Marco
Antônio Correa Collares
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Asgalun da Pedra Antiga e da Pedra Rara
Filha da fronteira Oeste
Próxima ao Mar Profundo
Onde outrora foi uma grandiosa princesa
É hoje herdeira do submundo
Cântico de Rinaldo sobre Asgalun de Shem
O jovem Aradegi esperou no pórtico
de Asgalun pela volta da estranha comitiva. Desobedecendo a seus progenitores,
ele escapou logo após o desjejum matinal, ao primeiro raiar da aurora, se
esgueirando para longe dos olhos do pai e se arrastando pelos becos sujos
semi-abandonados que nos tempos de outrora receberam renomados
mercadores.
Aradegi
e Asgalun tinham pelo menos uma coisa em comum. Ambos pareciam meras sombras de
algo aparentemente incoerente. O rapaz, apesar de muito jovem, parecia um
adulto de meia idade com cabelos desgrenhados e pele ressecada ao sol por conta
do extenuante trabalho na oficina do pai, vestindo comumente uma capa surrada
por cima da túnica. A cidade, apesar de suas colunas imponentes de pedra
maciça, seus altos minaretes sinuosos, castelos rígidos, zigurates, afrescos
pelas sólidas paredes e altares exuberantes de cobre, obsidiana e marfim
parecia muito mais uma ruína abandonada do que a pretensa capital do oeste do
reino de Shem.
“Vale
a pena a surra que irei levar do pai”, pensou Aradegi. Não tinha como mudar seu ímpeto e
curiosidade. Isso porque ele tinha sido conquistado pela visão dos membros da
comitiva de mercenários, principalmente a bela guerreira loira vinda do norte,
Alexia. Além disso, o rapaz estava curioso com a difícil demanda do
grupo.
Ele
ficou sabendo, como quase todos na cidade, que o rei Salmanaser II iria pagar
uma quantia vultosa para qualquer caçador de recompensas que capturasse um
guerreiro famoso, um homem que havia liderado os nômades zuagires em outros
tempos. Aradegi tinha como personalidade a latente curiosidade de sua raça, mas
os acontecimentos em torno da caça ao homem não saíam de sua cabeça desde que
vislumbrou a comitiva. Seria a oportunidade de ver a queda do bárbaro conhecido
pela alcunha de Amra.
Nas
frequentadas tavernas e esquinas sinuosas da cidade, muitos homens comentavam
sobre a pretensão do rei no episódio. Fazia tempos que a realeza de Asgalun pretendia
uma união com os senhores das cidades-estado do leste, principalmente com a
poderosa Shushan. A boca pequena dizia que Salmanaser II pretendia iniciar
negociações com seus irmãos nobiliários mediante um prêmio: o prisioneiro
famoso ainda vivo, um homem deveras procurado pelas constantes pilhagens
bem-sucedidas no leste.
O
certo é que Aradegi esperou por todo o dia para ter notícias da caçada, em uma
espera um tanto nervosa e angustiante. Ao cair da noite, finalmente a comitiva
retornou, quase como uma procissão macabra de assassinos e rufiões. Ao saírem à
caça, eles contabilizavam em torno de vinte homens de armas arrogantes e bem
equipados com ferro e aço. No retorno, eram apenas oito, dois dos quais
bastante feridos e com ares de empáfia visualmente combalidos.
Lá
estava o líder mercenário, o nemédio Marcius a cavalo, munido de placas de aço
sobre o peito largo e um elmo imponente dourado com um penacho vermelho por
cima. Ao lado dele, o brutal kushita-poititiano, Raxorianus, vergando sua longa
lança negra, próxima à cor da pele grossa moreno-escura, no entorno de um
conjunto hermético de músculos sólidos. Logo atrás se encontrava um dos filhos
mais conhecidos de Asgalun, o guerreiro Harlan, com sua barba negra azulada,
cabelos longos presos na nuca e sua cimitarra famosa, “corta cabeças”.
Do
lado oposto a eles, apenas Alexia. O jovem Aradegi não conseguia desviar os
olhos de sua figura desde que a garota chegou à cidade junto à comitiva. Ele
nunca vira mulher tão formosa e selvagem ao mesmo tempo, ainda mais em se
tratando de uma criatura civilizada vinda do pequeno reino hiboriano da
Britúnia, localizado mais a nordeste do continente.
Diziam
os mais velhos, aliás, que a mistura de diversas raças fazia das britunianas as
mulheres mais exóticas e lindas do continente, com curvas voluptuosas e rostos
aquilinos, olhos levemente puxados verdes ou azulados, pele morena e cabelos
loiros como novelos divinos de seda.
De
um lado desta mistura exótica, a raça dos antigos pastores zhemris, do pequeno
reino de Zamora, com indivíduos de coloração mais escura e olhos negros
misteriosos e penetrantes; do outro, a hiboriana, raça hegemônica do oeste
continental, com indivíduos com cabelos claros e olhos cinzentos, pele clara e
altura elevada.
Certamente
que Aradegi não sabia nada das outras mulheres daquela raça híbrida, mas tinha
certeza que Alexia era exatamente assim, ainda que ela vergasse uma couraça de
malha de anéis de aço de proteção, tendo como outras características seu ar
estoico, gestos imponentes e uma bela espada cravejada de jóias esmeraldinas no
punho.
Sem
dúvida nenhuma que Alexia era a figura mais exuberante entre os guerreiros ali,
e o rapaz não duvidava que ela venceria quase todos em combate, desde que de
forma honrada e sem subterfúgios. Por um momento, a beleza e a grandeza de
espírito da mulher reteve o olhar do jovem, até que ele finalmente vislumbrou
Amra.
Cercado
pelos mercenários estava o bárbaro, na carroça, preso a grilhões pelos pulsos
em um poste de madeira ao centro. Apesar dos ferimentos pelo corpo, o homem
estava acordado, vislumbrando a multidão em volta com olhar selvagem de
pantera, como se aquele azul cristalino dos olhos fosse a imensidão do ermo em
meio a um céu límpido de gerações de bárbaros ensandecidos em suas vagas de ferro
e fogo.
Amra,
à exceção da ilharga protegida por panos, estava nu, com ferimentos que
incomodariam a maior parte dos homens civilizados. Seus músculos eram uma massa
contraída definida e riscada que externava o quanto as melhores estátuas de
mármore de deuses eram meros reflexos de divindades. A pele bronzeada dava uma
conotação ainda mais selvagem, ilustrando cicatrizes grossas no tronco poderoso
e no rosto felino. Acima da fronte marcada e da testa larga, uma juba negra
completava a imponente figura, como a de uma besta imemorial pronta para o bote
final sobre suas presas.
Era
nítido o quanto sua figura roubou o olhar de todos em Asgalun. Ninguém dizia
qualquer palavra; apenas olhava-se com estupefação diante daquela figura
central semi-divina, cercada pelos mortais mercenários. Ficava evidente também
que, a exceção de Alexia, os outros guerreiros se mantinham afastados da
carroça do bárbaro, como se tivessem um temor inconsciente em suas almas.
Foi
exatamente esse o sentimento de Aradegi quando a comitiva passou por ele,
parado numa esquina, rosto boquiaberto como um espectador do destino de deuses
estrangeiros. Seguindo os caçadores e sua presa pelas ruas de pedra fosca da
cidade, o jovem logo se viu diante do muro da casa que servia de abrigo para os
integrantes da comitiva.
Os
mercenários foram descendo de suas montarias na entrada da residência, cercados
pelos curiosos que se mantinham por perto, sem quaisquer preocupações em
esconder suas latentes curiosidades. Marcius, sem se preocupar com a população
em volta, foi o primeiro a descer da montaria, na iminência de adentrar o
portão que dava para o jardim em frente à casa, seguido por seus companheiros
mercenários mais próximos, Roxarianus e Harlan, que também desceram das montarias
com seus pertences, armas e provisões.
-
Vamos rápido, seus abutres. Algum de vocês envie uma mensagem ao rei e diga que
capturamos o bárbaro – falou o nemédio Március, líder do grupo, de modo geral,
deixando entender que algum dos presentes deveria obedecer de pronto às suas
ordens um tanto displicentes.
- Não há necessidade, meu caro. Eu irei pessoalmente avisar vossa alteza do êxito de sua jornada - Ao lado do muro da casa, parado em pé próximo do pórtico de entrada, uma figura esguia, com traços de hiena respondeu subitamente, surpreendendo a todos e saindo das sombras logo depois que parte do grupo de mercenários adentrou o jardim. Ele era um shemita do leste, comumente chamado de Muhalahin, o Esguio, sendo o principal homem de confiança do rei local.
- Ah, é
você conselheiro. Escondido da vista como um rato – respondeu Alexia, descendo
também de seu alazão de forma abrupta e igualmente adentrando no pórtico de
entrada, com uma altivez incomum para uma mulher brituniana, pelo menos de
acordo com o senso comum.
- Bem,
eu estava aguardando suas chegadas a mando de meu senhor. Vou até ele
imediatamente e pela manhã retorno com a remuneração prometida e com as ordens
a serem obedecidas – respondeu Muhalahin em um cochicho, olhos fixos na moça e
um estranho sorriso malicioso nos lábios.
- Que
seja – respondeu Marcius –, até lá, o homem chamado Amra estará sob nossa
autoridade.
- Pelo
que vejo, ele foi uma caça insossa, visto o baixo número de sobreviventes – indagou
Muhalahin novamente, com ar de ironia.
- Fomos
mais do que suficientes, hiena do deserto – interpelou o kushita Haxorianus,
irritado pelo comentário sobre seus bravos companheiros mortos em batalha.
- Isso
era esperado, emissário. O bárbaro é conhecido por sua valentia e aptidão no manejo
da espada. Ele eliminou doze dos nossos antes de ser subjugado por nossas
habilidades superiores - A resposta de Marcius foi aparentemente dirigida ao
shemita, mas seu olhar se fixou no homem chamado Amra, numa auto-afirmação
desconcertante. O bárbaro sorriu levemente de volta, sem desviar o olhar.
-
Habilidades superiores. Sei. Eu servindo de isca e o kushita, ao lado de uns
dez arqueiros shemitas usando venenos de lótus nas flechas e lanças, para
subjugar um homem já ferido. Mesmo assim, esse mesmo homem eliminou sozinho
quase todos no grupo antes de cair em torpor – ironizou Alexia, sorriso voltado
para Marcius, sem qualquer subterfúgio.
-
Que seja. Volte ao seu rei, Muhalahin e informe do sucesso da caçada. Amanhã
esperamos nossa recompensa – essa foi a resposta de Marcius para o emissário,
adentrando a casa rapidamente, enquanto os demais mercenários levaram o
prisioneiro, do átrio central até o interior de uma tenda, no pátio de modo a
abrigar sua presa.
Aradegi
conseguiu entrar pelo muro do lado esquerdo da casa, escondendo-se sob alguns
ramos de ervas nativas a oeste do pátio central. O bárbaro Amra foi levado até
a tal tenda próxima do abrigo dos demais mercenários da comitiva. Lá, cercado
por diversos e temerosos escravos da casa, ele foi colocado em outro poste de
madeira, com os braços para trás do corpo, presos pelos pulsos, de modo a não
ter mobilidade. O jovem shemita esperou o cair da noite, até que os feridos da
comitiva e seus companheiros se retiraram para seus descansos.
A
única luminosidade do ambiente vinha de um dos quartos principais da moradia de
alvenaria, onde se abrigava Marcius e seu principal séquito de guerreiros. Lá, Aradegi
podia ouvir vozes, sendo a de Alexia aquela que mais lhe chamava a atenção, por
motivos óbvios.
- Não
sei o que pretendes Marcius, mas pela manhã dividiremos os espólios da
empreitada de forma igual, como combinado – dizia a garota, bebendo o líquido
de uma taça de vinho sobre a mesa.
Sentado
em uma pequena cadeira atrás da mesa e com os pés sobre a mesma, Marcius
igualmente bebericava do vinho viscoso de uma taça prateada, sendo ladeado
pelos outros dois companheiros, o kushita Raxorianus, escorado à parede ao lado
da porta, e o shemita Harlan, próximo ao fogo da lareira, num canto, olhando as
chamas como se fossem o reflexo dos inóspitos desertos do leste turaniano.
- Sem
dúvida que a parte dos mortos não será dividida de forma igual. Existem custos
que não devem e não podem ser preteridos – sussurrou Marcius
- Não
tenho nada a ver com isso. O combinado foi a divisão igual entre os
sobreviventes e, pelo que sei, as cem coroas serão poucas para todos – Alexia
respondeu em tom impositivo, logo após sorver o resto da taça em um único gole.
Ela limpou a boca com a manga do antebraço e terminou dizendo:
- A
menos que os valores combinados com o rei sejam outros e você esteja diminuindo
as cifras para tirar algum proveito disso.
-
Cuidado, mulher, não pense que o fato de eu ter lhe oferecido minha cama e uma
aliança próspera entre nós dois irá me fazer aceitar palavras insolentes de tua
parte – respondeu Marcius, de forma arrogante, levantando-se.
-
Como já disse ontem nemédio, sua cama e sua aliança não me interessam; apenas a
divisão dos espólios pela captura do bárbaro. Guarde sua raiva para seus dois
cães. Está para nascer homem ou mulher que me levem a temer a dizer aquilo que
penso – Alexia se retirou do quarto, deixando um atônito líder mercenário
indignado. O kushita e o shemita, seus dois companheiros restantes mal
continham sorrisos irônicos nos lábios, e até certa admiração pela coragem e
honestidade da guerreira. Marcius, após a saída de Alexia, tagarelou em tom
ameno:
-
Amanhã iremos reter parte do butim pelo bárbaro e dividir com essa cadela
apenas um quarto do montante total. Depois, meus caros, uma nova empreitada nos
aguarda.
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II
O
homem conhecido como Amra tinha sede. O nome em questão fora adotado pelo
cimério Conan em épocas de pirataria pelos mares do oeste da costa negra até
Kush, sendo comum que ele ainda fosse chamado desta forma na parte oeste do
continente, incluindo Shem. Amarrado junto ao poste no interior de uma tenda,
Conan praguejou por sua captura e observou atentamente o local com seus
sentidos lupinos.
O
cimério estivera em fuga constante durante muitos dias antes da captura, ainda
que ele não conseguisse precisar com exatidão a passagem do tempo em meio à sua
fuga pelo ermo. Preso pelos pulsos a grilhões junto ao poste no interior da
cabana, Conan desistira de escapar por ora, visto que tinha perdido certa
quantidade de sangue em razão de alguns ferimentos contraídos, além do fato de
que precisava planejar seus próximos passos. De certa forma, a escuridão na
tenda e o silêncio total do lado de fora eram reconfortantes para sua mente
febril, apesar da situação.
Suas
lembranças e divagações o levaram de volta ao início da fuga, nos arredores da
cidade de Shushan, muitos dias atrás, quando tropas do exército turaniano,
aliados dos senhores shemitas locais rastrearam sua trilha logo após ele entrar
em contato com dois ex-colegas zuagires em um promontório próximo ao Vale de
Ebla.
Como
era de se esperar, os turanianos o atacaram impiedosamente e ele teve que abrir
caminho pela espada, em uma fuga frenética pelo ermo dos desertos do leste. O
cimério decidiu se abrigar no oeste do reino, onde as tropas turanianas, mal
vistas pelos senhores da região, dificilmente continuariam tal perseguição.
Ledo engano.
De
certa forma, seu caminho em fuga foi marcado a ferro e sangue, algo que para o
bárbaro era um modo de vida. Primeiramente ele foi cercado nas cordilheiras
arenosas e fragmentadas entre Zamboula e Ebla, quando o cimério abateu quatro
arqueiros que interrompiam seu caminho pelo Estreito de Hormuz.
Meia
tarde depois do primeiro embate, uma nova batalha sangrenta ocorreu entre Conan
e alguns soldados das tropas turanianas, quando parte dos perseguidores o
cercaram entre as margens do rio Prat-Firat, obrigando o cimério a lutar
ferozmente contra sete adversários munidos de cimitarras e iatagãs. Na luta
encarniçada que se seguiu, o cimério obteve dois ferimentos superficiais, um no
antebraço e outro no tronco, matando seus adversários a golpes encolerizados e
escapando por pouco a cavalo antes da chegada de reforços.
Seguindo
seu caminho pelo ermo, o bárbaro ficou uma noite abrigado em uma caverna do
Planalto Arilano, tratando dos ferimentos pelo corpo. Logo cedo, antes do
primeiro raiar da aurora seguinte, ele meio que virou a partida, pelo menos por
um breve instante, nos paredões arenosos de Uruk-Sah. Foi a vez dele emboscar
seus perseguidores, usando de sua agilidade felina para saltar sobre seus
oponentes logo abaixo, decepando dois turanianos sem hesitar. Mais tropas
vinham em seu encalço e Conan decidiu fugir novamente, sendo alvejado por uma
flecha no ombro esquerdo.
A
perseguição durou ininterruptamente por mais um dia e Conan conseguiu enganar
uma parte de seus perseguidores na pequena vila de Jendet-Nasr, logo escapando
a galope pelas planícies da região de Pelisthia. Conan aproveitou mais um breve
momento de sossego no ermo, talvez por uma tarde inteira, para tratar do
ferimento da flecha, conseguindo enganar novamente seus captores nos arredores
do Oásis das Feras, comumente usado por nômades da região.
Quando
seus implacáveis perseguidores turanianos encontraram novamente seu rastro,
Conan saiu a galope em direção ao oeste, em uma perseguição que durou das
primeiras horas do dia seguinte até o meio da tarde. Infelizmente, outra parte da
tropa turaniana ficou sabendo de sua possível direção e se adiantou até a
região do planalto que circundava o Prat-Firat, localizado um dia após a
fronteira entre leste e oeste de Shem.
Na
referida região, Conan foi emboscado por mais quinze inimigos ainda antes do
cair da noite, abrindo caminho a ferros e matando mais da metade deles,
recebendo mais ferimentos pelo corpo, um no lado esquerdo do tronco, outros
dois nos antebraços, além de um corte transversal nas costas, não tão profundo
como pensara a primeira vista. Isso, claro, sem deixar de rachar o crânio da
maioria de seus perseguidores.
Após
essa nova empreitada sangrenta, seguiu-se mais uma fuga desesperada pelos
ermos, algo que durou a noite toda seguinte e varando a madrugada enevoada do
outono do oeste continental, até que o cimério conseguiu novamente despistar
seus perseguidores.
Já
no oeste, ao passar pela cidade de Asgalun, Conan conseguiu uma boa vantagem, e
ali descansou e tratou de seus ferimentos por todo o dia seguinte, aproveitando
as instalações de uma taverna local chamada Fagulhas de Fogo. Ali, ele ficou
sabendo de um prêmio por sua cabeça entre os senhores da cidade. O mais
estranho de tudo é que ele tinha observado de longe o líder dos mercenários ali
acampados, seus caçadores no final, ao lado das mesmas tropas turanianas que
haviam lhe perseguido desde a cidade shemita de Shushan.
Após
se retirar do núcleo urbano a pleno galope, ainda antes do cair da noite, Conan
parou a beira de um dos muitos afluentes do Khorotas, que deságua no Mar do
Oeste. Não demorou muito para o bárbaro perceber que seus perseguidores
turanianos se retiraram para o leste, e então ele decidiu acampar para
continuar o tratamento improvisado de seus ferimentos ainda abertos pelo
titânico corpo de bronze.
Instantes
depois, ele foi surpreendido enquanto descansava da longa perseguição a que
fora submetido. Uma bela mulher loira de couraça de anéis de placas tinha
aparecido diante dele a cavalo, pedindo abrigo e um lugar para pernoitar. Seu
nome era Alexia e Conan estranhou o fato de ser uma guerreira de origem
brituniana, visto que apesar de se lembrar desse reino na juventude, ele não
tinha lembranças de guerreiras armaduradas oriundas desta raça em suas jornadas
pelos reinos hiborianos civilizados.
Mesmo
ferido, seu instinto o avisou das incoerências dos argumentos sem sentido da
garota, mas quando decidiu questioná-la sobre os mesmos, ele se viu cercado
pelos companheiros mercenários dela, fossem eles arqueiros e lanceiros. Foi um
dos raros momentos em que Conan praguejou consigo mesmo e contra Crom,
divindade que ele jamais pedira auxílio, exatamente pela sabedoria entre os
cimérios de que isso seria completamente estúpido e inútil.
Conan
abriu passagem a ferros novamente e sua espada cortou nervos e músculos com uma
rapidez incomum para um homem com tantos ferimentos ainda abertos. O descampado
onde foi decidida sua sorte se viu tomado por corpos mutilados e por valentes
guerreiros munidos de redes e espadas de aço, alguns a cavalo rodeando uma fera
aparentemente enjaulada.
Cercado
e sangrando cada vez mais devido ao conjunto de ferimentos acumulados no corpo,
quase em estado de cólera bestial a estraçalhar quem se aproximava, Conan logo
veio a tombar, não por qualquer ataque de espadas e sabres inimigos, mas pelo
veneno de lótus contido em suas pontas de flechas e lanças.
-
Malditos civilizados e seus subterfúgios – praguejou sozinho na tenda, enquanto
ansiava pela jarra com água a frente, sem conseguir sequer segurá-la para
sorver o precioso líquido. Por um breve instante, o cimério ouviu um ruído na
escuridão e seus sentidos bárbaros o alertaram para alguma presença escondida.
Como não tinha nada a perder, Conan decidiu inquirir quem ali estivesse.
-
Quem quer que seja, podes sair de trás destes entulhos. Sei que estás aí.
O
jovem Aradegi saiu de um canto de trás de algumas caixas com provisões, um
tanto temeroso diante daquela fera poderosa, ainda que ferida e aprisionada.
Era como se o magnetismo de Conan o forçasse a parlamentar com o guerreiro. De
certa forma, o rapaz tinha sido atraído pela figura de alguém que ele apenas
imaginava existir em contos sobre heróis e semi-deuses.
-
Peço perdão, Amra. Eu achei que passaria despercebido – falou o jovem, depois
de hesitar por alguns instantes. Conan sempre se surpreendia com a força do
nome Amra, e normalmente ele não fez questão de dizer seu verdadeiro nome para
aqueles que lhe chamavam daquela forma. Ele gostava de tal designação.
-
Isso é difícil para um bárbaro. Normalmente percebemos o que acontece em nossa
volta. Bom, pelo menos eu achava que funcionava assim – ironizou o cimério,
visto que tinha sido capturado em um raro momento de confusão em sua percepção
de ave de rapina.
-
Sou Aradegi – respondeu o jovem, diante do olhar inquiridor de Conan.
-
Sei. É escravo desses cães mercenários?
-
Não, sou apenas um curioso invasor da casa. Vim aqui para ver a garota e também
o que fariam com o prisioneiro.
-
Ah, a brituniana. Bem, certamente que é um bom motivo para entrar de forma
sorrateira em uma morada cheia de homens de arcos e espadas. Apesar de ser
tolice fazer isso sem quaisquer armas em mãos. – As palavras de Conan mal
contiveram a ironia em seu olhar e expressão.
-
Verdade – respondeu o constrangido rapaz. – Mesmo assim entrei e me esgueirei
pela casa. Até pude ouvir a conversa dos seus captores no quarto principal.
Fiquei debaixo da janela do líder até que Alexia se retirou, irritada pela
discussão com os outros mercenários.
-
Discussão? Sobre o quê? – perguntou o cimério.
-
Pelo que entendi, ela desconfia do líder mercenário e do valor do butim por sua
captura – respondeu o jovem, como se conhecesse um segredo imemorial de reis ou
magos poderosos.
-
Ora, isso pode ser proveitoso para a minha situação. Se me fizeres algo eu
posso te pagar quando me livrar dessa corja que me capturou. O que achas?
-
Não sei. Sou péssimo com uma espada.
-
Decida logo. Caso não queiras, pelo menos me alcance aquele jarro de água em
frente. – Conan mal escondeu a impaciência com a indecisão de Aradegi. Em
silêncio, o jovem refletiu e chegou à conclusão de que esperava a fuga do
bárbaro, apesar de não entender os motivos. Logo, ele se viu levando a jarra
até o cimério, ajudando-o a beber do pouco que continha ali. Por fim, veio a
pergunta:
- O
que posso fazer, afinal?
-
Bom, poderias me conseguir as chaves destes grilhões, mas como morrerias se
tentasse, melhor encontrar sua musa guerreira e trazê-la até aqui para falar
comigo.
-
Ela vai querer vir? – perguntou o jovem, com ar incrédulo diante da certeza
aparente do cimério.
-
Ora, diga que é do interesse dela. Que talvez ela tenha a ganhar mais comigo do
que com homens pouco confiáveis. Vamos ver como ela responde a isso.
Como
uma sombra esguia, Aradegi se retirou da tenda de Conan, sem ser visto no meio
das sombras. Temeroso, o jovem shemita se dirigiu novamente até a casa central
da propriedade, torcendo para encontrar Alexia em algum dos quartos do primeiro
andar. Definitivamente, pensou consigo mesmo, ele levaria uma bela surra do pai
quando, e se, chegasse em casa.
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III
As
noites de Asgalun são conhecidas pelo silêncio e pela escuridão que encobre os
prédios e as ruas bruxuleantes da cidade, muito em razão da neblina constante
que desce pelos vales no entorno ao rio Prat-Virat, um dos muitos afluentes do
Khorothas, que deságua no Mar do Oeste. Na casa de alvenaria dos captores do
homem conhecido como Amra, uma figura feminina subiu soturnamente as escadas
até o segundo andar, onde se encontrava o quarto do nemédio Marcius.
Alexia,
claro, tinha tirado a barulhenta armadura de placas, vestindo agora uma túnica
leve que mal encobria as curvas do corpo escultural. As coxas grossas e o
quadril largo eram encimados por uma cintura estreita, formando com os seios médios
uma forma quase perfeita do ser feminino.
Certamente
que Alexia era cobiçada por muitos homens, incluindo príncipes, nobres e
magistrados, mas ela tinha escolhido vencer na vida pela espada e não por
qualquer casamento arranjado, tão comum entre as jovens de sua cultura. Ela
jurou, ainda muito cedo, que jamais seria uma mera consorte ou esposa de algum
nobre rechonchudo e inútil de um palacete de fronteira.
Se
fosse para seguir os costumes britunianos à risca, provavelmente ela acabaria
aprisionada em uma sala com tapeçarias rústicas a tecer para o marido e para
sua prole por toda uma vida, algo usual entre as mulheres daquela raça, muitas
vezes tidas como perfeitas para se casar ou flertar, como se fossem meros
objetos passivos da lascívia masculina. O que, aliás, levava a perseguições
constantes da parte dos mercadores de escravos zamorianos e soldados turanianos,
deixando um vazio extremo nas famílias britunianas que perdiam suas filhas para
o comércio de cativos.
Ao
entrar no quarto do líder mercenário, Aléxia ouviu sua respiração forte em meio
ao torpor do sono e ficou em completo silêncio na escuridão, tateando o lugar
para encontrar as pistas que viera buscar. Na escrivaninha que Marcius
comumente utilizava, para escrever bilhetes e cartas com informações ou avisos,
ela encontrou muitos papéis revirados e bagunçados. Sem ao menos ver exatamente
do que se tratavam, em razão da escuridão total ali presente, ela levou um
punhado daqueles papéis ao corredor.
Entrando
em outro cômodo qualquer, depois de averiguar que estava vazio, Alexia fechou a
porta de madeira a acendeu uma tocha, sentando em um pequeno divã de madeira
com panos rústicos por cima, colocados ali para o descanso dos convivas. Ela
procurou e leu várias anotações do líder mercenário e fez tal percurso ao
quarto e à escrivaninha de Marcius mais quatro vezes, até que por fim,
encontrou as provas que viera buscar. Realmente, o dia seguinte seria muito
perigoso e a garota ficou eufórica diante de tal possibilidade.
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IV
A
comitiva contava agora com mais pessoas do que no dia anterior, quando adentrou
na cidade com seu prisioneiro imponente. Além dos mercenários sobreviventes,
estavam o Rei Salmanaser II, o emissário Mahalahin, além de oito integrantes da
tropa de elite do séquito real.
Conan
vestia uma túnica e um manto de proteção para o deserto e estava agora montado
a cavalo, ainda que com os pulsos bem amarrados atrás do torso. Pelo menos,
isso era o que afirmara Alexia, que havia se colocado como responsável por
levar o bárbaro até sua montaria.
Além
dos viajantes, havia uma carroça com provisões, mais barracas e tendas para o
conforto da comitiva. O responsável por levar o rei de Asgalun até o leste, de
modo a que fosse arquitetado o acordo com os senhores de Shushan, era o capitão
Tiglates, conhecido por suas táticas precisas, discernimento singular,
habilidade com a espada e retidão nas palavras.
Podia
se dizer que Salmanaser II, Tiglates ou mesmo Mahalahin representavam seus
respectivos estereótipos, funções sociais e posições. O monarca era um jovem
pomposo com uma barba rala enegrecida no queixo redondo, estando um pouco acima
do peso e ricamente tapado com tecidos finos de seda azulada, encimados por um
manto branco com detalhes prateados e púrpuras.
O
capitão da guarda, por sua vez, era um homem alto, com feições rústicas, olhos
negros honestos, nariz adunco e barba encaracolada negro-azulada, vestindo
mantos simples amarronzados por cima de uma armadura de couro batido simples
com o brasão da monarquia local, uma lua nova sob nuvens sombreadas.
Já
Mahalahin, comumente chamado de “O Esguio” era um típico conselheiro de
corte, com traços finos, túnicas alaranjadas macias e esvoaçantes, jóias
espalhafatosas e um chapéu de feltro tipicamente shemita, cortado em forma de
cone e acoplado na cabeça raspada. Uma ponta de barba pontiaguda fina pendia do
queixo proeminente, tendo ele um sorriso de pura lascívia e ironia que jamais
esconderia qualquer ensejo de maledicência.
Era
comentado na corte, aliás, o quanto ele era iniciado nas artes da feitiçaria,
com magias de mimetismo e de controle ou confusão da mente, além da enorme
influência política que exercia junto ao rei Salmanaser II, talvez perdendo
apenas para Tiglates nesse quesito. Certa vez, um dos primos do rei ousou
questionar a presença do conselheiro junto ao monarca e o fato de que seria ele
quem realmente dirigia os negócios de Estado da cidade.
Repentinamente,
na mesma noite em que tais acusações contra o Esguio foram levantadas, o
acusador começou a ter espasmos alucinatórios, falando em fim de todas as
coisas e de um novo cataclismo destruidor de proporções ainda maiores do que os
anteriores. Nunca mais se viu ou ouviu falar do sujeito na cidade, o que foi motivo
de grandes suspeitas veiculadas de boca em boca, chegando comumente aos ouvidos
do capitão Tiglates.
Marcius
tinha dividido os espólios recebidos pela captura do bárbaro logo na primeira
hora da manhã, ainda que a quantia fosse menor do que a prometida por ele, o
que confirmou para Alexia aquilo que Conan tinha lhe dito na madrugada, logo
após o jovem Aradegi ter levado a moça à presença do cimério. O jovem shemita,
aliás, estava escondido na carroça, debaixo de mantos que serviam de proteção
para as provisões da comitiva.
Quando
conversou com o cimério, conhecido como Amra na tenda, Alexia se impressionou
ainda mais com sua figura, algo que já havia acontecido no momento em que se
conheceram à beira do afluente do Khorothas. Não era apenas a força primal
bárbara de Amra que deslumbrava a guerreira brituniana, nem mesmo sua
resistência sobrenatural diante de seus ferimentos pelo torso poderosos e pelos
braços altivos.
O
que realmente a impressionava era a forma reta e honesta de cada palavra
proferida pelo cimério. Em outros termos, Alexia via no bárbaro mais
honestidade e retidão de caráter do que na maioria dos homens civilizados que
conhecera ao longo de sua jornada, muitos deles sedentos por poder e ávidos por
prazeres imediatos, abusivos e ilimitados.
Conan
olhava para Alexia como qualquer homem o fazia, com desejo, mas ao mesmo tempo
ele a olhava nos olhos, sem quaisquer subterfúgios nas palavras proferidas,
vendo nela a valentia e a habilidade guerreira que tanto a garota tinha lutado
para serem reconhecidas. Ele a respeitava como uma igual na arte da esgrima e
isso era, para Alexia, a certeza absoluta de que valia a pena ajudar tal homem
contra seus atuais companheiros.
E
isso, principalmente após ela encontrar documentos e cartas com ordens dos senhores
do leste para o nemédio Marcius. Evidências a desvelar que ele deveria se aliar
às forças estrangeiras turanianas que perambulavam pelo reino shemita,
configurando uma traição ao senhor de Asgalun, o empregador da comitiva de
mercenários da qual Aléxia fazia parte. Além, disso claro, havia o fato de
Marcius não dividir o butim de forma equânime entre os sobreviventes do grupo,
tal como prometido por ele.
A
comitiva se retirou da cidade sob os olhares desconfiados dos súditos do rei
Salmanaser II, muitos dos quais igualmente impressionados e estupefatos com a
coragem de seu monarca em viajar para o leste com tão poucas defesas. Era quase
um consenso entre o povo miúdo que a tentativa do rei de conseguir um acordo no
leste era apenas uma visão inocente e idealizada de um jovem inexperiente, algo
que provavelmente jamais vingaria.
-
Ouvi falar de suas aventuras, Amra. Se metade do que me disseram for realmente
verdade, devo ressaltar que o respeito, apesar de agora seres nosso prisioneiro
– falou Salmanaser, logo que seu cavalo ficou ao lado do de Conan, igualmente
ladeado por Alexia.
-
Bem, de minha parte eu trocaria seu respeito por uma faca e uma espada. A
primeira para cortar essas cordas que me prendem, e a segunda para cortar as
cabeças de todos os meus captores – respondeu Conan, com a seriedade de quem
não fazia bravatas aos ventos.
-
Há. Muito bom bárbaro. Você é exatamente como dizem ser os homens do norte da
Aquilônia, sejam eles vanires ou aesires – respondeu o monarca, de forma
espalhafatosa.
Conan,
aliás, sentia dificuldades em diferenciar os homens civilizados, mesmo conhecendo
toda a variedade de suas raças, culturas e nações. Isso porque, o cimério
achava que eles se vestiam de forma semelhante, normalmente com tecidos finos,
roupas coloridas demais para seu gosto, jóias caras e brilhantes nos dedos e
nos pescoços, além do cheiro de mirra e incenso forte que emanava de seus
corpos franzinos ou gordos, algo para disfarçar o fedor de suas corruptíveis
ambições.
-
Cimério. Sou do norte, mas não sou nem vanir e nem aesir – respondeu Conan, de
forma soturna e direta, sem rodeios.
-
Entendo. E Amra é como te chamam em sua terra – sussurrou o rei, não como uma
pergunta, mas como uma confirmação para si mesmo.
-
Não. É só um nome que tenho nessa região mais próxima ao Mar do Oeste – respondeu
Conan, lacônico. – Claro que devias estar mais preocupado com outras coisas.
Como por exemplo, o fato de tropas turanianas estarem transitando por Shem, com
o apoio dos monarcas do leste, fora o fato de seu mercenário chefe contratado
ser um provável aliado dessas tropas.
-
Ora, mas que coincidência tal relato, cimério, visto que a comitiva de Marcius,
antes de eu me unir a ela veio de Turan – aproveitou Alexia para complementar a
fala do cimério, de modo a fomentar desconfianças no capitão Tiglates e no
próprio Salmanasar.
Diante
dessas palavras de Conan e de Alexia, o senhor de Asgalun apresentou uma leve
dúvida e até preocupação na face, enquanto Marcius se aproximou a cavalo, ao
lado do emissário real com fisionomia de hiena, Mahalahin. Alexia não conseguiu
conter uma risada irônica alta, meio que confirmando a plausibilidade das suspeitas
ali proferidas pelo cimério e por ela mesma. Bem, ela sabia que tinha as provas
daquela traição e esperava o momento certo para mostrá-las.
-
Cale-se bárbaro. Não coloque bobagens na cabeça dos outros para escapar do
cativeiro – Március se adiantou em sobressalto, demonstrando certo descontrole
ante palavras tão perigosas em torno de um possível complô contra o rei
Salmanaser.
- Tenho
certeza que suas palavras não passam de invenções, cimério, mesmo com as
divagações da mercenária. Os senhores shemitas têm muito com o que se preocupar
diante dos avanços de Koth ou da Stygia para colocar lobos turanianos
defendendo suas cidades-estado – respondeu abruptamente Salmanaser II. – Além do
mais, meu emissário pessoal garantiu essa empreitada após parlamentar com o rei
Yin-Allal, de Shushan. Você será uma amostra de minha generosidade para que
possamos estabelecer uma união em benefício de Shem – ele concluiu, mais para
se auto-convencer do que ao cimério.
-
Então, me diga. Como fui ferido por soldados turanianos na vinda para Asgalun?
Mais ainda. Como explicas que seu emissário convenceu seu rei e senhor a ir até
a cidade de um adversário da nobreza shemita, ao invés de marcar um encontro em
algum lugar neutro, como é de costume em situações dessa envergadura? E por
fim, me explique. De quem foi a ideia estúpida de uma comitiva real com tão
poucos guerreiros?
Conan
definitivamente não gostava das artimanhas dos homens civilizados e sabia que a
melhor forma de escapar do cativeiro e de solucionar seus problemas imediatos
estaria, como de costume, no manejo da espada e de suas habilidades inatas de
guerreiro. Mesmo assim, ele plantou uma pequena chama de dúvida na mente do
senhor de Asgalun.
A
intenção de Conan, no entanto, era plantar, ou melhor, aumentar a desconfiança
em Tiglates, visto que o oficial tinha como objetivo proteger a vida do rei
Salmanaser a todo custo. Isso significava defender seu senhor e livrá-lo de
quaisquer possíveis ameaças, independentemente de onde viessem. Até porque, o
capitão já estava desconfiado com a decisão do rei e de seu emissário em dispor
de tão poucos guerreiros na viagem, algo considerado por ele como uma estupidez
tal e qual Amra expôs em suas sábias palavras.
Próximo
a um oásis, em meio a algumas árvores nativas, o grupo estacionou e começou a
organizar seu acampamento ainda antes do final da tarde. Era o último recanto
seguro do oeste antes de adentrarem nos desertos orientais de Shem, o ermo que
levaria à grande Imperial Shushan, e onde imperava o desconhecido e tantos
possíveis perigos.
Caravanas
de mercadores costumavam usar o local como paradouro, para dar de beber aos
cavalos, estocar água e descansar antes de se deslocarem para as luxuosas
cidades-estado shemitas, levando e trazendo artigos variados do porte de vinho,
mirra, jóias, seda, carne seca, roupas, artigos variados de vidro, entre outros
tantos.
A
comitiva organizou a tenda real e Salmanaser II recebeu visitas e vivas de seus
muitos súditos que passavam pelo local. Marcius estava mais afastado,
parlamentando com Mahalahin, quase que em um cochicho suspeito, aumentando as
suspeitas da parte de Alexia e, principalmente, do capitão Tiglates. Conan, por
sua vez, se mantinha amarrado pelos pulsos, alocado próximo à carroça de
suprimentos, com uma calma incomum para alguém em situação de cativeiro, ainda
mais em se tratando de quem era: um bárbaro, e de onde viera, da distante
Ciméria.
Em
algum momento antes da chegada da noite rubra, Alexia conversou com Tiglates e
Conan pôde vislumbrar de longe o capitão concordando com a cabeça diante das
palavras da garota, ainda que ela não tenha passado às mãos do capitão shemita
as provas contra Marcius nesse momento. A semente da discórdia já estava
plantada e tinha um solo compatível para prosperar, apesar da ação a seguir ser
deveras perigosa.
Logo
após tal encontro, Aléxia se dirigiu à tenda do rei. Antes de entrar, ela não
deixou de olhar rapidamente para Conan, como em um pedido de aprovação para o
que deveria ser feito. O plano, finalmente seria colocado em prática. Em alguns
instantes depois, o Rei Salmanaser era sumariamente retirado bruscamente da
tenda real, com a guerreira brituniana atrás dele, segurando uma adaga afiada
em seu pescoço.
Os
soldados de elite do rei se aproximaram rapidamente, desembainhando suas
respectivas cimitarras, enquanto Tiglates formava, propositalmente, um cerco em
volta da brituniana, que agora tinha Salmanaser como refém. Marcius, por sua
vez, mais Raxoranius e Harlan igualmente se eriçaram diante da batalha
iminente, ainda que o primeiro tenha focado em Conan de modo a não perdê-lo de
vista.
Tarde
demais. Conan estava livre – “provavelmente sempre esteve”, pensou o
líder mercenário. Além disso, o jovem Aradegi apareceu de seu esconderijo
improvisado na carroça e rapidamente jogou uma espada aos pés do cimério, o que
igualmente surpreendeu a todos. O plano estava em movimento e os dados foram
lançados.
-
Traição – gritou Marcius, abruptamente, sacando sua espada e se dirigindo a
Conan. O cimério calmamente se aproximou, enquanto os guardas se deslocavam
diante de sua passagem.
- Não
de minha parte, que nunca jurei fidelidade ou efetuei qualquer acordo com o
senhor de Asgalun – respondeu Conan, apontando para sua esquerda, onde mais ao
longe, Mahalahin montava em seu cavalo, pronto para alguma ação evasiva
-
Aliás, acho que um traidor está logo ali, pronto para fugir a galope – as
palavras do cimério criaram uma aura de desespero irracional em Malahalin, que
partiu abruptamente, muito em razão do olhar de suspeitas de Tiglates em sua
direção. Alguns guardas shemitas, talvez orientados previamente pelo capitão,
até tentaram impedir o avanço do emissário, mas o olhar hipnótico do Esguio
fez com que os mesmos ficassem em situação de letargia. De certo mesmo, é que a
fuga confirmava uma culpa que podia ser, quem sabe, facilmente questionada.
- O
que significa isso? – gritou Salmanaser, completamente confuso diante da
situação inesperada.
-
Olhe e escute bem. – foi a resposta de Alexia, apertando a faca junto ao
pescoço do rei, tirando um filete de sangue.
-
Vocês três, peguem os cavalos e capturem Mahalahin. Quero saber por que esse
arremedo de feiticeiro foge como um bisão vislumbrando uma pantera – falou
Tiglates, apontando para três de seus soldados de elite mais próximos, que
prontamente montaram em seus esguios alazões e saíram em perseguição ao
emissário fugitivo.
-
Eu posso explicar tudo, capitão. Mas antes disso, se me permitir, vou mandar
para o inferno um outro traidor – foi a resposta de Conan, se colocando à
frente de Marcius, ambos cercados pelos guardas shemitas.
Roxarianus
e Harlan fizeram movimentos de ataque e Alexia, de pronto, os dissuadiu a não
se intrometerem na contenda entre Marcius e Conan, prometendo cortar a garganta
do rei caso isso acontecesse. O capitão apenas olhou rispidamente para ambos,
sacando sua espada e já deixando claro que deveriam obedecer as ordens da
guerreira. Suas suspeitas contra o bando de Március o fazia apenas averiguar
onde as ações de todos ali iriam levá-los.
-
Então você estava solto desde ontem e armou este ardil com Alexia. E ainda me
chama de traidor, cão bárbaro! – gritou Marcius, espada em punho e em posição
de ataque.
-
No final, tudo será esclarecido para os shemitas, mercenário. Tu não estarás
aqui para ouvir.
Foi
a resposta de Conan, muito racional em tal situação extrema e também em posição
de combate, em parte com o musculoso corpo titânico contraído tal e qual um
felino de grande porte diante da presa. A presença do cimério com uma espada em
punho era mais do que suficiente para causar temor nos soldados shemitas ali
presentes. Alexia sorriu levemente diante da cena e teve a mais pura certeza de
que o combate entre Conan e Marcius já estava decidido, mesmo antes do choque
das espadas em sua dança frenética.
Marcius
tinha a aparente vantagem da couraça peitoral, logo avançando e sendo bloqueado
por Conan, um movimento seguido de mais outros dois idênticos, até que por fim,
um ataque da esquerda para a direita da parte do mercenário passou no vazio,
enquanto Conan recuava o tronco para não ser trespassado pela espada
inimiga.
No
movimento logo em seguida, Conan, com uma habilidade quase sobrenatural
desferiu um golpe de cima para baixo com sua lâmina, acertando em cheio o
crânio do líder mercenário, partindo-o como uma abóbora podre bolorenta. Antes
mesmo do corpo cair ao solo, Conan chutou o tronco do inimigo morto, jogando-o
uns dois metros à frente, de modo a livrar sua espada para esperar mais algum
ataque inimigo.
Raxorianus
e Harlan avançaram logo em seguida, desobedecendo às ordens de Tiglates. Este
gritou para que seus homens não interferissem novamente e todos obedeceram de
imediato, tal como filhos leais ao senhor. O cerco continuava.
O
guerreiro kushita-poitiniano avançou com sua lança negra e Conan desviou seu
próprio corpo, colocando-se habilmente nas costas do homem e usando a própria
lança do atacante em um enforcamento, logo após largar a espada ao chão. O
shemita, por sua vez, parou seu movimento de ataque quando percebeu que Alexia
tinha deixado o rei e se interposto entre ele e Conan, espada em punho, sorriso
nos lábios e uma felicidade latente por trocar golpes com o mercenário, talvez
o mais habilidoso da companhia.
-
Não interfira, mascote shemita. Tua luta é comigo – foram os dizeres da garota,
olhos nos olhos do adversário, enquanto o capitão Tiglates socorria seu senhor.
Na
luta entre Conan e Raxorianus, a força seria o divisor de águas, tanto para a
vitória de um como para a derrota do outro. O cimério apertava o pescoço do
kushita pelas costas com a lança, e este segurava a mesma, de modo a impedir
seu próprio sufocamento. O mais vigoroso entre eles certamente venceria a
disputa, a menos que a lança se rompesse com a brutalidade inata dos
titãs em luta. Raxorianus tentou empurrar o cimério com suas costas, mas Conan
era um colosso imóvel, quase enraizado ao solo arenoso.
Quando
menos esperado, Conan deu um passo para trás e jogou o kushita longe, em direção
contrária com a força do impulso dele mesmo. Enquanto tal movimento acontecia,
a lança se partiu ao meio, ficando suas duas partes quebradas em cada uma das
mãos do cimério. O kushita se virou rapidamente, pegando a espada de Conan ao
chão, mas antes que percebesse, o cimério o golpeou com uma das partes da lança
quebrada no olho esquerdo do homem, jorrando sangue e miolos para os lados,
enquanto a haste penetrava fundo na cabeça, matando-o irremediavelmente antes
mesmo dele desfalecer ao solo.
(Ilustrador: Cayman Moreira)
Ao
mesmo tempo em que tal contenda acontecia, Harlan se preparou em seu movimento
de ataque, tencionando efetuar seu golpe padrão de corte transversal com sua “corta
cabeças”, um golpe que usualmente encerrava qualquer disputa. Ele sorriu de
forma exagerada, talvez pela adrenalina do combate, e Alexia aproveitou o
momento para efetuar uma guarda clássica, segurando sua espada verticalmente em
frente ao corpo.
-
Uma pena que eu tenha que matá-la, linda Alexia – falou o shemita,
aparentemente seguro de si, tal como a maioria dos homens diante das mulheres.
-
Não sinto o mesmo, shemita – foi a única resposta de Alexia.
O
homem avançou com uma rapidez surreal, convicto da vitória em um único golpe.
Alexia fez o mesmo e ambos os combatentes passaram um pelo outro, com
movimentos de ataque deveras semelhantes, ambos num ângulo de dentro para fora
e nas direções dos respectivos pescoços inimigos. Alexia permaneceu em pé,
enquanto Harlan desfaleceu em um jorro de sangue da jugular, sua cabeça voando
do corpo tal como uma rolha retirada abruptamente da garrafa.
Num
último momento, Conan avançou sobre os outros mercenários restantes, quase
catatônicos diante do embate, pegando no mesmo movimento sua espada ao chão.
Antes mesmo que eles pudessem reagir, o cimério acertou os dois primeiros, no
torso e no ombro, respectivamente, enquanto os dois guerreiros mais atrás, já
feridos desde a captura do cimério, largaram suas espadas com temor
desconcertante, colocando as mãos para cima em clara rendição.
Logo
adiante, três soldados shemitas voltavam de mãos vazias após tentar, em vão,
capturar o arredio comissário Mahalahin. Ficava evidente que o nome Esguio
não fora escolhido sem motivo. O rei Salmanaser, ao lado do capitão Tiglates,
estava protegido pelos seus e eles ainda não acreditavam na cena que
presenciaram. De certa forma, o senhor de Asgalun e seu principal oficial
finalmente entenderam que as aventuras e habilidades guerreiras contadas sobre
Amra eram eminentemente verídicas.
À
sua frente, um bárbaro sorria para sua companheira guerreira, como se ambos
fossem dois parceiros de uma matilha que havia acabado de abater um conjunto
faminto de lobos adversários. Certamente que perguntas deveriam ser
respondidas.
______________________________________________________________________
V
Normalmente,
é difícil ao homem comum compreender a complexidade das ações e de toda e rede
de acontecimentos à sua volta, sejam estes simples ou complexos. Isso é ainda
mais evidente em uma situação de guerra ou de conflitos entre grupos, cidades
ou Nações. Se havia um homem que poderia compreender o desenrolar dos
acontecimentos e fatos ali no pequeno e idílico oásis do leste de Shem, esse
homem era o capitão Tiglates, conhecido por sua sagacidade nos quesitos da
tática e da estratégia.
-
Pelo que entendi, esses mercenários estavam nos levando para uma armadilha. Não
é isso, Amra?
-
Exato. Pelo menos foi o que depreendi dos acontecimentos dos últimos dias – respondeu
Conan de forma breve e honesta.
-
Explique.
-
Fui perseguido por vários dias por uma tropa de turanianos do leste de Shem até
Asgalun e, em algum momento da fuga, vislumbrei o tal Marcius falando com o
líder da tropa – iniciou o cimério. – Quando fui capturado pelos mercenários e
vi que eles iriam escoltar o rei de Asgalun até o leste, vinculei uma coisa com
a outra. Não considero irreal, aliás, que os turanianos estejam esperando a
comitiva em algum lugar apropriado.
-
Ainda acho estranho que a mercenária tenha traído seus companheiros sem saber do
plano urdido por seu líder, mesmo que a conversa que tive com ela antes do
ocorrido me leve a crer na veracidade disso tudo – falou Tiglates, olhando para
Alexia, ainda desconfiado.
-
Como lhe disse antes, capitão, eu me juntei ao grupo na entrada da cidade e o
fiz porque me foi prometido parte dos espólios pela captura de um fugitivo da
realeza. Bem, pelo menos foi o que me disseram, antes de encontrar provas de
que o nemédio estava trabalhando com forças turanianas pelo reino shemita, tal
como pode ser visto nesses papéis que encontrei na escrivaninha de meu ex-líder
– respondeu Alexia, entregando a Tiglates os papéis com as ordens dos reis do
leste para Marcius, sem jamais desviar o olhar diante da inquirição desconfiada
do capitão shemita. Tiglates, claro, pegou de pronto e olhou tais papéis com
suspeitas, logo entendendo do que se tratavam.
-
Esperem um pouco. Como sabem que Mahalahin estava nesta trama? – perguntou o
rei Salmanaser, olhando para os lados, como se procurasse a figura do emissário
suspeito.
-
Ora, mesmo sem as provas nas mãos do capitão, bastaria juntar os fatos. Os
turanianos me perseguem até o oeste e eu escapo ferido. Logo, descubro que
existe um preço por minha captura em Asgalun, sem nem mesmo alguém na cidade
saber que eu estaria pela região. Ao mesmo tempo, a realeza daqui contrata os
tais mercenários para me capturar, e alguém tem a ideia estúpida de armar um
encontro com os monarcas shemitas de Shushan, tendo, por coincidência, a mim
aprisionado como prêmio, exatamente o homem que está sendo perseguido pelos
aliados turanianos dos reis do leste – iniciou o bárbaro, olhando seriamente
para o monarca. Logo, Conan apontou para o ermo do leste, terminando:
-
Era preciso ter esse tal “alguém” junto ao rei de Asgalun, para que ele aceitasse
a ideia de união com o leste mediante minha cabeça numa bandeja – terminou
Conan, quase como um pai explicando o óbvio ao filho.
-
Desculpe meu senhor, mas os documentos que peguei com a mercenária são
explicativos das ordens de Marcius para levar a comitiva real a uma armadilha
liderada por forças de Turan. Sabes muito bem, também, o quanto sempre
desconfiei das ações do conselheiro Mahalahin, apesar de respeitar a vontade de
seu pai quando o indicou para tal cargo – interpelou Tiglates, com a mão no ombro
do jovem monarca.
-
Certamente capitão. Entendo isso e acato sua palavra, ainda mais diante dessas
provas em mãos. E faz certo sentido o relato do cimério. Mahalahin veio com tal
ideia de união há algum tempo. Uns dois dias atrás, ele me disse que poderíamos
capturar o bárbaro chamado Amra, visto que, segundo sua sabedoria arcana, o
guerreiro estaria foragido pela região. Ele pode ter sido avisado pelos
turanianos que lhe perseguiram, Amra – falou o senhor de Asgalun, como em um
breve surto de epifania.
- E
provavelmente o mercenário Marcius chegou à cidade, para efetuar uma parte do
plano – terminou Tiglates, complementando o raciocínio do rei.
-
Faz sentido. Ele levaria o rei Salmanaser e sua comitiva para uma emboscada,
sendo que os senhores do leste teriam como prisioneiros, em um único movimento,
o antigo líder dos zuagires e o rei de Asgalun – desta vez, foi Alexia quem
completou o raciocínio.
-
Eu aposto todas as coroas pagas para Marcius que uma tropa turaniana está a
espreita em um paredão de pedra a uns dois ou três dias de viagem em direção a
leste, um lugar em que eu mesmo utilizei para emboscar meus perseguidores.
Melhor ainda, aposto minha espada que se trata do restolho da mesma tropa que
sobrou de meus perseguidores e que agora espera pacientemente para capturar sua
presa real, quando a comitiva de poucos guerreiros e de mercenários traidores
passarem pelo vale de pedra – foi a vez de Conan explicar a todos o que
certamente era uma verdade inquestionável.
-
Quantos são, afinal, Amra? – perguntou o capitão.
-
Provavelmente o dobro de suas tropas aqui. Livrei-me de muitos deles pelo
caminho, mas sobraram o suficiente para tal empreitada. Tenho certeza que não
ganharam reforços, visto que não daria tempo dos mesmos chegarem ao local da
emboscada – foi a resposta de Conan.
- E
o que fazemos agora? – perguntou o senhor de Asgalun, como se ele fosse um mero
empregado, e não o responsável por tomar as decisões.
-
Ora, se me conseguires o que pagarias a Marcius, posso me juntar a Tiglates e a
seus homens. Vamos até o paredão, fingimos que estamos caindo na armadilha e
matamos os cães antes mesmo que percebam que a caça é, na verdade, um lobo
disfarçado de cordeiro – respondeu Conan, novamente com um breve sorriso nos
lábios, transparecendo que nem estava ferido depois de todo o episódio.
-
Eu ficaria feliz em me juntar a essa nova comitiva, se me permitirem – foi a
vez de Alexia intervir, olhando para Conan como uma aliada de velhos tempos.
-
Bem, dependendo do papel de Malahalin nessa trama toda, pode ser que ele avise
os turanianos de que o ardil deles foi desmascarado, acabando com a surpresa de
nossa própria artimanha – foi a resposta de Tiglates, diante do plano de
enganar os turanianos em sua própria emboscada, como bom estrategista que era.
-
Nesse caso, vamos ter apenas mais trabalho, mas com o mesmo final – sorriu
Conan. – Eu conheço bem a região, e usei o paredão de pedra onde eles se
encontram agora para emboscá-los e enviar alguns deles para o inferno. Se
corrermos e utilizarmos alguns atalhos que conheço, chegaremos lá antes mesmo
do tal emissário. Eles não irão nem saber o que os atingiu – finalizou Conan,
seguro de si e satisfeito pela empreitada que teriam pela frente.
Aradegi
não deixava de se impressionar com todos aqueles guerreiros ali confabulando.
Em sua memória dos fatos daquele episódio e da própria conversa que ouviu no
oásis shemita, ficou a plena certeza de que as narrativas nemédias e outras
tantas de mesmo escopo não exageravam quando descreviam sobre valentes
guerreiros imponentes que se colocavam à frente de tropas indestrutíveis.
Ele
se lembraria exemplarmente de todo o episódio, mesmo muitos anos depois de
encerrados os fatos da aventura. Lembraria que foi designado pelo capitão
Tiglates de ir junto até Asgalun, agora em companhia do rei Salmanaser,
disfarçado na ocasião de mercador, o que era uma forma efetiva de não levantar
quaisquer ameaças além das já existentes.
Claro
que os fatos sobre o final da epopéia seriam dirimidos na mente do shemita
apenas muito tempo depois do ocorrido, para que se tornassem claros e ao mesmo
tempo grandiosos e épicos. Algo deveras usual nos relatos existentes sobre o
poderoso bárbaro conhecido como Amra.
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VI
O vale pedregoso de Uruk-Sah tinha o
contorno perfeito para uma emboscada. A rocha bruta formava dois paredões de
dez metros de altura de um lado e mais de doze metros de altura do outro, ambos
contornando uma estreita passagem sinuosa. Essa passagem deveria ter uns cinco
metros de espessura e era contornada por esses dois paredões quase que
verticais, com sacadas naturais, cavernas e buracos múltiplos em suas paredes
rochosas.
O
estreito seguia do oeste para o leste e tinha mais ou menos uns dois
quilômetros de comprimento, obrigando muitas caravanas comerciais a fazerem a
volta para não serem atacadas pelos ladrões e nômades do deserto que costumavam
se esconder e se abrigar em suas múltiplas cavernas.
Na
parte de trás do rochedo mais elevado, havia uma breve inclinação na própria
formação rochosa, permitindo uma escalada relativamente fácil até mais da
metade de sua altura. Se pela frente era quase impossível subir no paredão
vertical, na parte de trás havia uma espécie de rota espiralada, como que uma
escada natural na pedra crua que terminava exatamente na maior entrada de
caverna ali existente.
Dali
de cima, em uma das maiores sacadas em frente a uma grande caverna, o turaniano
Branaric vislumbrava ansioso a longa planície de gramíneas esverdeadas que se
abria a oeste de Shem, para além do paredão de pedra, um tanto impaciente pela
longa espera da comitiva real de Asgalun.
Fazia
alguns dias que ele e seus comandados tinham desistido da perseguição ao
bárbaro Conan, conhecido no oeste do reino shemita pela alcunha de Amra. A
desistência tinha sido ordenada por um dos muitos espiões do rei Yin-Allal,
estando tal espião atuando há muito tempo nas cidades do oeste a mando do
senhor de Shushan.
Branaric
sabia apenas que cumpriu seu dever em avisar seus superiores sobre a longa
perseguição ao bárbaro até Asgalun. Ele recebera com certa insatisfação, no
entanto, algumas ordens insossas vindas do leste. Para deixar imediatamente a
cidade e a perseguição ao bárbaro, de modo a que os mercenários do homem
conhecido como Marcius terminassem o serviço que ele e seus bravos soldados
tinham exemplarmente iniciado.
Ora,
pensava Branaric, por mais de uma vez, ele e seus intrépidos turanianos
emboscaram o ex-líder zuagir no ermo, ferindo-o, ainda que superficialmente, em
muitas dessas ocasiões. Por conta disso, o turaniano não concordava com as
ordens recebidas.
Em
sua opinião, suas tropas tinham perdido muitos soldados pelo fio afiado e
sanguinário da espada selvagem de Conan, considerando o plano da emboscada ali
uma tarefa deveras complexa para ter algum êxito, com muitas variantes
possíveis que minavam sua eficácia. Não era do feitio dos turanianos, segundo
sua própria perspectiva, de colocar a arte da guerra nas mãos de espiões ou
pretensos feiticeiros, ainda mais nas de um sujeito conhecido pela alcunha de “Esguio”.
Em meio
a seus esparsos devaneios, Branaric finalmente vislumbrou uma movimentação
vinda da estrada de pedras que passava entre o vale. Ele estranhou que se
tratava de apenas um cavaleiro a galope e não da comitiva real de Asgalun, com
seus esparsos guerreiros mais o bando mercenário de Marcius, até então
cúmplices da pequena conspiração contra o rei shemita do oeste. O turaniano não
gostou nem um pouco, aliás, do fato de tratar-se de um único homem a cavalo,
sendo possível que fosse o próprio Conan, talvez um dos guerreiros mais
perigosos das terras continentais.
Ao se aproximar dos dois paredões de
pedra de arenito enegrecido, o cavaleiro gritou algo, mãos para cima em algum
tipo de prece desesperada, parecendo tratar-se de um aliado pedindo abrigo. Logo,
Branaric percebeu de quem se tratava e imediatamente ordenou a seus homens que,
deixassem o Esguio passar de modo a escalar o promontório, sem o
receio de ter qualquer flecha perdida em direção ao coração.
- Por Ishtar! – exclamou Muhalahin,
após uma difícil subida pela rocha bruta, ofegante e com muita sede depois de
dois dias de intensa correria.
- Calma, homem. Beba um pouco de
água e diga-me o que aconteceu. Onde está a comitiva de Asgalun?
- Falhamos. O bárbaro escapou com a
ajuda de uma contratada do bando de Marcius. Provavelmente estão todos mortos e
eu só não estou entre os cadáveres por conta das minhas aptidões místicas – respondeu
o emissário, rosto contorcido pelo cansaço e pelo pânico diante do vislumbre da
cena de matança no oásis a oeste.
- Não há como efetivarmos a
emboscada então? – perguntou Branaric, com a certeza da resposta negativa da
parte do outro, mais para confirmar suas suspeitas.
- Provavelmente não. As tropas de
Tiglates devem retornar a Asgalun, diferentemente de mim, que tive que
abandonar meu disfarce. Quando vi aquele bárbaro solto, espada em punho e
fazendo acusações sobre uma possível aliança de Marcius com vocês turanianos,
tive a certeza de que tudo se foi pelos ares. Até porque, a mercenária que
traiu Március parecia ter provas escritas em mãos. Malditos cães ardilosos. Já
estava difícil enganar aquele porco do rei diante das constantes suspeitas de
Tiglates. Agora todo o meu esforço junto a seu falecido pai se perdeu – divagou
Malahalin, mais para si mesmo do que para seu interlocutor, deixando entendido
para ele o seu papel na corte de Asgalun.
- Bem. Quem se serve de artimanhas
como você, está fadado a fracassar nesse mesmo terreno. De qualquer forma, não
há tempo para questionamentos. Anoitece rápido nessas terras e devemos levantar
acampamento e retornar a Shushan de modo a avisar que nossas presas escaparam.
O
chefe turaniano começou a ordenar a seus homens na caverna a levantarem
acampamento. Lentamente, os soldados foram saindo de suas posições de espera e
descanso, arrumando pertences e organizando a viagem para o leste. Mahalahin
serviu-se de água e sentou-se em um canto para algum tipo de meditação
arcana.
Branaric,
por sua vez, foi até os vigias agachados fora da caverna, em uma parte superior
da sacada em frente, de modo a ordenar que se eles se retirassem de suas
respectivas posições. Tarde demais. Os dois homens estavam mortos, com
perfurações de espadas nos torsos ensanguentados.
Um
grito logo foi ouvido do interior da caverna e Branaric correu imediatamente
para averiguar do que se tratava. Ao chegar de volta à grande câmara, a cena
que presenciou foi de pura surpresa e selvageria. Seus soldados estavam
cercados por tropas de Asgalun, lideradas pelo cimério Conan, ao lado de uma
mulher guerreira vergando uma imponente armadura de anéis de aço, tipicamente
hiboriana.
O
pensamento do chefe turaniano divagou rapidamente pela lógica daquilo tudo e
logo ele entendeu que o grupo, liderado pelo bárbaro, tinha pegado algum tipo
de atalho para chegar ainda antes do espião shemita, emboscando todos eles
juntos, tanto as tropas turanianas como seu comparsa arredio. Conan e seus
aliados haviam virado o jogo contra todos eles e utilizado de seu próprio
veneno para surpreendê-los.
O
turbilhão de espadas e lâminas varou o interior da caverna e o acampamento se
transformou em uma chacina rubra, com soldados turanianos sendo pegos de
surpresa pelos invasores shemitas munidos de afiadas cimitarras de lâminas
curvas. O capitão da tropa, Tiglates, além de Conan e Alexia se destacava no
encarniçado combate, decepando membros e varando corpos como se os defensores
turanianos ali fossem meros cordeiros recém-nascidos em um matadouro.
Branaric
socorreu um dos seus soldados caídos e logo se viu em frente ao próprio
guerreiro cimério, com sua longa espada reta em punho. O turaniano não podia
deixar a responsabilidade de tentar conter aquele a quem julgava ser o mais
perigoso dos atacantes.
Seu
sabre avançou em direção ao bárbaro e trespassou o ar mais de uma vez até que
ela foi bloqueada pela lâmina habilidosa de Conan. Ao olhar nos olhos de seu
adversário, o turaniano vislumbrou uma chama primordial, como se o homem
representasse alguma raça esquecida no tempo e no espaço, talvez pré-cataclísmica.
Diante
da temerária figura de Conan com arma em riste, o pavor tomou conta do espírito
de Branaric, mesmo ele acostumado a tantas lutas encarniçadas de vida e morte
em sua longa carreira militar pelo império turaniano. Quanto mais ele temia a
selvageria inata do cimério, mais ele recuava até a sacada em frente à boca da
entrada da caverna.
Quando
finalmente percebeu, era ele quem estava defendendo-se dos golpes poderosos do
bárbaro, acuado como uma lebre em frente a um leopardo assassino. Não havia
dúvidas quanto à força do barbarismo latente naqueles golpes direcionados a seu
torso, sumariamente mortais a qualquer instante da contenda.
Conan
atacava com a selvageria ancestral de seres acostumados a eras inteiras de
combates pelos ermos do oeste continental, seja contra poderosas raças
simiescas lá existentes, seja contra os selvagens pictos, que desde o
cataclismo, perambulavam em suas vagas tribais de selvageria, lanças de sílex,
cobre e ódio. Conan percebeu o temor de sua presa e fez questão de externar ao
turaniano em palavras:
-
Sua vida acaba aqui, cão turaniano. Pode-se dizer que minha emboscada será
finalizada esta noite.
O
golpe foi rápido e Branaric mal percebeu quando a espada reta do cimério
perfurou seu peito desprotegido, um movimento executado com precisão e bem
antes dele mesmo tentar uma manobra de ataque. Em outros dois movimentos
certeiros e rápidos, Conan retirou a espada do corpo do turaniano e logo
trespassou a jugular do homem, que ainda recuou dois passos antes de ter sua
vida ceifada bruscamente por aquele a quem um dia perseguiu pelos ermos dos
desertos e das planícies de Shem.
Mahalahin
mal teve tempo de vislumbrar a carnificina na grande câmara da caverna e saiu
em correria desenfreada diante do ataque das tropas shemitas de Tiglates.
Quando deu por si, estava em alguma outra câmara subterrânea esquecida,
provavelmente lateral e após outra passagem semi-oculta.
Escorado
em uma parede rochosa nas sombras da pequena gruta viscosa e úmida, o Esguio
logo notou a silhueta de um homem aproximando-se com espada em riste. Ele logo
reconheceu a sinistra figura do capitão shemita, Tiglates, que há muito tempo
ansiava por desmascarar o conselheiro real de Asgalun, guiando-o ao inferno com
sua ligeira e precisa cimitarra.
-
Suas artimanhas acabam aqui, Mahalahin. Espero muito por esse momento e
certamente que amanhã acordarei certo de que cumpri meu dever de protetor da
coroa de Asgalun.
-
Se afaste, capitão!! Você não pode me ferir! Não pode… Sua mente me pertence,
sua sanidade se perderá no breu do futuro devastador que lhe revelarei… Se
afaste, agora! Tema diante do destino sombrio das civilizações humanas!
O
próprio temor inscrito no fundo da alma do emissário traidor o fez se valer
novamente de seus poderes arcanos de mimetismo e de entorpecimento da mente
alheia, quase como uma contração muscular, algo que ele já havia realizado com
os guardas shemitas quando escapou do oásis dois dias atrás. Mahalahin olhou
nos olhos de seu caçador, e tal ato levou o capitão shemita a sentir um forte
espasmo, seguido de um esgar horripilante e de uma imagem quase fantasmagórica
que se incrustou na mente dele como um parasita profano.
Tiglates
vislumbrou um futuro macabro de vagas de bárbaros destruindo as civilizações hiborianas
e não-hiborianas. Corpos de homens de pele e ossos expostos eram empilhados em
gigantescas valas putrefatas, deixando um odor fétido da carne apodrecida a
invadir seu ser, como se ele mesmo estivesse em uma daquelas valas coletivas,
entre condenados, moribundos e mutilados. O desespero tomou conta de sua mente
e de seu corpo, agora imobilizado e trêmulo diante da sinistra imagem
implantada no espírito.
Malahalin
então se retirou correndo da câmara, acreditando em mais uma fuga bem sucedida.
Não seria desta vez. À sua frente, Conan se interpôs pelo caminho, segurando
sua espada ensanguentada. Seus olhos eram faíscas incandescentes de pura
temeridade e objetividade, e Mahalahin acreditou, por um breve instante, que
somente sua arte arcana poderia livrá-lo de ser trespassado pela lâmina
ensanguentada do titã de bronze.
Ele
tentou o mesmo artifício que usara em Tiglates. O de implantar aquela imagem
distópica na mente de Conan. Um futuro de morte e selvageria instintiva e
genuína, quase natural e profética. Ele chegou até mesmo a acreditar no êxito
de sua ação por um pequeno instante, em que o cimério recuou e baixou de
relance seu olhar assassino. Logo, o Esguio percebeu que o recuo do
bárbaro fora proposital, com o intuito de desferir um golpe contra seu tronco.
Malahalin
finalmente percebeu o fim de todas as suas artimanhas e manipulações pelo aço
retilíneo daquele homem, sem sequer entender o que dera errado com sua magia
mental. Ao cair aos pés do cimério, o shemita apenas lamentou pela própria vida
ceifada, logo por um daqueles homens bárbaros que, segundo suas visões
proféticas e distópicas, um dia iriam ditar o futuro das civilizações
hiborianas e não-hiborianas.
Conan,
após terminar com o emissário sorrateiro, se aproximou de Tiglates, ainda imobilizado,
ajudando-o a se reerguer. Dirigindo-se até a câmara maior da entrada da
caverna, ambos puderam vislumbrar a vitória final dos soldados shemitas sobre
as abaladas e confusas forças turanianas.
Alexia,
claro, tinha sobrevivido ao lado de outros quatro soldados shemitas, e seu
rosto alegre estampava o gosto por duelos de lutas de espadas. Tiglates
sentou-se em um pedregulho e respirou fundo, lenta e pesarosamente. Por fim,
após instantes de contemplação ao vazio, ele finalmente falou ao cimério:
- Aquela
hiena me fez ver algo que me abalou intensamente. Não conseguia mover meu corpo
diante daquela imagem de morte de toda uma civilização, nossa civilização como
um todo. Que afortunado tu és por aquele feiticeiro não fazer o mesmo contigo,
cimério.
- Ora,
ele fez. Mas eu sou um bárbaro. Para homens como eu, a barbárie triunfa sobre a
civilização com seu esgar de dor e morte, sendo uma engrenagem impossível de
ser detida depois que as vagas bárbaras iniciam suas marchas. Tal imagem seria
impossível de conceber para um homem civilizado como tu, capitão, mas para um
bárbaro como eu, bem, aquilo foi apenas a emanação do futuro de todas as raças
que perambulam pelo mundo em sua breve jornada rumo ao final.
Conan
sorriu após tais palavras pretensamente filosóficas e certamente que suas
digressões fizeram todo o sentido para o capitão shemita, que presenciou no
rosto do cimério e antes disso, no do próprio Mahalahin, uma verdade
transcendental que muito se delineou em sua alma. Era o momento de todos
voltarem para Asgalun. Melhor dizendo, pensou Tiglates, de voltarem para a
proteção transitória e ilusória da civilização.
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VII
O
jovem Aradegi ficou sabendo um tempo depois, que o homem chamado Amra, mais
Alexia e as tropas do capitão Tiglates emboscaram exemplarmente os turanianos
no, paredão de pedra conhecido como Uruk-Sah, dizimando o grupo sem qualquer
piedade, em uma sinfonia de desespero, decapitações e morte.
Todos
na cidade relataram na época que o bárbaro e a brituniana chegaram juntos com
os sobreviventes do corpo de elite das tropas reais de Salmanaser, e que todos
foram muito bem recebidos pela própria realeza local, com toda a dignidade da
pompa civilizada. O homem chamado Amra, que tinha adentrado na cidade dois dias
atrás como um verdadeiro animal amarrado, ferido e combalido, agora era o herói
audaz que salvou o pescoço do rei do oeste de uma emboscada perpetrada pelos
turanianos, aliados dos traidores shemitas das cidades-estado do leste. Farsa
essa, que levaria a outras tantas disputas entre as cidades shemitas, não
somente de caráter diplomático, mas igualmente, militar.
Após
o ocorrido, o jovem Aradegi finalmente voltou para casa e por recomendação do
próprio senhor de Asgalun, ele foi considerado aprendiz do novo emissário da
corte, o que impediu a surra que levaria do pai por se ausentar de seus
afazeres profissionais na oficina da família.
A
lembrança mais premente que ficou na mente do jovem shemita, porém, foi
exatamente a da última vez em que viu e ouviu os dois guerreiros que tanto lhe
impressionaram na ocasião: Amra e Alexia. O bárbaro, conhecido por todos como
Amra, disse que seu nome real era Conan. Ele, inclusive, pagou em moedas o
prometido pela ajuda que Aradegi lhe dera na tenda e no oásis do oeste, onde
seu destino foi decidido pelo manuseio da espada e pela astúcia. O jovem
shemita, aliás, jamais esqueceu do diálogo entre o bárbaro e a brituniana logo
pela manhã do dia seguinte, quando ambos saíam da cidade a cavalo para algum
lugar desconhecido dos ermos do leste.
-
Espero, Amra, que não me perguntes se quero compartilhar sua cama.
-
Ora mulher, não podes esperar que eu não tente isso, mas também não irei
implorar ou usar de bobagens civilizadas para te convencer. De qualquer forma,
faço questão de dividirmos algum espólio no leste, onde existe muito ouro, boa
comida e bebida e uma quantidade considerável de bons serviços para quem souber
empunhar uma espada.
-
Bem, nesses termos, bárbaro, acho que temos um bom acordo. E não vou mentir que
não estou considerando seriamente em dividir contigo uma noite em algum oásis
próximo com um belo luar ao horizonte.
-
Certamente que isso seria mais do que adequado. Afinal, temos muitos dias e
muitas noites de viagem até os ermos do leste de Shem e da distante Hirkânia.
FIM