(por Fernando Neeser de
Aragão)
É meio-dia no mar ocidental, não muito distante da costa da Stygia. O
sol a pino brilha sobre o oceano azul e duas embarcações longas, negras e
estreitas, as quais estão presas uma à outra por ganchos de abordagem. Apesar
de semelhantes, uma delas é stígia, com uma serpente entalhada na proa e outra
desenhada na bandeira; o outro navio, contudo, possui um dragão esculpido na
proa e um longo pendão vermelho no mastro principal. E o mastro do navio stígio
está borrifado de sangue fresco, enquanto clangores metálicos se misturam a
gritos e ao som da matança.
Durante aquela batalha naval, lanças se saciam em corpos marrons.
Corpos negros e marrons são atravessados por espadas. Rostos se despedaçam em
sangue. Entre uivos de ódio, dor e triunfo, e estrondos de lâminas, o convés
stígio começa a se cobrir de mortos e ser tingido de vermelho. Agarrando o
pescoço do primeiro adorador de Set a investir contra ele, o encouraçado
guerreiro cimério chamado Conan o estrangula com a mão esquerda, ao mesmo tempo
em que trespassa outro corpo e decepa a calota craniana de um terceiro
guerreiro marrom.
Dentre os corsários, também se destaca uma figura branca, de 1m60 de
altura, esguia, flexível e arrogante, vibrante de vida e ameaça, barbaricamente
magnífica e com os ferozes rostos de ébano de seus guerreiros próximos a ela.
Sua única roupa é uma curta saia de seda, que lhe chega um pouco acima da
metade das coxas. Seus pés esguios calçam sandálias de feitio simples, e seu
cabelo, negro como a noite stígia, lhe cai em cachos longos sobre as costas
macias e flexíveis. Seus olhos escuros reluzem, e seus lábios vermelhos se
abrem num grito de zombaria: é Bêlit – agora uma espadachim quase tão boa
quanto o próprio Conan –, a qual decepa, num único giro, as cabeças de dois
stígios e crava sua espada no peito encouraçado de um terceiro adorador de Set.
Enquanto solta, com certo esforço, a espada do coração do stígio que acabara de
matar, dois lanceiros negros dão cobertura à sua líder.
Ela desarma
outro stígio com uma hábil e violenta torção do próprio punho, e atravessa-lhe
o coração de modo que a ponta da espada dela se sobressai abaixo do ombro dele.
Por um rápido
instante, ele permanece ereto, a boca estupidamente aberta, como se sustentado
pela lâmina. O sangue jorra daquela boca aberta e, quando a jovem retira a
lâmina, numa maravilhosa demonstração de força com o punho, ele desaba para a
frente, morto antes de seu corpo tocar o convés.
Enquanto isso, N’Gora e outros corsários negros empunham suas espadas
de cabos incrustados de jóias, cortando corpos ao meio e decepando cabeças. Ao
mesmo tempo, Bêlit enfrenta o mais alto dos stígios ali presentes –
aparentemente o líder daquele navio –, colidindo seu sabre contra a espada
dele. Esquivando-se de dois giros mortíferos da arma daquele gigantesco homem
de vestes nobres, ela apara um terceiro giro mortal e, numa finta, decepa-lhe a
cabeça.
No momento seguinte, porém, uma enorme serpente aparece como que do
nada, invocada por um velho feiticeiro stígio de cabeça raspada, no convés
daquele navio, e investindo contra a guerreira. Aquele mesmo feiticeiro havia
matado alguns corsários, abrindo-lhes os peitos ao arremeter a própria mão nua,
e enegrecida por magia, contra eles – segundo Bêlit havia contado a Conan
durante o combate, aquilo é a famigerada mão negra de Set.
Vendo que a espada e punhal de sua rainha-pirata não serão páreos para
aquela serpente gigantesca, o cimério nem desperdiça seu tempo arrancando a
espada de um encouraçado cadáver stígio aos seus pés e, com as mãos nuas,
investe contra o sinuoso réptil, agarrando-o pelo pescoço. Aquilo parece
somente enlouquecer a serpente, de modo que esta enlaça o grande tronco, de
escamas viscosas, ao redor de Conan. Firmando os pés para permanecer ereto, e
apesar de seu braço esquerdo também estar envolvido no aperto esmagador, o
cimério, antes que seu braço direito também seja envolto no abraço mortal,
consegue, com uma sofrida contração muscular, a qual lhe incha as veias quase a
ponto de estourar as têmporas, cravar os dedos de ambas as mãos no pescoço do
réptil com força redobrada, quebrando as vértebras da serpente num estalo seco.
Conan cambaleia para longe do réptil morto. O cimério se sente tonto e
enojado, e o sangue lhe escorre pelo nariz. Antes que possa chamar outra
criatura, o velho mago stígio é morto com uma flecha no cérebro, atirada por
Bêlit, enquanto Conan recupera sua espada e, após incendiar a embarcação, vai
embora dali, junto com sua amada, os corsários negros e o tesouro do navio stígio
que afunda – tesouro este, que será, mais tarde, vendido a Publio, em
Messantia. Como retaliação pelo ataque da serpente gigante, Bêlit decide
liderar o Tigresa para Khemi.
* * *
Remaram durante algum tempo, contornando a costa stígia. Agora à noite,
Khemi está ao alcance deles. É uma cidade de muralhas negras, com navios da
mesma cor ancorados em seu cais. Correntes do caudaloso Rio Styx deságuam no
mar e, ao longo de suas margens molhadas, a vegetação cresce densa e com grande
variedade.
Situado entre duas grandes saliências de terra, que adentram o oceano,
o porto não é abarrotado de navios, como os de Argos. Os stígios não baseiam
sua glória e poder nos navios e esquadras. Embarcações de comércio e galeras de
guerra eles têm, de fato, mas não em proporção à força terrestre. Muitas de
suas embarcações trafegam, subindo e descendo o grande rio, mais do que ao
longo das costas marítimas.
Todos os corsários negros que dali se aproximam, assim como Conan,
empunham tochas escondidas da visão dos stígios. Aquelas tochas são lançadas às
velas dos navios de Khemi. Em poucos minutos, o fogo nas velas se espalha até
as embarcações com proas de serpentes e a uma parte do cais. Quando os stígios
percebem o que está acontecendo, e se mobilizam para apagar o fogo, metade do
porto da cidade já está destruída, enquanto a maioria dos navios incendiados,
por sua vez, já está além de qualquer ajuda.
Após o incêndio das embarcações stígias, o cimério se dá conta da
ausência de sua Bêlit, ao partirem dali. Empolgado e distraído com a cena
daqueles navios pegando fogo, bem como com os gritos de surpresa dos stígios, ele
não percebeu que, do outro lado do Tigresa,
o jovem N’Longa, um dos subchefes dos corsários, havia sido, juntamente com
outros corsários, morto por piratas barachos, os quais, quase tão furtivos
quanto os corsários negros, seqüestraram a Rainha da Costa Negra,
aproximando-se sutilmente do navio em botes. Dirigindo-se até o jovem morto, o
cimério encontra, no peito do negro rapaz emplumado, um bilhete atravessado
pela própria espada de N’Longa em seu coração e escrito em língua Argoseana:
“Amra:
Sua mulher está em nossas mãos. Apareça
sozinho, na pequena ilha deserta, a 10 km ao sul de Khemi, senão a mataremos.
Você tem até três dias para se entregar a nós e poupar sua Bêlit.
Cap. Hakus”.
* * *
Três dias se passaram. Com a longa cabeleira negra sobre as costas
nuas, Bêlit, de 33 anos, tenta, mais uma vez, libertar-se das fortes cordas que
lhe amarram os alvos pulsos esfolados a um grosso galho de árvore daquela
clareira. No interior da espessa floresta ao redor, vários barachos montam
guarda.
“Deuses de Shem”, Bêlit ora silenciosamente, enquanto tenta se soltar.
“Deuses de meus ancestrais, ajudem-me; protejam o homem que amo e destruam os
cães barachos que nos separam”. Apesar de ter nascido numa colônia shemita na
Costa Negra e de ter as ilhas do sul como base de operações, aquela pirata cor
de marfim, por ser descendente não-mestiça dos reis de Asgalun, é tão filha de
Shem quanto se tivesse nascido na terra de seus antepassados.
Enquanto isso,
após dar carne e água para alimentar sua prisioneira, Hakus – um argoseano alto
e forte, de cabelos castanhos e pele morena – aproveita-se de um momento de
distração da esposa, para alisar o rosto da cativa e falar com ela.
- Sabe que
você é linda, Bêlit? – diz o líder daqueles barachos. – Você deveria ser amante
de um homem civilizado, e não de um bárbaro de esterco...
A única
resposta da pirata é uma enorme cusparada no rosto de Hakus. Este, indignado,
saca o punhal e puxa, violentamente, os cabelos da líder dos corsários para
trás.
- Largue-a,
Hakus! É a mim que você quer! – brada uma voz familiar, atrás do líder baracho.
Este se vira e avista um homem alto, musculoso, de pele morena, longos cabelos
negros e vulcânicos olhos azuis, vestindo uma armadura de cota-de-malha negra,
um manto escarlate, um elmo com chifres e caminhando a passos largos, e
aparentemente desarmado, em sua direção.
- E se eu não
quiser largar? – pergunta Hakus, com um sorriso maldoso e ainda apontando sua
adaga no pescoço esguio da linda Bêlit.
- Então, não
há nada que eu possa fazer... – responde Conan, em tom calmo e aparentemente
indiferente, apontando subitamente uma pequena balestra e atirando.
A seta é
certeira, rompendo a corda no ponto exato em que esta unia os pulsos da
descendente de shemitas ao galho de árvore, e um ao outro. Parcialmente livre –
com os pés ainda amarrados, mas as mãos soltas – e totalmente recuperada do
susto, Bêlit esmurra os testículos de Hakus. Logo, a floresta ao redor da
clareira é invadida pelo som de aço colidindo contra aço, afundando em carnes e
ossos, e por gritos de triunfo e morte. Apesar de caído, o argoseano abre um
novo sorriso perverso para o cimério:
- Está vendo,
bárbaro? Você tinha algum truque, mas meus homens...
Antes que
Hakus complete a frase, várias cabeças são lançadas aos seus pés, vindas de
dentro da floresta – e nenhuma delas é negra, sendo todas conhecidas pelo
pirata.
- M-meus
homens! – balbucia Hakus, assustado e mirando, com os olhos arregalados,
aquelas cabeças ensangüentadas a lhe devolverem o olhar com órbitas oculares
sem vida, ou quase sem vida.
- Seus homens
estão todos mortos, do jeito que eu e meus corsários planejamos – responde
Conan, ao mesmo tempo em que os corsários negros saem da floresta e adentram a
clareira. – Agora, puxe sua espada, cão covarde! – ele acrescenta bruscamente,
desembainhando a própria lâmina. – Quero ver se você é homem o suficiente para
alguém do seu tamanho!
Com um
grunhido rouco, Hakus investe contra o líder bárbaro, acreditando que sua
habilidade compensará a pura força do cimério. Enquanto isso, libertada por
Conan, Bêlit acerta um tapa no rosto da esposa de seu seqüestrador, chamando-a
de vagabunda. A argoseana puxa uma adaga, mas a pirata desarmada lhe acerta um soco
no rosto, a desarma apertando-lhe o pulso com a mão e lhe dá uma chave-de-braço
no pescoço até estrangulá-la. Então, lembrando-se da adaga que a hiboriana
deixou cair ao chão, a pirata a enfia na jugular da mulher. Esta morre em
poucos segundos, com o sangue lhe escorrendo aos borbotões do pescoço, enquanto
a rainha-pirata usa a adaga para cortar as amarras dos tornozelos.
Enquanto isso,
Hakus é desiludido dentro dos primeiros poucos momentos da luta. Conan é tão
rápido quanto um leão ferido, e sua esgrima não é menos astuta que a do líder
baracho. Ela apenas parece assim, por causa do estilo furioso de ataque do
cimério, distribuindo abundantemente golpe após golpe com o que parece ser pura
indiferença. Mas a própria ferocidade de seu ataque é sua melhor defesa, pois
não dá tempo para seu oponente lançar um contra-ataque.
A força de
seus golpes, batendo na lâmina de Hakus, faz o argoseano cambalear e estremecer
até os calcanhares, paralisando-lhe o pulso e braço com o impacto deles. Fúria
cega, humilhação e puro medo se combinaram para privar o capitão baracho de seu
equilíbrio e habilidade. Um bater de pés, um colidir mais alto de aço, e a
lâmina de Hakus gira rapidamente para um canto. E, num último giro de espada,
Conan acerta um enorme talho, de cima pra baixo, no ombro do argoseano,
atravessando mortalmente o peito e barriga deste, até a lâmina chegar ao umbigo
do líder baracho, num jato de sangue.
Em seguida,
com um sorriso de orgulho nos lábios finos, o co-líder dos corsários negros
limpa e embainha sua espada, e carrega sua exausta Bêlit nos braços, a qual
deita a linda cabeça sobre o musculoso peito encouraçado de Conan, deixando-se
levar pelo sono, enquanto os corpos mutilados dos barachos são largados para os
abutres.
*
* *
“Fogo, luz que
incendeia os corações
De guerreiros e
amantes, vem!”
(Marcus Viana, em “Do Amor e da Guerra”).
Após uma breve
passagem pela casa de Publio, em Messantia, o Tigresa, mais uma vez, parte em direção ao sul, em meio ao barulho
ritmado dos remos que o impulsionam. Com a partida do delgado navio pelas
espelhadas águas azuis, a agora descansada Bêlit se dirige novamente ao
tombadilho. O Tigresa agora se
encontra amarrado num esconderijo numa baía cercada por pântanos – um
emaranhado verde de manguezais, palmeiras e videiras, apinhado de crocodilos e
serpentes. Os olhos da pirata brilham com a intensidade dos de uma pantera no
escuro, quando ela, mais uma vez, se despe completamente para Conan, o qual se
senta, seminu, sobre o convés, com as musculosas pernas abertas e os polegares
enfiados no largo cinto de couro cru.
Levantando o
corpo sobre as pontas dos pés, os braços erguidos no alto, a rainha-pirata se
transforma numa trêmula e delicada coluna branca; e ela dança, girando como os
ventos do deserto, saltando como uma labareda impossível de apagar, como o
desejo da criação e o ímpeto da morte. Então, quando as estrelas brancas já
começam a tremer no aveludado firmamento, acima do poente, fazendo o delicado
corpo branco parecer apenas uma disforme mancha de marfim flutuando no ar, ela,
mais uma vez, se lança aos pés de Conan com um grito selvagem.
Tomado de
desejo, o cimério abraça Bêlit, com todo o fogo da paixão lhe latejando nas
veias, e beija os olhos, boca, bochechas, pescoço e axilas da Rainha da Costa
Negra, fazendo-a suspirar e arquejar de desejo. A seguir, os grandes e suados
seios firmes da pirata tremem e palpitam com os ferozes beijos quentes e
selvagens de Conan, cuja língua desce em seguida até a barriga torneada e a
rósea vulva peluda da rainha-pirata – para, logo depois, ser substituída pelo
falo ereto do bárbaro, a adentrar vigorosa e prazerosamente a vagina de Bêlit,
fazendo-a gemer, de olhos fechados e lábios entreabertos, juntamente com Conan,
de um prazer cada vez mais intenso, até ambos explodirem, sob o luar, num
orgasmo intenso e vibrante, com seus corpos suados e almas ardentes unidos como
um só, em meio à volúpia carnal que lhes palpita nas veias, genitálias e corações.
FIM
Agradecimentos especiais: Ao
howardmaníaco e amigo Ricardo Tavares Medeiros, de Brasília – DF
A seguir: A Rainha da Costa Negra - parte 2, por Robert E. Howard.