O Esbanjador

(por Fernando Neeser de Aragão)



1) Sancha de Kordava

- Esta tripulação zíngara é idiota, Ragazo! – eu dizia, enquanto decapitava um bucaneiro que tentara me atacar e estocava o coração de outro com quem cruzei espadas logo depois. – E nós somos mais ainda, em matar homens que poderíamos usar para substituir os que perdemos naquela ilha de monstros negros.

- Nós não pedimos para estes patetas de minha terra resistirem à abordagem, Conan! – respondeu meu primeiro-imediato.

Então, percebi que eles não se rendiam por causa de seu capitão, o qual bradava ordens para que continuassem resistindo. Resolvi o problema rapidamente, arremessando meu punhal certeiro na testa daquele capitão zíngaro.

Ao ver os gritos de surpresa dos zíngaros rivais, tomei a palavra:

- Homens do navio mercante! Parem com esta resistência, e suas vidas serão poupadas. Vocês lutaram para proteger a mercadoria gorda de mercadores balofos. Larguem suas armas e vivam... ou morram agarrando aço em suas mãos.

Os poucos mercadores zíngaros restantes se entreolharam e deixaram suas armas caírem ao chão do convés. Mais tarde, eu ouviria meus homens me elogiarem por ser mais esperto que Zaporavo, afirmando eles que aquilo era melhor do que “cortar e ser cortado”.

Então, acrescentei aos sobreviventes rendidos:

- Ouçam-me, amantes da terra! O Esbanjador pode usar homens que preferem a vida de pirata, a levar e trazer mercadorias para os lacaios do Rei Zancho. Alguém se importa em seguir as cores da Irmandade Vermelha?

Vinte espadas foram erguidas a bordo, e os sobreviventes sorriram e bradaram um “sim” em coro, dobrando a tripulação do meu navio.

Depois que aqueles vinte ex-mercadores se juntaram a nós, o navio abandonado deles foi saqueado, queimado e afundado. Foi então que a bela Sancha – novamente usando o curto vestido de seda e as sandálias de couro macio, com os quais eu a conhecera – saiu da cabine e correu em minha direção, me abraçando e beijando meus lábios. Eu retribuí o beijo com ressonante deleite.

Após isso, desci até minha cabine com Sancha em meus braços. O perfume do hálito da zíngara me subia à cabeça; a proximidade daquele corpo vibrante fazia minhas veias pegarem fogo. Logo, deitados em nossa cama e despidos, eu mais uma vez suguei aqueles seios morenos, fazendo-a tremer e arquejar de prazer e levando-a ao orgasmo quando desci minha língua até o clitóris dela. Pouco depois, ela abocanhava meu falo ereto e eu, deitado, lhe sugava novamente a vagina.

Excitada ao extremo, a filha do Duque de Kordava logo estava de costas para mim, montada sobre meu pênis, com aquele delicioso ânus apertado sendo penetrado por meu falo. Lentamente, ela foi se erguendo, até ficar de quatro sobre o leito, enquanto eu, sabendo o que ela pretendia, acompanhei seu movimento sem deixar de sodomizar a bela zíngara. Em pouco tempo, a coesão do reto de Sancha me fez o sangue ferver de desejo e prazer. Percebendo isso, ela se virou rapidamente para meu falo e o masturbou, fazendo-me ejacular abundantemente naquele belo rosto cor-de-oliva, desde a testa até o queixo.

Abrindo os olhos castanhos, ela sorriu para mim, lambeu meus testículos e, com o esperma lhe pingando do queixo, beijou minha glande. Por Crom, nunca vou entender como Zaporavo encarava a posse daquela maravilhosa jovem de grossas tranças negras como “um prazer amargo”, como Sancha havia me dito que ele parecia fazer. Mas, naquele momento, eu não pensava em nada daquilo. Excitado com a visão de meu sêmen branco naquele rosto lindo, eu a deitei na cama e lhe penetrei a vagina, sugando-lhe novamente os seios e lhe apertando os belos quadris, até explodirmos juntos num novo orgasmo.


Dias depois, desembarcamos numa ilha aparentemente inabitada, não muito longe da Costa Picta, em busca de alimentos – pois nossas provisões estavam acabando.

Mas, assim que desembarcamos, apareceu uma criatura monstruosa – sua face era semi-humana e dotada de enormes tentáculos! Desembainhei minha espada, mas a coisa se movia mais rapidamente que eu ou qualquer outro pirata ali presente. No centro daquela massa que girava, seus dois olhos enormes nos miravam fixamente... mas o animal não parava de girar. Súbito, tudo escureceu e fiquei quase inconsciente, mal percebendo que meus barachos e bucaneiros caíam um a um.

Despertei tão subitamente quanto havia quase desmaiado, e minha visão clareou novamente, quando senti o aperto dos tentáculos daquela maldita criatura. Tentei resistir, mas a força de nosso inimigo era muito superior à minha. No momento em que aquele gigantesco polvo de rosto semi-humano ia me arrastar para dentro das águas, uma flecha lhe atingiu fatalmente um dos olhos. Num esforço quase inumano, nascido do desespero, livrei-me de seus tentáculos e me lancei à areia, enquanto a criatura, emitindo um assustador sibilo de agonia, caía dentro do mar.

Fora um dos barachos, com sua mira certeira, quem acertara a criatura. Ele havia sido o único que havia ficado longe do alcance dos olhos hipnotizadores do monstro. Pouco depois, toda a minha tripulação já estava desperta do transe.

Ragazo afirmou ter visto estranhos frutos nas árvores locais. Fui até uma delas e, desconfiado – pois lembravam as frutas douradas que doparam os bucaneiros na ilha onde Zaporavo morrera há vários dias –, experimentei um deles. Após comê-lo totalmente, sem sentir nada que pudesse lembrar sonolência, eu, Sancha e meus rapazes colhemos vários deles e partimos dali, agora em direção ao sul.


Nas semanas seguintes, o Esbanjador se tornou o flagelo do Mar do Oeste, com celebrações estridentes quando minha tripulação encontrava saque – gordos navios mercantes de Argos, Zingara ou Shem –, e uma fuga prudente quando éramos espionados pela vigilante marinha zíngara.

Mas os comerciantes zíngaros e argoseanos, a salvo na praia, estavam sempre querendo arriscar a vida dos marujos, na esperança de guarnecer seus próprios cofres – com o resultado de que o cofre do nosso tesouro pirata engordava e ficava cheio. E Sancha poderia se perder na alegria do momento, nos meus braços fortes e bronzeados.

E, nos dias em que nem presa nem perseguidor apareciam no horizonte, até meus piratas sabiam como se divertir, jogando, fazendo apostas, cantando e bebendo.

- Conan – disse Sancha, em tom de súplica, aninhada aos meus braços –; leve-me de volta a Kordava... de volta ao meu pai, que é o duque. Ele irá lhe recompensar com ouro.

- Ele vai me recompensar com uma lança no bucho – respondi, brincando. – Mas não se preocupe, minha cara. Assim que puder, vou lhe desembarcar o mais perto possível de Kordava; aliás, este será nosso próximo passo – concluí, lembrando-me do que havia acontecido comigo quando me recusei a levar Olívia de volta a Ophir.

Assim, dias depois, tendo o príncipe Zapayo da Kova – filho do Rei Zancho de Zingara – como mediador, devolvi Sancha à sua cidade natal e ao seu pai Varyo, Duque de Kordava.


2) De Volta às Barachas

Entre os bucaneiros de Zingara e os barachos, havia uma feroz rivalidade. Os piratas barachos eram, em sua maioria, argoseanos – assim como os zíngaros, aventureiros sem pátria, de argolas douradas nas orelhas e lenços vermelhos nas cabeças; e às vezes, criminosos fugitivos de masmorras e pelourinhos, com suas cabeças a prêmio e ostentando marcas de torturas e mutilações. Havia constantes lutas entre os homens, que dificilmente poderiam tornar-se amigos mútuos. A princípio, os zíngaros haviam provocado os argoseanos, até que finalmente estouraram os conflitos. Algumas vezes, eu interrompia uma luta e obrigava ambos a entrarem em acordo, mas, ao cabo de pouco tempo, estourava outra disputa.

Furioso, eu gritava maldições, crispando os punhos para intimidá-los. Esperava que se levantasse um vento para içar as velas e dar trabalho aos homens, e assim mantê-los tão ocupados que não pudessem pensar em brigar. Mas, ao verem que os argoseanos das Ilhas Barachas eram maioria, os zíngaros do Esbanjador foram aos poucos se acalmando, as rixas foram se arrefecendo e logo, homens atarracados das ilhas passaram a fazer parte da tripulação de meu navio, juntando-se a eles nos jogos onde apostavam jóias, ouro, armas e dinheiro. Enquanto isso, o chefe pirata argoseano Strom de Messantia – um loiro, tão alto e quase tão musculoso quanto eu – dirigia os trabalhos de sua tripulação do navio Mão Vermelha, embora não desse nenhuma indicação de seus planos. Zarono Negro, por sua vez – um bucaneiro zíngaro, magro e também da minha altura, e tão renegado pela nobreza de seu país quanto o falecido Zaporavo – praticava esgrima com barachos que, há muito, haviam se aposentado daquele esporte. Nas Barachas, minha rotina logo consistia apenas em consertar as avarias do navio, ensinar aos jovens recém-chegados a arte de navegar, exercitá-los nas operações de guerra e ir ao quarto de uma estalagem com uma bela e sorridente prostituta, deliciosamente perfumada ou suada.

Meu amigo, o primeiro imediato Ragazo (a quem eu nomeara para substituir o anterior, que morrera em batalha na mesma ilha onde matei Zaporavo), tinha gostos um tanto estranhos: a prostituta preferida dele era uma argoseana de 150 quilos, chamada Serena, e ele me contou que adorava quando aquela gorda sentava no rosto dele – o zíngaro também gostava de participar de uma espécie de orgia (não sei se de origem zamoriana ou hirkaniana), na qual vários homens ejaculavam no rosto daquela prostituta obesa. Por Crom, gosto não se discute! Eu preferia a zíngara Zabrena, com quem eu ia para o quarto daquela estalagem nas Ilhas Barachas – não muito diferente, na aparência física e no que fazia na cama, de Sancha de Kordava, mas com seios bem mais avantajados que os da filha do duque zíngaro. Embora eu fosse para a cama com outras prostitutas locais, a zíngara de busto farto era a minha preferida.

Já meu outro amigo, o segundo imediato Zanderio, era bastante reservado. Filho de um truculento oficial zíngaro, o pai quis alistá-lo na marinha daquele país, quando o jovem tinha 14 anos. Mas, diante da recusa do então adolescente, seu pai lhe cortara o dedo indicador esquerdo e chicoteara o garoto. Noites depois, o garoto fugira de casa e embarcara no Esbanjador – então pertencente a Zaporavo, com quem Zanderio navegara por seis anos, até eu assumir o comando do navio.

De qualquer modo, tanto Ragazo quanto Zanderio eram marinheiros competentes e lutavam como demônios. E, pouco tempo depois, eu e minha tripulação estávamos de volta à boa rotina de batalhas e saques navais. Aliás, os piratas das Ilhas Barachas, aquele pequeno arquipélago próximo à costa sudoeste de Zingara, já vinham pilhando o povo do continente por mais de um século.

Por Crom, aquilo sim é que era vida – e não navegar por mares vazios, em busca de “tesouros há muito reunidos por reis pré-humanos e guardados por dragões chifrudos, em continentes perdidos e ilhas fabulosas, que permaneciam desconhecidas em meio à espuma azul de golfos sem nome”, como Sancha dizia que Zaporavo fazia!


3) De Vanaheim a Messantia

- O vento está bom! Levantem as velas! – gritei, enquanto meus piratas, apesar de agasalhados em peles, ainda se queixavam do frio. Mandei manobrarem os remos, enquanto Ragazo dava ordens para que continuassem remando, até desembarcarem.

Logo apareceram rostos desconfiados, de barbas ruivas e olhos azuis, no litoral. Na costa gelada de Vanaheim, navios barachos e zíngaros iam, esporadicamente, trocar vinho e cerveja pelas excelentes peles e âmbar vanires.

Após as trocas, eu e minha tripulação rumamos de volta para o sul.

* * *

A névoa do anoitecer se dissipava, quando, após dias viajando desde o norte, avistamos as luzes da cidade de Messantia, capital de Argos. Assim como em Zamboula, não existiam muros cercando Messantia – apenas o mar e seus navios guardavam aquela próspera cidade comercial do sul. Navios de todas as nações marítimas atracavam em sua baía; refugiados e fugitivos de diversas terras se reuniam ali, onde as normas legais eram frouxas.

Messantia prosperava pela lei dos mares, e seus cidadãos e autoridades faziam vistas grossas em seus tratos com os homens que lá chegavam – como piratas barachos e contrabandistas. Mas, nem todos nós éramos barachos; além de haver bucaneiros zíngaros, o galeão que eu comandava também era zíngaro – sem contar que eu também velejara com Bêlit e os corsários negros, que singravam das distantes costas do sul para saquear o litoral norte, e isso me colocava acima de todas as leis. Se eu fosse reconhecido em qualquer parte do litoral de Argos, isso me custaria a cabeça.

Mas, sem hesitar, ancoramos numa baía, a certa distância de Messantia e longe das vistas de qualquer messântio, e fomos andando – eu, Ragazo e Zanderio – por ruelas tortuosas e malcheirosas à noite, até a casa do mercador Publio, com quem eu comercializava desde a época em que naveguei no Tigresa.

O mercador, a quem eu conhecia desde meus tempos de corsário, era um homem baixo, de cabeça grande e vivazes olhos escuros, que morava numa cabana de porto, a qual fedia a peixe podre e vinho barato.

- Amra! – disse ele, sorrindo. – Há quantos anos, hein? Pensei que o chefe dos corsários negros estivesse morto. Onde está Bêlit?

- Não é da sua conta, Publio – rosnei. – Há muitos mercadores argoseanos com boa memória. Portanto, se você voltar a repetir esses dois nomes, esmago esta sua cabeçorra de estrume.

O mercador engoliu em seco, sorriu constrangido e me perguntou o que eu desejava.

- Demônios de Crom! – grunhi. – Isso é pergunta que se faça a um pirata com frutos de trocas comerciais e pilhagens?

Ragazo e Zanderio riram, enquanto Publio se apressava em me atender. Os piratas barachos vinham saqueando a costa há mais de cem anos, e aquele mercador não se atreveria a deixar de nos atender.


4) Traição na Costa Picta

Na Costa Picta, às vezes, chegavam barcos de Zingara para traficarem com as tribos da costa. Traziam armas, adornos e vinho, que trocavam por peles, minério de cobre e ouro em pó. Alguns traziam plumas de avestruz, que chegavam de Kush, passando pela Stygia. Os feiticeiros pictos apreciavam-nas bastante e compravam todas que podiam. Mas esse comércio era muito arriscado, já que os pictos chegavam ao extremo de tentarem se apoderar do barco que trazia as plumas. E a costa era perigosa.

Ortho, um pirata baracho, e eu, ancoramos lá, em busca de um tesouro de antigas jóias pertencentes a Tranicos, o Sanguinário, às quais eu e Bêlit já havíamos procurado, sem sucesso, em Negari. Um picto jurava tê-las encontrado, escondidas numa selva inabitada a um dia de caminhada terra adentro, mas o medo supersticioso o impedia de ir lá. Contudo, ele estava disposto a nos guiar até o local.

Marchamos terra adentro com ambas as tripulações, pois nenhum de nós confiava no outro. Pouco depois, encontramos as jóias sob um antigo altar quebrado: rubis, diamantes, esmeraldas, safiras e jaspes sangüíneos, tão grandes quanto ovos de galinha, lançando uma flama trêmula de fogo ao redor do velho santuário em ruínas! A visão delas era suficiente para enlouquecer um homem...

Acampamos lá durante a noite, e fiquei ouvindo uma história que os pictos falavam em suas cabanas, quando as fogueiras, como naquela noite, ardiam pouco: “Certa vez, há muito tempo, doze homens desconhecidos vieram do mar, acharam uma caverna e abarrotaram-na com ouro e jóias. Mas um xamã picto fez mágica, e a terra tremeu, a fumaça saiu da terra e os estrangulou onde se sentavam para tomar vinho. A fumaça, que era do fogo do inferno, ficou aprisionada dentro da caverna pela magia do feiticeiro”. A história era contada de tribo para tribo, e todos os clãs evitavam o lugar amaldiçoado.

De uma forma ou de outra, nos desentendemos uns com os outros sobre a divisão do espólio, embora houvesse o suficiente para tornar cada um de nós rico por toda a vida. Pusemos-nos a golpear uns aos outros, no entanto, e enquanto lutávamos entre nós mesmos, um batedor veio correndo com a notícia de que uma frota zíngara havia adentrado a baía, afastado nossos navios e mandado 200 homens à praia para nos perseguir. Por Crom, era Zarono e seus cães bucaneiros, juntamente com os barachos do Mão Vermelha, de Strom! Aliados temporariamente um ao outro e aos mesmos pictos que nos serviram de guias, eles estavam sobre nós, antes que o batedor terminasse de contar a história!

Sangue e entranhas espirraram de um dos barachos de Strom, devido a um giro ascendente de minha espada. No instante seguinte, um bucaneiro de Zarono investiu contra mim, mas lhe abri a cabeça como se fosse um melão maduro. Logo, abri os intestinos de outros dois bucaneiros rivais e perfurei o coração de um baracho do Mão Vermelha. Um grito inarticulado irrompeu dos lábios finos de um zíngaro de Zarono a investir em minha direção. Sua espada recuou e sibilou para a frente com a rapidez de uma naja atacando, capaz de estripar um homem cujos músculos fossem menos duros que os meus.

Mas o cão involuntariamente tropeçou para trás ao atacar, e aquela ação instintiva diminuiu a velocidade do seu golpe o suficiente para que eu o evitasse com uma torção rápida de meu tronco. A longa lâmina assobiou sob minha axila, cortando malha e pele – e simultaneamente, minha espada lhe rasgou a garganta.

Não houve grito, mas apenas um gorgolejo abafado quando o homem caiu, esguichando sangue. O zíngaro já estava morto, sua cabeça meio separada do corpo. Aquele salto decepador para o lado, que matou em silêncio, cortando a garganta até a coluna cervical, era um golpe favorito dos peludos afghulis das colinas do Ghulistão. Menos de meia dúzia de homens brancos dominavam tal golpe. Eu era um deles.

Outro baracho inimigo tentou me decepar, mas eu me esquivei e o decapitei por trás, de um só golpe, num giro sangrento. Em seguida, comecei a cruzar espadas com Zinguelito.

Meus barachos e bucaneiros mal se posicionaram para a ofensiva, quando os pictos saíram da floresta além da praia, separando-me do maldito imediato de Zarono. Mas, antes que pudessem ser surpreendidos, os homens brancos se fecharam numa muralha humana.

Vários pictos tombaram ante as flechas barachas, as quais, no entanto, não foram suficientes para deter o avanço de todos eles.

- Lanceiros a postos! – gritei. – Vamos para o corpo-a-corpo.

Numa investida cega, muitos selvagens se lançavam contra as lâminas inimigas, abrindo passagem para outros, que matavam e morriam desordenadamente. O picto mais adiantado tentou me esfaquear, mas me esquivei e cortei a garganta dele. O segundo a tentar me atacar morreu estripado, e o terceiro recebeu minha faca arremessada na testa, ao tentar lançar seu machado contra mim. Tudo aquilo aconteceu em menos de dez segundos, graças à minha agilidade.

Defendendo minha posição, fiz de minhas lâminas pêndulos mortíferos, decepando um oponente e aleijando outro, ao mesmo tempo em que, sob um ritmo automático, os arqueiros desferiam suas setas contra a massa ensandecida de pictos.

O sangue verteu abundante da pilha de cadáveres, por entre as folhas secas, até cair sobre o húmus espesso do solo saturado.

Ocupei o centro do confronto, destacando-me como um gigante entre os atarracados barachos e os pequenos, mas ferozes, pictos. E logo, me tornei o alvo dos ataques dos selvagens que investiam contra mim, como um cardume de piranhas vorazes, e que, no entanto, encontraram o fim nos meus infatigáveis machado e espada, os quais destroçavam ossos e carnes, e decepavam e talhavam membros com impiedosa precisão.

Temporariamente privado de sua espada por uma boleadeira picta que o derrubara, Ortho puxou sua adaga e, ainda se livrando das amarras no tornozelo, cravou o punhal na perna do mais próximo dos demônios pintados e, agarrando-lhe o machado, o baracho o usou para decepar a cabeça do picto num giro sangrento. O selvagem seguinte tentou decapitar Ortho, mas este se esquivou, acertando um murro no nariz do picto e matando-o com um chute no rosto – por Crom, aquele argoseano era quase tão forte e ágil quanto um cimério ou nordheimer!

Derrubado ao chão por uma clava picta na nuca, Ortho usou novamente seu punhal, enfiando-o no pé do picto que o derrubara e matando-o com uma facada no coração. Então, sem esperar o ataque – ele era, assim como eu, um lutador mais de ofensiva que de defensiva –, Ortho deu uma chave-de-braço num dos pictos que tentava matar um de seus barachos e, sem gastar tempo puxando a faca do coração do selvagem que acabara de matar, o pirata argoseano arrebentou o crânio daquele demônio pintado num tronco de árvore, fazendo espirrar sangue e miolos.

Então, ele avistou um picto ferido, caído ao chão, tentando alcançar nada menos do que a própria espada que o líder pirata havia perdido! Num salto, ele agarrou a arma recém-recuperada e disse ao selvagem:

- É a minha espada que você quer, demônio pintado dos infernos? Então, tome!

E, num único e sangrento golpe descendente, o argoseano decepou a cabeça do picto. Naquele momento, enquanto eu próprio também lutava e matava, gargalhei, entendendo por que chamavam aquele gigante argoseano cor-de-oliva de “Ortho Vermelho”.

Em seguida, comecei a cruzar espadas com aquele cão traidor do Galacus – um argoseano do Mão Vermelha, tão grande quanto eu –, mas outra onda de barachos de Ortho, perseguidos pelos bucaneiros, nos separou e aquele traidor de cabelos castanho-claros conseguiu fugir, junto com a tripulação.

Não demorou muito para que eu, quase invulnerável em meu capacete e cota-de-malha, estabelecesse minha supremacia sobre uma pilha de cadáveres mutilados. E, apesar de serem guerreiros cruéis e sanguinários, os selvagens tomaram consciência de que eu, já coberto de sangue coagulado, não sucumbiria ao ataque deles.

Nós nos dispersamos, cada bando por si. Não havia tempo de levar o saque. Mal conseguimos escapar com nossas próprias vidas. Finalmente eu, com quase toda minha tripulação, me dirigi de volta à costa e fui resgatado por meu navio, o qual retornara furtivamente, após escapar dos zíngaros.

Ortho pegou seu navio com um punhado de homens, após travar escaramuças por todo o caminho com os zíngaros, os quais o perseguiram ao invés de nós; e, mais tarde, conseguiu escapar.


5) Crepúsculo de uma Tripulação

Dias se passaram. Estávamos indo saquear navios shemitas, quando Ragazo apontou as grandes nuvens escuras. Ao leme, olhei para ele e o chamei:

- Fique no meu lugar. Está escurecendo muito rápido.

Comecei a tomar providências para a tempestade que se aproximava. O vento começou a soprar mais forte. Já era difícil manter o equilíbrio. Para nos entendermos, já era preciso começar a falar aos gritos. As ondas se tornavam cada vez maiores.

- Vamos para a costa! – gritei. – Estamos próximos a Pelishtia. É melhor arriscarmos uma escaramuça com os Filhos de Shem do que naufragarmos.

Coriscos percorriam o horizonte. As ondas começaram a invadir o convés. Um marujo foi envolvido pela avalanche de água, rolou e se chocou fatalmente contra a amurada. Subi no mastro para ver melhor a costa. Não vi nada. Eram três horas da tarde, mas uma escuridão ameaçadora cobriu o mundo. Relâmpagos estalavam e riscos de fogo disparavam no céu.

- Vejam!

- Por Mitra!

Avançando, subindo, rugente, clamorosa, montanha brotando das águas escuras, gigantesca onda elevou-se em direção ao Esbanjador, deixando-os estarrecidos de surpresa e terror – exceto eu, que só temo o sobrenatural, mas odeio inimigos aos quais não posso cortar com minha espada. A onda desabou sobre nós, e o navio se inclinou para estibordo. Caído para o lado, o Esbanjador pulava como um cavalo esporeado e ia dançando rapidamente através das ondas de cristas espumosas.

Caí do mastro e afundei na água fria daquele inverno. Deixei-me afundar, sem perder a calma. Sempre fui bom nadador. Quando vim à tona, soltei um grito. O Esbanjador estava afundado! Os vagalhões haviam dobrado o mastro em dois. As velas ficaram em tiras, esvoaçaram e estalaram; os cascos ficaram avariados. Vi meus bucaneiros em pânico, saltando na água ou se agarrando desesperadamente à popa, que ainda não submergira totalmente. Uma tábua flutuou próxima a mim, e eu me agarrei a ela.

Então, vi Ragazo preso às enxárcias do barco, como um peixe numa rede. Este se debatia desesperadamente, mas não conseguia se soltar. Nadei até meu primeiro-imediato, agarrei a espada e comecei a cortar as cordas. Ragazo se livrou e, perto de nós, flutuou uma porta de estiva. Agarramos-nos a ela.

- Conan! Conan!

Era a voz de Zanderio, o jovem segundo-imediato do Esbanjador. Ele se esforçava para se manter à tona. Nadava muito bem, mas logo percebi seu problema. Além da cota-de-malha, Zanderio vestira agasalhos muito pesados, tolhendo-lhe os movimentos.

Lancei-me em direção a ele o arrastei para a popa, agora plana à superfície das ondas. Passei o fio da espada na pele do casacão e o rompi de alto a baixo. Zanderio abriu os braços, livre, quando outro vagalhão se abateu sobre a popa, enroscando-se nela como um dragão vindo das profundezas e para as profundezas retornou, arrastando o Esbanjador.

Senti-me arrebatado e levado para o fundo do redemoinho, e esperei. Ali havia silêncio, gélida harmonia e o navio descendo em espirais, levando tripulação, víveres, saques, mapas, armas, esperanças... Eu me afastei dele e fiquei de olhos abertos, mirando-o até desaparecer. Então, voltei lentamente à superfície. As ondas pareciam morros movediços. Nadei aproveitando as ondas e sabendo que estava perto da praia. Pouco depois, meus pés tocavam o fundo. Logo, eu estava estirado na areia molhada.

Outro vulto saiu do mar, arrastando-se, e correu até a mim.

- Ragazo! – gritei.

O primeiro-imediato respondeu com esforço:

- Estou bem, capitão... estou bem.

Olhei ao redor. O mar começava a trazer destroços para a praia: pedaços de barricas, tábuas e cordas. Pensei em Zanderio – um rapaz simplório, mas confiável –, e pensei em toda a tripulação morta do Esbanjador... mas confortei-me ao ver Ragazo vivo ao meu lado.

Para onde agora, capitão? – balbuciou o cambaleante primeiro-imediato.

- Para as cidades shemitas que não nos conhecem, caro amigo – eu sorri. – E para aquelas que não conhecem Amra! – acrescentei, com uma gargalhada.



Epílogo: Conan e Ragazo se tornam mercenários a serviço do Rei Metusael, da cidade pelishtia de Toragis. Surpreendido no bordel que freqüenta, Ragazo vinga o dono de lá, morto por invasores shemitas de uma cidade vizinha. Após o exército rival ser repelido por ele e Conan, Ragazo se casa com uma jovem prostituta – tão obesa quanto a argoseana que o zíngaro conhecera nas Barachas – e, juntamente com ela, torna-se o novo dono do bordel. Conan, por sua vez, viaja para Asgalun – famosa por seus sábios que conseguem prolongar as próprias vidas por séculos – e, sabendo que Argos está em guerra com a Stygia, se une ao exército argoseano, cujo comandante é ninguém menos que o príncipe zíngaro Zapayo da Kova.



Agradecimento especial: Ao howardmaníaco e amigo Osvaldo Magalhães, de Brasília – DF.



A Seguir: Amalric da Aquilônia.





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