A Sombra no Poço (fragmento/sinopse)

(por Robert E. Howard)



Mar Espanhol, 1711:

John Groshawk mordia as pontas de seus finos bigodes caídos, e me encarava ao seu modo maligno e sombrio; e eu o olhava ferozmente de volta. Pois, embora eu fosse seu prisioneiro e estivesse com as mãos e pés amarrados em meio ao seu bando de degoladores, eu odiava demais aquele pirata sanguinário para temê-lo.

- Outra corda nos pulsos dele – ele ordenou, e Mike Bellefonte apertou o nó de tal modo que as amarras me feriram a pele.

- Ali, por Judas – ele disse com uma praga. – Estas cordas manterão preso até mesmo Big Steve Clarney.

- Muito bem – disse John Groshawk. – Deixem-no amarrado ao tronco daquela palmeira, enquanto vos dou suas ordens.

- Seria melhor se você folgasse um pouco as amarras dele – disse uma voz mais suave. – As cordas quase o cortarão até os ossos.

- Chega, Nell Brent – rosnou Groshwak. – Alguém é capaz de achar, por Deus, que tu amoleceste com este irlandês rústico.

A resposta dela foi uma torrente chiadora de pragas, que trouxeram um fino sorriso rançoso aos lábios do bucaneiro.

- Mas há uma coisa chamada humanidade comum, mesmo na Profissão dos Mares Vermelhos – ela concluiu.

- Não na tripulação de John Groshawk – ele respondeu. – Pare com essa conversa idiota... se eu lhe pegar tentando soltar secretamente as cordas dele, vou te pendurar pelos polegares.

Não era do feitio de Nell Brent engolir tal conversa pacificamente, mas seu olhar se abaixou de forma sombria, e ela murmurou raivosamente; enfiou os polegares em seu largo cinto de seda e ficou zangada, como uma criança espancada. John Groshawk se voltou para a tripulação heterogênea, e eu, olhando furiosamente para todos eles, devo admitir que era uma cena colorida e estranha.

John Groshawk dominava a cena – alto, esguio e de pernas longas, com seus frios olhos de falcão, nariz fino e saliente, negros bigodes caídos e boca cruel. Erguia-se com pernas finas em botas cordovesas e bem abertas e firmadas; mãos magras nas coronhas das pistolas, que se sobressaíam de sua faixa na cintura, e cabeça estreita que se projetava para a frente em seu magro pescoço moreno, com seu chapéu de aba erguida e empurrado para trás, mostrando o grande lenço colorido e espalhafatoso que lhe cobria o crânio. Seus brincos eram arcos de ouro, e seus pingentes enfeitados de jóias balançavam à medida que seus lábios zombeteiros se moviam.

Um pouco afastada, atenta às palavras dele, mas como um ator que se sente meio fora de cena, estava Nell Brent, com seu rosto mal-humorado e roupas vistosas. Seu chapéu de aba erguida fora descartado à sombra das palmeiras, e os raios de luz, que se infiltravam através das folhas largas, davam um brilho bronzeado aos seus desgrenhados cabelos negros. Era digna de nota em seda: calças justas de seda sobre botas de couro macio que iam até os joelhos, uma camisa de seda vestida sob uma jaqueta tecida à maneira de brocado, e uma faixa de seda ao redor da cintura fina, segurando pistolas e uma adaga cravejada de jóias. Seus grandes olhos violetas estavam sombrios e taciturnos; evidentemente esta famosa jovem pirata, heroína de muitas bordadas (*), canções de marinheiros a trabalho e canções em terra firme, não estava nada segura de si mesma.

Bem diante de Groshawk, estava a tripulação, uma abominável quadrilha: Mike Bellefonte, com seus ombros taurinos e curta barba negra; La Coste, o francês alto e esguio, com enfeites manchados e mãos nervosas; Juan O Carniceiro, o mestiço de Costa Rica, com sua cabeça loira sem chapéu e dentes podres em forma de presas, aparecendo sob seus grossos lábios negróides; Peter Ord, de fala arrastada e impertinente, com seu ar de cavalheiro que caiu em procedimentos malignos, e Solomon Deas, com seu rosto de abutre, olhares furtivos e descalços pés achatados – Deus, que tripulação do diabo!

- Bem, John – Peter Ord falou de forma arrastada –, vocês trouxe todos nós à praia... e agora? Onde procuraremos pelo tesouro de Jacob Trant? Tem certeza de que esta é a ilha correta?

- É esta a ilha, sem dúvida – Groshawk sorriu largamente. – A mesma desenhada pela própria mão de Trant no mapa que tomei do espanhol... e todo amarelado pelo tempo e manchado de sangue. Não tem errada.

- E quanto ao tesouro? – gritou Ash Stark. – Te seguimos cegamente desde que o Capitão Bisley foi morto, John Groshawk, e assumiste o comando, quando era primeiro imediato. Rejeitamos grandes prêmios e nos livramos daquele navio de guerra espanhol... lideraste-nos para cá, bem longe da trilha dos navegantes... agora queremos saber por quê!

- Sim! – ergueu-se um grito. – Responda-nos, John!

- Silêncio! – A cabeça de Groshawk se salientou num ângulo mais agressivo e seu maxilar se fechou bruscamente, como uma armadilha de mandíbula de aço. – Não ergam seus línguas para mim, crias de desembarcadouros! E lembrem-se: é o Capitão que fala com vocês. Bom, eu vos contarei. Quantos de vocês já ouviram falar em Jacob Trant, capitão do Sapo Negro?

Ninguém respondeu. Todos conheciam o nome, e pés descalços se arrastaram incertos sobre a terra.

- O que ele tem a ver conosco, Capitão? – Billy Deal falou mais alto. – Ele está morto e no Inferno há mais de cem anos.

Groshawk sorriu levemente:

- Deixem-me contar a história de Jacob Trant outra vez, para talvez despertar suas memórias. Ele era um pirata holandês que pesquisava alquimia e magia negra. Era um verdadeiro bruxo! Navegou no Mar Espanhol talvez antes de Hawkins e Drake, e levou muita pilhagem em todos os Sete Mares... sim, ele viajou para a Índia e até Cathay, e cobrava pedágio de todos os navios.

“Por fim, foi capturado em Amsterdã e julgado, não por pirataria, mas por ser um feiticeiro, e foi condenado à forca. A noite toda, ele se sentou em seu calabouço e leu um livro negro que ninguém, exceto ele, entendia, enquanto na praça lá fora, plantavam a estaca e empilhavam os feixes de lenha. E no início da aurora, ele se levantou e riu; e os guardas que o ouviram rir caíram, tagarelando em negra loucura. Suas correntes lhe caíram e, ao seu toque, as robustas portas de carvalho se despedaçaram e apodreceram, e ele saiu da prisão. Seu navio, com o sombrio demônio negro pintado na proa, estava perto, vigiado no cais. Jacob Trant chegou lá rindo como nenhum homem mortal já riu. Ele pôs as mãos nos soldados que guardavam o cais, e eles murcharam e caíram mortos sobre o desembarcadouro, como madeira seca tostada pelas chamas do Inferno. E Jacob Trant embarcou sozinho em seu navio, e sozinho ele desembarcou e saiu mar afora. Os navios do rei o perseguiram, mas um grande vento se ergueu e os lançou de volta à terra, despedaçados e esmagados; e, no caos rodopiante, viram o Sapo Negro voando para dentro dos dentes do vento, com Jacob Trant de pé próximo ao círculo, sua longa barba negra esvoaçando e ele uivando um canto selvagem que se erguia acima do trovejar das ondas. Nenhum homem vivo jamais voltou a ver Jacob Trant, mas ele deixou alguma coisa para trás – um mapa, o qual foi achado dentro de sua cela após sua fuga. Foi dado ao carrasco para queimar, mas ele o vendeu a um marinheiro inglês que temia magia negra, por um xelim (**). O marujo foi morto numa espelunca em Bristol, e uma jovem tirou-lhe o mapa do corpo – assim diz a história – e o deu a um português, amante dela. Ele provavelmente foi afogado no mar, mas algum capricho do destino lançou a caixa com seu mapa à praia, na Costa dos Escravos, e lá ele descansou por meio século numa cabana ju-ju de Benin. Um negro a roubou e colocou no pescoço como talismã; ele foi levado num navio como escravo até Bermuda e, após seu amo o surrar até a morte por algum erro sem importância, seu mestre pegou o amuleto e descobriu seu significado. Ele estava equipando um navio para ir em busca do tesouro, quando um espanhol o assassinou em busca do mapa. E o espanhol estava com este prêmio que tiramos de Cabo Turtle”.

- Como sabes de tudo isto? – interrompeu Peter Ord.

- Porque, seu idiota afetado, estive no rastro desse pedaço de pergaminho durante dez anos, desde quando ouvi dos lábios do filho daquele carrasco holandês, que Jacob deixou um mapa. Fui juntando pedaços aqui e ali sobre a notícia, enquanto viajava por ela, desde velhas encarquilhadas e navegantes, que ouviram falar do mapa de Jacob Trant. E eu sei. Sei que o mapa é nosso, e vos digo: todo o tesouro que Henry Morgan tomou se pareceria com uma pilha de xelins, ao lado da pilhagem que Jacob Trant trouxe de Cathay e das Índias!

Ele subitamente puxou um rolo de pergaminho amarelo de seu bolso, e o desenrolou com um gesto dramático:

- Vejam, seus ratos do mar!

Eles se juntaram ao redor, e eu estiquei meu pescoço para ver. Poderia dizer que aquele pergaminho era muito velho, amarelado, indistinto, obscuramente manchado em alguns lugares e incrustado de água do mar. As linhas do mapa estavam muito apagadas, assim como a escrita rabiscada; num canto do pergaminho, acocorava-se um objeto vago e volumoso que, de alguma forma, lembrava um sapo.

- Que coisa é esta, John? – Dick Bain perguntou apreensivo.

- É o Sapo Negro, igual como foi pintado na proa do navio.

- Esta escrita está toda em Holandês – resmungou Ash Stark. – Não consigo entender nada dela.

- Nem eu. É Holandês, e Holandês antigo ainda por cima. Aquele holandês pôde entender o bastante para me dizer a latitude e longitude, e ele poderia entender toda a escrita, mas foi morto junto com o Capitão Bisley, quando tomamos o Bristol Girl.

“Mas esta é a ilha, sem dúvida. Lá longe é a baía, com a longa restinga (***) seguindo para o sul, e a curva interna da praia sob ela, estão vendo? E esta marca no centro da ilha deve mostrar onde a pilhagem está escondida”.

- Parece um castelo, ou algo do tipo – murmurou um dos homens.

- Agora faremos isto – disse Groshawk autoritariamente. – Alguns de vocês ficam aqui para continuar aguardando aquele navio de guerra espanhol que pode estar nos seguindo; quem sabe? Os outros irão comigo, procurar pela pilhagem. Bellefonte virá comigo, e também Billy Deal, Juan, Jeremy Fletcher, La Coste, Jem Worley, Peter Ord, Dick Bain, Ash Stark e Joab Godfrey. O restante de vocês fica aqui e aguarda. Se virem algo suspeito, sinalizem-me com três tiros de mosquete.

- E quanto a mim? – Nell Brent disse bruscamente, seus olhos ardendo às ocultas; ela não estava acostumada a ser ignorada assim.

- Você ficará aqui com os homens – disse Groshawk.

- Eu te verei no inferno primeiro! – ela exclamou. – Não recebo ordens de homem algum!

- Você as receberá de mim – ele respondeu friamente. – Bisley está morto; ele, que fazia suas vontades, como a um bebê mimado... Sou o capitão aqui e agora, e você...

Como um relâmpago, ela tentou pegar as pistolas, mas Mike Bellefonte havia se movido furtivamente atrás dela e a agarrou com os braços enormes, ergueu-a enquanto ela guinchava e chutava como uma criança, e a desarmou. De pé novamente, ela ficou com os punhos fechados, pálida de fúria, porém calada, como se estivesse perplexa.

Groshawk se apropriou das armas dela.

- Você é uma linda moça, Nell, mas muito atrevida. Receberá um tratamento de domesticação, antes de ser preparada para ser a amante de John Groshawk. Agora, rapazes, vamos vasculhar esta ilha maldita. Fiquem aqui e vigiem o oceano... e vigiem a Senhora Nell. Se a deixarem chegar perto de Steve Clarney, eu vos esfolarei vivos. Quanto a Big Steve... cuidarei dele, quando eu voltar.

- Seu suíno negro – rosnei. – Se eu tivesse ao menos uma mão livre, eu te daria o que merece, sua maldita, covarde e bajuladora cria das sarjetas...

- Não tenho tempo para ouvir suas doces palavras irlandesas, Clarney – ele disse, com um sorriso sombrio. – O tesouro está no vento; quando eu voltar, no entanto...

Ele riu de forma significativa, o que era mais sinistro que ameaçadas faladas. Um comando aos seus velhacos, e eles puseram picaretas e mosquetes nos ombros, e seguiram a trilha atrás dele. A coluna adentrou as sombras da floresta e desapareceu.

O sol havia subido mais, e seus raios atravessaram as folhas das palmeiras.

- Tem sombra ao redor daquela ponta de terra ali, a apenas cinqüenta passos de distância – disse Solomon Deas. – Vamos procurá-la; o macaco irlandês que fique aqui e frite... ele logo estará fritando no Inferno, de qualquer modo. E Nell, minha querida, tu virás conosco – ele concluiu, com um nojento olhar de cobiça, pondo sua mão imunda no braço dela. Ela a pôs para longe, como se houvesse sido picada, sua mão buscando instintivamente a faixa vazia na cintura.

- Mantenha suas garras nojentas longe de mim – ela falou bruscamente. – Vou para onde eu escolher.

Ele sorriu larga e selvagemente:

- Não aja como se fosse minha dona, minha linda moça, ou surrarei o assento de suas calças de seda com meu cinto. Venha comigo!

Nell estava pálida de fúria e, por um momento, pensei que ela pularia na direção dele com unhas e dentes; logo, seus ombros despencaram e ela caminhou mal-humorada à frente da tripulação. Parecia desconcertada e incapaz de se opor ao seu problema. Sua posição no navio mudara significativamente desde a morte do Capitão Bisley. Aquela velha e magra águia do mar lhe permitira liberdades quase inacreditáveis, e ria de suas fanfarronices e de seu andar pomposo. Nessa época, toda a tripulação a tratava com respeito pincelado de medo. Groshawk tinha um pensamento diferente, e os homens refletiam sua atitude. Ela estava desarmada e eles não a temiam mais.

A garota e os piratas desapareceram ao redor do pequeno cabo, e logo ouvi vozes erguidas em pragas e argumentos, enquanto eles jogavam dados e bebiam. As folhas das palmeiras não me protegiam mais do sol, que batia ferozmente sobre minha cabeça desprotegida. Refleti que, se eu fosse forçado a permanecer assim por muitas horas, John Groshawk seria poupado do trabalho de me assassinar.

Então, quando as vozes ficaram mais altas e as pragas estrepitaram, Nell contornou rapidamente o cabo, e correu rápida e silenciosamente em minha direção. Ela me alcançou e falou rapidamente:

- Ouça-me e não fale enquanto eu não terminar! Saí furtivamente enquanto brigavam, mas eles estarão atrás de mim num instante! Jure me ajudar contra aquele bastardo do Groshawk, e te soltarei. Lembre-se: você me deve sua vida; eu os impedi de lhe arremessarem ao mar, quando você foi capturado naquela luta marítima e se recusou a juntar-se a eles... Tenho te mantido a salvo desde então, e fiz tudo que pude para aliviar seu cativeiro...

- Juro – interrompi sua tagarelice. – Como mulher, você trouxe minha obrigação até você... mas eu uniria forças até com o Diabo, para acabar com John Groshawk.

Por esse motivo, ela praguejou entre dentes, mas senti seus dedos ágeis trabalhando nos nós. Eles se soltaram... deslizaram de meus pulsos dormentes.

- Deslize para dentro da areia, e fique deitado e imóvel – ela sussurrou e eu obedeci sem saber por quê. Sob pálpebras abaixadas, vi Solomon Deas se aproximando de sabre na mão, seu odioso olhar malévolo no rosto.

- Então, você ia libertar o grande boçal, é? – ele escarneceu. – Bem que John nos avisou. O que me darás para que eu não conte a Groshawk... o que significa isto? Por que o grande idiota está aí deitado, feito um morto?

- Ele está morto, seu idiota – respondeu Nell. – Nunca soube que o sol deste trópico mata homens? E ele ficou aqui, com o escalpo desprotegido do sol. Abaixe-se e olhe para ele, caso não acredite em mim.

Grunhindo incredulamente, Deas se curvou sobre mim, sua cabeça desgrenhada próxima ao meu rosto e seu hálito nojento em minhas narinas. Aquela foi a única oportunidade da qual precisei. Como um falcão que agarra um pardal, peguei a garganta de Solomon Deas e esmaguei o grito que tentava lhe sair dos lábios. Ele havia esquecido o sabre em sua mão. Deixou-o cair e tentou arrancar minhas mãos com seus dedos nus, por um instante – mas apenas por um instante. Logo jorrou sangue sobre meus dedos, e Solomon Deas desabou. Levantei-me, lançando o cadáver para longe de mim, e vi Nell me encarando com os olhos arregalados.

- Por Satã! – ela sussurrou. – Você arrancou a garganta dele! E eu temia que suas mãos estivessem dormentes demais, por causa de suas amarras.

- Nunca dormentes demais para esmagar a vida de uma cobra – grunhi, pegando o sabre de abordagem. – Estaremos longe, antes que os outros patifes dêem por sua falta. E agora?

- Seguiremos Groshawk – ela disse. – Se pudermos achar o tesouro antes dele, ditarei minhas próprias condições... Aquela besta! Ainda terei o sangue do coração dele. Tenho navegado pelos mares desde os 16 anos, e nenhum homem me insultou e viveu o bastante para se vangloriar disso. Venha!

Entramos rapidamente nas sombras mais profundas da floresta e, enquanto prosseguíamos, Nell olhou para mim como se eu fosse um grande mastim.

- Por Satã – disse ela. – Livre das amarras, você parece ainda mais forte do que antes. Eu me pergunto como lhe capturamos vivo, quando tomamos o Bristol Girl.

- Você não – eu grunhi –, mas aquele Bellefonte me golpeou covardemente por trás com a coronha de um mosquete, e caí sem sentidos. Nada seria melhor para mim do que enfrentá-lo numa luta de igual para igual...

- Você terá o que deseja – ela disse, com uma risada sombria. – Pois lá vem Mike Bellefonte pela floresta, sozinho!

Havíamos atravessado os obscuros abrigos silenciosos da floresta sombreada, e estávamos saindo numa pequena clareira – e, do outro lado dela, vinha Mike Bellefonte. Sua boca barbada se abriu ao nos ver, e ele parou. Com um rosnado de satisfação feroz, avancei em sua direção; e ele, nada indisposto, puxou sua única arma, um sabre similar ao que eu usava.

Aquela luta foi rápida e sangrenta. Ele golpeou terrivelmente em direção à minha cabeça, e eu aparei o golpe e contra-ataquei selvagemente. Ele se esquivou de forma desajeitada e, quando minha lâmina cantou perversamente sobre sua cabeça, ele tentou retalhar minha barriga. Um rápido salto para trás me salvou, apesar do gume rasgar minha camisa, e arremeti um terrível golpe descendente, com cada grama de minha força por trás dele. Bellefonte não teve tempo de apará-lo; pegou meu gume sibilante com a parte plana de sua lâmina, a qual se despedaçou em lascas cintilantes, e meu próximo golpe lhe abriu o crânio.

- Uma dívida paga – rosnei, sacudindo o suor de meus olhos e os pingos vermelhos de minha lâmina. – Continue me guiando até John Groshawk.

Os olhos de Nell brilharam.

- Você tem o espírito certo – ela disse. – Gosto cada vez mais de você.

- Goste ou odeie, para mim tanto faz – respondi. – Farei este jogo sangrento até o fim; prossiga, Miss Bucaneira.

Sua expressão mudou e ela bateu o pé pequeno no chão.

- Seu patife irlandês – ela gritou. – Saiba que homens melhores que você já lutaram e mataram uns aos outros, para beijar minha mão.

- Não duvido – respondi –; mas eu jamais beijaria sua mão e seus lábios vermelhos muitíssimo bem.

Ela ficou incerta e logo riu:

- Você muda de rumo mais rápido que o vento; você daria um amante ocasional.

- Aqui não é lugar para se falar de assuntos brandos – eu disse severamente –; e há um homem morto aos nossos próprios pés. Que os santos descansem a alma dele no Inferno para onde foi. Venha, vamos embora.

Ela balançou a cabeça, com uma expressão de espanto, e gesticulou para que eu a seguisse.

As árvores ficaram mais altas e espessas. Qualquer luz que se infiltrasse através dos galhos emaranhados era fosca e ilusória. Através de um reino de sombras, movíamo-nos silenciosamente para a frente e, logo, o terreno mudou: as árvores ficaram mais esparsas, e o chão mais áspero, inclinando-se para colinas baixas. Nós as galgamos e vimos, diante de nós, uma espécie de planalto, densamente coberto por árvores altas, e, através dos galhos ondulantes, vislumbramos o que parecia ser uma construção de pedra negra. Um silêncio sombrio pairava sobre tudo. Chegamos ao alto do planalto e olhamos curiosos ao redor.


Steve e Nell prosseguem e chegam a um grande templo negro, em meio a um pântano. Entram no pórtico com colunas e chegam a uma grande câmara, no meio da qual se ergue um grande altar negro. Tentativas de despedaçá-lo haviam sido feitas, acreditando-se que era oco. Corredores se abrem vindos desta câmara e, no fundo de um deles, vêem um bruxulear de tochas. Eles seguem por outro e finalmente chegam a um ângulo reto, onde há um poço, sua abertura no mesmo nível do chão. Ouvem a tripulação pirata atrás de si, e se escondem no túnel. Groshawk está praguejando, porque Bellefonte não retornou com os martelos para abrirem o altar. Quase no mesmo momento, um homem vem com a notícia de que Steve e Nell haviam escapado, matando Deas e Bellefonte. Groshawk o manda de volta em busca de martelos e, enquanto ele deseja explorar o poço negro e misterioso, Jem Worley desce para dentro do poço numa longa corda e, subitamente, gritos pavorosos vêm de lá de baixo. A corda afrouxa e vem sem ele. La Coste se curva lá de cima e lança uma tocha acesa poço abaixo – subitamente ele grita, batendo as mãos sobre os olhos, e cai de ponta-cabeça dentro do poço.

Os nervos dos demais estão abalados. E eles se voltam para outro corredor. Nell insiste em segui-los, um pouco fora do alcance da luz das tochas, e, durante algum tempo, eles perambulam por corredores negros, sem nada encontrarem. Um grito informa que o pirata enviado em busca dos martelos retornara, e eles voltam e abrem o altar, nada encontrando. Furiosos, retornam ao poço – e subitamente uma coisa monstruosa sai dele, massacrando Groshawk e todos os seus homens. A coisa ataca Steve, cujo sabre é inútil contra ela, mas Nell a golpeia com uma tocha acesa e a coisa se retrai. Steve agarra a tocha, e a coisa foge diante dele para dentro do poço. Steve e Nell fogem do local e se juntam aos outros piratas, que são atemorizados pelos acontecimentos não-naturais. Todos embarcam e navegam para longe.




(*) – Bordada: Descarga simultânea de todos os canhões de um dos bordos – ou lados – do navio (Nota do Tradutor)

(**) – Xelim: Antiga moeda inglesa (N. do T.).

(***) – Restinga: Banco de areia alongado (idem).




Tradução: Fernando Neeser de Aragão.

Fontes: The “New” Howard Reader #1 e The Last of the Trunk – Other Stories.

Agradecimento especial: Ao howardmaníaco e amigo Karoly Mazak, da Hungria.



A Seguir: Na Taverna da Adaga Sangrenta.





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