(por Al Harron)
“Mas aqui estou, sentado e bebendo
vinho de Kyros”
(Conan para Publio, sobre a bebida que está apreciando, em “A Hora do
Dragão”)
Uma
peculiaridade dos pastichos de Conan, é que vários lugares, que não estão imediatamente
ligados a um país em particular, são geralmente situados nas Terras de Shem.
Akbitana, Ghaza, Sabatea e Kyros são todas despejadas no cesto shemita, e, embora
seja fácil entender algumas localizações, não consigo evitar a sensação de que
os cinco lugares estão sofrendo de deslocamento.
O primeiro
deles, ao qual estou verificando, será Kyros. Não é nem sequer claro se esta é
afinal uma localidade: eu posso imaginar Kyros como sendo o nome da família do
vinhedo, ou até mesmo o nome de uma marca comercial. Kyros é o nome popular de
uma família entre os gregos. Entretanto, a expressão “vinho de Kyros” indica
que é realmente um nome de lugar; referir-se a uma pessoa resultaria num mais
possessivo “Vinho de Kyros”, enquanto uma marca comercial seria provavelmente
“Vinho Kyros”.
Assim como
alguns nomes howardianos, Kyros é mais exatamente descritivo. O nome é mais
certamente grego: é uma expressão para “mestre” ou “dono”, e é ela própria uma
tradução de Ciro – como em Ciro O Grande,
um dos primeiros grandes homens da história. Há também Kyrus de Constantinopla, o Patriarca Ortodoxo da época de Justiniano II. No entanto, o fato
daquele vinho de Kyros parecer ser de uma qualidade particular – sendo algo
feito por um especialista em vinho, como Conan saberia – lança dúvidas sobre
uma alusão persa, tais como eu não estar certo do vinho persa ser de especial
estima histórica.
Um similar
mais próximo seria a grande ilha grega de Quios.
Imediatamente, a assonância entre Kyros e Quios é perceptível. E, o mais
importante, Quios foi uma das maiores
exportadoras de vinho grego no período clássico. O vinho quio era considerado um dos melhores do mundo – o Chateau Margaux da antiguidade.
Centenas de ânforas quias já foram
desenterradas em Atenas, indicando sua popularidade, apesar de ser uma das
safras mais caras. Eruditos helênicos, como Hermippus, atestam sua qualidade, e
pessoas eminentes da era de Roma, como Plutarco, Plínio, Strabo, Galen e Athenaios,
também elogiam o vinho quio.
A
familiaridade de Howard com essas figuras clássicas indica a enorme possibilidade
de ele ter chegado a Quios e seu vinho, mas também há referências feitas pelos
seus autores favoritos. Edgar Allan Poe, em “Sombra – Uma Parábola”, contém a
seguinte frase:
“Sobre alguns
frascos do vermelho vinho quio, dentro das paredes de um salão nobre, numa
cidade obscura chamada Ptolemais, nos sentávamos à noite, em companhia de
sete”.
Assim, temos
uma idéia do “quê” de Kyros; agora, e quanto ao “onde”? Pelos motivos acima,
não acho que seja em Shem: Ciro parece desviar a atenção, de alguma forma. O
clima necessário para a produção do vinho o limita a partes mais quentes do
continente, embora, uma vez que até mesmo a Nemédia tem vinhedos, a terra era
geralmente mais quente durante a Era Hiboriana. Vez que Conan está em Messantia
em A Hora do Dragão, isso indicaria
que Kyros estava próxima o bastante para entregar o vinho sem arruiná-lo; ou na
própria Argos, ou nas nações vizinhas – Zingara, Aquilônia, Ophir ou Koth. Não
há indícios de que Kyros fique na Aquilônia: o nome não se adéqua, mesmo com os
nomes não-latinos Tanasul e Shamar. Zingara pode ser excluída, vez que a rixa
entre ela e Argos torna o comércio entre aquelas nações algo improvável. Embora
o nome Coríntia seja certamente de origem grega, ela fica muito distante de
Argos; até mesmo o vinho da extremidade mais ocidental da Coríntia teria que
viajar uns 2400 quilômetros até Messantia.
Restam Ophir e
Koth. Ambos os reinos têm o clima e acessibilidade necessários. Kyros felicita as várias cidades kothianas nas
estórias: Khorshemish, Khrosha e as províncias, outrora kothianas, de Khauran e
Khoraja – mas a traição de Koth, anos atrás, pode ainda ofender a memória de
Argos. Ophir, então, parece ser uma boa aposta com certos nomes greco-romanos
de pessoas (Theteles, Chelkus, Amalrus), similares o suficiente para sustentar
uma localização em Ophir.
Há sempre uma
outra possibilidade: Kyros ser uma cidade-estado independente, como Yaralet ou
a cidade sem nome de “Inimigos em Casa”. Howard mencionou que havia uma série
de “estados-tampões” (pequenas cidades independentes) ao longo da fronteira
Coríntia-Zamora, em sua carta para Miller, embora ele não as tenha retratado
explicitamente em nenhum de seus mapas; há algum motivo para não supor que
Kyros poderia ocupar seu próprio e minúsculo reino, em algum lugar perto de
Koth, escapando às barreiras políticas que possam evitar um comércio lucrativo?
Como Khauran e Khoraja, pode ter sido um bem-sucedido estado independente, mas
ao oeste ao invés do leste de Koth. A guerra com o Príncipe Almuric pode ter
causado uma incrível convulsão política no país, e o novo estado poderia estar
aliado a Argos, por uma questão de auto-proteção.
Então, mais
uma vez, talvez a explicação mais simples seja a melhor: Kyros é uma cidade
argoseana. Embora Argos tenha mais relação com os reinos marítimos italianos
que com os gregos, não se pode dizer que não há nenhuma influência helenística
(como atesta o próprio nome da nação).
Como um todo,
é muito difícil dar uma localização a Kyros. Posso ver um caso para se fazer
uma localização ao redor de Argos, Koth e Ophir, e tenho dúvidas sobre uma
localização em Zingara, Coríntia, Aquilônia, ou nos prados shemitas. Minha opinião
tende mais para uma cidade-estado na encruzilhada de Ophir, Koth e Argos. Sendo
uma cidade fronteiriça, é provável que tenha mudado de dono várias vezes, nas
marés de expansão de guerra. O nome grego sugere, inclusive, uma era de grande
antiguidade: Kyros também cumprimenta Acheron e Python, insinuando que Kyros
possa ter começado como uma cidade acheroniana, antes da queda daquela nação.
Parece que
este continuará sendo um dos grandes mistérios da Era Hiboriana e, embora eu
possa estar frustrado diante de uma inabilidade de situar um marcador no mapa,
talvez seja melhor assim. Afinal a Era Hiboriana foi uma era de mito – por que
não poderia haver um pequeno mistério nela?
Tradução: Fernando Neeser de Aragão.