(por Al Harron)
Algo que eu
vinha planejando há algum tempo era uma série de publicações, baseada num dos
aspectos mais apreciáveis da série howardiana de Conan para mim. É dito
freqüentemente, em especial por difamadores, mas às vezes por fãs bem
expressivos, que Howard usou a história como um meio rápido e eficiente de
formar um senso de antiguidade perdida no tempo, “em deferência do que faz uma
boa estória”.
Embora seja
duvidoso que o uso que Howard fez, de nomes e palavras históricas, fosse provavelmente
menos difícil do que inventar novos, como ele fez nos contos de Kull, sou da
opinião de que havia mais do que isso. Especificamente, é uma forma franca e
rápida de exposição por associação: ao usar nomes imbuídos de história, cultura
e mitologia, Howard guia, sem esforço, a imaginação do leitor para o meio no
qual ele visualizou aqueles povos, lugares e coisas que compõem a Era
Hiboriana. Em muitos casos, isto é apoiado por detalhes e descrições
posteriores, mas há muitos casos onde tudo o que temos é uma única palavra. Com
um pouco de conhecimento histórico e imaginação, uma só palavra é tudo o que se
precisa.
“O
Anel Negro era uma fábula e uma mentira para a maioria das pessoas do mundo
ocidental, mas Conan sabia de sua medonha realidade e de seus devotos sombrios,
os quais praticavam suas feitiçarias abomináveis no meio das catacumbas negras
da Stygia e cúpulas anoitecidas da amaldiçoada Sabatea”.
(A Hora do Dragão)
As “cúpulas anoitecidas da amaldiçoada Sabatea”.
Mesmo sem fazer qualquer exposição longa desta Sabatea, Howard pôs os indícios
e insinuações no lugar, para o leitor preencher as lacunas. A coisa mais óbvia
que pode ser coletada de Sabatea é o fato dela ser associada com o infame Anel
Negro, cujo membro mais famoso é o temido Thoth-Amon. Isto indica a
probabilidade de que, como a Stygia, Sabatea seja um lugar de adoração a Set,
ou a alguma obscura divindade similar. “Cúpulas anoitecidas” sugere grandes
espaços interiores, que são eternamente cobertos pela escuridão: talvez até mesmo
subterrâneos, ou, pelo menos, ocultos no coração de grandes estruturas megalíticas,
como as catacumbas negras da Stygia parecem ser. Uma vez que Sabatea nunca é
mencionada antes nem depois, deve ser um local apartado e isolado, além do
alcance visual de um hiboriano ou cimério comum. Desse modo, antes mesmo de
pesquisarmos etimologia, emerge uma figura obscura de Sabatea: é quando a
comparamos com história, que podemos realmente deixar a imaginação correr
solta.
Sou da opinião
de que Howard criou Sabatea, através da fusão de duas palavras: Saba e Nabatea. Vamos olhar primeiro para Saba.
Saba é outro
nome para o reino de Sabá, mais famoso pelo relato bíblico de sua Rainha
visitando o Rei Salomão, contado no Livro dos Reis. Sabá é mencionada várias vezes
na Escritura, bem como pelo historiador Josefo
e na literatura islâmica, mas os detalhes da natureza do reino são escassos. Há
uns poucos reivindicadores para o título de “a verdadeira Sabá”: os dois mais
fortes são a Etiópia e o Reino Sabeu,
atual Iêmen. Vez que a teoria etíope é bem moderna – e Howard provavelmente não
sabia disso –, para propósitos de especulação, estou indo para a interpretação
do Reino Sabeu. Esta interpretação é mais intrigante, quando comparada com
Nabatea, a qual discutirei depois.
O Reino Sabeu
era um reino antigo de estirpe e cultura do Sul da Arábia, o qual existiu na
região meridional da Península Árabe – uma posição ideal para as lucrativas
rotas de comércio do Mar Vermelho, e para a Rota do Incenso. Eles floresceram no final da antiguidade, com seu
controle das rotas de pimenta da Arábia os tornando ricos e poderosos, seu
transporte de incenso e mirra sendo exportado do Mediterrâneo até a Índia. Eles
até repeliram, com sucesso, o poder de Roma, a qual deu ao reino o nome de “Arabia Felix”, em referência ao seu
temperamento próspero. Os sabeus também foram responsáveis pela Grande Represa, situada próxima à sua
capital Marib: uma construção monolítica, porém sofisticada, que demorou
séculos para ficar pronta.
Assim, os
sabeus dão uma possível indicação do povo de Sabatea, mas e quanto às “cúpulas
anoitecidas”? A segunda parte da palavra composta, Nabatea, dá uma possível
resposta.
Como o Reino
Sabeu, o Reino de Nabatea era uma
força proeminente no final da antiguidade na Península Arábica, mas localizada
na Jordânia, ao invés do Iêmen. Estando situada entre os impérios alastrados de
Seleuco e Ptolomeu – as porções mais largas do Império de Alexandre –, assim
como as legiões de Roma, Nabatea era belicosa, envolvida em guerras e conflitos
por boa parte de sua história. Finalmente, ela se tornou aliada de Roma e
formou uma fronteira contra as tribos dos desertos da Arábia. Com pouca
reminiscência de sua de sua linguagem e cultura, sua mais duradoura contribuição
para a história é sua magnífica arquitetura talhada na rocha, sendo o local
mais famoso a capital Petra.
Petra, ou pelo
menos a tesouraria Al Khazneh, será
familiar àqueles que viram Indiana Jones
e a Última Cruzada, e está, deste modo, inconscientemente entrincheirada na
cultura popular. É fácil ver por que, sendo um dos mais impressionantes
exemplos de arquitetura histórica. Deixando o famoso tesouro de lado, há várias
construções entalhadas em rocha por todo o local, incluindo o mosteiro El Deir e a Urna Tomb. Após um catastrófico terremoto ter destruído muitas
construções e o sistema de água, Petra entrou em declínio, e era uma ruína
durante a Idade Média. Howard pode ter se deparado com Petra, ao ler sobre Baibars, que visitou o local, ou
através de relatos subseqüentes.
Assim, tomando
os sabeus e Nabatea como referência, alguém poderia adivinhar como Howard
pretendia que Sabatea fosse? Cada leitor provavelmente terá uma idéia
diferente, mas os elementos mais marcantes de Sabeu e Nabatea dão as pistas
mais fortes. Com isso em mente, cheguei à seguinte dedução:
Sabatea era um
reino marítimo, ou no mar ou conectado a ele por um grande rio. Foi fundada por
shemitas, ou pelos pré-stígios ou por uma tribo nativa, aparentada com os dois
primeiros; talvez, como Nabatea, tenha sido formada por várias etnias. Eles começaram
sua civilização como trogloditas, escavando suas moradias nas grandes formações
de arenito da área, para se abrigarem do calor escaldante e das noites frias.
Logo, aquelas grutas toscas foram refinadas, adicionando elegantes e
arquitetônicas esculturas e relevos, e aumentando a área. Logo, os sabateanos
tinham um reino próspero, baseado no comércio de pimentas e plantas aromáticas
de Shem até Vendhya, talvez até enviando dignitários para o norte, até as
primeiras terras hiborianas. A certa altura, ficaram sob a influência da
Stygia, em sua máxima expansão territorial, onde o sombrio Anel Negro trouxe
sua terrível religião aos sabateanos.
Durante a fase
imperial da Stygia, Sabatea se transformou numa fortaleza do Anel Negro, onde
este se tornou o centro mais oriental das maquinações daquela organização. A
chegada dos hiborianos e a destruição de Kuthchemes fez os stígios se retirarem
para o outro lado do Styx, onde Sabatea foi deixada à própria sorte contra as
hordas do deserto. Se Sabatea pereceu lentamente, até se tornar meras ruínas
assombradas por lendas obscuras, durante a época de Conan, ou sobreviveu até
então, com o Anel Negro continuando seus planos terríveis numa terra
considerada mística pelos povos do norte, definitivamente não se sabe. A
localização precisa de Sabatea também é difícil de determinar: homônimos
hiborianos não estão sempre na mesma localização geográfica. Entretanto, Howard
faz notar que algumas cidades shemitas e stígias sobreviveram às destruições da
época posterior à Era Hiboriana: poderiam as maravilhas de Petra estar construídas
sobre as fundações da antiga Sabatea?
Também existe
uma lenda famosa entre as tribos beduínas da área: no topo de Al Khazneh, há
uma curiosa estrutura de pedra que lembra uma urna. Os beduínos acreditam que,
quando os hebreus atravessaram o Mar Vermelho, Aarão, irmão de Moisés, levou o
tesouro do faraó com ele; dizem que essa “urna” é seu esconderijo, o qual é crivado
de buracos de bala de prováveis caçadores de tesouro que esperavam abri-la.
Esta conexão com antiguidade egípcia é a mais constrangedora, quando alguém se
lembra que, de acordo com Howard, os stígios construíram as pirâmides: é de se
imaginar se a própria Petra foi, ela mesma, de construção sabateana.
Isto é tudo
especulação, é claro, mas creio que isso é uma especulação válida no espírito
do que Howard estava tentando fazer. Howard, às vezes, detalhava mais as terras
que criou, como ele fez com a Aquilônia, Nemédia, Turan e Stygia, mas, mesmo
quando tudo o que temos é um nome, o mesmo processo pelo qual alguém poderia
visualizar mentalmente um reino, se aplica. A melhor parte é que cada leitor
terá uma opinião levemente diferente sobre isso, e cada uma delas é válida.
Alguns podem ver Sabatea como meramente uma cidade shemita nada especial, como
Shumir, Eruk ou as vizinhas de Eruk. Outros podem vê-la como uma cidade
portuária da Stygia no Styx. Outros ainda podem encontrar uma analogia
histórica, diferente da conexão sabateu/nabateu: talvez a antiga cidade assíria
de Sabata, ou o Sabbath (sábado dos judeus).
Isso mostra a
habilidade de Howard em escolher a palavra ou frase absolutamente precisa da
qual necessitava, para transmitir uma idéia; ou como, com tão poucas palavras,
ele conseguia desvendar verdadeira avenidas de imagens. Sabatea não é a única:
existem muito mais, as quais pretendo discutir no futuro. Sabatea, no entanto,
é provavelmente minha favorita, vez que combina tanto a intenção de Howard para
a Era Hiboriana ecoar a história moderna através da etimologia, quanto para
conter imensidões na menor das dimensões. Tudo o que alguém precisa é de um
pouco de imaginação.
Tradução: Fernando Neeser de Aragão.