Jane Williams

(por Fernando Neeser de Aragão)



Introdução:

No comando do navio Cacatua, Black Terence Vulmea foi capturado por corsários ingleses sob o comando de John Wentyard. Vulmea foi poupado quando contou a história de um tesouro escondido em uma costa próxima. Quando selvagens aniquilaram a tripulação inglesa, os dois capitães forjaram uma aliança de conveniência, até que cada um pudesse seguir seu caminho (A Vingança de Black Vulmea/ http://cronicasdacimeria.blogspot.com.br/2010/09/vinganca-de-black-vulmea.html).


1) “Fogo, luz que incendeia os corações
De guerreiros e amantes, vem.
Fogo, luz das estrelas distantes,
Nesta terra de homens, vem”.
(Marcus Viana, em “Do Amor e da Guerra”).


Meu nome é Terence Vulmea. Há não muito tempo, eu poupara a vida do maldito capitão inglês John Wentyard, na costa do Equador – não por piedade àquele carniceiro, mas em consideração à esposa e filha dele. Após dividir um pequeno tesouro com aquele canalha, eu havia gastado um pouco de minha parte da fortuna, com prostitutas mestiças e bebidas, num ponto-de-encontro de piratas não muito longe daquela costa, e usado o restante da minha metade do colar de ouro e jóias para comprar um novo navio e tripulação. Com eles, naveguei e pilhei até Cabo Horn, e de lá até o Mar Espanhol e a costa leste da América do Norte, onde meu navio naufragou e somente eu sobrevivi. Adentrei mais de 1600 km na selva, onde morei um tempo com uma tribo de índios amigos, mas tive que voltar ao litoral, pois me vi perseguido por uma tribo indígena hostil, que vinha do oeste.

Quando eles voltaram, eu os acompanhei de longe. Não desejaria desafiar o destino, deixando-me ficar ao alcance daquelas lanças mortais. Eu pulava sem rumo de árvore em árvore, acompanhando os guerreiros que, por um trilho estreito, retornaram ao povoado. Por fim, um dos guerreiros atrasou-se dos demais. Um sorriso satânico cruzou minhas feições e continuei a acompanhá-lo tão depressa que, certo momento, seguia por cima do referido índio, que não dava pela minha proximidade, encalçando-o.

Inopinadamente e sem fazer barulho, dei um salto para a frente, indo cair às cavaleiras nas largas costas do guerreiro. No mesmo instante, minhas mãos procuraram e encontraram a garganta dele. O peso do meu corpo fez o índio cair pesadamente ao chão. Após a queda, a pressão dos meus joelhos em suas costas tolhia-lhe a respiração. Em seguida, as duas alvas fileiras de meus dentes fecharam-se no pescoço e meus fortes dedos lhe comprimiram a traquéia. Por algum tempo, o guerreiro debateu-se com desespero, forcejando para me desalojar das suas costas; disso, porém, só resultava lhe diminuírem mais as forças, pois, apesar dessa resistência, eu aderia tenaz sobre ele, arrastando-o, aos poucos, para uma moita existente a um dos lados do trilho.

Ocultos, afinal, nesse lugar, a salvo dos olhos inquisidores dos demais índios, que dariam pela falta do companheiro e voltariam a procurá-lo, continuei a estrangular o nativo. Certo instante, repentina convulsão, acompanhada de uma total inércia, me fez saber que aquele homem estava morto. Todo o meu ser fremia de emoção, ao saber que eu matara um dos assassinos da outra tribo indígena que me acolhera quilômetros a oeste. Ergui-me involuntariamente de um salto e segui meu caminho para leste.


Num momento, a clareira estava vazia; no seguinte, emergi tensamente da beira do matagal. Nenhum som avisou os esquilos da minha chegada; mas os pássaros que esvoaçavam ao redor, na luz do sol, se assustaram repentinamente diante da minha aparição e se ergueram num bando ruidoso. Franzi a testa e olhei rapidamente para trás, em direção ao caminho pelo qual vim, temendo que o vôo dos pássaros pudesse ter denunciado minha presença. Então, movi-me pela clareira, pisando cautelosamente. De estrutura alta e musculosa, eu me movia com a facilidade flexível de uma pantera.

Eu estava nu, exceto por uma tanga ao redor dos quadris, e meus membros tinham linhas cruzadas de arranhões de sarças, além de estarem empastados com lama seca. Havia uma bandagem incrustada de marrom, amarrada ao redor de meu densamente musculoso braço esquerdo. Sob minha emaranhada cabeleira negra, meu rosto estava contraído, e meus olhos queimavam como os de um animal ferido. Eu mancava levemente, enquanto abria meu caminho ao longo da trilha indistinta que cruzava o espaço aberto.

No meio da clareira, parei subitamente e girei, quando um grito prolongado trinou desde a floresta atrás. Soava mais como o uivo de um lobo. Mas eu sabia que não era um lobo.

A fúria queimou minha alma, quando me virei novamente e corri ao longo da trilha, a qual, ao deixar a clareira, corria ao longo da orla de um denso matagal que se erguia numa sólida moita de plantas verdes, entre as árvores e arbustos. Meu olhar percebeu e se fixou num grande tronco caído de árvore, profundamente cravado na terra de grama. Ficava paralelo à margem do matagal. Parei novamente, e olhei para trás em direção à clareira. Para o olho inexperiente de um civilizado, não havia sinais que mostrassem minha passagem, mas para minha visão treinada na selva, os traços de que eu havia passado eram totalmente evidentes. E eu sabia que meus perseguidores poderiam ver minhas pistas sem esforço. Rosnei silenciosamente, a fúria vermelha me crescendo na alma – a ira berserk de uma fera caçada, a qual está prestes a ficar encurralada –, e puxei o machado de guerra e a faca de caça – roubados do índio ao qual eu estrangulara – do cinto que me segurava a tanga.

Então, caminhei rapidamente pela trilha com falta deliberada de cuidado, esmagando aqui e ali uma folha de grama com o pé. Entretanto, quando alcancei a extremidade posterior do grande tronco caído, pulei sobre ele, girei e corri levemente ao longo deste. A casca havia sido há muito apagada pelos elementos da natureza. Agora, não deixei nenhum sinal para alertar aqueles atrás de mim, de que havia dobrado em minha trilha. Ao alcançar o ponto mais denso do matagal, sumi como uma sombra, mal deixando o vibrar de uma folha indicar minha passagem.

Os minutos se arrastaram. Os esquilos voltaram a cavaquear nos galhos... logo, se estiraram e ficaram subitamente mudos. A clareira foi novamente invadida. Tão silenciosamente quanto eu havia aparecido, outros três homens emergiram do lado oeste da clareira. Eram homens de pele escura, usando apenas tangas de pele curtida de gamo, enfeitadas por contas, e mocassins; e estavam pintados. Os malditos haviam encontrado o corpo do comparsa deles, ao qual eu matara, e agora estavam novamente no meu rastro!

Haviam examinado cautelosamente a clareira, antes de caminharem até o campo aberto. Logo, eles deslizaram para fora das moitas sem hesitação, em cerrada fila única, pisando suavemente e se inclinando para olhar a trilha. Mesmo para aqueles sabujos humanos, seguir a trilha de um homem branco não era tarefa fácil. Ao se moverem lentamente pela clareira, um dos homens se enrijeceu, grunhiu e apontou, com uma lança de ponta de sílex, para uma folha pisada de capim na qual a trilha adentrava a floresta. Todos pararam instantaneamente, seus negros olhos de contas procurando pelas paredes da floresta. Mas eu estava bem escondido. Não detectaram nada que indicasse que eu estava agachado a poucos metros deles. Em seguida, continuaram caminhando, agora mais rapidamente, seguindo as marcas tênues, as quais pareciam denunciar que sua presa estava ficando descuidada, devido à fraqueza ou ao desespero.

Assim que passaram pelo ponto onde o matagal se aglomerava mais perto da antiga trilha, pulei para dentro da vereda e enfiei minha faca entre os ombros do último homem. O ataque foi tão rápido e inesperado, que o índio não teve chance de se salvar. A lâmina estava em seu coração, antes dele perceber que corria perigo. Os outros dois giraram rapidamente, com a agilidade urgente e aguda dos selvagens; mas, enquanto minha faca afundava, dei um tremendo golpe com o machado de guerra. O segundo índio recebeu o golpe enquanto estava se virando, e teve o crânio partido.

O índio restante correu selvagemente para o ataque. Ele tentou apunhalar meu peito, enquanto eu puxava meu machado do crânio do morto. Habilmente, lancei o cadáver flácido contra o selvagem, e em seguida o ataquei tão furioso e desesperado quanto a investida de um tigre ferido. O índio, cambaleando sob o impacto do cadáver, não tentou deter o machado que caía. Com o instinto de matar submergindo até mesmo o de viver, ele dirigiu sua lança ferozmente ao meu peito largo. Mas eu tinha a vantagem de uma mente mais rápida e uma arma em cada mão. Meu machado golpeou a lança para um lado, e a faca na minha musculosa mão direita rasgou para cima, dentro da barriga pintada.

Um uivo assustador explodiu dos lábios do índio, quando este desabou estripado – um grito, não de medo ou de dor, mas de frustrada fúria bestial; o guincho de morte de uma pantera. Foi respondido por um breve coro de gritos, a alguma distância a oeste da clareira. Eu me sobressaltei convulsivamente e girei, agachando-me como uma coisa selvagem encurralada, os lábios rosnando. O sangue escorria-me pelo antebraço, vindo de dentro da bandagem.

Com uma praga incoerente, girei e fugi para leste. Eu agora não escolhia meu caminho cuidadosamente, mas corria com toda a velocidade de minhas longas pernas. Atrás de mim, a floresta ficou quieta por um instante; logo, um uivo demoníaco irrompeu do ponto que eu tinha acabado de deixar. Meus perseguidores haviam achado os corpos de minhas vítimas. Eu não tinha fôlego para praguejar, e o sangue de meu ferimento recém-aberto deixava um rastro que até uma criança conseguiria seguir. Eu havia esperado que os três índios aos quais matara fossem os únicos do grupo de guerra que ainda me perseguia. Mas eu deveria saber que estes lobos humanos nunca abandonam uma trilha de sangue.

A floresta estava novamente em silêncio, e isso significava que estavam correndo atrás de mim, meu caminho traído pelo rastro de sangue que eu não conseguia deter.

Um vento, vindo do leste, soprou contra meu rosto, carregado de umidade salgada. Senti uma vaga surpresa. Se eu estava tão perto do mar, então a longa perseguição tinha sido ainda mais longa do que eu havia imaginado. Mas estava perto do fim. Mesmo a minha vitalidade lupina estava declinando diante do terrível esforço. Respirei ofegante, e senti uma dor aguda no lado. Minhas pernas tremiam de cansaço, e a que coxeava doía como se houvesse um corte de faca nos tendões, a cada vez que eu punha o pé no chão. Eles agora viriam tão rápidos quanto lobos famintos, uivando a cada pulo.

Chegando à praia, avistei de súbito um navio inegavelmente inglês, cuja tripulação era liderada por uma voluptuosa mulher. Logo vi, pela bandeira de uma caveira branca com fundo negro, que se tratava de um navio pirata. Ao me verem – um homem branco como eles, sendo perseguido por índios –, eles logo desceram da embarcação, enquanto sua bela líder gritava ordens aos rudes marujos armados com pistolas e sabres. Aquilo me reanimou completamente, a ponto de eu esquecer a dor e o cansaço, e meu sangue agora latejava alegremente por minhas veias. Após parte dos índios que me perseguiam ser morta a tiros, ela e seus piratas avançaram praia adentro, e a líder cortou, com o sabre de abordagem, o tampo da cabeça de um guerreiro nativo como se fosse um ovo. Ele tombou sem emitir um som. Com uma arma semelhante à dela, a qual me fora lançada em plena luta por um de seus comandados, despedacei o rosto de outro índio, como se fosse outro ovo. Ele também caiu silenciosamente. Com aquela mesma arma, despedacei o rosto de outro índio, num banho de sangue e miolos sobre o corpo seminu do homem.

Um dos corsários matou mais três nativos, antes que outros dois lhe estripassem com seus machados. A fúria da líder pirata transcendia a civilização. Usando duas espadas – o sabre de abordagem, agora junto com a longa lâmina reta e estreita – como garras de aves de rapina, ela se lançava à frente, matando sem dó nem piedade. Os nativos morriam aos pares ao redor dela. Eu e outros corsários nos unimos, protegendo as costas da bela mulher que matava desvairadamente. Em poucos momentos, menos de meia-dúzia de índios sobreviventes saía correndo em disparada mata adentro.

Alguns piratas ingleses jaziam mortos na praia, mas a quantidade de inimigos mortos superava a dos homens aos quais me aliei. Não pude deixar de notar que os olhos da líder corsária – iguais aos de uma negra africana, apesar da mulher ser européia em quase tudo o mais – ardiam para mim com um fogo inconfundível, o qual agora substituía o da fúria da batalha. A linda corsária me ofereceu duas opções: ser o amante dela, ou me juntar aos selvagens mortos na praia.

Olhei novamente para a jovem pirata, dos longos cabelos negros como a asa de um corvo; da pele branca, do corpo curvilíneo e voluptuoso, e dos alvos e balouçantes seios fartos... Seu chapéu envernizado e emplumado era tão preto quanto os cabelos e olhos dela. Na blusa branca, que lhe cobria os seios, a barriga e cintura sob o casaco verde-escuro com acabamento dourado, havia um cinturão de seda lilás e outro de couro preto, no qual ela guardava a espada, o punhal e a pistola.

A parte inferior de sua roupa consistia num par de calções de seda branca em suas pernas grossas e bem-torneadas, adornadas por botas de couro preto. Jane Williams – era este o nome pelo qual ela se identificou para mim – era quase tão boa de tiro e de esgrima quanto eu, apesar de não ser esguia. E minha alma irlandesa se agitou dentro de mim. Seria emocionante me aventurar com uma jovem tão linda; amar, sorrir, perambular por portos e regiões costeiras e pilhar...

- Partirei com você – respondi, agitando as últimas gotas de sangue de minha espada.


2)

Após subirmos até o navio de Jane, todos nós curamos nossos ferimentos e depois brindamos, bebemos vinho e comemos. Ela e eu pegamos, cada um, um charuto e fumamos. Mais tarde, fomos descansar dentro da cabine de seu navio, e Jane tirou lentamente a blusa de seda branca, usando um gancho para erguê-la, desnudando os seios fartos e balançando-os para mim, tanto com as mãos, quanto se curvando para diante e mexendo o corpo para balançá-los para os lados sem o uso das mãos. Seminua, ela brandia sua espada fina e reta num jogo de sedução, e seu ventre e quadris pareciam copular com o vazio.

E Jane Williams dançava para mim, girando como os ventos do deserto, saltando como uma labareda impossível de apagar, como o desejo da criação e o ímpeto da morte. Seus pés ainda calçados batiam sobre o chão de madeira e seus seios alvos, suados e fartos tremiam como as ondas marinhas a cada pulo que a jovem dava.

Súbito, ela se atirou aos meus pés, com um grito selvagem. A cegueira transbordante de desejo que me dominara tomou conta de todos os meus sentimentos, e apertei seu lindo corpo de marfim contra o meu, beijando-lhe selvagemente os lábios, bochechas, olhos, pescoço e seios. Deitada sobre o leito, ela segurava, balançava, acariciava e largava as mamas trêmulas – enquanto eu as sugava loucamente –, deixando-as cair para os lados e me excitando mais ainda. Logo, despindo-lhe as calças e botas, eu a penetrei sôfrega e intensamente. Gememos de prazer, com nossas bocas abertas e olhos fechados, até explodirmos num intenso orgasmo, unidos como um só em meio à volúpia carnal que palpitava em nossos corpos, almas, genitálias e corações. Enquanto relaxávamos, ela, de olhos ainda fechados, ergueu os braços e, novamente excitado e ainda deitado sobre ela, suguei-lhe as axilas suadas e novamente os seios, e tivemos outra relação sexual antes de dormirmos.


Durante o sono, tive lembranças da perseguição que sofri antes de Jane me encontrar e, ao sonhar com aqueles índios, eu os vi com rostos diferentes – olhos grandes, e narizes e lábios finos, como os de europeus, apesar de suas peles morenas, e cabelos e olhos negros. E tive uma estranha sensação de já ter, há muitos eons, passado antes por uma situação quase idêntica àquela.

* * *

Filha de um capitão da marinha inglesa, chamado Jack Williams, com uma descendente mestiça de negros, judeus e europeus, Jane aprendera desde pequena a arte de navegar. Ela era uma adolescente quando seu pai fora morto em batalha naval contra bucaneiros franceses. Escapando a nado, ela se aliara a um marujo inglês – seu primeiro parceiro de batalhas e de cama – e, num combate sangrento na costa da Normandia, havia conseguido vingar o pai, apesar de ter perdido o companheiro durante a luta.

Não podendo retornar à sua terra natal, por sua mãe ter morrido ao lhe dar à luz – maldito costume preconceituoso, de discriminar pessoas assim (ainda bem que o pai dela fora uma exceção a esta regra)! –, Jane Williams então se tornara pirata, tomando gosto por aquela vida. Ela era tão respeitada e temida quanto a também pirata Helen Tavrel; e, assim como Helen, Jane sempre poupava as vidas dos que se rendiam, só matando quem lhe oferecesse resistência. Os vilarejos que se opunham a ela eram incendiados; os que lhe pagavam o tributo exigido prosperavam como nunca.

Nossa rota preferida seguia desde o Atlântico ocidental – de vários portos, como Bermuda, Nassau, Nova Iorque, Brasil e outros –, até o sudeste, ao longo da costa da África, freqüentemente pelo caminho de Madeira; dobrávamos o Cabo da Boa Esperança e navegávamos através do Canal de Moçambique até o norte de Madagascar, e de lá para a Arábia, Índia e até Indonésia – a famosa Rota dos Piratas.

E, de vez em quando, eu e Jane treinávamos esgrima, aperfeiçoando um ao outro.


3)

Numa taverna, sem nada a ganhar ou perder, com pistolas enfiadas em seus cintos e botas, bebiam avidamente as tripulações piratas. Nossos copos de vinho batiam forte nas beiradas das mesas e nossa risada se elevava. E, de vez em quando, um tiro estalava e alguém beijava a poeira. Isso deixava um homem bem nervoso, esquivando-se dos cortes do sabre. E ocasionalmente alguém gritava com um furo de espada nas tripas. As pragas ardentes trovejavam até o teto, o copo de vinho queimava o lábio, e nos deleitávamos e matávamos uns aos outros em agradável coleguismo.

Naquele recinto, homens se divertiam com lindas mulheres sobre as mesas manchadas de vinho, cerveja e rum, copulando de todas as formas possíveis; e algumas das mulheres se divertiam umas com as outras, acariciando-se reciprocamente com beijos quentes e molhados nas bocas e corpos nus, longe dos falsos moralismos religiosos da Europa e países muçulmanos. Chineses, árabes e mouros de ambos os sexos também participavam daquelas orgias, juntamente com as loiras e morenas européias ali presentes.

Eu estava de pé e seminu, enquanto minha amada Jane se sentava a uma das mesas, admirando-me. Embora eu achasse excitante ver tantas relações sexuais em público, eu e minha linda capitã preferíamos praticar sexo em lugares privados, como um quarto de taverna ou a cabine do nosso navio.

- Dez moedas de ouro para aquele que conseguir me derrubar! – gritei novamente, em tom zombeteiro.

Mas, dos que haviam tentado fazê-lo, só havia guerreiros e patifes caídos inconscientes ao chão, com braços, pernas e dentes quebrados. Ninguém mais se manifestava... Então, dirigi meu olhar para uma bela prostituta loira, de busto farto, lenço vermelho na cabeça e calçada com longas botas de couro – a qual estava de pé num canto afastado da taverna –; sorri e disse:


- Quem me derrubar, terá direito a dez moedas de ouro, e também poderá passar a noite com aquela linda loira.

Olhei de esguelha para minha Jane e percebi, para meu divertimento, uma expressão de ciúmes naqueles belos olhos negros. Ela provavelmente achou que eu pretendia ir à cama com a beldade de cabelos claros. Ao mesmo tempo, os gritos e murmúrios daquele recinto subitamente cessaram, diante das minhas palavras; e, em meio ao silêncio, ergueu-se um guerreiro loiro, armado até os dentes e usando uma armadura milanesa com a parte frontal do capacete aberta, deixando à mostra o rosto de longos bigodes dourados.

- A luta é de igual para igual, bigodudo! – eu disse.

Mas o italiano não me deu ouvidos e ergueu a enorme espada contra mim; inesperadamente, desferi-lhe um murro na boca, arrancando-lhe vários dentes num jato de sangue e derrubando-o inconsciente ao chão. A multidão me aclamou numa gritaria eufórica que dominou toda a taverna. Após ganhar mais dez moedas de ouro, olhei novamente para a loira e para Jane.

- Agora, garota; eu lhe dou dez moedas de ouro, para que você... – O olhar de minha amada ficou ainda mais enfurecido. – Para que você escolha ir para a cama com quem quiser, desde que não seja um homem comprometido – acrescentei, arrancando uma súbita gargalhada da capitã do meu coração, a qual subestimara minha fidelidade a ela.

Sentei-me à mesa onde Jane se encontrava, ri com ela e trocamos um beijo com sabor de vinho.

Súbito, o recinto foi invadido por um pirata gordo e calvo, de grisalha barba sem bigode e olhar doentio, o qual entrou atirando. Seu primeiro alvo foi minha amiga loira, a qual teve seus miolos explodidos por aquele maldito português, antes que ela pudesse escolher o cliente ao qual eu pagara. Embora Jane tivesse – assim como eu – puxado sua arma de fogo, ela seria a próxima vítima, se um ex-escravo negro – agora um pirata – não tivesse se colocado na linha de fogo e sacrificado a própria vida para protegê-la de um tiro. Naquele momento, comecei a pensar nas minhas palavras, ditas cinco anos antes ao infame John Wentyard; e, pela primeira vez, me perguntei se lealdade era realmente uma questão de raça.

Mas tal pensamento foi abafado por uma onda de ódio vermelho em meus olhos, quando descarreguei minha arma e minha fúria na pança de barril daquele verme de nome Paulo, bem como em seu coração negro e na sua cabeça, arrancando-lhe metade da calota craniana e fazendo aqueles miolos de estrume estourar.

Aquele cão de Lisboa sempre me odiou, e passou a me odiar mais ainda depois que eu lhe havia acertado um murro no queixo meses atrás – o que mais aquele patife frustrado e covarde, de voz mais estridente que a de uma meretriz de beira de cais e ego mais inflado que a própria barriga, queria que eu fizesse, depois dele ter ridicularizado os belos seios da minha amada? Agora, enquanto a alma daquele miserável ia para o Inferno, eu e Jane providenciávamos um funeral para as duas pessoas a quem o infame Paulo assassinara e jurávamos vingança. Após enterrarmos o corsário negro e a bela prostituta, fomos atrás do navio do Capitão Miguel de Guzman, a cuja tripulação o maldito Paulo de Lisboa pertencera.


Alcançando rapidamente a maldita embarcação pouco após esta partir para mais uma de suas incursões em alto-mar, dirigimos-lhe uma bordada antes que eles pudessem usar os próprios canhões, destruindo-lhe o mastro e parte do bombordo.

Jane Williams pôs seu navio contra a popa do navio holandês, roubado por aqueles piratas espanhóis, para lhe esvaziar o convés com tiros de canhão. Quatro canhões ao longo de um lado da nossa embarcação atiraram, varrendo o navio pirata da popa à proa, deixando sangue e homens mutilados no convés. Então partimos para a abordagem. Era esquisito com o lado contra a proa do holandês, porém ótimo para um bombardeio; mas eu estava entre os primeiros a saltarem sobre o lado do navio rival, pulando e estocando entre os marujos sobreviventes do convés. Um homem caiu gorgolejando, perfurado no pescoço, e, sacando a pistola, baleei um segundo. Como sempre, Jane também estava entre os primeiros sobre o parapeito. Sua risada era perversa, seu florete brilhava e estocava; e ela se movia no convés esfumaçado e alastrado de obstáculos, como se tivesse olhos nos pés. Um terceiro marujo, armado com um machado de abordagem, foi distraído por Jane com uma finta de seu sabre de abordagem, e então ela lhe enfiou a ponta do florete no olho e usou o sabre seriamente para lhe atravessar as tripas.

Jane era tão boa no uso do sabre de abordagem quanto do florete. Sua força e agilidade, superiores à da maioria das mulheres – e até à de certos guerreiros –, faziam a inglesa manejar o pesado sabre tão bem quanto se fosse um florete. Pirata após pirata espanhol, nós transpassamos quando nos enfrentaram, e usamos as pistolas quando necessário. Um homem caiu diante dela, com os miolos estourados, e outro recebeu uma bala no pulmão, dada por outro membro da minha tripulação. Os outros piratas invadiram os conveses e mataram todos os homens a bordo.

O paletó de Jane estava rasgado e sua camisa tão aberta quanto a minha, devido aos inúmeros golpes que todos nós recebíamos naquela batalha naval, onde os espanhóis cobravam caro por suas vidas. Sabres e punhais atravessavam carne e entranhas, destruindo ossos e decepando membros. Nem nossos piratas, nem os de Miguel de Guzman, davam nem pediam piedade. Uma pirata loira da tripulação rival, amante de De Guzman e famosa por sua falta de piedade para com os prisioneiros de guerra, abria pescoços e decepava membros com a mesma precisão que Jane Williams.

De Guzman investiu contra mim com um brado furioso, enquanto descia sua espada em minha direção. Detive seu golpe com meu sabre e, após alguns minutos cruzando lâminas com aquele cão madrileno, atravessei-lhe o bucho com minha espada, fazendo-a se projetar pela espinha do patife. Ele caiu aos meus pés, gorgolejando e se estrebuchando, enquanto o sangue lhe saía pela barriga e em golfadas pela boca.

Então, vi Jane de pé sobre o cadáver loiro da única mulher da embarcação espanhola, ao mesmo tempo em que minha linda inglesa recuperava o florete e o sabre de abordagem. Ela voltou o belo rosto para mim, com a fúria ainda lhe brilhando nos olhos, mas desaparecendo paulatinamente ao me ver.

- A rameira de Miguel de Guzman correu para cima de mim com uma adaga na mão, tentando transpassar meu peito, mas eu, temporariamente desarmada, segurei-lhe o punho, e logo giramos pelo convés, agarradas uma à outra – disse Jane. – Consegui empurrá-la repentinamente para trás, agarrando-lhe o pescoço quando ela ficou em cima de mim, e lhe acertei uma cabeçada nos seios... pequenos e firmes demais para agüentarem o impacto... para, em seguida, abrir a jugular daquela vadia com sua própria faca.

Naquele momento após a batalha, o suado peito nu de Jane Williams, em sua camisa aberta, me despertava nova chama – não mais a da fúria da recém-terminada abordagem. Enquanto nossos corsários saqueavam o navio, eu e ela nos dirigimos à nossa própria embarcação e cabine.

FIM



Agradecimentos especiais: Aos howardmaníacos e amigos Ricardo Highlander e Osvaldo Magalhães, de Brasília – DF.

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A seguir: Ilhas Malditas.





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