Forte Tuscelan

(por Fernando Neeser de Aragão)



1)

Anoitece na Bossônia. O pôr-do-sol nada mais é do que uma fina faixa de luz no horizonte oeste, encimado por um negro céu estrelado. Uma ave adulta está voando de volta ao seu ninho, quando é atingida por uma flecha em pleno ar. Ao cair ao chão, ela é depenada, eviscerada e assada numa fogueira rudimentar. As chamas daquela fogueira, junto com a lua ascendente, iluminam um homem alto e forte, de ombros largos e maciços, peito largo e musculoso, cintura esguia e braços pesados. O homem de físico hercúleo a devorar a ave assada usa, como roupas, um calção de seda, uma cota-de-malha preta e, sobre a cabeça, um elmo cujo único enfeite é um curto par de chifres de touro.

Nenhum homem da civilização havia forjado aquele elmo, nem sob ele há o rosto de um civilizado: aquele rosto moreno, cicatrizado e bem barbeado, com ardentes olhos azuis sob espessas sobrancelhas negras e uma fronte larga e baixa, tem algo da melancolia de montanhas escuras e é tão indomável quanto as florestas a oeste, sobre as quais o crepúsculo acaba de pôr suas últimas luzes.

De repente, ruídos despertam a atenção do homem que acaba de comer – ruídos de luta! Movendo-se com a flexibilidade de uma pantera, ele monta em seu cavalo e galopa até a fonte do barulho. Um civilizado teria cavalgado em sentido contrário, para evitar algum tipo de confusão. Mas aquele homem nasceu num país onde semelhantes se ajudam – sem contar que os uivos ouvidos pelo bárbaro lhe são bastante familiares.

Logo, ele avista um homem jovem, de aparência nobre e ao mesmo tempo sóbria, sendo derrubado de seu cavalo por diversos selvagens morenos, atarracados e seminus – pictos! Um deles consegue agarrar o jovem por trás, derrubando-o com uma chave-de-braço ao redor do pescoço, enquanto outro está prestes a lhe esfaquear o peito. Sem pensar duas vezes, o bárbaro alto atira duas flechas precisas e mortíferas nos dois pretensos assassinos do cavaleiro. Ambos caem ao mesmo tempo, com costas e peito perfurados pelas setas certeiras.

Quando vêem um terceiro ser abatido por uma flecha na barriga, e mais um, com uma seta profundamente cravada no olho, eles pensam estarem cercados. Mesmo assim, inflamado pelo ódio hereditário e milenar do seu povo pelos pictos, o bárbaro atira mais três flechas certeiras, ao mesmo tempo em que o jovem consegue pegar a própria espada e abrir a garganta de um dos selvagens uivantes.

Enquanto isso, saltando de sua montaria, o bárbaro perfura, com suas flechas, uma testa e um peito picto antes mesmo de seus pés calçados tocarem o chão – uma técnica aprendida há muitos anos com os hirkanianos –, pouco antes de investir contra os dois inimigos restantes e lhes decepar as cabeças num único giro de sua recém-desembainhada espada.

O homem, cuja vida o bárbaro havia salvado, é um jovem alto e bem-vestido, e, como parte dos moradores das Terras Ocidentais, ele tem membros longos e ombros largos. Após se erguer e sacudir a poeira de suas roupas, ele se dirige ao seu salvador, agradecendo-o e perguntando-lhe o nome.

- Sou Conan, um cimério. E você? – o bárbaro responde, perguntando-lhe de forma mais direta que o jovem aquiloniano.

- Sou Valannus, governador do Forte Tuscelan. E você, Conan, o que faz aqui em Conajohara?

- Estou em busca de emprego.

- Então, você encontrou, cimério – sorri o jovem. – Precisamos de um braço forte para nos ajudar a enfrentar os pictos a oeste do Rio Negro... e que parecem estar agora um pouco a leste – ele acrescenta, ficando novamente sério. – Em troca, damos comida e alojamento a quem trabalhe para nós.

Desta vez, é Conan quem sorri:

- Feito!

A perspectiva de trabalho sangrento contra um povo inimigo dos cimérios anima o bárbaro.

* * *

O Forte Tuscelan ergue-se na margem oriental do Rio Negro, cujas ondas lambem o pé da muralha. O portão, aberto para Valannus e Conan, é flanqueado por uma torre a cada lado, cujos topos se erguem acima da paliçada. O cimério vê seteiras para flechas.

Os edifícios internos são feitos de troncos, inclusive o alojamento do governador, que se ergue sobre a paliçada e o rio sombrio. Além do rio se estende uma enorme floresta, a qual se aproxima das margens porosas como uma selva densa. As sentinelas marcham pelos passadiços ao longo do parapeito, vigiando dia e noite as profundezas da cerca, e olhando constantemente a espessura verde. Raramente aparece alguma figura ameaçadora, mas as sentinelas sabem que são observadas com ódio. Na floresta, parece não haver vida, embora esta seja abundante não apenas em relação a animais, mas a homens, que são os mais ferozes animais predadores.

Ali no forte, termina a civilização. O Forte Tuscelan é o último avanço das raças hiborianas dominantes. Além do rio, reina a vida primitiva. Às margens dos rios Trovão e Negro, os aborígines foram desalojados de seu país e mortos sem cerimônia. Mas o povo de pele escura nunca esqueceu que Conajohara havia sido outrora sua terra.

Os alojamentos das tropas situam-se a pouca distância das paliçadas, assim como os estábulos, as pequenas barracas dos mercadores e outras construções. No centro, há um pátio, onde os soldados fazem seu treino e onde agora as fogueiras estão acesas, com círculos de homens conversando ao redor. Muitos deles viram-se, ao notar a presença de Conan na porta. As figuras esguias dos lanceiros e batedores aquilonianos se misturam com as dos arqueiros bossonianos, mais baixos e corpulentos.


2)

Agora é meia-noite e o Forte Tuscelan está sob ataque. Pictos se aglomeram ao redor do lado externo da paliçada. Alguns deles lançam escadas contra o muro e começam a subir. O parapeito está ocupado por bossonianos armados – e alguns deles encouraçados.

Pictos uivantes, armados com machados de cobre e vestidos apenas com suas tangas e medonhas pinturas corporais, se acumulam na parte oeste, norte e leste do forte. Os bossonianos lhes devolvem o ataque com golpes de espadas, machados, lanças e, principalmente, com seus arcos mortíferos, capazes de lançar suas flechas a uma distância de 400 metros. Os defensores do forte de madeira não demonstram medo – apenas fúria –, e nenhum pensamento em recuarem – apenas o desejo de matar e defender seu território. Há um clamor de gritos, o barulho do entrechocar de armas e os sons abafados de cinco a dez flechas perfurando o corpo de cada atacante picto que ameaçava o forte. Setas são lançadas, tanto pelo parapeito quanto pelas aberturas dentro das paredes do forte.

Os pictos haviam cruzado acima e abaixo do forte, fora da vista das sentinelas. Então, outros vieram em canoas e seguiram direto para a parede do rio. Assim que estes atacaram, aqueles que estavam escondidos nas matas da margem leste atacaram o forte por outras direções.

Entre os defensores, há um homem que, além de não ser bossoniano nem aquiloniano, não é sequer hiboriano. Mais alto e musculoso que a maioria dos moradores do forte, ele usa uma cota-de-malha escura e um elmo simples, enfeitado apenas com chifres de touro. Ele se move com a agilidade flexível e mortífera de um jovem felino, enquanto usa suas flechas para matar pictos, fazendo-os recuar a cada disparo. Sua desgrenhada cabeleira negra se sobressai das partes inferiores do elmo, e seus olhos azuis ardem com uma fúria vulcânica.

Quando as flechas de Conan acabam, ele desembainha sua espada e estripa o picto mais adiantado. Enquanto o cimério arranca sua espada do selvagem moribundo, um grupo de pictos sobe rapidamente as muralhas de madeira. Um deles agarra a espada de um aquiloniano morto e a brande em direção a Conan. Este rapidamente solta a espada do cadáver, detém o golpe descendente do picto com a mão esquerda e o corta ao meio na altura da cintura, com um giro sangrento de sua lâmina.

Enquanto vai cortando os demais pictos como trigo, Conan vê, com o canto do olho, um dos aquilonianos – o veterano Soractus, um homem tão grande quanto ele, de cabeça raspada e usando gorro de aço, capacete e cota-de-malha –, agarrando um dos pictos pela coxa e garganta e lançando-o contra as afiadas pontas das estacas do muro. Em seguida, Soractus trava a machadinha de outro picto e o dobra para trás, contra as mesmas pontas da paliçada, até partir a espinha do selvagem.

“Nada mal”, pensa o cimério, procurando incessantemente por um local onde possa lutar e matar, pois sua natureza é a de um lutador de ofensiva, não de defensiva. Então, ele vê um bossoniano, de nome Hagar, engalfinhado com um picto, cada um agarrando o braço armado do outro com a própria mão esquerda. Enquanto isso, um segundo picto se move furtivamente por trás do parapeito, para atacar Hagar por trás. Vendo que não terá tempo de avisar seu camarada, o cimério agarra uma lança e a arremessa fatalmente na testa do pretenso assassino traiçoeiro de Hagar, ao mesmo tempo em que este se livra do picto com o qual se engalfinhava, dando-lhe uma joelhada nos testículos e uma machadada no peito.

Hagar agradece a Conan com um sorriso, e atira uma lança nas tripas de um picto uivante, o qual tenta atacá-lo pelo lado, para, em seguida, abrir o coração de outro selvagem, cortando-o com um golpe de espada entre o pescoço e ombro.

Segundo informações dos batedores, aqueles pictos – em número de quase 400, no início do ataque – são liderados pelo guerreiro e feiticeiro Garogh, da tribo liguriana dos Socandagas, e sua esposa Manatha, da aldeia de Gwawela. Unindo seus poderes, o casal havia conseguido unir os clãs do Lobo e do Corvo aos Socandagas e Gwaweli, contra os bossonianos do Forte Tuscelan. O cimério já havia vislumbrado, no meio daqueles selvagens de pele escura, um homem de aparência semelhante à dos pictos, mas com pele clara e estatura elevada, comandando guerreiros que lhe eram fisicamente semelhantes e – assim como eles – usando uma pluma de falcão no cabelo, além de tanga de pele de corça e mocassins. Apesar de terem feições retilíneas – cabelos lisos, olhos grandes, lábios finos e narizes afilados ou médios –, nem os pictos nem seus rivais ligurianos são chamados de brancos pelo povo hiboriano da fronteira. E, embora os pictos vivam quase sempre em guerra com os ligurianos, eles estão, desta vez, não apenas aliados aos selvagens mais altos e claros, mas sob a liderança de um deles!

Berrando como lobos, dezenas de guerreiros nus e seminus, com machados em suas mãos, correm de baixo das árvores até o portão leste. A menos de 140 metros de seu objetivo, uma rajada fulminante de flechas, vinda do muro, alastra o chão de cadáveres e faz os sobreviventes fugirem de volta às árvores. Os homens nas canoas conduzem suas embarcações em direção à parede do rio, e são recebidos por outra chuva de setas e uma rajada vinda das pequenas catapultas montadas sobre as torres daquele lado da paliçada. Pedras e troncos são lançadas pelo ar, despedaçando e afundando meia-dúzia de canoas, matando seus ocupantes; e os outros barcos recuam e fogem para fora da linha de alcance. Um rugido profundo de triunfo se ergue das muralhas do forte.

De repente, Conan avista, sob a luz da lua alta e estrelas, Garogh e Manatha apontando seus punhais para uma forma branca, loira e trêmula – é Amaltheia, a bela e jovem irmã do Lorde Valerian, de Kwanyara, o qual é o maior dono de terras de Schohira! Como diabos eles haviam conseguido tirá-la do Forte Tuscelan, onde ela dormia em seu quarto, nem o cimério sabia. Tudo o que ouvem é o desafio do líder liguriano:

- Venham pegá-la se puderem!


3)

O dia amanhece com um destacamento de bossonianos seguindo para o sul e atravessando uma senda ladeada por densas florestas – todos vestidos com botas e camisas de pele de cervo, e calças de couro com cinturões largos, e armados com espadas curtas, lanças, adagas e principalmente arcos. Conan e Galter são dois dos integrantes daquele grupo cauteloso, o qual só pisa em pedras e outras superfícies lisas, evitando sarças aderentes e galhos baixos, deslizando entre árvores sem tocar nos caules, e sempre plantando seus pés em lugares calculados, a fim de deixarem o mínimo possível de rastros. Hagar havia se dirigido a Velitrium, onde ele seria necessário, enquanto Soractus permaneceu no Forte Tuscelan – no qual ele também seria necessário. O cimério e Galter haviam se prontificado a irem atrás da bela Amaltheia, juntamente com outros homens do forte e com a permissão de Valannus. Naquele meio tempo, alguns aquilonianos viram que a porta sul do forte estava arrombada, e descobriram como a jovem fora raptada – e deduziram que os selvagens só não invadiram o forte, porque já eram poucos e estavam perdendo a batalha. De qualquer modo, Valannus deu ordem para consertarem aquela porta e reforçarem a guarda lá.

Súbito, Conan, que segue rastreando atenta e silenciosamente à frente do destacamento – esquadrinhando cada centímetro quadrado com seus incansáveis olhos de águia e com os ouvidos, olfato e olhos totalmente alertas para cada pequena pista que encontra –, pára e abre os dois braços, em silencioso sinal para que todos os bossonianos parem. No instante seguinte, uma das enormes árvores que ladeiam a trilha cai, apenas meio metro à frente do cimério.

Vendo seu caminho barrado, todos ficam de prontidão. Os uivos que vêm da selva ficam cada vez mais audíveis. Flechas incendiárias assobiam de ambos os lados dos matagais, atingindo alguns dos aquilonianos da Bossônia. Em retaliação, Conan e os bossonianos, guiados mais pela audição que pela visão, disparam de volta e sabem que atingiram aqueles ruidosos selvagens pintados, graças aos uivos de alguns lá dentro da selva e à queda de outros, que disparavam das copas das árvores. Então, enfurecidos pelas flechadas certeiras, os nativos de pele moreno-escura saem aos uivos de seus esconderijos, brandindo seus machados de cobre.

Pictos e bossonianos se defrontam, talhando, rugindo, se engalfinhando, estocando e decepando uns aos outros. Flechas, lanças, espadas, punhais e machados encontram seus alvos em crânios, pescoços, peitos e ventres, derramando sangue, miolos, bile e tripas. Membros e cabeças de pictos e bossonianos rolam pela grama cada vez mais escarlate. Um dos bossonianos tem sua perna decepada por um machado picto e é decapitado ao cair. No momento seguinte, o picto que o decapitara tem sua calota craniana arrancada por um giro sangrento da espada de Galter, numa rubra explosão de sangue e miolos.

Enquanto isso, defendendo sua posição junto a metade dos bossonianos que ali chegaram, Conan desfere golpes ininterruptos com sua longa espada e pesado machado, decepando cabeças e braços inimigos, ao mesmo tempo em que os arqueiros disparam incessantemente suas flechas contra a horda enlouquecida. Um após outro, os pictos vão tombando aos gritos, tentando em vão remover as flechas de seus troncos ou se contorcendo em seus estertores.

A enxurrada de golpes flui livremente, formando poços repulsivos de sangue, entranhas, miolos, vômito e urina. Súbito, o assobio de um apito de osso ecoa acima dos alaridos da luta. É o sinal de retirada. Puxados por seus chefes, os pictos recuam, voltando as costas para os bossonianos. Momentos depois, a horda inteira desaparece de vista.

Então, com uma praga enfurecida, Conan percebe que Galter não se encontra ali. Todos sabem que aquilo pode ser uma armadilha, a fim de eliminá-los antes que encontrem Amaltheia, e suspeitam que aquilo também possa ser um mero teste para outro ataque; mas nem Conan nem seus aliados da Bossônia deixarão que um dos seus seja levado por aqueles malditos selvagens.

Assim, parando apenas para breves intervalos de descanso, o destacamento segue sorrateiramente até a tribo liguriana dos Socandagas – a qual é a mais ocidental daqueles inimigos tradicionais dos pictos (e agora aliados a estes). A comida que levam é ingerida a pé, e a água é bebida às pressas em qualquer riacho.

* * *

Durante o ataque picto, Galter havia sido derrubado sem sentidos por um machado de cobre, brandido de lado contra sua cabeça. Ao recobrar os sentidos, já é noite, e ele se vê amarrado a uma tora fincada no centro de uma aldeia. Ele sacode a cabeça para recuperar totalmente a consciência, e avista a jovem Amaltheia seminua e amarrada a outra grossa tora. Mesmo de longe, o bossoniano percebe o desespero no olhar da bela irmã de Valerian. Furioso ao ver a loira em apuros sem poder fazer nada – e mais furioso ainda ao avistar os selvagens convergirem em direção a ele –, Galter dá uma forte cusparada para o lado, pois Garogh e Manatha não estão ao seu alcance no momento.

Mas, no instante seguinte, ele avista o famigerado casal de raptores se aproximar, junto com os demais habitantes da aldeia; e, mesmo furioso, Galter vê – pela aparência física de seus habitantes – que aquela aldeia não é picta, mas liguriana. O feiticeiro Garogh, como todos os ligurianos, se assemelha a um picto, mas sua pele é branca e sua estatura é igual à de um bossoniano. Milênios de miscigenação de algumas tribos pictas com os esquecidos celtas, da longínqua Era Thuriana, haviam dado origem àquele povo que os raptara. Manatha, por sua vez – a única picta à qual Galter vê no momento –, apesar de não ser liguriana, se veste como um deles: uma tanga de pele de corça, mocassins enfeitados com pérolas, e com uma pena de falcão enfiada na bela cabeleira brilhante, a qual está amarrada atrás por uma faixa dourada.

Com um sorriso cínico e maldoso, o casal de líderes olha para o bossoniano – cuja cota-de-malha fora despida – e para Amaltheia.

- Quer salvar a vida da cadela loira, não? – pergunta Garogh, falando a língua bossoniana com forte sotaque liguriano. – O que acha de lutar por ela, cão da Aquilônia? – acrescenta o liguriano, voltando o olhar para Manatha.

- Ótima idéia, Garogh... – diz Manatha, com o mesmo sorriso maldoso nos belos lábios. – Soltem-no e lhe dêem uma arma. Se ele me vencer, poderá ir embora com a garota.

Todos os selvagens ali presentes dão risadas e, mesmo furioso, Galter nota, pela primeira vez, a presença de uma minoria de pictos entre aqueles selvagens de pele branca – sem dúvida, parentes de Manatha e aliados de Garogh.

Com dois golpes de machado, um dos selvagens desamarra as cordas que prendiam os pulsos e tornozelos de Galter. Uma espada curta, a qual havia sido levada de um dos aquilonianos mortos na emboscada, é entregue a ele. Assim que o bossoniano agarra a lâmina, Manatha agarra uma lança e a brande contra Galter; este a repele com um giro da espada e dá uma estocada em direção à seminua líder picta, a qual se esquiva e tenta enfiar a lança no bossoniano. Ele a esquiva com outro giro da espada, e o duelo prossegue acirrado.

Enquanto isso, formas furtivas se esgueiram pelas cabanas próximas, furando o pescoço de uma sentinela e decepando a cabeça de outra, ao mesmo tempo em que se escondem atrás das cabanas, até se dirigirem à jovem irmã de Valerian, ali amarrada.

Ao mesmo tempo, o duelo entre giros e estocadas de espada e lança continua, entre Galter e Manatha, até que esta acerta um golpe do cabo da lança no ventre do prisioneiro, fazendo-o cuspir sangue e cair ao chão. Mas ele se levanta e retoma a ofensiva, fazendo ecoar o retinir de lâminas rivais, apenas para ser novamente derrubado ao chão, desta vez por um chute, dado pela jovem picta em seus testículos. O som de dois giros da lança dela em sua direção o faz recuperar as forças e contra-atacar, esquivando-se da arma de Manatha com um giro da espada curta e derrubando-a com uma cabeçada no rosto. Galter brande a lâmina contra a picta, mas, por não estar totalmente recuperado, se desequilibra e cai, ao mesmo tempo em que sua rival se levanta de novo.

Enquanto isso, os olhos cinzas de Amaltheia se arregalam de pavor, ao sentir uma mão lhe cobrir a boca.

- Shhh! Somos nós, Amaltheia – sussurra Conan, para alívio da jovem. – Viemos libertá-la – o cimério acrescenta, soltando-lhe a bela boca em seguida.

- Pelo amor de Mitra – implora a linda loira –; ajudem Galter!

- Estamos vendo o que está acontecendo – responde um dos bossonianos. – Faremos o que pudermos.

Mas Galter já está além de qualquer ajuda. Após sua última queda, o bossoniano havia tentado brandir sua espada contra Manatha. Mas esta o derrubara de novo ao chão, lhe cravando a lança no peito, enquanto Conan e seus bossonianos desamarravam Amaltheia.

Somente alguns segundos depois de soltar seu longo e feroz grito de triunfo, é que a picta, juntamente com seu companheiro liguriano e os selvagens dali, percebe que a outra tora, onde sua prisioneira loira estava amarrada, encontra-se vazia.

Logo depois, Conan e os bossonianos estão fugindo da tribo liguriana dos Socandagas, em direção ao ainda distante Rio Trovão, e de lá para Kwanyara, o posto mais meridional de Schohira – o cimério carregando Amaltheia nos braços, e todos sendo perseguidos de perto por Garogh e Manatha. O corpo de Galter não pôde sequer ser resgatado da aldeia.

Durante a fuga, Amaltheia – que havia escutado Garogh lhe contar, em Bossoniano e com um sorriso demoníaco no rosto, parte dos planos dele e de Manatha – explica a Conan que fora raptada em retaliação à derrota da coalizão picto-liguriana no Forte Tuscelan, e que seus captores estavam decidindo se a usariam como refém para que Valerian pagasse um alto valor pela vida dela, ou se a levariam à aldeia de Gwawela, do lado oeste do Rio Negro, para sofrer tormentos além da imaginação de um civilizado.

- Foi o que nós pensamos – rosna o cimério, andando rápida e silenciosamente, e lamentando não ter tido tempo sequer para atirar uma flecha ou lança em Manatha, no intuito de vingar Galter.


4)

O dia amanhece e cai a noite seguinte. O grupo já havia jantado e está descansando, e Conan está fazendo seu turno de vigia. De repente, os cabelos da parte posterior do pescoço do cimério se eriçam, quando o bárbaro sente a presença de algo, que não é Amaltheia nem os companheiros. Voltando-se, Conan o vê.

Sua forma é a de um homem nodoso e deformado, coberto com pêlos espessos. Suas unhas são longas e negras, como as garras de uma fera; e sua cabeça, sem queixo e com testa baixa, é semelhante à de um macaco. A coisa é um Chakan, uma daquelas criaturas semi-humanas que moram nas profundezas das florestas.

O cimério desembainha sua espada, mas, no momento seguinte, a coisa já está sobre ele. Graças à sua velocidade felina. Conan evita parte do impacto causado pelo salto, mas não consegue escapar completamente da criatura, a qual, com o giro de um dos seus braços peludos e nodosos, faz sua espada voar longe. Um segundo depois, as presas do Chakan estão avançando em direção à garganta do bárbaro, e as narinas deste último são preenchidas por um fedor animal. Embora Conan seja talvez o homem mais forte de sua era, força bruta nem sempre é suficiente para manter um homem vivo.

Os combatentes rolam pelo solo gramado, e os braços da criatura envolvem o cimério com tamanha força, que a espinha de um homem mais fraco se partiria como um graveto. O peso de ambos é quase o mesmo, mas a força da criatura é indescritível, e não pode ser medida em termos humanos. Então, o bárbaro sente seu braço sendo inexoravelmente dobrado para trás, e vê novamente as presas do Chakan se aproximando de seu rosto.

Retorcendo-se desesperadamente, o cimério consegue ver a espada ao seu alcance, e, com um esforço desesperado, agarra o cabo da mesma, ao mesmo tempo em que empurra a criatura com um impulso das poderosas pernas bronzeadas. Então, segurando a espada com ambas as mãos, Conan decepa a cabeça simiesca do Chakan, com um giro sangrento de sua lâmina.

Erguendo-se ofegante e sangrando de vários ferimentos nos braços e pernas, o cimério vê, perplexo, todos os homens de seu destacamento mortos, mutilados e ensangüentados, com cortes de machados e punhais pictos e ligurianos em seus corpos, cabeças e pescoços. Então, Conan percebe que somente Amaltheia está ausente, ao mesmo tempo em que também vê uma trilha indistinta, à qual olhos civilizados seriam incapazes de notar. Logo, com o sentimento de vingança no peito, aliado à esperança de que a irmã de Valerian ainda esteja viva, o cimério segue aquele rastro. Durante o percurso, Conan agora se lembra de histórias, contadas pelos bossonianos, sobre xamãs pictos que usam aqueles animais para farejarem e perseguirem os inimigos, e imagina que talvez aquele Chakan tenha sido invocado com o uso de algum pedaço de roupa, arrancado em agonia mortal de algum de seus homens, por algum selvagem morto na aldeia dos Socandagas.

* * *

Esgueirando-se próximo àquele acampamento nativo, Conan vê Amaltheia vigiada por dois pictos, enquanto os demais dançam à luz da fogueira, juntamente com o casal de líderes. O cimério se lembra que, se a loira foi poupada até o momento, era, como ela mesma havia dito, para ser usada como refém em troca de um resgate do Lorde Valerian de Schondara, ou para ser vítima, em Gwawela, de um destino ainda pior do que emboscadas e Chakans.

Deste modo, quando todos os pictos e ligurianos adormecem, Conan aproveita a posição privilegiada do baixo precipício, no alto do qual se encontra, e, com seu arco bossoniano, acerta uma flecha em cada uma das sentinelas pictas que vigiavam a bela irmã de Valerian. Entretanto, o grito de morte de um deles acorda o restante do acampamento.

Então, saltando a curta distância do precipício entre ele e seus inimigos, Conan se posta entre os selvagens e a jovem nobre, de modo a protegê-la. Num só golpe de sua lâmina mortífera, Conan parte ao meio os corpos dos dois ligurianos mais adiantados, para perfurar um terceiro, segundos depois. Manatha, mais astuta que os três companheiros, corre até um arco caído; mas, antes que possa atirar uma flecha, a espada ensangüentada do cimério é arremessada, fazendo um risco rubro no ar, e rompendo-lhe o abdome e espinha.

Garogh aproveita que a lâmina do cimério ficou presa no corpo de Manatha, e, com um grito de vingança pela morte da esposa, ele avança sobre Conan com um machado na mão esquerda e uma faca na direita. A faca pára na escura cota-de-malha do cimério, enquanto o machado é detido em pleno ar pela mão calejada do bárbaro, ao mesmo tempo em que o braço esquerdo de Conan mantém o corpo do selvagem suspenso pela garganta, a qual é esmagada por dedos de aço. Ouve-se, então, o último ganido de vida e, em seguida, o corpo do líder liguriano é atirado ao solo, como se fosse um boneco desarticulado.

No momento seguinte, a jovem loira seminua, cuja vida fora salva por Conan, abraça convulsivamente o seu salvador, tomada pelo medo, alívio e um crescente desejo pelo cimério. Seus longos cabelos dourados estão encharcados de suor; em seus lacrimejantes olhos cinzentos brilha o pavor, que vai sendo engolido por uma atração cada vez maior pelo bárbaro; e, em seu desnudo peito ofegante, seu busto alvo, volumoso e pendente, de aréolas róseas, está tão suado quanto a cabeleira da jovem. A viagem de volta a Kwanyara pode esperar, pois os sentidos agudos e a longa experiência do bárbaro em florestas e selvas mostram que eles agora estão fora de perigo.

Tomado por um novo tipo de onda rubra a lhe agitar loucamente a alma, Conan retribui o feroz e ardente abraço de Amaltheia, beijando o rosto, boca e pescoço da bela aquiloniana, e lhe suga avidamente os longos seios trêmulos e suados, deixando-a ainda mais excitada. Aos 34 anos de idade, o cimério há muito já sente – como certa ocasião em Asgard –, por seios caídos, a mesma atração sexual que por seios firmes. Assim, entre beijos, carícias, suspiros e gemidos, o cimério e a aquiloniana transformam aquela selva noturna num enorme leito de prazer, iluminado pela lua e estrelas.


FIM



Agradecimentos especiais: Aos howardmaníacos e amigos Dale Rippke, dos EUA, e Alessandro Nunes, de Salvador – BA.



A Seguir: Os Pictos Águias.



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