(por Robert E. Howard e Fernando N. de Aragão)
Três homens se
acocoravam ao lado de um poço d’água, sob o céu do pôr-do-sol, que pintava o
deserto de marrom-escuro e vermelho. Um deles era branco, e seu nome era
Amalric, filho de um nobre da casa de Valerus, do oeste da Aquilônia; os outros
dois eram ghanatas – uma raça negra, misturada com sangue shemita –, e seus
farrapos mal escondiam suas magras e vigorosas formas negras. Chamavam-se Gobir
e Saidu; pareciam abutres, ao se agacharem próximos ao poço d’água.
Perto dali, um
camelo ruminava ruidosamente, e um par de cavalos cansados passava o focinho em
vão pela areia nua. Os homens mastigavam ruidosa e sombriamente as tâmaras
secas, os negros concentrados apenas no trabalho de seus maxilares e o branco
olhando ocasionalmente para o inerte céu vermelho, ou para o outro lado da
monotonia horizontal onde as sombras se aglomeravam e aprofundavam. Foi o
primeiro a ver o cavaleiro, que se aproximava e puxava as rédeas, com um movimento
brusco que fez a montaria empinar.
O montador era
um gigante, cuja pele mais escura que a dos outros dois, assim como seus lábios
grossos e nariz largo, mostrava um sangue negro em abundância vastamente
predominante. Suas largas calças de seda, franzidas ao redor dos tornozelos
nus, eram seguras por um largo cinto, enrolado várias vezes ao redor de sua
enorme barriga; aquele cinto também segurava uma cimitarra de ponta flamejante,
a qual poucos homens conseguiriam empunhar com apenas uma mão. Com aquela
cimitarra, o homem era famoso em qualquer lugar por onde cavalgassem os filhos
de pele escura do deserto. Era Tilutan, o orgulho de Ghanata.
Atravessada na
parte frontal da sela, jazia uma forma inerte, ou melhor, pendia. O ar assobiou
por entre os dentes dos ghanatas, ao vislumbrarem os membros brancos. Era uma
jovem branca que pendia na frente da sela, o rosto para baixo, seu cabelo solto
caído sobre o estribo, numa ondulada cascata negra. O negro sorriu largamente,
num reluzir de dentes brancos, e a lançou negligentemente sobre a areia, onde
ela jazeu frouxa e inconsciente. Instintivamente, Gobir e Saidu se voltaram
para Amalric, e Tilutan o observou de sua sela. Três negros contra um branco. A
entrada de uma mulher branca em cena produziu uma mudança sutil na atmosfera.
Amalric era o
único que aparentava indiferença à tensão. Lançou para trás as rebeldes mechas
loiras e olhou de forma indiferente para a figura inerte da garota. Se houve um
brilho momentâneo em seus olhos cinzas, os outros não perceberam.
Tilutan desceu
de sua sela, lançando com desdém as rédeas para Amalric.
- Cuide de meu
cavalo – disse ele. – Por Jhil, não encontrei o raro antílope do deserto, mas
achei esta pequena potranca. Ela estava cambaleando pelas areias, e caiu no
momento em que eu me aproximava. Acho que desmaiou de cansaço e sede.
Afastem-se daí, seus chacais, e me deixem dar uma bebida a ela.
O enorme negro
a estirou próxima ao poço, e começou lavando-lhe o rosto e pulsos, e deixando
caírem uns poucos pingos entre os lábios ressecados dela. Ela logo gemeu e se
mexeu vagamente.
Gobir e Saidu
se agacharam com as mãos nos joelhos, olhando fixamente para ela, por sobre o
ombro robusto de Tilutan. Amalric ficou um pouco afastado deles, seu interesse
parecendo apenas casual.
- Ela está
voltando a si – anunciou Gobir.
Saidu não
disse nada, mas lambeu os lábios de forma involuntária e animal.
O olhar de
Amalric viajou impessoalmente sobre a forma caída, desde as sandálias
dilaceradas até a coroa solta de lustrosos cabelos negros. A única roupa dela
era um vestido, amarrado à cintura. Este deixava nus os braços, pescoço e parte
dos seios; e a saia terminava vários centímetros acima dos joelhos.
Nas partes à
mostra, o olhar dos ghanatas descansava com intensidade devoradora, percebendo
os detalhes suaves – infantis em sua branca delicadeza, embora arredondados em
florescente feminilidade adulta.
Amalric
encolheu os ombros.
- Quem é
depois de Tilutan? – ele perguntou despreocupadamente.
Um par de
cabeças magras se virou em direção a ele, olhos injetados em sangue reviraram
diante da pergunta, e em seguida os negros se viraram e encararam um ao outro.
Uma súbita rivalidade crepitou eletricamente entre os dois.
- Não briguem
– argumentou Amalric. – Joguem os dados.
Sua mão saiu
de dentro de sua túnica gasta, e ele deixou cair um par de dados diante deles.
Uma mão em forma de garra os segurou.
- Sim! –
concordou Gobir. – Jogaremos... depois de Tilutan, o vencedor!
Amalric lançou
um olhar em direção ao gigante negro, que ainda se curvava sobre sua cativa,
revivendo-lhe o corpo exausto. Enquanto ele olhava, as longas pálpebras dela se
abriram: intensos olhos violetas miraram para cima, perplexos, diretamente no
rosto cobiçoso do negro. Uma explosiva exclamação de prazer escapou dos lábios
grossos de Tilutan. Puxando fortemente um cantil do cinto, ele o pôs nos lábios
dela. Ela bebeu o vinho mecanicamente. Amalric evitou o olhar errante dela; um
branco e três negros – todos tão fortes quanto ele.
Gobir e Saidu
se curvaram sobre os dados; Saidu os colocou na palma em forma de concha,
soprou neles para ter sorte, sacudiu e lançou. Duas cabeças de abutre se inclinaram
sobre os cubos que giravam na luz fosca.
E Amalric
puxou e atacou num só movimento. A lâmina atravessou um pescoço grosso,
cortando a traquéia, e Gobir caiu sobre os dados, esguichando sangue, sua cabeça
pendurada numa tira.
Simultaneamente,
Saidu, com a rapidez desesperada de um homem do deserto, se ergueu de um pulo e
investiu ferozmente em direção à cabeça do matador. Amalric mal teve tempo para
deter o ataque com a espada erguida.
A cimitarra
sibilante bateu a lâmina reta contra a cabeça do branco, fazendo-o cambalear.
Amalric largou a espada e lançou ambos os braços ao redor de Saidu, puxando-o
para uma luta engalfinhada, onde sua cimitarra era inútil. Sob os farrapos do
homem do deserto, a estrutura magra e forte era como cordas de aço.
Tilutan,
percebendo instantaneamente o que acontecia, havia deixado a garota cair e se
levantou com um rugido. Correu em direção aos dois que se engalfinhavam, como
um touro atacando, sua grande cimitarra lhe brilhando na mão. Amalric o viu
chegando, e sua pele gelou. Saidu se torcia e puxava, dificultado pela
cimitarra, à qual ainda tentava inutilmente usar contra seu antagonista. Os pés
deles se torciam e batiam na areia, seus corpos posicionados um contra o outro.
Amalric arremeteu o calcanhar calçado em sandália contra o desnudo peito do pé
do ghanata, sentindo-lhe os ossos quebrarem. Saidu uivou e pulou
convulsivamente, e Amalric lhe ajudou o pulo com um desesperado impulso de si
mesmo. Cambaleavam feito bêbados no momento em que Tilutan atacou com
um impulso giratório de seus ombros largos. Amalric sentiu o aço lhe raspar sob
parte do braço, e entrar ruidosa e profundamente no corpo de Saidu. O ghanata
deu um grito de agonia, e seu estremecimento convulsivo o soltou do aperto de
Amalric. Tilutan urrou uma praga furiosa e, soltando seu aço com um puxão
violento, lançou o homem moribundo para um lado; mas, antes que pudesse atacar
de novo, Amalric, com a pele arrepiada de medo pela grande lâmina curva, havia
se engalfinhado com ele.
O desespero
caiu sobre ele, ao sentir a força do negro. Tilutan era mais sábio que Saidu.
Deixou cair a grande cimitarra e, com um bramido, agarrou o pescoço de Amalric
com ambas as mãos. Os grandes dedos negros apertavam como ferro, e Amalric, se
esforçando em vão para se livrar do aperto deles, foi levado para baixo, com o
grande peso do ghanata apertando-o contra o solo. O homem menor foi sacudido
como um rato nas presas de um cão. Sua cabeça foi batida selvagemente contra a
terra arenosa. Como numa névoa vermelha, ele viu o rosto feroz do negro, os
lábios grossos contorcidos para trás num sorriso bestial de ódio e os dentes
brilhando. Um rosnado bestial lhe saiu violentamente da grossa garganta negra.
- Você a quer,
seu cão branco! – vociferou o ghanata, louco de fúria e desejo. – Arrrrghhh!
Vou quebrar suas costas! Vou arrancar seu pescoço! Eu... minha cimitarra! Vou
decepar sua cabeça e fazer a mulher beijá-la!
Após um último
empurrão feroz da cabeça de Amalric contra a acumulada areia dura, Tilutan meio
o levantou e arremessou violentamente para baixo num excesso de fúria bestial.
Erguendo-se, o negro correu, se curvando feito um macaco, e pegou sua cimitarra
onde ela jazia como uma larga lua crescente de aço na areia. Gritando em feroz
exultação, ele se virou e atacou novamente, brandindo a lâmina no alto. Amalric
se ergueu vagarosamente para enfrentá-lo – atordoado, abalado e nauseado,
devido à brutalidade a que fora submetido.
O cinto de Tilutan
havia se desenrolado na luta, e agora uma das extremidades balançava ao redor
de seus pés. Ele tropeçou e caiu de ponta-cabeça, abrindo os braços para se
livrar. A cimitarra lhe voou da mão .
Amalric,
galvanizado, apanhou a cimitarra e deu um passo cambaleante para a frente. O
deserto boiava obscuramente aos seus olhos. Na penumbra à sua frente, ele viu o
rosto de Tilutan subitamente pálido. A boca larga se escancarou, a parte branca
dos olhos se revirou. O negro se congelou sobre um joelho e uma mão, como se
incapaz de outro movimento. Em seguida, a cimitarra caiu, dividindo a redonda
cabeça raspada até o queixo, onde seu movimento descendente foi detido por uma
repugnante sacudidela. Amalric teve uma vaga impressão de um rosto negro –
dividido por uma linha vermelha que se alargava – se desvanecendo nas sombras
que aumentavam; então, as trevas rapidamente tomaram conta dele.
Algo suave e
refrescante tocava o rosto de Amalric com bondosa persistência. Ele tateou às
cegas, e sua mão se fechou em algo morno, firme e elástico. Em seguida, sua
visão clareou, e ele olhou para um delicado rosto oval, emoldurado em brilhante
cabelo negro. Como se num transe, ele contemplou mudo, se demorando avidamente
em cada detalhe dos lábios cheios e vermelhos, intensos olhos violetas e
pescoço alvo como alabastro. Com um sobressalto, ele percebeu que a visão
falava numa suave voz melodiosa. As palavras eram estranhas, embora tivessem
uma ilusória familiaridade. Uma pequena mão branca, segurando um gotejante
pedaço de seda, lhe alisava gentilmente a latejante cabeça e o rosto. Ele se
sentou, atordoado.
Era noite sob
os céus salpicados de estrelas. O camelo ainda ruminava, e um cavalo relinchava
inquieto. Não muito longe, jazia uma negra figura volumosa, com a cabeça dividida
numa horrível poça de sangue e miolos. Amalric olhou para a garota, que se
ajoelhava ao seu lado e falava em sua suave língua desconhecida. Quando as
névoas se clarearam em seu cérebro, ele começou a entendê-la. Tentando recordar
de línguas meio esquecidas, que havia aprendido e falado no passado, ele se lembrou
de uma linguagem usada por uma classe de eruditos numa província meridional de
Koth.
- Quem é você,
garota? – ele indagou, prendendo-lhe uma das pequenas mãos nos próprios dedos
endurecidos.
- Sou Lissa –
O nome foi falado quase sugerindo uma balbuciação. Era como a ondulação de um
pequeno curso d’água – Estou feliz por você estar consciente. Temia que não
estivesse vivo.
- Mais um
pouco, e eu não estaria. – ele murmurou, olhando para o vulto medonho que havia
sido Tilutan. Ela empalideceu, e se recusou a seguir-lhe o olhar. Sua mão
tremeu e, na proximidade em que estavam, Amalric achou que poderia lhe sentir o
rápido palpitar do coração.
- Foi horrível
– ela gaguejou. – Parecia um pesadelo. Ódio... golpes... e sangue...
- Poderia ter
sido pior – ele resmungou.
Ela parecia
sensível a cada mudança de flexão de voz ou humor. Sua mão livre se moveu
furtiva e timidamente até o braço dele.
- Eu não quis
lhe ofender. Foi muito corajoso de sua parte arriscar sua vida por uma
estranha. Você é nobre como os cavaleiros sobre os quais já li.
Ele dirigiu um
rápido olhar para ela. Os grandes olhos claros encontraram os dele, refletindo
apenas o pensamento que ela havia expressado. Ele começou a falar, e em seguida
mudou de idéia e disse outra coisa:
- O que está
fazendo no deserto?
- Eu vim de
Gazal – ela respondeu. – Eu... eu fugia. Já não conseguia agüentar mais. Mas
fazia calor, e eu estava só e cansada, e só via areia, areia... e o chamejante
céu azul. As areias queimavam meus pés, e minhas sandálias se gastaram rapidamente.
Eu estava com muita sede, e meu cantil logo se esvaziou. E então, eu quis
retornar a Gazal, mas uma direção parecia igual a outra. Não sabia que caminho
seguir. Estava terrivelmente assustada, e comecei a correr na direção onde eu
achei que ficava Gazal. Não lembro de muita coisa depois disso; corri até não
conseguir mais, e devo ter desmaiado na areia em brasa por algum tempo. Lembro
de ter me levantado e cambaleado; e, finalmente, ouvi alguém gritando e vi um
homem negro num cavalo negro, cavalgando em minha direção, e depois perdi a
consciência até acordar e me encontrar deitada com a cabeça no colo daquele
homem, enquanto ele me dava vinho para beber. Depois, houve gritos e luta... –
ela estremeceu. – Quando tudo acabou, me arrastei até onde você jazia como um
homem morto, e tentei lhe trazer de volta à...
- Por quê? –
ele indagou.
Ela parecia
embaraçada.
- Por quê? –
ela disse, meio sem jeito. – Ora, você estava ferido... e... bem, é o que
qualquer um faria. Além disso, percebi que você estava lutando para me proteger
destes negros. O povo de Gazal sempre disse que os negros eram perversos e
maltratavam os indefesos.
- Essa
característica não é exclusiva dos negros – murmurou Amalric. – Onde fica esta
Gazal?
- Não deve
estar longe – ela respondeu. – Caminhei um dia inteiro... depois, não lembro
por quanta distância o negro me carregou, depois de me encontrar. Mas ele deve
ter me encontrado quase ao pôr-do-sol, de modo que não deve ter vindo de muito
longe.
- Em qual
direção? – ele indagou.
- Não sei.
Viajei para leste, quando deixei a cidade.
- Cidade? –
ele resmungou. – A um dia de viagem daqui? Achei que só houvesse deserto por
mil milhas.
- Gazal fica
no deserto – ela respondeu. – Está entre as palmeiras de um oásis.
Colocando-a de
lado, ele ficou de pé, praguejando suavemente enquanto passava os dedos no
pescoço, cuja pele estava contundida e rasgada. Depois, examinou os três negros
e não encontrou vida em nenhum. Em seguida, os arrastou, um a um, a uma distância
curta para o deserto. Em algum lugar, os chacais começaram a ganir. De volta ao
poço d’água, onde a garota se acocorava pacientemente, ele praguejou ao
encontrar apenas o garanhão negro de Tilutan e o camelo. Os outros cavalos haviam
arrebentado suas rédeas e fugido durante a luta.
Amalric se
dirigiu à garota e lhe ofereceu um punhado de tâmaras secas. Ela as mordiscou
ansiosamente, enquanto o outro se sentava e a observava, com os punhos no
queixo e uma impaciência crescente lhe palpitando nas veias.
- Por que
fugiu? – ele perguntou abruptamente. – Você é uma escrava?
- Não temos
escravos em Gazal – ela respondeu. – Ah, eu estava cansada... muito cansada da
eterna monotonia. Eu desejava ver alguma coisa do mundo externo. Diga-me, de
qual terra você vem?
- Nasci nas
colinas ocidentais da Aquilônia – ele respondeu.
Ela bateu
palmas, como uma criança encantada:
- Eu sei onde
é! Já vi nos mapas. É o país mais ocidental dos hiborianos, e seu rei é Epeus,
o Espadachim!
Amalric ficou
nitidamente chocado. Sua cabeça se levantou bruscamente e ele olhou fixamente
para sua bela companhia.
- Epeus? Ora,
Epeus está morto há 900 anos. O nome do rei é Vilerus.
- Ah, claro –
ela disse, um tanto embaraçada. – Sou tola. Claro que Epeus foi rei há nove
séculos atrás, como você diz. Mas me conte... conte-me tudo sobre o mundo!
- Bem, é um
pedido grande – ele respondeu, perplexo. – Você nunca viajou?
- Esta é a
primeira vez que saí dos muros de Gazal – ela declarou.
O olhar dele
estava fixo na curva dos seios brancos dela. Ele não estava interessado nas
aventuras dela no momento, e Gazal, por ele, podia ir ao Inferno. Ele começou a
falar, e logo mudou de idéia e a agarrou rudemente nos braços, os músculos
retesados para a luta que ele esperava. Mas não encontrou resistência. Seu
suave corpo dócil estava sobre os joelhos dele, e ela olhava para ele um pouco
surpresa, mas sem medo nem perplexidade. Era como uma criança, se entregando a
um novo tipo de brincadeira. Alguma coisa no olhar dela o deixou embaraçado. Se
ela tivesse gritado, chorado, lutado ou sorrido astutamente, ele saberia como
lidar com ela.
- Em nome de
Mitra, quem é você, garota? – ele perguntou asperamente. – Você não está
afetada pelo sol, nem brincando comigo. Sua fala mostra que você não é uma moça
ignorante do campo. Contudo, você parece não conhecer nada do mundo e de suas maneiras.
- Sou uma
filha de Gazal – ela respondeu, sem saber o que fazer. – Se você visse Gazal,
talvez entendesse.
Ele a ergueu e
se sentou sobre a areia. Levantando-se, ele trouxe um manto de sela e o estirou
para ela.
- Durma, Lissa
– disse ele, com a voz áspera devido a emoções conflitantes. A inocência dela
envergonhou o feroz e jovem soldado da fortuna, e ele renunciou à intenção de
violentá-la. Ela achou que ele tivesse lutado contra os companheiros somente
para salvá-la, e ele não a desiludiu. – Amanhã, pretendo conhecer Gazal.
Ao amanhecer,
partiram na direção oeste. Amalric havia colocado Lissa sobre o camelo,
mostrando a ela como manter o equilíbrio. Ela se agarrava à sela com ambas as
mãos, mostrando não ter qualquer conhecimento sobre camelos, o que também surpreendeu
o jovem aquiloniano. Criada no deserto, a jovem nunca antes havia montado um
camelo, e, até a noite anterior, nunca havia montado ou sido carregada num
cavalo. Amalric havia feito um tipo de manto para ela, e ela o vestiu sem
questionar, nem perguntar de onde vinha, aceitando-o como aceitava todas as
coisas que ele fazia para ela – com gratidão, mas cegamente, sem perguntar o
motivo. Amalric não contou a ela que a seda, que a protegia do sol, outrora
havia coberto a pele negra de seu raptor.
- Sei que a
Aquilônia fica longe deste deserto – disse ela. – A Stygia fica no meio, assim
como as Terras de Shem e outros países. Como veio parar aqui, tão longe de sua
terra natal?
Ele cavalgou
em silêncio por um espaço de tempo, sua mão na corda que guiava o camelo.
- Argos e
Stygia estavam em guerra – ele disse abruptamente. – Koth se envolveu. Os
kothianos insistiram numa invasão simultânea à Stygia. Argos recrutou um
exército de mercenários, os quais entraram em navios e navegaram ao longo da
costa. Ao mesmo tempo, um exército kothiano invadiria a Stygia por terra. Eu
fazia parte daquele exército mercenário. Encontramos a frota stígia e a
derrotamos, mandando-a de volta para dentro de Khemi. Iríamos desembarcar,
saquear a cidade e avançar ao longo do curso do Styx, mas nosso almirante era
cauteloso. Nosso líder era o Príncipe Zapayo da Kova, um zíngaro. Navegamos
para o sul, até alcançarmos as selvas das costas de Kush. Desembarcamos lá, e
os navios ancoraram, enquanto o exército avançava para leste, ao longo da
fronteira stígia, queimando e saqueando à medida que avançávamos. Nossa intenção
era virar para o norte, num determinado ponto, e atacar dentro do coração da
Stygia, para formarmos uma junção com o exército kothiano, o qual estava
presumivelmente avançando do norte. Então, chegou a notícia de que fomos
traídos. Koth havia feito as pazes em separado com os stígios. Um exército
stígio estava avançando em direção ao sul para nos deter, enquanto outro havia
nos removido da costa.
“Desesperado,
o Príncipe Zapayo concebeu a louca idéia de marcharmos para leste, na esperança
de contornarmos a fronteira stígia e finalmente chegarmos às terras de Shem
Oriental. Mas o exército do norte nos alcançou. Giramos e lutamos. Guerreamos o
dia inteiro, e os mandamos de volta ao acampamento deles. Mas no dia seguinte,
o exército que nos perseguia veio do oeste e, pego entre as hostes, nosso
exército deixou de existir. Estávamos destroçados, aniquilados, destruídos. Poucos
conseguiram fugir. Mas quando caiu a noite, escapei com meu companheiro, um
cimério chamado Conan... um homem feroz, com a força de um touro.
“Cavalgamos
para o sul, em direção ao deserto, pois não havia outra direção pela qual
pudéssemos ir. Conan havia estado antes nesta parte do mundo, e ele acreditava
que tínhamos uma chance de sobreviver. Bem ao sul, encontramos um oásis, mas
cavaleiros stígios nos perseguiram, e fugimos novamente, de oásis em oásis,
fugindo, passando fome e sede, até nos encontrarmos numa terra estéril e
desconhecida, de areia resplandecente e seca. Cavalgamos até nossos cavalos
cambalearem e ficarmos a meio caminho do delírio. Então, numa noite, vimos
fogueiras e nos aproximamos delas, nos aventurando desesperadamente na
possibilidade de fazermos amizade com eles. Assim que ficamos ao alcance, uma
chuva de flechas nos recebeu. O cavalo de Conan foi atingido e empinou,
derrubando seu montador. O pescoço dele deve ter se quebrado feito um graveto,
pois ele não se mexeu mais. Fugi na escuridão, de alguma forma, embora meu
cavalo tenha morrido sob mim. Tive apenas um vislumbre dos atacantes: homens
altos, magros e marrons, usando estranhas roupas bárbaras.
“Aventurei-me
a pé pelo deserto, e terminei na companhia daqueles três abutres que você viu
ontem. Eram chacais... ghanatas, membros de uma tribo de salteadores, de sangue
misturado: negro e sabe Mitra quais outros. A única razão pela qual não me mataram
foi porque eu não tinha nada que eles quisessem. Por um mês, fiquei perambulando
e roubando com eles, pois não havia mais nada que eu pudesse fazer”.
- Eu não sabia
que era assim – ela murmurou timidamente. – Disseram que havia guerras e
crueldade no mundo lá fora, mas parecia como um sonho e muito distante. Mas, ao
lhe ouvir falar de traição e batalha, parece quase como se a estivesse vendo.
- Nunca algum
inimigo ataca Gazal? – ele indagou.
Ela sacudiu a
cabeça:
- Os homens
cavalgam longe de Gazal. Algumas vezes, já vi pontos negros se moverem em
fileiras ao longo dos horizontes, e os idosos disseram serem exércitos indo
para a guerra; mas eles nunca se aproximam de Gazal.
Amalric sentiu
um vago desconforto se mexer nele. Este deserto, aparentemente vazio e sem
vida, continha apesar disso algumas das tribos mais ferozes da terra – os ghanatas,
que perambulavam bem a leste; os mascarados tibus, os quais ele acreditava morarem
mais ao sul; e, em algum lugar no distante sudoeste, ficava o semi-lendário império
de Tombalku, governado por uma raça selvagem e bárbara. Era estranho uma
cidade, no meio desta terra selvagem, ser deixada tão completamente só, a ponto
de um dos seus habitantes não saber sequer o que significa guerra.
Quando ele
virou o olhar para outro lugar, estranhos pensamentos o acometeram. Estaria a
garota afetada pelo sol? Era ela um demônio em forma de mulher, saído do deserto
para atraí-lo até alguma misteriosa perdição? Um olhar para ela, que se
agarrava feito uma criança à alta crista da sela do camelo, foi suficiente para
dissipar estes pensamentos. Logo, a dúvida o acometeu novamente. Estaria ele
enfeitiçado? Teria ela lançado algum encanto sobre ele?
Avançaram
constantemente para oeste, parando apenas para mordiscar tâmaras e beber água
ao meio-dia. Amalric montou um frágil abrigo, com sua espada e bainha, e com os
cobertores da sela, para protegê-la do sol escaldante. Cansada e enrijecida
pelo caminhar do camelo, que se sacudia e curvava, ela teve que ser descida nos
braços dele. Ao sentir novamente a doçura voluptuosa do corpo macio dela, ele
sentiu um quente palpitar de paixão queimando-o todo, e ficou momentaneamente
imóvel, intoxicado com a proximidade dela, antes de deitá-la sob a sombra da
tenda improvisada.
Ele sentiu um
toque de quase raiva, diante do olhar puro com o qual ela encontrou o seu, e
diante da docilidade como ela entregava o corpo jovem às mãos dele. Era como se
ela desconhecesse as coisas que poderiam machucá-la; sua confiança inocente o
envergonhava e punha uma fúria indefesa dentro dele.
Enquanto
comiam, ele não sentia o sabor das tâmaras que mastigava ruidosamente; seus
olhos queimavam sobre ela, sorvendo avidamente cada detalhe de sua esbelta forma
jovem. Ela parecia tão inconsciente das intenções dele quanto uma criança.
Quando a
ergueu para colocá-la novamente sobre o camelo, e os braços dela lhe envolveram
instintivamente o pescoço, ele estremeceu. Mas ergueu-a sobre a montaria dela,
e retomaram a viagem.
Faltava pouco
para o pôr-do-sol, quando Lissa apontou e gritou:
- Veja! As
torres de Gazal!
Na orla do
deserto, ele as viu – pináculos e minaretes, se erguendo num agrupamento
verde-jade contra o céu azul. Se não fosse pela garota, ele acharia que a
cidade-fantasma era uma miragem. Olhou curioso para Lissa: ela não mostrava
sinais de alegria ansiosa em seu retorno ao lar. Ela suspirou, e seus ombros
esguios pareciam cair.
À medida que
se aproximavam, os detalhes foram ficando mais claros. Das areias do deserto,
se erguia perpendicularmente o muro que cercava as torres. E Amalric viu que o
muro estava desagregado em vários lugares. As torres também, ele viu, estavam
bastante desmanteladas. Os tetos estavam caídos, as ameias quebradas
apresentavam fendas, os pináculos se inclinavam como bêbados. O pânico tomou
conta dele: seria esta uma cidade de mortos, para a qual cavalgava, guiado por
uma vampira? Um rápido olhar para a jovem o tranqüilizou. Nenhum demônio
poderia se esconder naquela aparência divinamente moldada. Ela o olhou com um
estranho questionamento melancólico nos olhos intensos, se voltou indecisa em
direção ao deserto e, em seguida, suspirando profundamente, virou o rosto em
direção à cidade, como se agarrada por um desespero sutil e fatalista.
Nesse momento,
através das fendas, Amalric viu formas se movendo dentro da cidade. Ninguém os
chamou de longe, quando cavalgaram através de uma larga brecha na parede e
adentraram uma rua ampla. De perto, delineada no sol que se punha, a decadência
era bem mais visível. O capim crescia exuberante nas ruas, atravessando calçamentos
despedaçados; o capim crescia exuberante nas pequenas praças públicas. Ruas e
pátios eram igualmente alastrados com o entulho de alvenaria e pedras caídas.
Domos se
erguiam, rachados e desbotados. Portadas se escancaravam, desprovidas de
portas. Em toda a parte, a ruína havia colocado a mão. Então, Amalric viu um
pináculo intacto: uma brilhante e vermelha torre cilíndrica, a qual se erguia
no extremo sudeste da cidade. Ela brilhava por entre as ruínas.
Amalric a
apontou.
- Por que
aquela torre é menos arruinada que as outras? – ele perguntou.
Lissa ficou
pálida; tremeu e pegou convulsivamente a mão dele.
- Não fale
nela! – ela sussurrou. – Não olhe para ela... nem ao menos pense nela!
Amalric
franziu a testa; a indescritível inferência das palavras dela mudou, de alguma
forma, o aspecto da torre misteriosa. Agora ela parecia uma cabeça de serpente,
se erguendo entre a ruína e a desolação.
O jovem
aquiloniano olhou desconfiado ao redor. Apesar de tudo, ele não tinha garantia
de que o povo de Gazal fosse recebê-lo de maneira amigável. Ele viu pessoas se
movendo sem pressa ao redor das ruas. Pararam e olharam para ele e, por algum
motivo, sua pele se arrepiou. Eram homens e mulheres de feições benévolas, e
seus olhares eram suaves. Mas o interesse deles parecia muito leve – muito vago
e impessoal. Não fizeram nenhum movimento para se aproximarem ou falarem com
ele. Parecia ser a coisa mais comum do mundo um cavaleiro armado entrar na
cidade deles, vindo do deserto – embora Amalric soubesse que não era o caso, e
a forma despreocupada, como o povo de Gazal o recebeu, lhe causou um leve desconforto
no peito.
Lissa falou
com eles, apontando para Amalric, cuja mão ela ergueu, como uma criança
afetuosa:
- Este é
Amalric da Aquilônia, que me salvou do povo negro e me trouxe para casa.
Um murmúrio
gentil de boas-vindas se ergueu das pessoas, e muitas delas se aproximaram para
estenderem as mãos. Amalric achou que nunca tinha visto tais rostos, vagos e
benévolos; seus olhos eram suaves e calmos, sem medo nem espanto. Todavia, não
eram os olhos de bois estúpidos; eram mais os olhos de pessoas envolvidas em sonhos.
O olhar fixo
deles lhe dava uma sensação de irrealidade; ele mal sabia o que lhes dizer. Seu
pensamento era ocupado pela estranheza de tudo; estas pessoas silenciosas e tranqüilas,
em suas túnicas de seda e sandálias macias, se movendo vagamente e sem rumo por
entre as ruínas descoloridas. Um paraíso ilusório de lótus? De alguma forma, o
pensamento naquela sinistra torre vermelha tocou uma nota dissonante.
Um dos homens,
de rosto suave e sem rugas, mas de cabelos prateados, dizia:
- Aquilônia?
Houve uma invasão... nós soubemos... o Rei Bragorus da Nemédia... como foi a
guerra?
- Ele foi
rechaçado – respondeu Amalric brevemente, resistindo a um estremecimento.
Novecentos anos haviam se passado desde que Bragorus liderara seus lanceiros
pelas fronteiras da Aquilônia.
Seu indagador
não insistiu mais; as pessoas se dispersaram, e Lissa lhe puxou a mão.
Ele se voltou
e deleitou os olhos sobre ela; seu suave corpo firme lhe ancorava as suposições
errantes. Ela não era sonho; era real. Seu corpo era doce e palpável como creme
e mel.
- Venha, vamos
descansar e comer.
- E quanto ao
povo? – ele hesitou. – Não vai contar a eles sobre suas experiências?
- Eles não
dariam atenção, exceto por uns poucos minutos – ela respondeu. – Ouviriam um
pouco, e depois se dispersariam. Mal sabem que eu havia partido. Venha!
Amalric levou
o camelo para dentro de um pátio murado, onde o capim crescia alto e a água
vazava, de uma fonte quebrada para dentro de um cocho de mármore. Ele os
amarrou lá, e depois seguiu Lissa. Tomando-lhe a mão, ela o levou para o outro
lado do pátio, para dentro de uma porta arcada. A noite havia caído.
No espaço
aberto sobre o pátio, as estrelas se agrupavam, destacando os pináculos
denteados. Lissa seguiu através de uma série de aposentos escuros, com a
firmeza da longa prática. Amalric tateava atrás dela, guiado pela mão pequena
dela na sua. Ele não achou aquela aventura agradável.
O cheiro de pó
e decadência pairava nas trevas espessas. Sob seus pés, ele sentia, às vezes,
ladrilhos quebrados e tapetes estragados. Sua mão livre tocava os arcos
corroídos dos vãos das portas. Em seguida, as estrelas luziram através de um
teto quebrado, mostrando a eles um escuro corredor sinuoso, com tapeçarias podres
penduradas neles. Farfalhavam num vento fraco, e o barulho delas era como o
sussurro de bruxas, fazendo mexer o cabelo próximo ao couro cabeludo dele.
Então, eles
adentraram um aposento, fracamente iluminado pelo brilho das estrelas que fluía
pelas janelas abertas, e Lissa soltou-lhe a mão, remexeu por um instante em
algo e produziu algum tipo de luz fraca. Era uma redoma de vidro, que brilhava
com uma radiação dourada. Ela a colocou sobre uma mesa de mármore, e fez sinal
para que Amalric se reclinasse num leito abundantemente alastrado com sedas.
Tateando dentro de alguma reentrância obscura, ela exibiu uma vasilha dourada
de vinho, e outras que continham uma comida desconhecida a Amalric. Havia
tâmaras; as outras, pálidas e insípidas, ele não reconheceu. O vinho lhe era
agradável ao paladar, mas não mais forte que água suja.
Sentada num
assento de mármore em frente ao dele, Lissa mordiscou graciosamente.
- Que tipo de
lugar é este? – ele indagou. – Você parece com esta gente... e, no entanto, é
estranhamente diferente.
- Dizem que
sou como nossos ancestrais – respondeu Lissa. – Há muito tempo, eles adentraram
o deserto e construíram esta cidade sobre um grande oásis, o qual, na verdade,
era apenas uma série de mananciais. A pedra foi tirada das ruínas de uma cidade
bem mais velha... somente a torre vermelha... – a voz dela diminuiu, e ela
olhou nervosamente para as janelas emolduradas pelas estrelas. – Somente a
torre vermelha se erguia lá. Estava vazia... na época.
“Nossos
ancestrais, que eram chamados gazalis, outrora moraram no sul de Koth. Eram
conhecidos por sua sabedoria erudita. Mas procuraram reviver o culto a Mitra,
ao qual os kothianos haviam há muito abandonado, e o rei os expulsou de seu
país. Vieram para o sul, muitos deles... sacerdotes, eruditos, professores,
cientistas... com seus escravos shemitas.
“Construíram
Gazal no deserto; mas os escravos se revoltaram assim que a cidade ficou pronta
e, ao fugirem, se misturaram com as tribos selvagens do deserto. Eles não eram
maltratados... uma palavra chegou até eles na noite... uma palavra que os fez
fugirem loucamente, da cidade para dentro do deserto.
“Meu povo
morava aqui, aprendendo a fazer sua comida e bebida com o material que tinham à
mão. Seu aprendizado era uma maravilha. Quando os escravos fugiram, levaram
consigo todos os camelos, cavalos e jumentos da cidade. Não havia comunicação
com o mundo externo. Há aposentos inteiros em Gazal, cheios de mapas, livros e
crônicas, mas todos têm pelo menos 900 anos; pois foi há 900 anos que meu povo
fugiu de Koth. Desde então, nenhum homem do mundo externo pôs o pé dentro de
Gazal. E o povo está desaparecendo aos poucos. Ficaram tão sonhadores e
introspectivos, que não têm paixões nem ambições humanas. A cidade cai em
ruínas, e ninguém move a mão para consertá-la. O horror...”. Ela ficou sufocada
e estremeceu. “Quando o horror veio sobre eles, não conseguiram fugir nem
lutar”.
- O que quer
dizer? – ele sussurrou, com um vento frio lhe soprando a espinha. O sussurro
das tapeçarias podres, pelos negros corredores sem nome, incitou um vago medo
em sua alma.
Ela sacudiu a
cabeça, se ergueu, contornou a mesa de mármore e pôs as mãos sobre os ombros
dele. Os olhos dela estavam úmidos e brilhavam de horror, e com um desesperado
anseio que prendeu a atenção dele.
Instintivamente,
o braço dele envolveu a forma flexível dela, e ele a sentiu tremer.
- Abrace-me! –
ela implorou. – Tenho medo! Oh, sempre sonhei com um homem como você. Não sou
como meu povo; são homens mortos, caminhando por ruas esquecidas; mas eu estou
viva. Tenho calor e sensações. Tenho fome, sede e anseio pela vida. Não consigo
suportar as ruas silenciosas, os salões arruinados e o povo vago de Gazal,
apesar de nunca ter conhecido outra coisa. É por isso que fugi... eu anseio
pela vida...
Ela soluçava
incontrolavelmente nos braços dele. Seu cabelo lhe caía no rosto; seu aroma o
estonteava. O corpo firme dela se espremia contra o dele. Estava deitada sobre
os joelhos dele, os braços fechados ao redor do pescoço dele. Puxando-a para
seu peito, ele apertou-lhe os lábios com os dele. Olhos, lábios, bochechas,
cabelo, pescoço, seios... ele os inundou com beijos quentes, até os soluços
dela se transformarem em arquejos ofegantes. A paixão dele não era a violência
de um violador. A paixão, que dormia nela, acordou numa onda irresistível. A
incandescente bola de ouro, derrubada pelos dedos tateantes dele, caiu ao chão
e foi apagada. Somente o brilho das estrelas luzia através das janelas.
Deitada nos
braços de Amalric, sobre o leito amontoado de sedas, Lissa abriu o coração e
sussurrou seus sonhos, esperanças e aspirações – infantis, patéticas,
terríveis.
- Vou tirá-la
daqui – ele murmurou. – Amanhã. Você está certa. Gazal é uma cidade de mortos;
vamos procurar vida e o mundo externo. É violento, rude e cruel; mas é melhor
que esta morte viva...
A noite foi
quebrada por um grito estremecedor de agonia, horror e desespero. Seu timbre
fez o suor brotar frio na pele de Amalric. Ergueu-se de um pulo do leito, mas
Lissa se agarrou desesperadamente a ele.
- Não, não! –
ela implorou, num sussurro desvairado. – Não vá! Fique!
- Mas está
havendo um assassinato! – ele exclamou, procurando pela espada. Os gritos
pareciam vir de um pátio externo. Misturado a eles, havia um som
indescritivelmente dilacerante. Ficaram mais altos e agudos, insuportáveis em
sua agonia desesperada, e em seguida desfaleceram num longo soluço
estremecedor.
- Já ouvi
homens morrerem torturados, gritando daquele jeito! – murmurou Amalric,
tremendo de horror. – Que trabalho diabólico é este?
Lissa tremia
violentamente, num frenesi de terror. Ele sentia a batida feroz do coração
dela.
- É o Horror
do qual falei! – ela sussurrou. – O Horror que mora na torre vermelha. Há muito
tempo ele chegou... alguns dizem que morou lá em anos perdidos, e retornou após
a construção de Gazal. Devora seres humanos. Morcegos voam da torre ao anoitecer,
e retornam antes do amanhecer. O que é, ninguém sabe, uma vez que ninguém o viu
e viveu para contar. É um deus ou um demônio. Foi por isso que os escravos
fugiram; e é por isso que o povo do deserto evita Gazal. Muitos de nós fomos
parar dentro de sua terrível barriga. Por fim, todos nós estaremos perdidos, e
ele governará uma cidade vazia, como dizem que ele governou sobre as ruínas das
quais Gazal foi erguida.
- Por que o
povo ficou para ser devorado? – ele indagou.
- Não sei... –
ela choramingou. – Eles sonham...
- Hipnose –
murmurou Amalric –; hipnose unida com decadência. Eu vi nos olhos deles. Este
demônio os hipnotizou. Mitra, que segredo repugnante!
Lissa pressionou-lhe
o rosto no peito e se agarrou a ele.
- Mas o que
vamos fazer? – ele perguntou inquieto.
- Não há nada
a fazer – ela sussurrou. – Sua espada seria ineficaz. Talvez ele não nos venha
fazer mal. Já levou uma vítima esta noite. Devemos esperar como ovelhas no
matadouro.
- Maldito seja
eu, se o fizer! – Amalric exclamou, galvanizado. – Não vamos esperar o
amanhecer. Partiremos esta noite. Faça uma trouxa de comida e bebida. Vou
buscar o cavalo e o camelo, e trazê-los até o pátio externo. Me espere aqui!
Uma vez que o
monstro desconhecido já havia atacado, Amalric achou seguro deixar a garota só
por alguns minutos. Mas sua pele se arrepiava, enquanto descia tateando o
corredor sinuoso, através dos negros aposentos onde as tapeçarias balouçantes
sussurravam. Ele encontrou os animais nervosamente juntos, no pátio onde os
havia deixado. O garanhão relinchava ansiosamente e se aninhou a ele, como que
sentindo perigo na noite morta.
Ele pôs as
selas e rédeas, e apressadamente os guiou, através da estreita abertura, até a
rua. Poucos minutos depois, ele estava no pátio estrelado. E, ao alcançá-lo,
foi eletrificado por um medonho grito agudo, que ressoou de forma estremecedora
no ar. Vinha do aposento onde ele havia deixado Lissa.
Ele respondeu
àquele grito lastimoso com um brado selvagem; puxando a espada, ele correu para
o outro lado do pátio e se arremessou pela janela. A bola dourada estava
brilhando novamente, entalhando sombras negras nos cantos esquivos. As sedas se
espalhavam pelo chão. O assento de mármore estava derrubado.
Mas o aposento
estava vazio.
Uma fraqueza
doentia dominou Amalric, e ele cambaleou contra a mesa de mármore, a luz fosca
ondulando vertiginosamente diante de seus olhos. Em seguida, foi arrebatado por
uma fúria insana. A torre vermelha! Era para lá que o demônio carregaria sua
vítima!
Ele disparou
de volta, através do pátio, procurou as ruas e correu em direção à torre, que
brilhava com uma luz profana sob as estrelas. As ruas não corriam retas. Ele
cortou caminho através de silenciosas construções negras, e atravessou pátios
cuja grama exuberante ondulava ao vento noturno. À sua frente, agrupada ao
redor da torre rubra, se erguia uma pilha de ruínas, onde a decadência havia
devorado mais selvagemente que no resto da cidade. Aparentemente ninguém vivia
por entre elas. Cambaleavam e tombavam, uma massa desagregada de alvenaria
trêmula, com a torre vermelha se erguendo entre elas, feito uma venenosa flor
vermelha, das crípticas ruínas das casas.
Para alcançar
a torre, ele seria forçado a atravessar as ruínas. Indiferente ao perigo, ele
mergulhou na massa negra, apalpando em busca de uma porta. Encontrou uma e entrou,
estocando a espada à sua frente.
Então, ele viu
um panorama como os homens às vezes vêem em sonhos fantásticos. Bem distante, à
sua frente, se estendia um longo corredor, visível numa fraca incandescência
ímpia, suas paredes negras com estranhas tapeçarias horrorizantes. Lá embaixo,
ele viu uma figura que desaparecia – uma figura branca, nua, curvada e
cambaleante, arrastando algo cujo aspecto o fez transpirar de horror. Em
seguida, a aparição sumiu de sua vista, e com ela desapareceu o brilho medonho.
Amalric ficou na escuridão silenciosa, sem ver nem ouvir nada; apenas pensando
na curvada figura branca que arrastava um humano inerte por um longo corredor
negro.
Enquanto
tateava adiante, uma vaga lembrança se agitou em seu cérebro... a lembrança de
uma história medonha, murmurada a ele sobre uma fogueira moribunda, na
diabólica cabana, amontoada de caveiras, de um bruxo negro... a história de um
deus que vivia numa casa rubra, numa cidade em ruínas, e que era adorado por
cultos sombrios em selvas negras e ao longo de rios sombrios e escuros. E lá
também se agitou, em sua mente, um encantamento sussurrado em seu ouvido em
tons atemorizantes e estremecedores, enquanto a noite havia prendido seu
fôlego, os leões haviam parado de rugir ao longo do rio, e as próprias folhas
das palmeiras haviam parado de roçar umas nas outras.
“Ollam-onga”,
sussurrava um vento negro que descia o corredor escuro. “Ollam-onga”,
sussurrava o pó que rangia sob seus pés furtivos. O suor continuou em sua pele
e a espada lhe tremeu na mão. Ele andava furtivamente através da casa de um
deus, e o medo o agarrou com sua mão ossuda. A casa do deus... todo o horror da
frase lhe enchia o pensamento. Todos os medos ancestrais, e os medos que se
estendiam além dos antepassados e da primordial memória racial, se aglomeraram
sobre ele: horror cósmico e inumano lhe causou náuseas. Sua frágil humanidade o
oprimia em sua percepção, enquanto ele seguia através da casa de escuridão que
era a casa de um deus.
Ao seu redor,
tremeluzia uma incandescência tão fraca que mal se percebia; ele sabia que
estava se aproximando da própria torre. Mais um instante, e ele tateava seu caminho
através de uma porta arcada e andava aos tropeções sobre degraus estranhamente
espaçados. Ele seguiu sobre eles e, à medida que subia, aquela fúria cega, que
é a última defesa da humanidade contra o diabolismo e todas as forças hostis do
universo, se lançaram sobre ele, e ele esqueceu seu medo. Queimando em terrível
impaciência, ele subia cada vez mais, através da espessa escuridão perversa,
até adentrar uma câmara iluminada por um brilho sobrenatural.
E, diante
dele, havia uma alva figura nua. Amalric parou, com a língua pregada ao céu da
boca. Era, segundo todas as probabilidades, um homem branco e nu que o fitava,
com os braços fortes cruzados num peito de alabastro. As feições eram
clássicas, habilmente esculpidas e com mais do que beleza humana. Mas os olhos
dele eram bolas de fogo luminoso, tais como nunca miraram de qualquer cabeça
humana. Naqueles olhos, Amalric vislumbrou os fogos congelados dos infernos supremos,
tocados por sombras medonhas.
Em seguida,
diante dele, a forma começou a ficar com um contorno vago... a tremular. Com um
esforço terrível, o aquiloniano arrebentou as amarras do silêncio, e falou um
encantamento misterioso e terrível. E, quando as palavras assustadoras cortaram
o silêncio, o gigante branco parou... congelado. Novamente, o seu contorno se
sobressaiu de forma clara e pronunciada sobre o fundo dourado.
- Agora morra,
maldito! – gritou Amalric, histérico. – Eu lhe prendi à sua forma humana! O
feiticeiro negro falou a verdade! Ele me deu as palavras-chave! Morra, Ollam-onga...
até você quebrar o encantamento, se banqueteando com meu coração, você não é
mais do que um homem como eu!
Com um urro
que parecia a rajada de um vento negro, a criatura atacou. Amalric pulou para o
lado, se esquivando do aperto daquelas mãos, cuja força era maior que a de um
furacão. Um único dedo com garra, estendido e agarrando-lhe a túnica, lhe
arrancou a roupa como um trapo podre, quando o monstro se arremessou. Mas
Amalric, encorajado a uma rapidez sobre-humana pelo horror da luta, girou e
enfiou a espada nas costas da coisa, de modo que a ponta se sobressaiu a 30 cm do peito largo.
Um uivo
demoníaco de agonia sacudiu a torre; o monstro girou rapidamente e se arremessou
em direção a Amalric, mas o jovem saltou para o lado e subiu correndo a escada
até o estrado. Lá, ele girou e, erguendo em banco de mármore, o arremessou para
baixo, sobre o horror que subia pesadamente a escada. O pesado projétil o
acertou bem no rosto, derrubando o monstro dos degraus. Ele se ergueu – uma
visão horrenda –, escorrendo sangue, e novamente tentou subir a escada. Desesperado,
Amalric levantou um banco de jade, cujo peso lhe arrancou um gemido de esforço,
e o lançou.
Sob o impacto
daquele volume arremessado, Ollam-onga caiu da escada para trás e ficou
estendido entre os pedaços de mármore, os quais estavam inundados com seu sangue.
Com um último e desesperado esforço, ele se ergueu sobre as mãos, com os olhos
vitrificados, e, lançando a cabeça sangrenta para trás, deu um grito medonho.
Amalric estremeceu e recuou, diante do horror abismal daquele grito. E este foi
respondido. De algum lugar no ar acima da torre, uma fraca mistura de gritos
demoníacos regressou como um eco. Então, a retalhada figura branca desabou
entre os pedaços ensangüentados. E Amalric ficou ciente de que um dos deuses de
Kush estava morto. Com o pensamento, veio o horror cego e irracional.
Numa névoa de
terror, ele desceu correndo a escada, se esquivando da coisa que jazia, de
olhos arregalados, no chão. A noite parecia protestar contra ele, horrorizada
com o sacrilégio. A razão, exultante sobre seu triunfo, foi submersa num
dilúvio de medo cósmico.
Quando pôs o
pé na extremidade dos degraus, ele parou subitamente. Saindo da escuridão,
Lissa veio até ele, com os alvos braços estendidos; os olhos dela, poços de horror.
- Amalric! –
era um grito assombrado. Ele a apertou nos braços.
- Eu O vi –
ela choramingou –, arrastando um homem morto pelo corredor. Gritei e fugi;
então, quando retornei, ouvi você gritar, e percebi que você tinha ido me
procurar na torre vermelha...
- E você veio
partilhar meu destino – sua voz estava quase inarticulada. Então, quando ela
tentou olhar em trêmula fascinação atrás dele, ele cobriu-lhe os olhos com as
mãos e a girou para o outro lado. Era melhor que ela não visse o que jazia no
chão rubro. Enquanto ele meio a guiava, meio a carregava pelos degraus
ensombrecidos, um rápido olhar sobre o ombro lhe mostrou que a desnuda figura
branca não jazia mais por entre o mármore quebrado. O encantamento havia
prendido Ollam-onga à sua forma humana em vida, mas não na morte. A cegueira
acometeu momentaneamente Amalric; em seguida, galvanizado em pressa desvairada,
ele apressou Lissa escada abaixo e através das ruínas escuras.
Ele não
diminuiu o passo, até alcançarem a rua onde o camelo e o cavalo se encostavam
um contra o outro. Rapidamente, ele montou a garota no camelo e montou o cavalo.
Tomando a frente, ele se seguiu diretamente para o muro quebrado. Poucos minutos
depois, respirava com gosto. O ar puro do deserto lhe refrescava o sangue;
estava livre do cheiro de decadência e horrenda antiguidade.
Havia uma
pequena bolsa de água pendurada em sua sela. Não tinham comida, e sua espada
estava na câmara dentro da torre vermelha. Ele não ousou tocá-la. Sem comida e
desarmados, eles enfrentaram o deserto; mas o perigo deste parecia menos
sombrio que o horror da cidade atrás deles.
Eles
cavalgaram sem conversar. Amalric se dirigia para o sul – em algum lugar naquela
direção, havia um poço d’água. Logo ao amanhecer, ao cavalgarem sobre uma duna,
ele olhou para trás, em direção a Gazal, irreal na luz rosa. Ele se enrijeceu e
Lissa gritou. Saindo de uma brecha no muro, vinham sete cavaleiros; seus
cavalos eram negros e esqueléticos, e os montadores estavam vestidos em mantos
negros da cabeça aos pés.
Não havia
cavalos em Gazal. O
horror se precipitou sobre Amalric e, girando, ele apressou as montarias para
oeste, em direção à costa distante. O sol se ergueu, ficou vermelho, depois
dourado e, em seguida, uma bola de fogo branco batido. Sem pararem, os
fugitivos avançavam, cambaleando de calor e cansaço, cegos pelo clarão. De
tempos em tempos, molhavam os lábios. E, atrás deles, num passo regular,
cavalgavam sete pontos pretos. A noite começou a cair, e o sol se avermelhou e
cambaleou em direção ao horizonte do deserto. E Amalric sentiu um aperto frio
no coração. Os cavaleiros estavam se aproximando. À medida que a escuridão
chegava, os cavaleiros negros também chegavam, e os fugitivos puderam sentir o
cheiro de cripta, de seus perseguidores.
Amalric olhou
para Lissa, e um gemido escapou repentinamente dele. Seu garanhão tropeçou e
caiu. O sol já havia se posto, e a lua foi subitamente eclipsada por uma sombra
em forma de morcego. Na total escuridão, as estrelas brilharam vermelhas e,
atrás de si, Amalric ouviu um rápido movimento, cada vez mais alto, como o de
um vento se aproximando. Uma negra massa veloz se avolumava contra a noite, na
qual brilhavam faíscas de uma luz medonha.
- Cavalgue,
garota! – ele gritou desesperadamente. – Continue... salve sua vida; é a mim
que eles querem!
Como resposta,
ela desceu do camelo e lançou os braços ao redor dele:
- Morrerei com
você!
Sete formas
negras avultaram contra as estrelas, correndo como o vento. Sob os capuzes,
brilhavam bolas de fogo maligno; mandíbulas descarnadas pareciam bater umas
contra as outras. Em seguida, houve uma interrupção: um cavalo passou por
Amalric – um volume vago na escuridão artificial. Não houve som de impacto,
quando o cavalo desconhecido carambolou por entre os vultos próximos. Um cavalo
relinchou desvairadamente, e uma voz taurina bramiu numa língua estranha. De
algum lugar na noite, vários gritos responderam.
Havia algum
tipo de ação violenta ocorrendo. Cascos de cavalos batiam e faziam barulho,
havia o impacto de golpes selvagens, e alguma voz retumbante praguejava vigorosamente.
Então, a lua apareceu abruptamente e iluminou uma cena fantástica.
Um homem num
cavalo gigante rodopiava, retalhava e aparentemente golpeava o ar transparente;
e, de outra direção, veio uma horda selvagem de cavaleiros, suas espadas curvas
reluzindo à luz da lua. À distância, sobre a crista de uma subida, sete figuras
negras desapareciam, com seus mantos flutuando feito asas de morcegos.
Amalric foi
cercado por homens selvagens, que pularam de seus cavalos e se amontoaram ao
seu redor.
Vigorosos
braços nus o aprisionavam, ferozes rostos marrons e aquilinos rosnavam para
ele. Lissa gritou. Em seguida, os atacantes foram empurrados para os lados, à medida
que o homem no cavalo grande passava através do bando. Ele se inclinou desde a
sela, e olhou ferozmente de perto para Amalric.
- Diabos! –
ele rugiu. – Amalric, o aquiloniano!
- Conan! –
Amalric exclamou, perplexo. – Conan! Vivo!
- Mais vivo do
que você parece estar – respondeu o outro. – Por Crom, homem, parece que todos os
demônios deste deserto lhe caçaram por toda a noite. Que coisas eram aquelas
que lhe perseguiam? Eu estava cavalgando ao redor do acampamento que meus
homens haviam armado, para me certificar que não havia inimigos escondidos,
quando a lua se apagou feito uma vela, e em seguida ouvi sons de fuga.
Cavalguei na direção dos sons e, por Crom, eu estava no meio daqueles demônios
antes de saber o que acontecia. Eu estava com minha espada na mão e golpeei a
torto e a direito... por Crom, os olhos deles brilhavam como fogo no escuro!
Sei que minha lâmina os atingiu, mas quando a lua apareceu, eles se foram como
um sopro de vento. Eram homens ou demônios?
- Vampiros
enviados do Inferno – Amalric estremeceu. – Não me pergunte mais nada... certas
coisas não são para serem discutidas.
Conan não
insistiu no assunto, nem pareceu incrédulo. Suas crenças incluíam demônios
noturnos, fantasmas, diabretes e anões.
- Acredito que
você acha mulher até mesmo no deserto – ele disse, olhando para Lissa, que
havia se arrastado até Amalric e se agarrava a ele, olhando temerosa para as
figuras selvagens que os encurralavam.
- Vinho! –
urrou Conan. – Tragam cantis! Aqui! – Ele agarrou um cantil de couro, dentre os
que lhe foram empurrados, e o colocou na mão de Amalric. – Dê uns goles à
garota, e beba você mesmo um pouco – ele recomendou. – Depois, colocaremos
vocês a cavalo, e lhes levaremos ao acampamento. Vocês precisam comer,
descansar e dormir. Posso ver isso.
Um cavalo
ricamente enfeitado foi trazido, se empinando e saracoteando, e mãos solícitas
ajudaram Amalric para dentro da sela; logo, a garota foi erguida até ele, e
partiram para o sul, cercados pelos magros e fortes cavaleiros marrons, em sua
pitoresca semi-nudez. Conan cavalgava na frente, cantarolando de boca fechada
uma canção de cavalgada dos mercenários.
- Quem é ele?
– sussurrou Lissa, com os braços ao redor do pescoço do amante. Ele a
sustentava na sela, diante dele.
- Conan, o
cimério. – murmurou Amalric. – O homem com quem me aventurei deserto adentro,
após a derrota dos mercenários. Estes são os homens que o derrubaram. Eu o
deixei deitado sob suas lanças, aparentemente morto. Agora o encontramos, obviamente
no comando deles e respeitado por eles.
- Ele é um
homem terrível – ela sussurrou.
Ele sorriu:
- Você nunca
viu antes um bárbaro de pele branca. Ele é um nômade, saqueador e matador, mas
tem seus próprios códigos de moral. Não acho que tenhamos nada a temer dele.
Em seu íntimo,
ele não tinha certeza. De certo modo, poder-se-ia dizer que ele havia perdido o
direito à camaradagem de Conan, quando fugira a cavalo deserto adentro,
deixando o cimério inconsciente no chão. Mas ele não sabia que Conan não havia
morrido. A dúvida perseguia o pensamento de Amalric. Selvagemente leal aos
companheiros, a natureza selvagem do cimério não via razão para não saquear o
resto do mundo. Ele vivia pela espada. E Amalric conteve um estremecimento, ao
pensar na possibilidade de Conan desejar Lissa.
Mais tarde,
tendo comido e bebido no acampamento dos cavaleiros, Amalric se sentou próximo
a uma pequena fogueira, em frente à tenda de Conan. Lissa, coberta por um manto
de seda, dormia com a cabeça cacheada sobre os joelhos dele. E, do outro lado
dele, a luz da fogueira tremulava no rosto de Conan, alternando luzes e
sombras.
- Quem são estes
homens? – perguntou o jovem aquiloniano.
- Os
cavaleiros de Tombalku – respondeu o cimério, que havia cavalgado para expulsar
ladrões ghanatas daquela região.
- Tombalku! –
exclamou Amalric. – Então, não é mito!
- Longe disso!
– assentiu Conan. – Quando meu maldito cavalo caiu comigo, fiquei inconsciente,
e quando recuperei os sentidos, os diabos haviam me atado as mãos e os pés.
Aquilo me enfureceu, de modo que arrebentei várias das cordas com as quais haviam
me atado, mas eles as recolocavam tão rapidamente quanto eu as conseguia quebrar...
eu nunca ficava com uma mão totalmente livre. Mas minha força pareceu extraordinária
para eles...
Amalric olhou
para Conan sem dizer nada. O homem era tão alto e largo quanto Tilutan havia
sido, e sem os excessos de carne do negro. Era capaz de quebrar o pescoço do
ghanata com as mãos nuas.
- Decidiram me
carregar até a cidade deles, ao invés de me matarem logo – continuou Conan. –
Acharam que um homem como eu deveria morrer lentamente, através de tortura, e
desse modo diverti-los. Bom, eles me amarraram sobre um cavalo sem sela, e
fomos até Tombalku.
“Há dois reis em Tombalku. Levaram-me
à presença deles: um diabo magro, de pele marrom, chamado Zehbeh, e um grande
negro gordo que cochilava em seu trono de presas de marfim. Falavam um dialeto
que pude entender um pouco, o qual era semelhante ao dos Mandingo ocidentais,
que vivem na costa. Zehbeh perguntou a um sacerdote marrom, chamado Daura, o
que deveria ser feito comigo; Daura lançou dados, feitos de ossos de carneiro,
e disse que eu deveria ser esfolado vivo diante do altar de Jhil. Todo mundo se
alegrou, e aquilo acordou o rei negro.
“Cuspi em
Daura, e o amaldiçoei sem rodeios, assim como aos reis, e disse a eles que, se
era para ser esfolado, por Crom, eu exigia bastante vinho antes de começarem, e
eu os amaldiçoava de ladrões, covardes e filhos de prostitutas.
“Diante disto,
o rei negro despertou, ficou sentado e arregalou os olhos para mim; então, ele
se levantou e gritou: ‘Amra!’, e eu o reconheci... Sakumbe, um suba da Costa
Negra, um aventureiro gordo a quem eu conhecera bem nos dias em que eu era um
corsário ao longo daquela costa. Ele traficava com marfim, pó de ouro e
escravos, e seria capaz de trapacear o próprio diabo... bom, quando ele me
reconheceu, desceu do trono e me abraçou com alegria... aquele diabo negro e
fedorento... e me desamarrou com as próprias mãos. Então, ele anunciou que eu
era Amra, o Leão, seu amigo, e que nenhum mal me deveria ser feito. Depois,
seguiu-se muita discussão, porque Zehbeh e Daura queriam minha pele. Mas
Sakumbe gritou por seu identificador de bruxas, Askia, e ele veio, todo coberto
de plumas, sinos e peles de cobra... um feiticeiro da Costa Negra, e um filho
do demônio, caso algum já tenha existido.
“Askia dançou,
fez encantamentos e anunciou que Sakumbe era o escolhido de Ajujo, o Escuro;
todo o povo negro de Tombalku gritou, e Zehbeh desistiu.
“Pois os
negros em Tombalku são o verdadeiro poder. Há vários séculos, os aphakis, uma
raça shemita, adentraram o deserto meridional e fundaram o reino de Tombalku.
Eles se misturaram com os negros do deserto, e o resultado foi uma raça marrom
e de cabelos lisos, a qual é ainda mais branca que negra. São a classe
dominante em Tombalku, mas estão em minoria, e um rei de sangue puro sempre se
senta no trono ao lado do soberano aphaki.
“Os aphakis
conquistaram os nômades do deserto do sudoeste, assim como as tribos negras das
estepes ao sul deles. Estes cavaleiros, por exemplo, são tibus, de sangue stígio
e negro misturado.
“Bem, Sakumbe,
através de Askia, é o verdadeiro governante de Tombalku. Os aphakis adoram
Jhil, mas os negros adoram Ajujo o Escuro e sua família. Askia chegou a
Tombalku com Sakumbe, e reviveu o culto a Ajujo, que estava se desagregando por
causa dos sacerdotes aphakis. Askia fez uma magia negra, que derrotou a
feitiçaria dos aphakis, e os negros o saudaram como um profeta mandado pelos
deuses escuros. Sakumbe e Askia crescem, enquanto Zehbeh e Daura declinam.
“Bem, como eu
sou amigo de Sakumbe, e Askia falou em meu favor, os negros me receberam com
grande aplauso. Sakumbe envenenou Kordofo, general dos cavaleiros, e me deu o
lugar dele, o que agradou os negros e enfureceu os aphakis.
“Você vai
gostar de Tombalku! Foi feita para homens como nós saquearmos! Há meia dúzia de
facções poderosas conspirando e intrigando umas contra as outras, como Zehbeh e
seus sacerdotes marrons; os parentes de Kordofo, que odeiam tanto Zehbeh quanto
Sakumbe; e Sakumbe e seus partidários, dos quais o mais poderoso sou eu. Há
brigas contínuas nas tavernas e ruas, assassinatos secretos, mutilações e
execuções. E há mulheres, ouro, vinho – tudo o que um mercenário deseja! E
minha estima e poder são elevados! Por Crom, Amalric, você não podia ter vindo
em hora melhor! Ora, o que está havendo? Você não me parece tão entusiasmado
quanto eu lembro que você era em tais assuntos”.
- Solicito seu
perdão, Conan – desculpou-se Amalric. – Não me falta interesse, mas o cansaço e
o sono me dominam.
Mas não era em
ouro, mulheres e intrigas que o aquiloniano estava pensando, mas na garota que
dormia em seu colo; não havia alegria na idéia de levá-la a tal rebuliço de
intriga e sangue, como Conan havia descrito. Uma súbita mudança aconteceu em
Amalric, quase sem que ele soubesse.
No dia
seguinte, cavalgaram em direção a Tombalku. Amalric havia, na noite anterior,
pedido desculpas a Conan por tê-lo abandonado, no acampamento tibu onde o cimério
fora derrubado do cavalo. O bárbaro rira diante da preocupação do amigo, tranqüilizando-o.
Conan sabia que, se o aquiloniano não tivesse fugido, os tibus o teriam matado.
Em três dias
alcançaram aquela estranha cidade fantástica, localizada nas areias do deserto,
junto a um oásis de muitas nascentes. Era uma cidade de várias línguas. A classe
dominante, os fundadores da cidade, era uma raça guerreira e marrom, descendente
dos aphakis, uma tribo shemita que abriu caminho deserto adentro vários séculos
antes, e se misturou com as raças negras. As tribos vassalas incluíam os tibus
– uma raça do deserto, de sangue negro e stígio misturados –, e os Bagirmi,
Mandingo, Dongola, Bornu e outras tribos negras das pastagens ao sul.
O muro que
cercava a cidade era alto e grosso, com portões de bronze e torres espaçadas a
intervalos regulares. Lissa viu figuras de pele escura com armaduras se moverem
como sentinelas ao longo da muralha, e percebeu o aspecto guerreiro deste povo.
Os portões da cidade se abriram para dar passagem a Conan e seus tibus, os
quais agora retornavam do deserto na companhia do aquiloniano e da gazali. Em
Tombalku, havia ruas estreitas, largas avenidas flanqueadas pelo que pareciam
serem colunas de pedra entalhada, e acima, grandes extensões de casas com tetos
planos. Muitas das construções eram de pedra. As ruas e mercados apresentavam
um labirinto colorido, e a cidade se dividia em cinco bairros, os quais cercavam
o Palácio Real. Lissa, que nunca tinha visto outra cidade, exceto a arruinada
Gazal, em toda a sua vida, estava deslumbrada, em ver, pela primeira vez, uma
cidade intacta e cheia de vida e atividade. Lá também havia uma diversidade
religiosa e cultural similar à étnica e lingüística. Além de Ajujo, deus dos
negros puros, e Jhil, dos aphakis (os dois principais deuses adorados em Tombalku),
também havia o culto a Set, deus dos tibus, e a outras divindades. E as escolas
de lá eram independentes, cada qual com seu mestre, e dedicavam-se a ensinar,
além da religião, a lógica, a astronomia e a história, bem como os idiomas e
dialetos de Tombalku. Nesta cidade também era dada uma grande importância ao
espaço dedicado aos mercados e aos lugares públicos.
Tombalku era
cheia de médicos e sacerdotes, todos bancados pelo Rei Sakumbe, o qual ocupava,
juntamente com o co-rei, um trono de marfim, e governava, além da cidade, 25
chefes tribais negros e tibus.
Mas, apesar de
todo aquele conhecimento, trazido pelos shemitas, fazer de Tombalku uma
verdadeira versão negra de Belverus, ao norte, e de Balkharus, ao leste, nenhum
dos seus conhecimentos foi transferido para o sul; e nenhum outro reino negro
se interessou por tais conhecimentos vastos. E a presença de tanta erudição em
nada atenuava a constante violência explícita e furtiva das ruas e tavernas.
O sol já havia
se posto, quando Conan, Amalric e Lissa chegaram a tempo de testemunharem a
horrível execução de Daura, o sacerdote aphaki, por Askia, o qual dançava
freneticamente ao redor do prisioneiro marrom.
Daura estava
amarrado a um poste, no centro da praça principal de Tombalku. Fogueiras nos
cantos da praça e linhas de tochas acesas iluminavam aquela cena infernal. Entre
o poste de tortura e o Palácio Real, havia uma plataforma, sobre a qual se sentavam
dois homens altos – o enfurecido Zehbeh e o despreocupado Sakumbe. Tendo ouvido,
no caminho até Tombalku, a história que Conan narrara a Amalric, Lissa imediatamente
identificou o gigantesco negro gordo que ali se sentava, ao lado do rei marrom
Zehbeh. O rei negro, outrora um homem de extraordinária coragem, vitalidade e
política, que acompanhara Conan no passado como corsário, havia se degenerado
numa massa montanhosa de gordura, sem se importar com nada, exceto mulheres e
vinho. Sakumbe usava uma curta túnica branca, cingida por uma faixa dourada, e
um rico cocar na cabeça. Zehbeh, por sua vez, apesar de também vestir uma
túnica igual à de Sakumbe, usava uma barba negra sob o nariz aquilino em seu
rosto marrom, e um diadema ao estilo shemita de seus co-ancestrais. Em volta da
plataforma, nada menos do que três círculos de guardas reais os protegiam. As
labaredas lançavam seus raios alaranjados sobre as pontas metálicas de suas
lanças, os escudos de couro de elefante e as penas que enfeitavam seus
capacetes. Os aphakis estavam furiosos, porém indefesos, contra a resistência
determinada de seus súditos negros, aos quais haviam ensinado as artes da
guerra.
Um tibu ali
presente contou ao cimério, ao aquiloniano e à gazali que Daura havia
transformado a única aphaki do harém de Sakumbe numa vampira, para matar o rei
negro. Mas um dos guardas de Sakumbe a havia decapitado, antes que ela pudesse
chupar o sangue do gigante de ébano. Entretanto, o mandante do crime não teria
a mesma morte piedosa e indolor da falecida concubina do suba.
- Ao menos –
concluiu o tibu, num sussurro –, Sakumbe não confiará mais em mulheres aphakis.
Enquanto isso,
Askia continuava sua dança, coberto, como sempre, de plumas, sinos e peles de
cobra. Primeiro, os olhos de Daura explodiram em sangue, tirando-lhe a visão e
lhe arrancando um grito de dor. Depois, não gritou mais, pois sua língua secou
e caiu. No momento seguinte, a cabeça marrom do sacerdote de Jhil explodiu em
sangue e miolos, aterrorizando até mesmo seus mortíferos inimigos negros.
Ao assistir à
execução do sacerdote aphaki, Lissa ficou paralisada, branca como uma estátua,
os cabelos puxados para trás. Ela quase se sufocou e colocou os punhos fechados
contra as têmporas, como se tivesse medo de enlouquecer. Seus olhos violetas se
arregalaram, e o corpo ficou todo rígido. Então, Amalric cobriu delicadamente
os olhos da sua amada gazali, fazendo-a desviar o olhar daquela cena horrenda,
de modo que o belo rosto de Lissa ficou descansando no peito do jovem
aquiloniano.
Em seguida, o
casal foi guiado por Conan para uma casa próxima ao Palácio Real, após Sakumbe
dar ordens para que o cadáver de Daura ficasse ali, como exemplo.
Dentro dos
aposentos reais, as paredes de azulejos eram ricas em decorações murais e entalhes
pintados em várias cores, bem-matizadas e combinadas. Naquela sala, servidos
por mulheres negras e tibus, dois homens altos se recostavam em travesseiros de
cetim e jogavam dados. Apesar de terem a grande altura em comum, eles diferiam
radicalmente um do outro em vários sentidos. Um deles era musculoso e de pele
bronzeada, enquanto o outro era cor-de-ébano e obeso.
- Mais uma
vez, sinto muito pelo que aconteceu à sua companheira Bêlit, Amra – disse o
embriagado rei negro. Contudo, ao perceber o olhar austero do cimério, ele se calou
e não falou mais nada sobre aquele assunto.
Então, Conan
jogou dados com Sakumbe, se embriagou com ele e sugeriu que eliminassem Zehbeh
por inteiro. O cimério queria ser ele mesmo um rei de Tombalku.
- Isso é mesmo
necessário, Amalric? – perguntou Lissa, preocupada com o bem-estar de seu
amado.
- Enquanto
estivermos sob as ordens de Sakumbe, terei de ir à luta – respondeu o
aquiloniano, vestindo uma cota-de-malha shemita e afivelando o cinto da espada.
– O rei negro e Conan convenceram o bruxo Askia a denunciarem o rei marrom Zehbeh,
sabe Mitra do que e por que, e agora querem derrubar aquele aphaki magricela do
trono. Mas não se preocupe não, minha amada. Voltarei vivo para você – ele
concluiu, com um sorriso apaixonado.
Assim, com um
beijo sôfrego e quente, ele se despediu da sua linda gazali e saiu de casa,
seguindo para o local da batalha, no centro de Tombalku.
A batalha
começou de manhã e se estendeu até o final da tarde. No início, parte das
fileiras da facção de Sakumbe se organizou em formação de cunha, a mando de
Conan, resistindo bravamente às flechas aphakis, que eram tão velozes quanto as
de seus parentes não-mestiços de Shem.
Após esgotarem
todas as flechas aphakis, os guerreiros negros e tibus de Conan montaram em
seus cavalos. Logo, as cavalarias negras e marrons se chocaram com prazer quase
carnal, penetraram arrombando espaço um no outro e rasgaram caminho abrindo
fontes de sangue. Tanto a cavalaria e infantaria negra, quanto os cavaleiros aphakis,
desferiram golpes em todas as direções; cabeças foram decepadas; corpos negros
e marrons foram partidos ao meio, na altura da cintura, e membros voaram separados
dos troncos. Em seu cavalo, Amalric decepava braços marrons e abria pescoços
quase tão ferozmente quanto seu amigo cimério, o qual ia mais longe ainda,
decepando cabeças e abrindo órgãos vitais e costelas sob armaduras. Cadáveres se
acumularam ao longo das ruas da cidade. Cavalos montados por negros, tibus e
aphakis começaram a disparar sem cavaleiros. Zehbeh tentou em vão reunir suas
forças, mas os tibus e negros, sob as respectivas lideranças de Conan e Sakumbe
– este último, na retaguarda, mais sentado que em pé, disparando flechas e
dando ordens –, cercaram o exército aphaki.
Nesta guerra
civil, os aphakis foram derrotados, cercados e Zehbeh, mais por sorte que
habilidade, fugiu da cidade com seus cavaleiros e sacerdotes. Os negros nas muralhas
avistavam, exultantes, o sol poente refletir nas pontas das lanças, conforme os
tibus e negros avançavam por entre os grupos de fugitivos aphakis, os quais
galopavam em direção ao deserto que circundava a cidade. Alguns aphakis haviam
tentado se refugiar no grande oásis próximo a Tombalku, mas foram desalojados e
mortos pelos vitoriosos negros de Sakumbe e tibus de Conan. Um último e desesperado
aphaki, deixado para trás por Zehbeh – e que só se aliara a ele por
conveniência, para tentar acabar com Sakumbe –, não pensava em outra coisa
senão vingar a morte de Kordofo, de quem era parente. Não podendo alcançar
Sakumbe, que lhe envenenara o primo, o guerreiro marrom investiu contra o
cimério que agora ocupava o cargo de Kordofo. Quando aquele aphaki remanescente
chegou perto o bastante de Conan, sua espada se chocou com a do cimério uma,
duas, três vezes, espalhando fagulhas pelo ar. Quando o enlouquecido guerreiro
de pele marrom deu um passo para trás, para lançar uma nova investida, o
bárbaro de olhos azuis lhe enfiou a espada através da garganta. Engasgado no
próprio sangue, o homem cambaleou e caiu morto. Agora, o poder pertencia
totalmente aos negros daquela cidade. Percebendo isso, um mandingo seminu – um
dos muitos que assistiam, desde as muralhas, à vitória da facção de Sakumbe – gritou:
- Ajujo seja
louvado! Viva o Rei Sakumbe!
Quando Conan
adentrou a cidade a cavalo, à frente dos tibus e negros, também a cavalo e em
perfeita formação militar, aquele grito havia se tornado um alarido de aclamação
nas bocas de toda a população cor-de-ébano da cidade. Uma linda tibu do harém
de Sakumbe saiu da multidão e correu sorridente até o cimério, tentando
abraçá-lo. Este sorriu e içou a jovem de pele marrom até o cavalo, colocando-a
à sua frente. Logo em seguida, uma suada negra seminua do mesmo harém fez o
mesmo com o bárbaro branco. Ele também a ergueu do chão, na curva de seu braço
poderoso, beijou-lhe os lábios carnudos e a colocou na garupa.
Amalric voltou
da batalha, com a cota-de-malha riscada, e as roupas rasgadas e ensangüentadas.
Assustada por nunca antes ter visto um homem em tais condições, Lissa preparou
um banho para ele, numa enorme tina d’água. Após lavar o corpo e se enxugar, o
aquiloniano se levantou e, totalmente nu, abraçou ansiosamente sua linda companheira
gazali, beijando-lhe a boca, pescoço e corpo com ardor, e deitando-a na cama do
casal. Ela também estava ansiosa, igualmente ardente, e abraçou o corpo dele
com a necessidade quase desesperada de quem passara horas temendo pela vida do
homem a quem amava. Ele a beijou outra vez, lentamente. Sentia com a língua o
interior da boca de Lissa; depois desceu para o pescoço levemente suado, cujo
perfume natural o enlouquecia, despiu e buscou os seios firmes e cheios com as
mãos, tomando o mamilo róseo na boca. Ela sentiu o corpo percorrido por deliciosos
choques de prazer.
Amalric sugou
um mamilo, depois o outro e acariciou os seios. Ela tinha sensações que
chegavam até o fundo do lugar que ansiava por ele. Ele terminou de tirar o
curto vestido de sua companheira, pôs a mão sobre a barriga da gazali e a
massageou suavemente. Lissa sentiu que se derretia num poço de prazer, quando a
mão dele chegou ao negro pêlo de seu monte, colocou um dedo sobre a fenda e
começou a desenhar círculos lá dentro. Quando ele chegou ao ponto que enviava
raios de tremor pelo corpo inteiro, ela gemeu e arqueou as costas.
Ele desceu o
corpo, encontrou a entrada de sua caverna úmida e quente, e tocou lá dentro.
Ela afastou as pernas para lhe abrir caminho. Amalric se levantou e se colocou
entre elas, abaixou-se e sentiu o gosto. O gosto que ele conhecia. O gosto da
mulher que ele amava. Com as duas mãos, separou as pétalas e as lambeu com a
língua quente, explorou todos os vãos e frestas até encontrar o nódulo que
tinha se endurecido. Ela sentiu todos os movimentos com uma deliciosa explosão
de fogo, enquanto o desejo crescia. Não tinha mais consciência de nada – só de
Amalric e do surto crescente de prazer delicioso que ele a fazia sentir.
O falo do
aquiloniano havia inchado completamente e lutava para se aliviar. A respiração
dela se apressou, cada suspiro forte acompanhado de um gemido, até que de repente
ela chegou ao clímax, e sentiu-se encher e transbordar. Ele sentiu sua umidade,
recuou e entrou nas suas profundezas, e mergulhou fundo. Ela estava pronta para
ele, e arqueou o corpo para recebê-lo. Quando Amalric sentiu seu membro
deslizar naquele poço quente e pronto, gemeu de prazer. Apesar de terem tido
relações sexuais na véspera da batalha, parecia haver séculos que não se viam.
Lissa o
recebeu por inteiro. Quando sentiu todo o calor dela, ele experimentou subitamente
uma grande e silenciosa gratidão a Mitra, por ter achado aquela mulher. Eles se
ajustavam perfeitamente. Deleitou-se nela, mergulhando e mergulhando novamente.
Ela se deu inteira, exultando nas sensações que ele a fazia sentir. De repente,
sentiram a chegada do orgasmo, o qual veio com uma liberação vulcânica e os
envolveu. Eles o contiveram e depois relaxaram.
Após um novo
banho – desta vez juntos – e o jantar, eles perceberam que o desejo guloso de
um pelo outro não estava saciado. Amaram-se outra vez, langorosamente,
desfrutando cada toque, cada carícia, até não resistirem mais e chegarem novamente
ao clímax com uma explosão de energia ansiosa.
Com a rica
coroa shemita do recém-deposto Zehbeh na cabeça, Conan se sentou ao lado de
Sakumbe, no trono outrora pertencente ao rei marrom; mas, apesar de seus melhores
esforços, percebeu que o negro era o verdadeiro governante da cidade, devido ao
domínio deste sobre as raças negras. No entanto, em Tombalku, o cimério
desfrutou, como rei, de riquezas, conforto e prazeres um pouco maiores que os
de sua vida como mercenário, ladrão e pirata – além de uma estabilidade maior
que as já vivenciadas até então.
Lissa, sempre
que podia, ia aos templos e às bibliotecas de Tombalku, para ler e aprender sobre
as origens daquela fantástica cidade, onde erudição e barbárie conviviam juntas
– hábito que não impedia a gazali de estar em casa, cuidando da mesma e do amado
companheiro. O próprio Amalric, por sua vez, devido à sua origem nobre, também
freqüentava, na medida do possível, as bibliotecas tombalkanas. E Lissa sempre
o fazia devidamente protegida por um guarda da confiança de Conan e Sakumbe, ou
pelo seu companheiro aquiloniano.
Era meio-dia
por entre as palmeiras do enorme oásis próximo à cidade de Tombalku. Bois e
carneiros inteiros estavam sendo assados e servidos aos convidados, a mesa estava
posta ao ar livre, e os reis Conan e Sakumbe estavam entre os que mais comiam e
bebiam. A música de cítaras shemitas se misturava às dos tambores tocados por
mãos tão negras quanto o sacerdote Askia, que celebrava aquelas bodas – meio
tribais shemitas, meio tribais negras.
Amalric e
Lissa estavam vestidos de branco, diante da mesa cheia de comida, enquanto
Askia dançava e fazia seus encantamentos – como no dia em que conhecera Conan e
no dia em que havia executado Daura. Como Lissa havia insistido em oficializar
a união com seu amado, ele consentiu e os reis Sakumbe e Conan organizaram
aquele casamento. Súbito, o bruxo da Costa Negra interrompeu seus rituais, e
disse, de braços abertos e olhos ainda fechados:
- Lembrem-se
deste momento, porque, depois destes votos a Ajujo, vocês dirão ao mundo as
palavras que falarei agora.
Sorrindo
felizes um para o outro, Lissa e Amalric repetiram as palavras do sacerdote
seminu.
- Este é o meu
marido – disse a gazali.
- Esta é a
minha esposa – disse o aquiloniano.
- Eu, Amalric,
aceito você, Lissa...
- Eu, Lissa,
aceito você, Amalric...
- Para ser
ninguém mais do que você é – os dois falaram em coro –, amando o que conheço de
você e confiando no que não conheço; com respeito por sua integridade e fé, e
seu amor incondicional por mim; por tudo o que a vida pode nos trazer, eu
ofereço o meu amor.
Entre brados
de júbilo e o agora acelerado bater incessante de tambores, ao som do qual
lindas negras e morenas seminuas dançaram sensualmente, o casal de sangue hiboriano
se beijou apaixonadamente, e começou a comer e beber. Súbito, os olhos negros
de Askia se abriram e, com expressão ameaçadora, ele bradou aos recém-casados:
- Eu suspeitei
desde que vi esta mulher que veio de Gazal, e agora Ajujo, o Escuro, acaba de
confirmar minha desconfiança! O homem de cabelos amarelos é o assassino de
Ollam-onga, deus da cidade da branca! O deus adorado pelo culto do qual sou sacerdote!
Bem que eu estranhei esta mulher sair de Gazal sem estar hipnotizada! Exijo que
o assassino branco e sua mulher sejam entregues à tortura!
Todos ficaram
atônitos com a revelação de Askia. Tanto o cimério quanto o aquiloniano crisparam
os rostos e desembainharam suas espadas, com os olhos claros faiscando de
fúria. Conan, que sempre lutava como um demônio nas ruas e tabernas para proteger
todos de quem era amigo, tinha uma gigantesca jovialidade, um sorriso tão ressoante
quanto sua espada, e era agora idolatrado pelos guardas negros e tibus como
“rei negro de pele branca”, recusou veementemente a exigência do sacerdote
negro aos seus amigos, e Sakumbe, completamente dominado pelo cimério, o qual
agora já era praticamente governante de Tombalku, na qualidade de velho amigo e
confidente do obeso rei negro, fez o bruxo recuar. Mesmo com toda a sua magia,
o feiticeiro da Costa Negra não era páreo para 20 guerreiros tibus, um
aquiloniano e um cimério. Principalmente um cimério que agora era tão apoiado pelos
partidários de Sakumbe quanto o próprio Sakumbe.
- Isso não vai
ficar assim – respondeu Askia, enquanto se retirava dali, com um olhar de ódio
tão grande quanto os de Conan e Amalric, que faiscavam de fúria tanto quanto os
olhos de Sakumbe, Lissa e os demais de espanto.
Passada a
tensão causada pelo feiticeiro, os convidados e recém-casados suspiraram de
alívio, voltaram a sorrir, e a festa continuou.
Já era tarde
da noite e as estrelas piscavam no firmamento já escuro, enquanto Sakumbe retornava
do casamento de Amalric e Lissa – esta com o lindo rosto resplandecendo da mais
pura felicidade que já sentiu em toda sua vida, por ter se casado com o homem a
quem mais amava –, juntamente com Conan, os recém-casados, os guardas e os
convidados, entre brados e aclamações da ainda acordada maioria negra da
cidade. Quando Lissa e Amalric se afastaram, caminhando de mãos dadas em
direção à casa onde moravam, o rei suba começou a gritar de forma medonha,
deixando todos ao seu redor perplexos. No instante seguinte, a coroa e a cabeça
do obeso rei explodiram em sangue e miolos, como ocorrera dias antes com Daura.
- Askia! – murmurou
Conan entre dentes, desembainhando sua espada e com o ódio lhe subindo à
cabeça.
Furioso com a
morte de Sakumbe, o cimério pensou, por um momento, em vingar o amigo. Mas
Askia estava fora de alcance, e o cimério sabia que, com o rei suba morto, os
negros da cidade o despedaçariam, bem como a Amalric e Lissa. Então, o bárbaro
chamou por Amalric em voz alta, e abriu caminho através dos guerreiros
desnorteados. Enquanto os amigos se esforçavam para alcançar os muros externos,
Zehbeh e seus aphakis retornaram e atacaram a cidade.
Zehbeh e os
aphakis caíram de madrugada sobre a cidade de Tombalku. Os preparativos haviam sido
meticulosos. Recrutara ghanatas do deserto, mandara preparar rações para sete
dias de marcha, evitando longas paradas. Os estribos, freios, e tudo o que
fosse de metal e pudesse brilhar ou fazer ruído, foi envolvido em panos – assim
como, na véspera do ataque, as patas dos animais. A infantaria se aproximara
rastejando pelas areias do deserto. As sentinelas nos portões, muros e torres
foram atingidas por flechas, e os portões da cidade foram subitamente arrombados
por um aríete trazido pelos guerreiros de Zehbeh, agora ajudados pela magia
maligna do bruxo traidor Askia.
Então, atacado
por um dos primeiros aphakis a adentrar Tombalku, Amalric se esquivou do golpe
de espada e lhe decepou ambas as pernas, pouco acima dos tornozelos. Logo, um
dos negros que o perseguia tentou lhe acertar com um giro descendente da
espada, mas o aquiloniano se ergueu agilmente, cruzou espadas com o guerreiro
de ébano e lhe atravessou o coração até a ponta da lâmina lhe sobressair pelas
costas. O negro caiu sobre o aphaki ferido, e Amalric arremeteu novamente sua
espada, atravessando os corações dos dois guerreiros que o tentaram matar.
A pequena
escolta tibu de Conan, Amalric, Lissa e Sakumbe fora instantaneamente
massacrada, enquanto os demais mestiços de stígios se encontravam do outro lado
da cidade, ainda sem entender totalmente o que estava acontecendo. Aproveitando-se
do choque entre os negros que os perseguiam e os aphakis que estavam invadindo
a cidade, o qual desviara a atenção de seus inimigos, o aquiloniano e sua linda
companheira gazali também se aproveitaram que as baixas de ambos os lados
deixaram cavalos sem cavaleiros, e subiram numa montaria, cavalgando até Conan,
o qual havia feito o mesmo.
Flechas
incendiárias aphakis atingiam constante e impiedosamente os negros de Tombalku,
fazendo-os recuar mais e mais. Casas de famílias negras foram incendiadas por
tochas, arremessadas a mando de Zehbeh. Também foi ateado fogo a metade das bibliotecas
e parte do Palácio Real. Com quase todos os guerreiros negros mortos pelos
implacáveis aphakis e seus aliados ghanatas, mulheres cor de ébano e seus
filhos fugiam, acuados e aos gritos, para suas casas, numa tentativa
desesperada de se esconderem.
Naquele
momento, Lissa – que, até então, pensava que a crueldade fosse exclusiva dos
negros, como lhe diziam em Gazal – mudou de opinião, ao vislumbrar os
guerreiros aphakis de Zehbeh arrastarem mulheres e crianças negras para fora
das casas que não foram incendiadas, e lhes abrirem os crânios ou decepar as
cabeças. Toda a cidade de Tombalku parecia nadar num mar de sangue, diante dos
olhos aterrados da jovem gazali, e ela agora já não conseguia mais olhar para
aquela carnificina. Mesmo assim, os gritos de dor e fúria lhe atingiam os
nervos como uma pancada física. Ela quase teve medo de enlouquecer. Somente o
contato com os braços de Amalric, a envolverem-na enquanto cavalgavam até as agora
próximas muralhas da cidade, a impediu de perder o controle sobre as emoções.
Enquanto isso,
vários guerreiros negros remanescentes faziam sua última resistência aos guerreiros
aphakis de Zehbeh. Eram Bagirmis, Mandingos, Dongolas, Bornus, e até mesmo os
mestiços tibus; a maioria havia ajudado Sakumbe a subir ao trono de Tombalku, anos
atrás, e muitos ajudaram Conan a substituir Zehbeh como co-rei daquela cidade.
No entanto, em reduzido número de 300 e cercados por 2 mil aphakis, aqueles
negros se encontravam no maior apuro em que jamais estiveram. Ao mesmo tempo, começaram
a entoar um canto fúnebre, pesado, rouco e áspero – um canto para Ajujo, deus
de Tombalku, e ao mesmo tempo, um canto de ódio e fúria contra aqueles cães
marrons que lhes haviam massacrados homens, mulheres e crianças. E logo, num movimento
curto, começaram a bater com as lanças no peito, produzindo um som assombroso,
que surpreendeu os próprios aphakis. Então, os pés descalços começaram a bater
no chão, acompanhando os golpes das lanças nos peitos; e assim, os negros foram
avançando, compactos, cantando, batendo as lanças, batendo os pés e sem medo.
Os aphakis
arremeteram; os lanceiros negros arremeteram. Na espiral sangrenta que se
seguiu, engolfados em sombras marrons, os negros e tibus se abandonaram ao festival
de matança. Embora os 300 lanceiros do recém-falecido Sakumbe houvessem matado
cem aphakis e vinte ghanatas com suas estocadas fatais, todos foram
exterminados pelas flechas dos homens de Zehbeh. Em seguida, outras inúmeras
cabanas de negros foram queimadas, seus habitantes chacinados e seus corpos
abandonados no lugar onde caíam.
Carregando duas
pessoas, o cavalo de Amalric só não galopara com dificuldade pelas ruas agora
vermelhas de Tombalku, porque o cimério à sua frente abria caminho impiedosamente,
talhando corpos, cabeças e membros de guerreiros negros e aphakis. Um homem que
tentou segurar o freio do cavalo do aquiloniano foi derrubado por Amalric, com um
golpe de espada que lhe quebrou os ossos.
Atravessando
desesperadamente os muros destruídos e grandes portões de bronze de Tombalku, em
meio ao selvagem holocausto de sangue e fogo provocado por Zehbeh e seus
aphakis, os cavalos de Conan, Amalric e Lissa pisavam em cabeças, membros, troncos,
pés, mãos e sangue. Enquanto isso, lá atrás, os aphakis de Zehbeh já haviam
erigido pilhas macabras com as cabeças ensangüentadas de homens, mulheres e
crianças negras na praça central da cidade. Os cabelos negros da gazali
caíam-lhe como uma cascata de seda sobre os ombros de alabastro; um dos
tirantes da túnica havia se rompido, descobrindo-lhe os seios juvenis, os quais
balançavam ao sabor do galope da montaria. No desespero da fuga, Amalric mal
teve tempo de pensar em cobrir a nudez parcial de sua amada. Tombalku foi quase
destruída. Conan, Lissa e Amalric escaparam, enquanto metade da cidade era
engolida por pirâmides amarelas de fogo, a devorarem muros, jardins, construções,
cadáveres e gente viva.
Uma hora
depois, os cavalos dos fugitivos brancos andavam a passos lentos pelo deserto
de areia, como se estivessem escolhendo o caminho na escuridão.
- Para onde
iremos? – perguntou Lissa, com sua voz suave e sua túnica de volta ao lugar.
- Não sei –
respondeu Amalric. – Mas estou cansado dos territórios negros. Farei o que você
desejar – ele acrescentou, com um sorriso enternecido.
- Pois eu acho
– disse Lissa, quase sussurrando – que, apesar da morte de nosso grande amigo
Sakumbe e de tudo o mais, eu gosto das coisas como elas estão aqui.
Amalric riu
silenciosamente na escuridão e, acompanhando seu enorme amigo cimério, que não
parecia nem um pouco cansado, apressou o trote do cavalo.
- O que acha
de voltar à sua terra, garoto – sugeriu Conan –, e lutar para recuperar seu
título perdido de nobreza, do qual você me falou quando Zapayo ainda era vivo?
Por Crom, um casal como você e Lissa merecem um pouco de estabilidade, e não da
vida incerta de um mercenário, como a minha e a que você tinha antes de
conhecê-la. Se quiserem contar com minha ajuda para isso, uma espada a mais é
sempre bem-vinda!
O casal
assentiu e sorriu.
FIM
Agradecimentos especiais: Ao grande
amigo e howardmaníaco Osvaldo Magalhães de Oliveira, de Brasília – DF.
A Seguir: Interlúdio em Kordafan.