Uma Caçada Sanguinária e um Vislumbre do Futuro

Por Cayman Moreira/Fabio Moretti

ELES ERAM SEIS. E forçavam os cavalos já extenuados, através da fronteira montanhosa da Corinthia com a Nemédia, sem descanso. Estavam nesta corrida há dias, quase sem parar desde Daramish, na distante região de Koth. E os seis cavaleiros eram kothianos. E perseguiam alguém que deixara claro, pelo menos para um deles, que estava agora sem metade de seus dentes, que jamais deveria ser perseguido.


Um jogo duvidoso, que custara ao desdentado uma bolsa cheia de moedas de ouro, foi o motivo de tudo. Ele não fora roubado, mas também jamais aceitou perder, fazendo sempre com que sua espada ou mesmo uma adaga envenenada resolvesse essa parte, recebendo de volta o que apostou. Porém, desta vez, aquele maldito bárbaro da Ciméria fizera a diferença. Após a vitória na partida, ainda riu quando ele brandiu a espada exigindo suas moedas de volta. Um poderoso soco, semelhante ao golpe de um malho foi a resposta e ele caiu desacordado, para erguer-se horas depois, com uma dor lancinante na boca desdentada e ainda com gosto de sangue. A dor foi suprimida pela fúria diante da humilhação e as expressões sarcásticas de alguns na fedorenta taverna onde tudo acontecera e ele chamou cinco assassinos que agiam da Cidade dos Ladrões, que, sob a promessa de um pagamento em dobro na Britúnia, após apanharem o cimério de preferência vivo, para seu deleite pessoal. Ele arrancaria os dentes daquele porco bárbaro e também a língua, antes de estripá-lo bem devagar.

Após descerem uma colina rochosa, a trilha que seguiam parecia dar em um vale distante, já na região nemédia. O cavaleiro que ia à frente, um ladrão que era um exímio rastreador, ergueu o braço e todos pararam a cavalgada.

- Veja, Korash! – ele apontou para algumas marcas no terreno. – O cão do Norte está seguindo para a Numalia. E não é distante daqui!

Korash, o desdentado, aproximou-se e vociferou, fazendo uma careta:

- Não podemos parar! O porco cimério está perto! Posso sentir seu fedor!

- Mas os cavalos estão muito cansados, Korash! – replicou o rastreador. – Precisamos descansar e, pelo que posso ver pelas marcas dele, está reduzindo o ritmo também e deve ter feito o mesmo.

Korash lançou-lhe um olhar feroz e encarou os outros, que pareciam concordar com as palavras do companheiro.

- Praga! Pois bem – bradou o desdentado –; que assim seja. Faremos isso, mas não demoraremos! Deve haver água por perto, de acordo com aquelas árvores um pouco mais abaixo.

Enquanto isso, já no vale da Numalia, não muito longe dali, Conan estava sentado em uma pedra, enquanto seu cavalo descansava com as rédeas amarradas a um galho baixo de uma árvore. O cimério sorria derramando algumas moedas da bolsa que pertencera a Korash em sua mão musculosa.

E pensava no quão foi fácil ganhar aquele prêmio pela aposta no jogo. E apesar da falta de “esportividade” do perdedor, ele nem precisou sujar sua espada com o sangue daquele porco kothiano. É claro, o porco até que jogava bem e sabia apostar, mas Conan tinha um ardil para vencer. Afinal, suas aulas de trapaça com um jogador shemita hábil com as pedras, sempre lhe valeram em certos momentos em que perder, perder, para começar a vencer e vencer até esvaziar por completo os adversários, era a meta. O bárbaro era fascinado pelo brilho do ouro, e sentia até pena de desfazer-se daquelas lindas moedas com alguns litros de hidromel e o calor e o cheiro do corpo feminino; mas, fazer o quê, se a vida tinha prazeres indispensáveis e alguns até inconfessáveis? Olhou para o céu, ainda sorrindo, e viu que a tarde caminhava para advento do crepúsculo, imaginando se teria sido seguido ou não. Mesmo assim, conservara o ritmo de sua cavalgada até chegar àquele lugar e descansar um pouco. Ergueu-se da pedra e espreguiçou-se como um grande gato selvagem, relaxando a musculatura bronzeada de seu corpo. Os olhos azuis de aço fizeram uma varredura ao redor do panorama que o protegia entre algumas rochas e árvores, próximos a um córrego e resolveu deitar ali mesmo e dormir um pouco, com a cabeça na sela e esticar-se sobre um pequeno manto de pele de leão da Nemédia, que ele carregava no alforge.

Os seis perseguidores encontraram um pequeno riacho, deram de beber aos cavalos e, quatro horas de repouso depois, seguiram a trilha no encalço de seu alvo. E, mesmo considerando esta uma caçada a uma fera perigosa, a recompensa prometida na Britúnia valia a pena o risco fatal. Korash, o furioso desdentado, seguia à frente, com o rastreador, fustigando furiosamente seu cavalo. As horas de pausa não foram suficientes, mas isso não importava para sua mente embotada pela sede de vingança. O vale à entrada da região da Numalia começava a surgir, no horizonte salpicado de pequenas montanhas e vegetação. O solo, meio coberto pela campina baixa de um verde alaranjado, era propício ao galope seguro e, segundo a argúcia do rastreador, com certeza o alvo da caçada havia passado por ali, sem dúvida.

Conan havia despertado de seu sono, e agora cavalgava após horas durante o dia até quase o entardecer, por uma trilha cercada de árvores cujo fim abria-se logo à frente, onde, a uma pequena distância, era possível ver-se algo parecido com construções arruinadas cercadas por rochas e arbustos. O lugar parecia pertencer a algum povoado erguido aos pés de um grande templo, e nada parecia dizer, que à exceção da própria natureza, algo mais vivia ali. E o cimério seguiu diretamente para lá, de qualquer forma.

A cavalgada dos perseguidores os conduziu às mesmas paragens, embora tivessem vindo por outro caminho, e as ruínas à distância também foram vistas por eles. O tempo que Conan usou para descansar serviu para diminuir a distância entre ele e eles, consideravelmente, durante o resto do dia que se passara.

- O cão cimério deve estar naquele lugar, Korash! – disse o rastreador, apontando para frente. Os olhos de Korash brilhavam selvagemente, enquanto ele observava as ruínas, antecipando o clímax da caçada ao seu alvo odioso. Mesmo sem ver na distância nenhum vestígio de ser vivo, ele sentia que ali tudo terminaria.

Conan entrava agora devagar na área arruinada. Seus olhos em alerta emitiam um brilho metálico em volta do lugar. O cavalo seguia devagar agora, mas de focinho erguido e as narinas abertas, farejando algo mais, algo impossível para Conan fazer. Farejavam algo dentro das ruínas, oculto em um arremedo de habitação depreciada. Um par de olhos brancos na escuridão que espreitavam quem estava lá fora, mesmo sem nada ver. Porque seus outros sentidos eram muito, muito aguçados.

Enquanto o cimério fazia sua exploração do terreno, seus caçadores vinham em alto galope e Korash, excitado pela visão distante de algo que ele tinha certeza ser um homem a cavalo caminhando nas ruínas, gritou, fazendo uma careta de esgar com a boca desdentada:

- É ele, sim! O porco cimério agora sentirá o gosto de uma morte lenta!

E estimulou mais ainda o cavalo, já quase em processo de extenuação total, assim como as outras montarias de seus companheiros, outra vez. Nas ruínas, Conan ouviu à distância um barulho, que o fez girar o animal e voltar-se, na direção que tinha vindo e, do lado Noroeste à sua frente, ele pôde ver os seis cavaleiros avançando à toda brida, num galope furioso. O bárbaro sorriu selvagemente, e seus olhos brilharam como os de um tigre assassino das estepes da Hirkânia. Apeou do cavalo rapidamente, e puxou o animal para trás de algumas colunas arriadas da construção que ele julgava ter sido um templo. Prendeu as rédeas em uma saliência pontuda de pedra, e voltou calmamente para o lugar onde estava, vendo os seis perseguidores aproximando-se mais e mais. Já tinha certeza de quem e do que se tratava, e limitou-se a sorrir sombriamente, pondo a mão no cabo da espada.

Korash e seus comparsas gritavam palavrões e ameaças furiosas, avisando inclusive, que o bárbaro devia aproveitar os segundos que lhe restavam e correr para longe. Mas o cimério apenas gargalhava e retirava devagar a espada da bainha, erguendo-a numa posição de ataque, reta com o ombro, numa das técnicas que aprendera com os mestres khitaianos. Os cavaleiros estavam apenas a menos de duzentos metros dele, que podia ver o quanto as pobres montarias estavam no seu limite, pela ignorância e brutalidade humanas. O cavalo do rastreador foi o primeiro a marcar o fim da cavalgada, dobrando as patas e atirando seu cavaleiro no solo arenoso e mesmo um pouco atordoado com a queda, o homem ergueu-se de espada em punho. Com isso, os outros pararam, para alívio de seus animais. Korash praticamente saltou de seu cavalo e gritou para o cimério: – Desgraçado filho de uma porca ciméria, prepare-se para perder tripas e a língua! E quero minha bolsa de volta!

Conan agachou-se como um felino pronto para o bote, brandindo a espada, e sorria como uma fera acuada faria, mostrando os dentes, com um brilho mortífero nos olhos. Ele falou devagar, sem tirar os olhos dos seis homens à sua frente.

- Os poucos dentes que lhe restaram devem estar escondidos agora nesta boca esburacada e fedorenta, Korash. Mas hei de encontrá-los e os arrancarei, também. Ah, e sobre sua bela bolsa, eu lembrarei da sua cara morta enquanto estiver gastando o conteúdo dela em algum bordel, longe daqui!

Ouvindo isso, o kothiano soltou um grito animalesco e avançou para o cimério que desviou o ataque e enfiou sua espada embaixo do queixo de Korash, empurrando-a até o cérebro. Korash morreu fazendo uma carranca hedionda com a boca desdentada. O mesmo ataque fez o resto do bando ao mesmo tempo e, em algum lugar, escondido nas ruínas, o par de olhos cegos nada via, mas ouvia os alaridos da batalha, entre palavrões, gritos de dor, metais se chocando e o som repugnante de aço perfurando, cortando e rasgando carne, assim como gorgolejos e apelos de morte.

E não demorou muito para que tudo ficasse quase no absoluto silêncio e o desconhecido habitante das ruínas tivesse intenção de deixar seu esconderijo cautelosamente. Conan havia sofrido alguns cortes superficiais mas o sangue ainda quente não lhe deixava percebê-los. Foi quando ele ouviu uma voz grave atrás de si. E encarou um velho metido em trajes andrajosos, cujos olhos sem vida fitavam o nada.

- Sua espada continua veloz como um relâmpago, pelo que posso perceber, Conan da Ciméria. E assim, a profecia se concretizará, quando se fizer Rei pelas próprias mãos.

- Quem é você, afinal? De onde me conhece?

- Eu sou Kharvar, o eremita. Sou nemédio e devo dizer que está escrito, cimério! Existe um momento na existência de homem em que ele deve assumir, de alguma forma, a direção de um reino. E para você será o reino mais rico do mundo hiboriano!

O bárbaro sorriu, diante da perspectiva de riqueza e poder, vislumbrando o horizonte agora crepuscular, numa atmosfera cor de sangue, após a batalha.

- Se assim tiver de ser, estarei com a espada em uma mão e o cetro na outra.

- Nunca deixarás a espada, cimério! Serás um dos poucos reis guerreiros e morrerás com ela, após muitos, muitos anos.

E aproximando-se do bárbaro, o velho cego, apoiando-se em um dos escombros das ruínas, gesticulou com uma mão, como se afastasse diante de si um obstáculo invisível.

- Saiba cimério, que eu não pedi para enxergar através da névoa do destino. Mas isso, essa dádiva, tornou-se uma maldição para mim, fazendo-me perder tudo que eu possuía. E restou-me apenas a vida e a missão de revelar o que eu vejo através da cegueira dos meus olhos.

O bárbaro aproximou-se do velho nemédio, cheio de curiosidade e temor supersticioso – algo natural em sua raça ­–, e seus olhos de aço azul perscrutaram o ancião metido em trajes andrajosos de cima a baixo. O velho vivia naquela ruína decrépita, encravada naquele vale desolado da Numalia, onde ele assolara o bando de ladrões kothianos que o perseguia há dias. E ele só percebera o velho ali, após sua espada cortar a cabeça do sexto e último inimigo durante o sanguinolento combate. Agora, com a tensão dos músculos mais aliviada, e o calor do sangue amainando, a percepção dos ferimentos começava a dominar a pele do bárbaro. Mas ele estava acostumado a isso, ao longo de uma existência, e tudo a fazer como sempre, era o que ele havia aprendido desde a infância, mandando o incômodo das feridas para outro lugar, concentrando o pensamento em algo diferente. E, naquele momento, o foco de sua concentração eram as palavras do velho. O cheiro de suor e sangue começando a coagular misturado às entranhas expostas dos cadáveres já começava a espalhar-se no lugar, mas ele também já se acostumara a isso, desde a adolescência.

- Houve um certo profeta que me disse algo assim, em palavras como as suas, velho. Um aquiloniano que chamou-me de "meu Rei". Mas não ele era cego.

E a memória de Conan recuou no tempo, há alguns anos em Tanasul, na Aquilônia, onde ele havia se metido em um conflito contra a guarda real, ao lado da pirata Valéria, sua companheira em várias aventuras. Havia um mendigo, num canto da praça, vendo o combate, e, quando os soldados foram dizimados, ele aproximou-se do cimério e da guerreira pirata, dizendo:

- Sim, eu vi teu destino! Tu, Conan da Ciméria! Guerreiro mercenário! Pirata! Salteador! General de exércitos! E Rei! Rei da orgulhosa Aquilônia! Meu Rei!

O bárbaro voltou-se para ele e ficou atônito, diante daquilo. Sua mente selvagem perguntava-se se aquele farrapo humano era alguma espécie de bruxo ou louco das ruas de Tanasul. Valéria deu uma gargalhada, embainhando sua espada, e o cimério a encarou irritado.

- É melhor sairmos daqui, futura majestade – ela disse, gargalhando –, porque daqui a pouco chegarão reforços que nem de longe vão reconhecê-lo como futuro Rei deles.

- Para o inferno com essa conversa de Rei! – vociferou o cimério. E ambos montaram seus cavalos e saíram dali à galope, entre as vielas da cidade, com Valéria ainda rindo muito. E o mendigo continuou no local, de olhos arregalados observando-os fugir, enquanto curiosos começavam a cercá-lo. Suas palavras aparentemente sem nexo, tiveram um certo efeito, entre o povo – principalmente entre aqueles que já ouviram rumores sobre um bárbaro como aquele ter detido o avanço picto Aquilônia adentro, poucos anos antes.

Sim, Conan havia esquecido este fato, durante anos, em meio a tantos acontecimentos em sua conturbada vida no mundo hiboriano. E agora, diante das palavras recentes do cego nemédio, tudo voltara naquele instante, inclusive a lembrança da guerreira que havia dividido com ele tantos momentos aventureiros, incluindo o calor do amor...

- A minha cegueira foi a porta para a vidência, cimério. – disse o velho. – Eu enxergava antes e já o tinha visto há anos, em Khitai, aprimorando sua habilidade com sua espada formidável. Mas... veja! A névoa está vindo novamente.

Como que saindo do solo e inundando rapidamente o ambiente, uma névoa de cor violeta surgiu, cercando a ambos. O cimério arregalou os olhos e empunhou a espada na direção do ancião.

- Crom! Que inferno de feitiçaria é esta? – vociferou, arreganhando os dentes.

- Calma, cimério! Nada tema, agora! É apenas um outro vislumbre do destino... seu destino! Estas ruínas são como um portal, desde a era dos antigos que viveram aqui!
O velho vidente levantou a mão direita que segurava algo similar a um comprido osso, como um cajado quebrado pela metade e uma cortina de névoa ergueu-se diante de ambos. O cimério recuou um passo ainda brandindo a espada, os olhos arregalados enquanto a névoa formava agora uma espécie de espelho aquoso, que refletia imagens móveis e desfocadas. Pouco a pouco, o espelho pareceu se solidificar mais, e as imagens tomaram forma mais nítida.

- Veja, cimério! E jamais esqueça! – A voz do velho parecia distante. Um eco para o bárbaro, que estava paralizado diante da imagem que se passava à sua frente. E havia algo parecido como um templo antiquíssimo no espelho.

E haviam figuras que se moviam ali. Um homem e uma mulher, ambos guerreiros, empunhando suas espadas e escudos. Uma mulher alta e forte. Uma linda mulher de cabelos vermelhos e olhar feroz, que ele conhecia bem. E o homem... era ele mesmo. Os dois caminhavam neste templo iluminado por uma luz avermelhada, saída de archotes nas paredes, e de uma urna à frente de algo semelhante a um altar. E ele podia ouvir ambos falando! Aquilo era uma alucinação viva, para o selvagem da Ciméria que, apesar de destemido, sempre foi cercado do temor ao desconhecido, ao sobrenatural. De repente, na imagem, surgiu das profundezas do templo, uma figura que assombrou até mesmo o velho vidente. O bárbaro recuou um passo e brandiu a espada para a frente, como se a criatura fosse atravessar o espelho. Era uma imagem de pesadelo, do pior pesadelo que o bárbaro já tivera. Uma monstruosa mesclagem de inseto e ser humano, uma mulher no corpo de uma aranha gigantesca. Conan já havia lutado três vezes contra aranhas gigantes incluindo o pavoroso deus-aranha do templo de Omm, mas ali era algo pior, muito pior. O monstro avançava contra os guerreiros que golpeavam de cada lado, enquanto a besta saltava para trás recuando, e soltando guinchos que enchiam de pavor. A cor da pele da mulher-aranha era um arroxeado pálido, mãos com dedos em forma de garras aduncas e negras, os lábios também negros, da cor da cabeleira desgrenhada, arreganhavam dentes pontiagudos e os olhos amarelos brilhavam como um fogo infernal. O resto do corpo abominável parecia ter sido arrancado de uma viúva negra que cresceu como um paquiderme, e, apesar do tamanho, as oito patas escuras tinham uma agilidade incrível. A contenda era dantesca, e numa fração de segundo, a imagem se desvaneceu, como as águas agitadas de um lago, cristalizando-se em outra imagem também com ambos. Só que desta vez, muito diferente. Porque ele e ela estavam em um lugar iluminado pela luz do crepúsculo. Uma janela de algum aposento servia de moldura para a tarde que virava noite. Estavam em uma enorme cama nus, e ela estava deitada com a cabeça no peito dele, que acariciava seus cabelos de fogo. Ela sorria preguiçosamente, os seios roçando o peito dele, dizendo entre risos:

- Conan... Conan... o que faremos agora?

- Sobre as pedras preciosas dos Olhos de Yagoth, aquele deus asqueroso, vamos vender e dividir, por Crom!

Ela levantou a cabeça um pouco desapontada e fez um muxoxo: – Conan, era nessas malditas pedras que você pensava o tempo todo?

O bárbaro sorriu e afagou o rosto dela.

- Crom, vocês mulheres são mesmo fáceis de irritar, quando queremos. Não, a resposta é não. Eu pensava em VOCÊ, como sempre pensei há anos, e não consigo nem mesmo calcular, ou mesmo ter interesse, no lucro das pedras. Ela baixou a cabeça e passou a língua no peito do cimério, sorrindo marotamente.

E então tudo se apagou e a cortina de névoa sumiu de repente. O selvagem virou-se para o velho e gritou:

- Por quê? Como? O que significa isto agora, nemédio? Fale!!!

- É sempre assim, Conan. A visão desaparece. Como se nem tudo pudesse ser revelado por inteiro. Eu entendo, que se tudo fosse revelado, o futuro seria inviabilizado. E estas imagens pertencem a um futuro próximo.

Conan limpou a espada suja de sangue, com um trapo tirado da roupa de um dos mortos, e a guardou no cinto. Seus olhos olhavam para o nada, e as imagens de há pouco passavam em sua mente outra vez.

- Sonja, a hirkaniana que jurou jamais ser de nenhum homem a não ser que a derrotasse com a espada, não é, cimério? Era ela, não?

Conan olhou para ele e deu um meio sorriso.

- Sabe o que eu acho velho? Que poderemos encarar aquele monstro, um dia, mas o resto... aquele lugar... ela já me enganou uma vez. E eu não mais alimento esperanças e tampouco confio nela.

- O futuro é uma constante e depende de nós também, Conan da Ciméria! E como eu havia dito antes, tu serás Rei. E, embora aconteça o que viste na imagem do futuro, não será ela a tua rainha.
O bárbaro dirigiu um olhar curioso ao velho, após ouvir estas palavras. O velho sorriu, como se mesmo na cegueira, percebesse tal efeito.

- Sim, tua rainha virá do MEU povo. O nome ainda não foi revelado, mas será uma mulher da Nemédia que te acompanhará em todo o teu reinado e será mãe de teus filhos.

Um calor súbito inundou o peito do bárbaro ao ouvir isso, e ele dirigiu-se ao cavalo que deixara atrás das colunas da ruína. Passou montado em frente ao velho e parou, encarando-o com seus olhos de aço.

- Não morra, velho. Esteja aqui, quando eu voltar como Rei, se isto acontecer.

- Verei tua coroação, cimério; não se preocupe.

Conan deu uma gargalhada sacudindo a cabeça e partiu num galope em direção às montanhas mais ao Sul. A cor da noite que descia rapidamente já começava pintar o horizonte, convidando-o a pernoitar ali mesmo, mas ele preferia galopar um pouco. Às suas costas, a voz do velho veio num grito:

- Serás o único, na vida da guerreira de cabelos de fogo, Conan! Um dia isso acontecerá!

O cimério deixou que o cavalo o levasse ao prazer do galope. O amanhã viria mais cômodo, após desfrutar das moedas de ouro que havia ganho no jogo contra os ladrões que liquidara. E se o futuro dependia dele também, quem sabe a guerreira não apareceria em seu caminho de novo? E ele sabia exatamente onde encontrar a hirkaniana agora...



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