Contos: Conan das Ilhas (Trechos)

por L. Sprague DeCamp e Lin Carter
em 17/06/2005

CONAN DAS ILHAS – início
(L. Sprague DeCamp e Lin Carter)
Tradução de Fernando Neeser de Aragão

O REI CONAN SENTOU-SE NO TRONO DA SALA DA JUSTIÇA DE SEU PALÁCIO EM TARÂNTIA, A CAPITAL DO REINO DA AQUILÔNIA. ALÉM DAS GRANDES JANELAS DE VIDRO, SE ESTENDIA O CÉU AZUL SOBRE OS JARDINS CHEIOS DE FLORES PERFUMADAS. E, ALÉM DOS PARQUES, SE ELEVAVAM AS TORRES QUADRADAS DE PEDRA BRANCA, JUNTO ÀS CÚPULAS DE COBRE E A SILHUETA DOS TEMPLOS, PALÁCIOS E CASAS DE TELHAS VERMELHAS. POIS ESSA ERA A CIDADE MAIS PRINCIPESCA DO OCIDENTE, NAQUELES DIAS DA ERA HIBORIANA. DO LADO DE FORA DOS JARDINS, AS RUAS LIMPAS DE TARÂNTIA FERVIAM DE GENTE, DE PESSOAS MONTADAS EM LOMBOS DE MULAS OU ASNOS; DE LITEIRAS OPULENTAS, RICAS CARRUAGENS OU MODESTAS CARROÇAS. AO LONGO DAS DOCAS, AS EMBARCAÇÕES ENCHIAM AS MARGENS DO RIO KHOROTAS COMO ENXAMES DE INSETOS AQUÁTICOS. DURANTE DUAS DÉCADAS, CONAN O GRANDE HAVIA GOVERNADO A AQUILÔNIA COM MÃO FIRME, PORÉM TOLERANTE; E ELE TRANSFORMOU O REINO, NÃO SÓ NO MAIS PODEROSO, MAS TAMBÉM NO MAIS PRÓSPERO QUE O MUNDO HAVIA CONHECIDO DESDE SUA CRIAÇÃO.

No grande salão rodeado de colunas, se reuniam nobres de ricos trajes, cortesãos arrumados com túnicas de seda e cidadãos roliços com roupas simples, sobre as quais luziam os medalhões de seus respectivos grêmios. Todos eles esperavam ver como o rei administrava a justiça. Posto que naquela ocasião seriam julgados alguns casos de excepcional importância, a metade dos nobres da Aquilônia estava presente. Entre eles, estava o jovem Gonzalvio, visconde de Poitain, e seu pai, o velho Trocero. Este estava esbelto e elegante como sempre; usava uma jaqueta de veludo verde, com o leopardo de ouro de seu condado. Ali estava também o conde Monargo de Couthen, o barão Guilaime de Imirus e o sábio Dexitheus, sumo-sacerdote de Mitra, um homem alto e magro que ostentava uma bela barba branca.
Soldados de rosto austero, pertencentes às legiões de cota-de-malha negra do rei, permaneciam de guarda junto à enorme porta e o pórtico; os raios de sol refletiam-se em seus capacetes, finalizados com figuras de dragão, e nas afiadas pontas das lanças. Todos os olhos estavam fixos no estrado central, onde haviam sido instalados os tronos por cima da multidão. Também olhavam o mercador coberto de jóias, que permanecia em pé com aspecto nervoso, enquanto seu advogado, vestido com uma toga negra, argumentava em favor de seu representado, diante do mais alto dos tronos.
Neste, estava sentado o rei Conan, que examinava os litigantes com a testa franzida. Odiava as discórdias por impostos do mais fundo de sua alma, aqueles problemas intrincados e laboriosos, com suas armadilhas legais e seu fundo complexo de matemáticas. Com que prazer atiraria sua coroa no rosto do estúpido cobiçador que estava diante dele, para ir embora da sala, saltar sobre um corcel e cavalgar atrás de uma jornada de caça nas florestas do Norte!
"Ao diabo com isso de governar um reino!", pensou Conan. Aquilo tirava a última gota de humor de um homem, transformando-o num ancião cansado, sem forças suficientes para empunhar uma espada. Depois de vinte anos usando uma coroa, um homem tinha direito a dispensar todas as honras e títulos, para dirigir-se a horizontes distantes, em busca de uma última aventura sangrenta, antes que a foice implacável do tempo ceifasse-o de uma vez por todas...
Conan deu uma olhada ao segundo trono, no qual estava sentado seu filho, o príncipe Conn, herdeiro da coroa da Aquilônia. O rapaz tinha vinte anos, idade suficiente, sem dúvida alguma, para subir ao trono do reino mais poderoso do ocidente. Esboçando um sorriso, o rei observou a expressão entediada de aborrecimento que se refletia no rosto do príncipe. Era evidente que o jovem Conn também ansiava despir-se daquelas pesadas vestimentas, para cavalgar em busca de uma caça, ou talvez para correr atrás de uma jovem nas margens do rio. Ao lembrar dos dias turbulentos de sua própria juventude, o rei não pôde evitar um sorriso nostálgico.
Na verdade, o príncipe Conn era a imagem viva de seu pai na juventude. A mesma testa franzida sobre uns olhos profundos de intensa cor azul; o mesmo rosto moreno de mandíbula pronunciada, emoldurado por uma cabeleira negra como as asas de um corvo; o mesmo corpo robusto, de ferreiro, cujos músculos poderosos avultavam sob as sedas e veludos nos ombros e peito; as mesmas pernas longas e de férrea fortaleza. Mal saído da adolescência, o filho de Conan já era uma cabeça mais alto que a maioria dos presentes, com exceção de seu hercúleo progenitor, o melhor guerreiro que o mundo havia conhecido.
Quanto ao próprio rei Conan, nem o mais poderoso dos inimigos – o tempo – havia conseguido dobrá-lo. É verdade que sessenta e tantos anos haviam embranquecido notavelmente sua outrora negra cabeleira e a barba recortada que agora ocultava sua vigorosa mandíbula. Seu poderoso corpo havia emagrecido, deixando-o esguio como um selvagem lobo cinza das Estepes do Norte. E o frio cinzel dos anos havia traçado profundos sulcos em sua fronte sombria e nas faces, cheias de pequenas cicatrizes.
Mas daquele corpo hercúleo ainda emanava uma indomável vitalidade, que se concentrava na fúria contida de seus olhos ardentes. O tempo tampouco havia conseguido minguar a extraordinária energia de suas mãos robustas e músculos de aço.
Estava sentado sobre o trono de prata maciça como um cavaleiro sobre um corcel de guerra no campo de batalha. Com um gesto enérgico, Conan agarrou a maça da justiça, como se fosse uma maça de combate cheia de cravos, e deu a impressão de que ia lançá-la contra algum inimigo oculto. O rico enfeite, cheio de pedras preciosas e adornados com correntes de ouro, tinha certa semelhança com a arma de guerra. Aonde quer que fosse, tanto a um alegre banquete quanto a uma agradável biblioteca ou à perfumada penteadeira de uma dama, aquele bárbaro sombrio da Ciméria levava consigo a perigosa e ameaçadora atmosfera do campo de batalha.
Havia transcorrido mais de vinte anos desde que uma jogada do destino, um capricho dos deuses ou talvez sua própria vontade indomável haviam destacado o obscuro aventureiro até colocá-lo num lugar importante entre os grandes do mundo, como soberano do reino ocidental mais rico e poderoso. Desde aquela noite, há quase meio século, quando um jovem esfarrapado de olhar feroz, que agitava uma corrente partida no ar, saiu do calabouço hiboriano para alcançar os cumes do poder e da glória, o cimério Conan havia lutado em toda a extensão de meio mundo, traçando um caminho de cor escarlate através de uma dúzia de reinos, das costas do Oceano Ocidental até os vales nebulosos da fabulosa Khitai.
Como ladrão, pirata, mercenário, chefe de tribos bárbaras ou general de exércitos reais, havia se aventurado por terras desconhecidas e chegou a conhecer todos os azares e maravilhas do mundo. O poderoso cimério lutou com sua irresistível espada contra demônios, dragões e monstros das trevas. Milhares de inimigos haviam conhecido o frio contato de sua arma: cavaleiros de cota-de-malha, bruxos malignos, ferozes chefes bárbaros e reis arrogantes. Até os deuses eternos tiveram que evitar às vezes, a fúria de sua lâmina de aço.

Durante uma audiência na sala do trono, sombras vermelhas envolvem o conde Trocero e desaparecem, levando o velho amigo de Conan. Durante semanas, as sombras atacaram nobres e plebeus indistintamente, até que setecentos cidadãos da Aquilônia desaparecem. Durante um sonho, Conan se vê frente a frente com Epemitreus, que já o visitara em sonho há muitos anos. Epemitreus revela o segredo das sombras vermelhas. Conan abdica de seu trono, em favor de seu filho Conn, e parte para salvar o mundo mais uma vez. Numa estalagem em Messântia, após nocautear um valentão que tentara espancá-lo, o ex-rei reencontra Sigurd, seu antigo companheiro do mar.

Ele parou junto a Conan, como um rude urso pardo, embora vestisse uma magnífica jaqueta vermelha bordada a ouro e cobrisse sua careca com um chapéu enfeitado com plumas. Argolas de ouro pendiam de suas orelhas e, ao redor do volumoso ventre, ostentava uma faixa de seda, da qual se sobressaíam várias adagas cravejadas de jóias e um porrete capaz de destroçar o crânio de um boi. Um pesado sabre curvo, de lâmina larga, pendia de uma bordada correia a tiracolo, a qual lhe cruzava o peito, e suas pernas arqueadas calçavam finas botas de couro.
Conan olhou o rosto suado, de olhos faiscantes, os quais brilhavam sob espessas sobrancelhas de cor avermelhada e, em seu rosto austero, desenhou-se um amplo sorriso. Logo lançou um rugido de alegria.
- Sigurd de Vanaheim, velha morsa! – exclamou o cimério – Pelos fogos do inferno, Sigurd Barba-Ruiva!
Os dois homens se uniram num abraço.
- Amra, o Leão dos Mares! – gritou por sua vez o corpulento indivíduo.
- Silêncio! Cala a boca, velho barril de gordura de baleia! – grunhiu Conan – Tenho motivos para permanecer no anonimato, por enquanto.
- Está certo! – respondeu Sigurd, que acrescentou em voz baixa: – Pelos dentes de Badb e as garras de Nergal, que me assem as entranhas, se não alegra o velho coração de um marinheiro voltar a vê-lo!
E os dois homens trocaram alegres palmadas, que fariam rolar no chão indivíduos menos corpulentos.
- Por Crom, Sigurd, sente-se ao meu lado e beba comigo, velho chacal! – propôs Conan.
Ele se deixou cair sobre o banco de madeira e tirou o chapéu emplumado. Depois, estirou as pernas roliças em direção à lareira.
- Taberneiro! – gritou Conan – Traga outra jarra! Ei, quando é que vem esse maldito assado?
- Pela espada de Mitra e a lança de Wodun, que você não perdeu uma pitada de força em trinta anos! – afirmou o ruivo, que após ter brindado, passou uma manga vermelha pelos lábios brilhantes e lançou um sonoro arroto.
- Não, velho vagabundo mentiroso? – disse Conan, rindo suavemente – Pois deveria lembrar que, há trinta anos, quando golpeava um homem no rosto, como acabo de fazer, eu quebrava-lhe os ossos e geralmente ele não vivia para contá-lo.
O cimério suspirou e acrescentou:
- Mas afinal o tempo persegue a nós todos. Você também mudou, Sigurd. Essa barriga gorda estava tão reta quanto um mastro, quando nos conhecemos. Lembra quando ficamos presos diante da Ilha Sem Nome, sem nada para comer, exceto as ratazanas do porão do navio e os poucos peixes que podíamos pescar naquelas águas infernais?
- Claro, claro. – afirmou o outro, enxugando algumas lágrimas furtivas – Ah, malditas sejam minhas entranhas, claro que você mudou, velho leão! Não havia cabelos brancos em sua juba... Sim, nós éramos jovens e estávamos cheios de vigor, mas que me lancem ao fundo do mar! Acreditaria que um membro da Irmandade me contou que você estava reinando num dos países interiores, na Coríntia ou Britúnia? Não me lembro qual. Pelas barbas de Moloch e as costeletas verdes de Lir, que me alegra vê-lo depois de tanto tempo!
Os dois companheiros de aventuras contaram suas respectivas histórias, enquanto devoravam o assado e saboreavam a cerveja. Há muitos anos, quando Conan havia sido membro da Irmandade Vermelha das Ilhas Barachas – arquipélago situado ao sudeste da costa zíngara –, ele e o ruivo vanir haviam sido grandes amigos. Logo seus caminhos se separaram e, para o solitário coração do cimério, era um imenso prazer voltar a encontrar seu velho camarada e recordar façanhas do passado, entre blasfêmias e saboreando uma apetitosa comida. Nesse momento, era Conan quem estava contando suas aventuras.
- De modo que, quando acordei e vi que não era um sonho – dizia em voz baixa –, redigi um documento de abdicação em favor de meu filho, que governará com o nome de Conan II. Nada me segurava em Tarântia. Vinte anos deixam um sabor amargo no paladar de um homem, depois de tanto administrar justiça e criar leis. Faz tempo que não luto com os reis vizinhos. Desde a queda dos Adeptos Negros, não houve uma verdadeira contenda naquelas terras. E um homem de verdade chega a sentir-se cansado de tanta paz e prosperidade, sobretudo se passou a vida entre guerras e batalhas.
Conan ficou em silêncio por um momento, com os olhos brilhantes, como se estivesse revivendo o passado. Logo suspirou e disse:
- É verdade que a Aquilônia é um país belo e fértil, ao qual procurei governar com prudência. Mas meus velhos amigos desapareceram: o grande chanceler Publius, que era capaz de colher três moedas de ouro semeando uma; Trocero, que me ajudou a subir ao trono; Pallantides, o general que sabia o que os inimigos pensavam, antes que eles próprios soubessem. Todos morreram ou desapareceram. E depois que minha companheira Zenóbia morreu ao dar à luz uma filha, até o próprio ar de Tarântia ficou insuportável para mim.
O cimério grunhiu e, depois de beber uns goles de cerveja, prosseguiu:
- As coisas iam bem enquanto o rapaz era pequeno. Agradava-me ensiná-lo a usar o arco, a espada e a lança, assim como montar a cavalo. Mas agora já tornou-se um homem e deve viver sua própria vida. E creio que será melhor que ele o faça sem a presença de um velho espectro de barba branca atrás dele. Na verdade, não houve necessidade de que Epemitreus me ordenasse. Já era tempo de eu partir em busca da última aventura. Acredite, por Crom, que sempre temi acabar morrendo na cama, cercado de médicos sussurrantes e cortesãos chorões. Uma última batalha, na qual lutar e morrer, isso é tudo que peço aos deuses!
- É uma grande verdade. – declarou o robusto ruivo, sem poder conter um suspiro – O mesmo me ocorreu, Leão, embora o destino não me tenha proporcionado uma coroa nem um reino. Eu deixei a Irmandade há anos e capitaneei um navio mercante que percorria o caminho entre Messântia e Kordava. Consegue imaginar o velho Sigurd Barba-Ruiva, o terror das Barachas, como patrão de um navio mercante?
O antigo pirata interrompeu-se devido um acesso de riso.
- Ah, e isso não é o pior de tudo! Igual a você, Leão, decidi formalizar minha situação com uma moça, uma jovem magnífica, apesar de ter algumas gotas de sangue picto nas veias. Bem, o certo é que tivemos vários filhos, chorões como poucos, que agora são tão grandes e fortes quanto eu mesmo. Ela morreu faz anos e os rapazes já se defendem sozinhos. O que pode fazer comigo outra vez no refúgio dos piratas, deixando que Set se encarregue dessas profecias e desses sonhos do além? Voltaremos a saquear a amuralhada Khemi, na Stygia! Que me envenenem se não levarmos um golpe de sabre no ventre e nos transformarmos em heróis de lenda ou, pelo contrário, conseguimos mais ouro do que conseguiram Tranicos, Zarono e Strombanni juntos! Vamos, Amra, o que você acha de minha proposta?




Ariosto, rei de Argos, escuta toda a conversa e financia um novo navio a Conan, que parte para Porto Tortage. Lá, ele recruta novos e antigos marinheiros e parte para o Oeste. No mar, o navio de Conan enfrenta vários perigos até ser incendiado por um navio-dragão. A tripulação de Conan é capturada, mas o cimério entra sorrateiro na cidade chamada Ptahuacan, última sobrevivente da Atlântida, nas ilhas Antillias. Após aprender a língua local (com a ajuda de uma prostituta), Conan conhece Metemphoc, o rei dos ladrões. O bárbaro se alia a Metemphoc, para salvar seus piratas, que estão para ser ofertados ao deus-demônio Xotli. Conan avança pelos túneis subterrâneos da cidade até ficar sob a pirâmide no centro da cidade, onde seus homens serão mortos. No caminho, ele enfrenta alguns dragões e acaba abrindo a passagem para o exterior, libertando os dragões, que dizimam tudo à sua frente. Conan liberta seus homens e parte em um navio-dragão, deixando a cidade para Metemphoc e seguindo à misteriosa terra de Mayapan (Conan das Ilhas/ ESCOR 11).


CONAN DAS ILHAS – EPÍLOGO
(L. Sprague DeCamp/ Lin Carter)


Por Crom, que era um verdadeiro prazer sentir aquela sólida cobertura de madeira sob os pés, ainda que fosse a de um navio estrangeiro, como aquele! Depois da queda de Ptahuacán – ocorrida um mês e meio antes –, Conan havia comido e bebido até saciar-se. Esgotado pela tremenda luta mantida, tanto debaixo da cidade como nela, o cimério havia dormido sem parar, durante um dia e duas noites. Mas, nos dias seguintes, enquanto conversava com seus homens e comia por três, Conan recuperou suas antigas forças.
Agora, quando a aurora pintava o oriente de dourado e escarlate, o bárbaro percorreu a cobertura dourada do barco-dragão e aspirou com satisfação a brisa salina, que erguia uma tênue bruma fria da superfície cálida do mar, não longe da verde costa do arquipélago.
Sentia uma profunda satisfação. Velho, ele? Apto tão-somente para jazer moribundo entre uns lençóis e suplicar que o ajudassem a morrer sem dor?
Nada disso. Era muito capaz de passar uma noite inteira com uma mulher e deixá-la exausta, porém contente. A ânsia de aventuras ainda inundava seu peito. Em seu enxuto organismo ainda sobrava vitalidade suficiente para uma aventura ou duas, pelo menos!
Conan golpeou a borda dourada com a mão firme, do mesmo modo que um cavaleiro o faz com um corcel suado. A última aventura...
O cimério olhou ao seu redor. Com a perspicácia infalível do antigo pirata, Conan havia se apoderado do melhor barco que havia no porto, no mesmo instante em que chegara resfolegando à frente de seus homens, enquanto a cidade despencava às suas costas. Os havia conduzido àquele barco de guerra, o melhor que vira em toda a vida. Este havia derrotado o Leão Vermelho quando, alguns meses antes, apareceu entre as brumas como monstro voador. Conan se pôs a rir, quando recordou o temor que a estranha nave havia produzido em seus homens.
E não foi fácil acostumar a tripulação àquele navio, que o bárbaro decidiu chamar Dragão Alado. Os piratas, conservadores como todos os marinheiros, não aceitaram com gosto aqueles estranhos aparelhos. Sugeriram, ao invés disso, que poderia pôr-se a flutuar e consertar o casco do Leão Vermelho, que se encontrava varado numa praia próxima. Mas Conan descobriu que seu antigo navio estava demasiadamente danificado para poder ser reparado. O casco havia queimado em vários lugares; carecia de mastros e aparelhos, e emendar tudo aquilo implicava um enorme esforço. Chegava a ser muito mais prático transferir as armas e todo o resto aos porões do Dragão Alado.
Logo, foram necessários muitos dias de prática para familiarizar a tripulação com a manobra do exótico barco, e para fazer as reformas que Conan julgou convenientes. Por outro lado, o Dragão alado era uma galera; por conseguinte, requeria uma tripulação mais numerosa que um barco a vela do mesmo tamanho. Por sorte, houve muitos jovens antillianos de espírito aventureiro, que decidiram unir-se como remadores à tripulação pirata.
Naquele momento, Sigurd Barba-Ruiva subia pela escada ao convés da popa, cuspindo e  protestando, com ar bonachão.
- Ah, Amra! – exclamou – Como tem dormido?
- Feito uma pedra. – respondeu o cimério.
Sigurd deu de ombros, e olhou até o local onde a bruma matinal escondia as sete ilhas de Antillia.
- Ali ainda devem ter ficado centenas de mortos sem sepultar. – disse o vanir – Pelas barbas de Ishtar, que eu realmente admiro a forma como sabe armar uma revolta!
- O que quer dizer? – perguntou o cimério.
- Nada, nada. Só que sabe atrair como ninguém a admiração de seus homens, que seriam capazes de deixar meia cidade em ruínas, para continuarem sempre ao lado.
- Sim. – disse Conan, rindo – E eu seria capaz de deixar a outra metade em ruínas, para não perder um velho chacal como você.
- Fico até grato em ouvir-lhe dizer isso, Amra, sobretudo agora que já não sou o mesmo de antes. – disse o vanir, que, olhando até a costa de Antillia, acrescentou: – Creio que teríamos feito bem em aceitar a oferta de Metemphoc e entrar a seu serviço como mercenários.
Conan negou com a cabeça e, sem perder o sorriso, respondeu:
- Nós, que fomos reis, temos orgulho como poucos. Não servimos a outros homens, se podemos ser donos de nossos próprios atos.
O sol já estava no alto, e iluminava o céu com sua luz brilhante. As gaivotas de penugem branca voavam em círculos, lançando grasnidos, e as ondas lambiam suavemente o casco recém-calafetado e pintado do Dragão Alado. Conan voltou a respirar fundo. Ao seu lado, Sigurd observou com interesse seu velho amigo.
- E agora, Amra, aonde vamos? – perguntou – De volta às Ilhas Barachas ou a percorrer as costas da Stygia e de Shem?
Conan voltou a negar com a cabeça e, em seguida, respondeu:
- Este barco não feito para cruzar um oceano tão amplo. Com tantos remadores para alimentar, jamais o conseguiríamos.
- Aquela galera verde, que vimos a princípio, o conseguiu.
- Sim, mas eu não sou um feiticeiro, nem posso fazer com que uma tripulação de fantasmas empunhe, sem descanso, os remos de meu navio.
Conan ficou pensando por um momento. O velho Metemphoc lhe havia contado muitas coisas. "Mais ainda a oeste, nos confins do mundo, existe um vasto continente", lhe havia dito o veterano ladrão. Os antillianos o chamavam Mayapán e, às vezes, faziam incursões por suas costas, em busca de ouro, esmeraldas e outros minerais. Ali  iam também buscar jovens escravas de pele bronzeada, assim como aves que forneciam plumas vistosas, e grandes felinos semelhantes ao tigre, cujas peles douradas com manchas negras constituiam inestimáveis objetos de adorno.
Haviam ali alguns países bárbaros, fundados por renegados vindos da Atlântida e Antillia. Nessas nações se oficiavam estranhos cultos, como o da Serpente Gigante e o do Tigre de Dentes de Sabre, que mantinham uma feroz rivalidade entre eles, embora ambos competissem no número de abomináveis sacrifícios humanos que realizavam, similares aos de Ptahuacán.
O cimério se deu conta que tratava-se de um novo mundo; efetivamente, um mundo de selvas impenetráveis e planícies sem fim, de montanhas gigantescas e lagos ocultos; um mundo de rios caudalosos que se retorciam como serpentes de prata derretida entre folhagens de cor esmeralda, e de onde populações remotas veneravam a deuses nunca vistos, de poderes temíveis e estranhos.
Que aventuras e paisagens lhe aguardariam na distante e misteriosa Mayapán?
Conan continuou meditando. Metemphoc, o rei dos ladrões de Ptahuacán, o havia chamado de "Kukulkan". Não sabia se era um antigo apelido, próprio do idioma Antilliano, ou se tratava-se de uma imitação de seu próprio nome, "Conan o cimério", ou de uma frase similar. O bárbaro não o sabia e, provavelmente, nunca o saberia.
Mas estava certo de que, se estava indo até aquele novo mundo, onde o povo jamais tinha visto um homem com barba e munido com armas de aço, sem dúvida poderia conquistar outro vasto império. O venerariam como a um deus, levaria parte da civilização do mundo antigo ao novo, e se transformaria num herói lendário a que cantariam durante séculos e séculos.
- Por Crom! – disse finalmente o cimério – Vamos comer algo, enquanto tratamos do assunto. Pensar na conquista do mundo, sem dúvida , abre o apetite.
Os dois homens desceram ao camarote. Algumas horas depois, a enorme nave, que o povo de Mayapán chamaria depois de Quetzacoatl – isto é, a serpente alada ou emplumada –, zarpava. O barco navegou até o sul e, logo depois de contornar as ilhas de Antillia, avançou até o oeste.
Mas a crônica, que terminava aqui, não revelava o lugar preciso para o qual se dirigiram os navegantes.
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