e civilizações reais, ecoando perfeitamente o espírito de uma Quinta Era: onde os feitos das eras passadas tornaram-se lenda, e o mundo, um lugar de brutalidade e superstição.
II. A Deriva dos Reinos: Do Oeste Perdido ao Caos Fragmentado
Na concepção tolkieniana, o mundo passou por várias remodelações físicas. A destruição de Númenor alterou a própria geografia, tornando o mundo “Redondo” e separando Aman do alcance dos mortais. Com o passar dos milênios, é plausível imaginar que os continentes de Arda se transformaram no mundo hiboriano — instável, geograficamente caótico e politicamente fraturado.
A presença de reinos curtos, expansionistas e beligerantes, como os de Aquilônia, Estígia ou Hyperbórea, indica um mundo em que os legados antigos se dissolveram e a cultura tornou-se instável. Tal cenário contrasta com a ordem élfica e os impérios duradouros da Terra-média — reforçando a ideia de degeneração civilizacional típica das eras tardias de Arda.
III. O Homem Bárbaro: Sombra do Adan
Na Primeira e Segunda Eras, os Edain — pais dos Númenorianos — eram nobres e próximos aos Valar. Com o tempo, seus descendentes perderam esses traços, tornando-se cada vez mais mundanos.
A figura do bárbaro hiboriano, como Conan, pode ser entendida como o resultado final dessa linha degenerativa: um homem livre, forte, astuto, mas sem laços com os deuses, distante da nobreza élfica ou das virtudes numenorianas.
Por outro lado, Conan também representa a resiliência arquetípica da humanidade, sobrevivendo aos restos do mundo antigo. Assim, ele ecoa não apenas a queda, mas também a continuidade mítica da linhagem dos Homens — herdeiros de Arda, mesmo que não o saibam.
IV. Magia e Ruína: A Sobrevivência do Sagrado Profano
Na Quarta Era, Tolkien já aponta que a magia começa a desaparecer do mundo. Na Era Hiboriana, ela ainda existe — mas é deturpada, perigosa, elitista e desconectada da harmonia cósmica dos Ainur.
É possível ver os feiticeiros hiborianos como ecos pervertidos dos Maiar, ou como humanos que tropeçaram em relíquias mágicas dos tempos antigos — talvez palantíri, grimórios de Númenor ou fragmentos da sabedoria élfica esquecida.
Essa sobrevivência residual da magia sugere que algo de Arda ainda pulsa, escondido sob a poeira do tempo, acessado por aqueles que ousam profanar os túmulos dos deuses antigos.
V. O Silêncio de Aman: Quando os Deuses se Calam
Talvez o aspecto mais evidente de uma Quinta Era seja a ausência total dos Valar. Na Era Hiboriana, não há intervenção divina, apenas cultos mortos, horrores antigos e forças que escapam à compreensão humana.
Isso se encaixa perfeitamente na ideia de um mundo pós-Épico — em que os deuses já falaram, já puniram, já salvaram... e agora observam em silêncio, ou talvez abandonaram o palco.
Essa teologia vazia é o contraste perfeito à metafísica densa de Tolkien — e ao mesmo tempo, seu destino lógico. Um mundo onde a fé é superstição, os templos são ruínas, e as orações não recebem resposta. A Quinta Era, enfim.
Conclusão: A Era Intermediária do Esquecimento
A proposta de que a Era Hiboriana representa a Quinta Era de Arda não é apenas especulativa: é simbólica.
Ela não pretende conectar cronologias com precisão, mas sim alinhavar os temas mitológicos centrais das duas obras:
- A ascensão e queda dos homens
- O declínio da magia
- A corrupção do sagrado
- O vazio deixado pelos deuses
- E a sobrevivência do espírito humano
Assim, entre o final da Terra-média e o surgimento da história conhecida, paira uma era de sombra — bárbara, mágica e esquecida — em que a herança de Arda continua, disfarçada nas espadas, nas feitiçarias e nos sonhos de um mundo perdido.