(por Fernando Neeser de
Aragão)
Entre o céu
azul e um mar da mesma cor, dois navios longos, estreitos e negros, de laterais
baixas, se encontram como dois amantes abraçados, amarrados um ao outro por
cordas e ganchos de abordagem. De longe, parecem duas embarcações stígias se
encontrando, mas somente uma delas é equipada por stígios – homens altos,
esguios, fortes e imberbes, de pele marrom. Suas vestes consistem em
cotas-de-malha, tangas de seda e sandálias. Em suas cabeças, todos usam um elmo
de bronze, e cada um traz no braço esquerdo um pequeno escudo redondo de
madeira, reforçado com couro endurecido e pregos de bronze. Suas armas são
espadas curvas, maças de madeira polida e leves machados de batalha. Alguns
carregam arcos pesados, de poder evidente, e aljavas com longas flechas
farpadas.
A outra, contra a qual o navio stígio luta desesperadamente pela vida,
é equipada por lanceiros negros nus, emplumados e pintados, usando escudos
ovais e liderados por uma mulher branca e seminua, bem como por um homem
agigantado de cabelos negros, olhos azuis e usando negra armadura de malha
metálica, um manto escarlate, longas botas polidas e um elmo de aço azul,
decorado por polidos chifres de touro.
Embora acuados, os stígios, atiçados por seu obstinado capitão, não se
rendem. Naquele momento, três deles são atingidos pelos 110 kg de musculatura,
bem distribuída ao longo de 1m98, de Conan da Ciméria – peso este aumentado
pela armadura do cimério. No instante seguinte, o capitão é abatido pela larga
e azulada espada de Conan, num giro estripador. Alguns dos corsários negros
haviam morrido na troca de flechas que precedera a abordagem, mas eles, seus
arcos e lanças estão em vantagem contra os stígios.
Após cravar sua lança no corpo de um dos stígios, N’Gora não perde seu
tempo tentando retirá-la e, enquanto grita ordens aos lanceiros, o subchefe dos
lanceiros negros agarra o guerreiro marrom mais próximo e o arremessa na água,
onde seu antagonista se afoga. Aparando o giro de uma espada stígia, o cimério
estripa o guerreiro que a brandiu, com uma única estocada.
Enquanto isso, Bêlit, com sua pontaria infalível, lança flechas
certeiras nos guerreiros stígios e puxa sua adaga quando as setas acabam.
Enquanto isso, o parceiro da Rainha da Costa Negra decepa o escudo e braço de
outro adorador de Set, quebra-lhe a espada no segundo golpe e lhe decepa a
cabeça no terceiro. Ao antagonista seguinte, Conan parte ao meio, na altura da
cintura. Segundos depois, enquanto tenta retirar sua espada do peito de um rival
morto, o cimério é agarrado por trás por um stígio tão alto e forte quanto ele,
imobilizando os braços férreos do bárbaro branco. Com um movimento brusco de
seus braços musculosos e encouraçados, este consegue se desvencilhar do abraço
do gigante stígio e lhe dá uma chave-de-braço no pescoço taurino. Avistando seu
amado cimério, a líder pirata arremessa sua adaga na parede externa da cabine,
a poucos centímetros de Conan.
Este a
agarra, abre a jugular do stígio e, enquanto o sangue jorra aos borbotões do
pescoço do gigante de pele marrom, o cimério recupera a espada e retorna à
luta. Apesar da morte do capitão, os adoradores de Set continuam resistindo
bravamente, como se defendessem algo mais do que as próprias vidas.
Após Ajonga estripar outro stígio com a lança, Conan decepa a cabeça
aquilina de mais outro, num giro sangrento, e arremessa outro guerreiro marrom,
ainda vivo, ao mar, como N’Gora havia feito.
Ao ver Bêlit temporariamente desarmada, Conan arremessa sua espada para
ela, ao mesmo tempo em que estripa outro guerreiro de pele marrom com a adaga
de sua amada. Esta, por sua vez, mata o stígio seguinte com três golpes
sangrentos da espada aquiloniana do cimério. Este vê outro adorador de serpente
investir na direção de sua amada e arremessa o punhal na testa do homem, antes
que ele possa alcançar a rainha-pirata. Enquanto a descendente de shemitas
recupera sua arma preferida – pois a espada de Conan é pesada demais para a
líder do Tigresa manusear –, um
enorme e musculoso guerreiro suba – o único negro ali presente que não é um dos
corsários das Ilhas do Sul – se balança numa das cordas do navio e, num único
chute, lança ao mar outro stígio que investia contra Bêlit.
Enquanto os corsários negros vão se impondo cada vez mais contra a
tripulação de pele marrom, Bêlit estripa mais um com sua adaga, e outro com a
lança de um dos poucos negros que morreram. Então, Conan, Bêlit e o suba, de
nome Sakumbe – este último, o único negro ali presente a andar com as partes
íntimas cobertas –, avistam um stígio de aparência nobre e vestimenta rica.
Este sabe que irá andar na prancha, caso não faça algo. Então, aquele homem –
tão alto, marrom e imberbe quanto a maioria dos habitantes da Stygia – sorri
para os guerreiros que se aproximam e ergue as mãos, não como rendição, mas
para demonstrar que quer negociar pacificamente com aqueles corsários.
- Se me matarem – ele diz calmamente –, vocês nunca acharão o tesouro
ao qual também procuro.
- Que tesouro? – indaga Bêlit.
- O Tesouro de Tranicos – responde o stígio, puxando um rolo de papiro
das ricas vestimentas de seda. – A propósito, sou Thutmekri, de Luxur, e eu
estava a caminho de Zembabwei, onde falaria com o embaixador de lá, para ver se
ele me ajudaria a encontrar o tal tesouro, o qual se encontra na cidade perdida
e pouco conhecida de Negari, no interior de Atlaia. Foi, inclusive, por minha
causa, que todos os tripulantes continuaram lutando, mesmo após a morte do
capitão. Mas, agora que perdi minha tripulação, eu pediria demais, se
negociasse minha vida em troca do tesouro?
- Não – responde Bêlit, cuja alma shemita havia, como sempre, se
deixado inebriar pela possibilidade de riqueza e esplendor material. O Tesouro
de Tranicos é, há décadas, quase uma lenda entre piratas barachos, bucaneiros
zíngaros e corsários negros (sejam estes de Kush ou das Ilhas do Sul), os quais
o procuram avidamente, mas sem sucesso, há anos. – Ficarei com o mapa e você
será nosso refém, até acharmos o tesouro. Amra e Sakumbe serão informados do
percurso que deverão seguir, como meus batedores, até essa tal Negari.
2)
Após o Tigresa desembarcar na
costa de Atlaia, Conan da Ciméria e Sakumbe de Suba vão dias à frente dos
corsários. Sakumbe havia sido recentemente um líder de corsários kushitas, até
seu navio ser abordado por barachos. Sua vida só fora poupada porque Bêlit,
Conan e os corsários negros haviam atacado e destruído o navio pirata argoseano
que o abordara. Último sobrevivente do navio que liderara, Sakumbe havia caído
nas boas graças de Conan e Bêlit, ao mostrar para eles o ouro em pó e marfim
que traficava – o suba também era traficante de escravos, mas os vingativos
barachos não os haviam poupado quando atacaram a nau dos corsários kushitas de
Sakumbe.
Aquele povo alto e esbelto de Atlaia – por onde o cimério e o suba
acabam de chegar – usa, como roupas, longos panos vermelhos, dispostos como
togas sobre os esguios e fortes corpos de ébano. Os homens usam os cabelos trançados,
enquanto as mulheres raspam as cabeças. Embora isto não lhes tire a beleza,
Conan prefere as mulheres de cabelos grandes, como sua Bêlit.
Durante os festejos – segundo lhe fora contado por Bêlit e os corsários
negros –, os membros daquelas tribos dos rios costumam dar altos pulos
verticais, buscando sempre pisarem no mesmo local do qual saltaram; e as
mulheres trocam suas longas togas vermelhas por roupas de diversas cores.
Caçadores de leões, eles vivem do pastoreio de bois e cabras. Somente os
homens preparam a comida: após matarem a rês, eles bebem o sangue da mesma,
para depois a esquartejarem, assarem e servirem.
Dizem que o gado, para eles, possui mais valor que suas próprias
mulheres. O que mais chama a atenção de Conan neles é que, assim como os
corsários negros, eles têm feições mais afiladas e cabelos menos crespos que a
maioria dos povos negros.
Curioso e intrigado, ele pergunta o motivo de suas semelhanças com os
corsários que lidera; Sakumbe traduz para os atlaianos, e a resposta é sempre a
mesma: eles apontam na direção noroeste.
- Já vendi marfim para essa gente, e por isso sei falar a língua deles
– diz Sakumbe. – E talvez a direção à qual apontam seja exatamente a do Tesouro
de Tranicos. Coincide com o que o mapa de Thutmekri nos indicou.
* * *
Após
atravessarem o litoral, savanas e selvas, os dois guerreiros bárbaros ouvem
gritos femininos de pavor, misturados a rugidos felinos. Acelerando o passo,
Conan e Sakumbe vêem, acuada contra uma árvore, uma esguia jovem seminua, com
um leão prestes a dar um pulo fatal em direção a ela.
Sem pensar
duas vezes, Sakumbe arremessa sua lança no animal, estripando-o de um lado a
outro. Mas é uma fera difícil de matar e que, enfurecida pela dor, urra e
investe contra o suba. Então, antes que o gigantesco felino moribundo possa
atacar o negro, um brilho prateado rasga a noite, ofuscando momentaneamente as
recém-surgidas estrelas, e o giro da enorme espada azulada, manuseada por
Conan, esfacela o crânio do felino, numa explosão de sangue e miolos.
- Por Ajujo! –
ofega Sakumbe, ainda segurando a faca que puxara após arremessar a lança. –
Muito obrigado, Amra.
Aliviada, a
jovem abraça o agigantado cimério blindado, de olhos azuis, agradecendo-o, ao
mesmo tempo em que Conan
lhe devolve o olhar com um brilho de paixão àquela bela jovem de pele negra,
longos cabelos pretos e trançados, e enormes seios firmes, com mamilos maiores
que limões.
- Está tudo
bem, garota. – ele responde, na língua da jovem e excitado, tanto com a beleza
dela quanto com o cheiro de suor naquela quente pele de ébano colada à sua
armadura – Mas... por todos os deuses, o que faz uma kushita aqui em Atlaia?!
- Sou Akana...
– ela ofega, enquanto solta o pirata cimério e pega um cocar de penas de
avestruz, caído ao chão, e o põe na cabeça. – Sou escrava de Karawan, o rei de
Negari. Vim buscar lenha para o jantar de Sua Majestade, e fui atacada.
- Quer dizer
que finalmente chegamos ao reino de Negari? – pergunta Sakumbe, sorridente. – E
onde podemos nos hospedar, Akana?
- As terras de
meu senhor são logo após aquela colina – responde Akana, apontando para o oeste.
– Vejam! Ele está chegando!
Uma comitiva
de soldados se aproxima dos três bárbaros. São todos altos e imberbes, de corpo
esbelto e pele escura, com traços firmes e aquilinos. Suas armaduras são de
cobre e couro, e seus escudos estão cobertos de verde. Suas lanças, suas
espadas esguias e longas adagas são de bronze.
Ele se
aproxima de Conan e Sakumbe, carregado numa vistosa liteira de mogno polido,
com dossel e incrustada de jóias, por quatro
homens altos, de pele marrom, com cabelos e olhos negros, a vestirem apenas tangas de seda, com longas adagas penduradas aos
cintos que as sustentam, bem como com mantos curtos de plumas douradas.
Sua pele
marrom e traços aquilinos – assim como os dos homens que a carregam – mostram a
Conan e Sakumbe uma grande semelhança física com os stígios. Ele veste um manto de penas coloridas, traz na mão
uma vara de marfim e, nas têmporas, um círculo de cobre em forma de serpente
enroscada, com a cabeça levantada na frente.
- Quem é você?
– pergunta Conan, falando ao acaso em língua Stígia.
- Karawan, rei
de Negari – ele responde, num idioma similar e bastante arcaico, ao qual Conan
mal compreende.
*
* *
Após
contornarem a colina, a pequena comitiva chega à cidade, cujos enormes portões
de bronze se abrem para eles, onde são conduzidos até a sala do trono.
O esplendor do
local é pavoroso – elefantino –, inumanamente gigantesco e quase paralisante
para a mente que tentasse medir e compreender a magnitude daquilo. Para Conan,
parece que aquilo havia sido mais trabalho de deuses que de homens, pois esta
única câmara sobrepujaria grandemente a maioria dos castelos que ele conhecera
nas terras hiborianas; e, apesar de terem certa semelhança com a colossal arquitetura
stígia, aquelas construções conseguem ser ainda mais gigantescas do que as que
o cimério vira em Khemi. O
espanto de Sakumbe – que só tivera alguns vislumbres das construções dos
stígios, shemitas e hiborianos, mais grandiosas que as dos negros selvagens –,
é ainda maior que o do cimério.
Chegando ao
enorme palácio, o Rei Karawan e os soldados da sua comitiva conduzem os
cansados guerreiros, da sala do trono aos aposentos daquela construção com portões
de bronze na entrada.
*
* *
A noite caiu
na antiga cidade de Negari. Após dormirem durante o dia, Conan, Sakumbe e o Rei
Karawan estão sentados, sozinhos, numa sala do palácio interno. O rei, meio
reclinado num leito de seda, enquanto os bárbaros se sentam em cadeiras de
mogno, empenhados na comida que jovens escravas haviam servido em pratos
dourados. As paredes desta sala, como todas do palácio, são de mármore, com
grandes arabescos dourados. O teto é de lápis-lazúli, e o chão, de ladrilhos
de mármore marchetados com prata e coberto por um tapete felpudo. Pesadas
cortinas de veludo decoram as paredes e as almofadas de seda; divãs ricamente
trabalhados, e cadeiras e mesas de mogno se alastram pelo chão em descuidada
abundância.
- Já ouviu
falar em
Tranicos O Sanguinário , o maior dos piratas barachos? – diz
Sakumbe abruptamente, passando adiante o que lhe fora contado por Thutmekri, e
misturando a língua atlaiana com a Stígia. – Foi ele quem assaltou a ilha do
castelo do exilado príncipe Tothmekri, da Stygia, passou as pessoas no fio da
espada e levou o tesouro que o príncipe havia trazido consigo, quando fugira de
Khemi. Temendo ser traído por seus capitães, ele fugiu num navio, e desapareceu
do conhecimento dos homens, há muitas décadas.
“Mas a
história insiste que um homem sobreviveu àquela última viagem, e retornou às
Barachas, apenas para ser capturado por um navio de guerra zíngaro. Antes de
ser enforcado, ele contou sua história e desenhou um mapa com seu próprio
sangue, num pergaminho, que contrabandeara de alguma forma, longe do alcance de
seu captor. Esta foi a história que ele contou: Tranicos viajara para muito
além dos caminhos de navegação, até chegar a uma baía numa costa desolada, e lá
ancorou. Desembarcou, levando seu tesouro e onze de seus capitães mais
confiáveis que o haviam acompanhado em seu navio. Seguindo-lhe as ordens, o
navio partiu, para retornar dentro de uma semana e buscarem o almirante dele, e
seus capitães. Nesse meio tempo, Tranicos pretendeu esconder o tesouro em algum
lugar nos arredores da baía. O navio retornou no tempo marcado, mas não havia
sinal de Tranicos e seus onze capitães, exceto a tosca residência que eles
haviam construído na praia”.
Após ouvir o
relato de Sakumbe, Karawan finalmente quebra o silêncio:
- Longos eons
atrás... eras, eras atrás... o império de minha raça se erguia orgulhosamente
sobre as ondas. Há tanto tempo, que nenhum homem se lembra de um ancestral que
o lembrasse. Numa grande terra a oeste, se erguiam nossas cidades. Nossas
torres douradas arranhavam as estrelas; nossas galés de proas púrpuras rompiam
as ondas ao redor do mundo, pilhando os tesouros do sol poente e as riquezas
do nascente.
“Nossas
legiões avançavam para o norte e o sul, oeste e leste; e ninguém era capaz de
resistir a elas. Nossas cidades uniram o mundo; espalhamos nossas colônias por
todas as terras para subjugar todos os selvagens – vermelhos, brancos ou negros
– e escravizá-los. Eles trabalharam para nós nas minas e nos remos das galés.
Por todo o mundo, o povo marrom da Atlântida reinou supremo. Éramos um povo
marinho, e investigávamos as profundezas de todos os oceanos. Os mistérios nos
eram conhecidos, e as coisas secretas da terra, do mar e do céu. Nós líamos as
estrelas e éramos sábios. Filhos do mar, nós o exaltávamos acima de tudo.
“Adorávamos
Valka, Hotah, Honen e Golgor. Muitas virgens, muitos jovens fortes, morreram em
seus altares e a fumaça de seus santuários ocultava o sol. Então, o mar se
ergueu e sacudiu. Ele trovejou de seu abismo, e os tronos do mundo caíram
diante dele! Novas terras se ergueram das profundezas, e Atlântida e Mu foram
engolidas pelo abismo. O mar verde rugiu pelos templos e castelos, e as ondas
do mar se incrustaram nas cúpulas douradas e torres de topázio. O império da
Atlântida desapareceu e foi esquecido, submergindo no abismo eterno do tempo e
do esquecimento. Da mesma forma, as cidades coloniais em terras bárbaras,
isoladas de seu reino materno, pereceram. Os selvagens negros e brancos se
insurgiram, queimaram e destruíram, até que somente a cidade colonial de
Negari permaneceu aqui como símbolo do império perdido”.
Por
desconhecer a heterogeneidade étnica dos atlantes da longínqua Era Thuriana e
do final desta, Conan – o qual tem Sakumbe como intérprete para aquela mistura
de idiomas – estranha aquilo. Segundo Yag-Kosha lhe contara anos atrás, os
atlantes haviam sido ancestrais dos cimérios, e não daquele estranho povo de
cultura e aparência stígia.
- Por
intermédio dos atlantes de Mogar e Bal-Sagoth, já conversei com viajantes,
cativos e escravos, além de homens de países distantes, como vocês agora. –
prossegue Karawan. – Sei que esta terra de montanhas, rios e selva, onde parte
dos atlantes se miscigenou com os nativos, não é o mundo inteiro. Há nações e
cidades bem distantes, e reis e rainhas para serem esmagados e derrotados. Eis
a minha proposta:
“Negari está
desaparecendo e seu poder está se desagregando, mas dois homens fortes como vocês,
ao lado de seu rei, podem reconstruí-la... podem restaurar toda a sua glória
que está desaparecendo. Ouçam, Conan e Sakumbe! Chamem os corsários negros,
para ajudarem meus guerreiros! Minha nação ainda é senhora desta parte do reino
de Atlaia – o qual tem este nome, graças ao império submerso. Juntos, uniremos
as tribos conquistadas – traremos de volta os dias em que o reino da antiga
Negari atravessava a terra de mar a mar! Subjugaremos todas as tribos do rio,
da planície e do litoral marinho, e, ao invés de matarmos a todos, faremos
deles um poderoso exército, aliado aos seus corsários! E depois, quando os
Reinos Negros, ao norte daqui, estiverem sob nosso domínio, avançaremos sobre
o mundo hiboriano como leões famintos, para dilacerar, rasgar e destruir! Você
e Sakumbe se tornarão reis das terras hiborianas ao norte de Shem, e eu serei
rei de vocês!”.
- Já tenho meu
reino: os mares da Costa Negra, e de toda a costa de Zingara até os fogos do extremo
sul... e minha rainha é Bêlit. Não estamos nem um pouco interessados em seus
delírios imperiais. – o cimério responde bruscamente, misturando a língua
Stígia com o pouco que conseguira entender de Negari e atlaiano até o momento –
Eu e Sakumbe fomos mandados por ela apenas
para procurarmos o Tesouro de Tranicos, do qual Thutmekri nos falou. Se aquele
porco stígio mentiu, e o tal tesouro não está aqui, iremos embora. – responde
Conan, resoluto.
Por um
momento, Sakumbe fica quase tão espantado quanto o rei marrom, mas percebe que
o cimério está com a razão.
- Tudo bem –
diz o rei de Negari. – Mas, não gostariam de descansarem mais um pouco? Sei que
a viagem de vocês foi muito longa... Depois, sintam-se à vontade para
retornarem à costa, amanhã de manhã.
3)
Mais tarde,
Conan acorda abruptamente em seu quarto, ao ver a porta deste ser aberta por
uma silhueta feminina, vestida apenas com uma tanga de pele de leopardo, seu
cocar de cortesã e com uma lamparina a iluminar-lhe o belo rosto de ébano.
- Akana?! –
resmunga o cimério.
- Sua
Majestade mandou perguntar se milorde Conan deseja companhia. – responde
humildemente a kushita.
Sem pensar duas vezes, o bárbaro – que dormia despido da armadura, mas
com a espada ao alcance – sorri, toma a mão da bela negra e a põe no leito,
beijando-lhe selvagemente os olhos, bochechas, boca, pescoço e seios, fazendo a
jovem – agora perfumada sob as ordens do Rei Karawan – ofegar de desejo. Embora
firme, o enorme busto de ébano da garota treme e palpita sob os beijos ferozes
do excitado cimério. Igualmente excitada, Akana sente, logo depois, a língua de
Conan lhe explorar a crespa mata úmida pubiana, para em seguida ser substituída
pelo falo latejante do cimério, a adentrá-la fortemente, arrancando gemidos de
prazer da escrava kushita e do pirata branco, o qual suga sofregamente as
axilas e seios da jovem a gemer de orgasmo.
Após descansarem do êxtase do prazer, Akana sorri e beija os lábios de
Conan.
- Vou buscar mais vinho para nós. – diz a bela jovem negra.
* * *
Enquanto isso,
em seus aposentos, do outro lado do palácio, Sakumbe é acordado por soldados da
Guarda de Elite de Negari – homens com as mesmas armas e armaduras dos soldados
que protegiam Karawan, quando este encontrara os dois bárbaros.
- O que
desejam? – pergunta o suba, despertando quase tão abrupta e plenamente quanto
um felino selvagem.
- Temos ordens
de Sua Majestade, o Rei Karawan, para prendê-lo – responde o general
Hakizimana, chefe deles.
O lanceiro
negro nem perde tempo perguntando os motivos daquela prisão. Em apenas um
segundo, ele agarra sua arma ao lado da cama e abre, com ela, a garganta de
dois guardas que já o atacavam. O suba é tão ágil que, quando os demais
guerreiros começam a brandir suas espadas contra ele, Sakumbe já abriu um
caminho sangrento pela porta e está prestes a pular a janela do corredor
adjacente.
Alguns
guardas, com os ombros feridos, atiram suas lanças sem acertar o alvo, enquanto
o negro ganha as ruas de Negari. Enquanto corre entre duas daquelas altas, opressivas
e sombrias construções, Sakumbe é surpreendido por uma rede, que cai do alto e
o aprisiona. O suba – famoso por ser “capaz de enganar o próprio diabo” –
poderia escapar em poucos segundos, mas infelizmente não dispõe destes, pois é
imobilizado por vários daqueles sujeitos altos e marrons, de olhos negros e
traços aquilinos, e nocauteado com uma enorme pedra na nuca.
* * *
Desde adolescente, Akana era obrigada a realizar todas as ordens e
desejos do Rei Karawan, bem como dos sacerdotes menores de Valka. Revoltada com
as humilhações que sofria, ela sente saudades de Kush e resolve contar a Conan
sobre a prisão de seu amigo, da qual soube ao ouvir escondida as ordens do rei,
pois o cimério a levara ao êxtase do prazer – prazer que ela nunca havia
sentido naqueles cinco anos de cativeiro e de humilhações piores que
chibatadas.
Ao voltar aos aposentos, Akana fecha a porta e fala baixinho para
Conan:
- Não beba o vinho, cimério. Ele está drogado. O seu amigo foi capturado
para ser sacrificado no Altar Negro, na Torre da Morte, e o Rei Karawan queria
lhe drogar para fazer o mesmo com você.
O bárbaro rosna, enquanto, alertado pelas palavras da kushita, veste
sua armadura. Ele já deveria esperar algo assim daquele rei.
- Venha por este caminho! – ela diz, apontando uma porta secreta,
oculta por uma cortina de veludo. – Se você sair por onde entrei, a guarda do
rei irá lhe prender, como fez com Sakumbe.
* * *
Após
percorrerem diversos corredores e passarem por calabouços vazios, eles caminham
cem passos e chegam a uma escadaria. Galgando-a e adentrando o corredor acima,
Conan segue outros cem passos com a jovem e se depara com o que parece ser uma
parede sem porta. Mesmo estando orientado pela kushita, parece ter se passado
uma era, antes que os dedos frenéticos do cimério achem um pedaço de metal se
projetando. Há um ranger de dobradiças, quando a porta se abre e Conan olha
para dentro de um corredor, mais escuro do que aquele no qual estava.
Eles entram, e
quando a porta se fecha atrás deles, viram à direita e tateiam seu caminho por
500 passos. Lá, o corredor está mais claro; a luz se infiltra de fora, e Akana
mostra a Conan uma escadaria. Eles a sobem por vários degraus, e logo param,
frustrados. Numa espécie de patamar, a escadaria se torna duas, uma conduzindo
à esquerda e a outra para a direita. Conan pragueja.
-
Infelizmente, só conheço um caminho para ir até o seu amigo – diz Akana,
preocupada, não com a ira do bárbaro branco, mas com a integridade física do
amigo daquele homem que a levou ao orgasmo.
Eles escolhem
a escadaria do lado direito e a sobem rapidamente. Não há tempo para cautela
agora.
Ambos sentem
instantaneamente que a hora do sacrifício está prestes a chegar. Eles adentram
outra passagem e distinguem, pela mudança na alvenaria, que estão fora dos
penhascos e em alguma construção – presumivelmente a Torre da Morte. Esperavam,
a qualquer momento, subir outra escadaria; e, subitamente, suas expectativas
são realizadas – mas, ao invés de ir para cima, ela desce. De algum lugar à sua
frente, Conan ouve um murmúrio vago e rítmico, e um arrepio lhe percorre a
espinha. O canto dos adoradores diante... do Altar Negro!
Eles correm
temerariamente para diante, dão uma volta no corredor, se deparam com uma porta
e olham através de uma pequena abertura.
Eles olham
para baixo, em direção a uma cena sombria e terrível. Num largo espaço aberto,
Conan e Akana vêem duas longas fileiras de dançarinos oscilando e se
contorcendo de seus joelhos para cima, numa intrincada dança, e fileiras de
guerreiros, com suas plumas de guerra agitando-se sobre eles entre o faiscar
das lanças. As estrelas brilham como fogo em seus polidos capacetes de cobre.
Erguem-se em perfeita formação; uns mil e quinhentos negaris, uma maré
de plumas em movimento e lanças faiscantes. Atrás deles, os edifícios estão
cheios de espectadores. Junto aos guerreiros, duas longas fileiras de
sacerdotes entoam um estranho cântico – sem significado algum para a maioria
da população –, sem saírem de seus lugares. Tochas espalham uma sinistra luz
vermelha sobre o cenário. Atrás deles, se enfileira uma vasta multidão, a qual
se mantém silenciosa.
Mas não é nada daquilo que atrai o olhar aterrorizado do cimério. Entre
as linhas convergentes de adoradores, ergue-se um grande altar negro; e, neste
altar, se encontra amarrada uma forma musculosa e negra: seu amigo Sakumbe de
Suba!
Agora mesmo, um brilho fraco aparece atrás do pináculo da torre,
destacando o mesmo obscuramente contra o céu. A lua se ergueu. O canto dos sacerdotes
se ergue até um som de frenesi. Para a mente atordoada de Conan, ele parece
descer o olhar para alguma orgia vermelha de um Inferno mais baixo. Uma figura
medonha se ergue ao lado do altar, onde jaz o guerreiro negro: uma figura alta,
vestida num longo robe de seda, usando uma horrenda máscara no rosto e empunhando
um estranho bastão pontiagudo.
Aquele bastão, com a escultura de uma cabeça de serpente na sua
extremidade não-afiada, é feito de uma madeira que, em plena Era Hiboriana ,
já não existe em nenhum lugar da terra. Um exame atencioso naquele bastão
desperta uma inquietante e quase vertiginosa sugestão de abismos de eons em
Conan.
Nada mais pode
ser feito agora, exceto correr para baixo e salvar a vida do jovem traficante –
ou morrer ao lado de Sakumbe, tentando salvá-lo. Conan não pensa duas vezes e,
num só movimento arromba a porta para, no instante seguinte, decepar a cabeça
de um dos soldados atlantes que os tentam deter. Enquanto Conan e Akana pulam o
cadáver e a kushita toma a lança do negari ao qual o cimério matara, o cântico
dos dançarinos cessa abruptamente. No instante de silêncio que se segue, Conan
ouve, acima do latejar do próprio pulso, o vento da noite sussurrar, semelhante
à morte, do horror mascarado ao lado do altar. Uma aba da lua brilha acima do
pináculo. Então, lá do alto, na superfície da Torre da Morte, uma voz profunda
ribomba num estranho cântico. Profunda, mística e ressonante, a voz soa como o
fluir incessante de longas marés nos largos galhos brancos.
Num único e rápido movimento, ele salta para baixo até o sacerdote,
despedaçando-lhe máscara, crânio e pescoço num só movimento de sua larga espada
azulada; e, no momento e movimento seguintes, ele corta, com a espada em sua
mão direita, as fortíssimas cordas que amarravam as mãos e pés do suba ao
altar, ao mesmo tempo em que dá a ele, com a esquerda, a faca que caíra da mão
do sacerdote moribundo. Enquanto isso, Akana desce até lá e se apodera do
bastão, ao mesmo tempo em que a turba de pele marrom se aproxima deles.
Agarrando a lança atlante dada a ele por Akana, Sakumbe começa a matar
qualquer guerreiro marrom que se aproxime.
Conan evita um
rodopiante machado a ele endereçado, e este se crava na armadura e peito de um
oficial atrás dele; e, com sua enorme espada, o cimério abre, num golpe horizontal,
o elmo, crânio e rosto do homem que tentara matá-lo.
Em rodopiantes
e desconcertantes golpes de sua espada, o líder dos corsários negros destroça
lanças e escudos, afunda capacetes e crânios, e abre carnes, costelas e vísceras
sob as armaduras de cobre e couro dos guerreiros do exército real, derramando
sangue, miolos e entranhas pelo piso, enquanto a linda jovem kushita continua
empunhando o estranho bastão contra aqueles homens de pele marrom, juntamente
com Sakumbe e sua implacável lança.
Súbito, um grito se ergue acima do alarido da batalha, enquanto Conan e
Sakumbe avistam, furiosos, um rosto familiar e traidor – o de um homem vestido
em ricas e coloridas roupas de seda, ao lado de Karawan e com pele igualmente
marrom.
- E durante os longos anos de selvageria, através dos quais as raças
bárbaras se esforçavam para se erguer sem seus amos, surgiu a lenda do dia do
império, quando alguém da Velha Raça se ergueria do mar. Sim, e este alguém é
Thutmekri, que me ajudará a ser imperador mundial! – delira Karawan, em voz
alta, acreditando nas palavras do embusteiro stígio.
Praguejando os nomes de todos os deuses que conhece, os três se
preparam para morrer lutando e matando.
Naquele momento, diversas flechas, vindas aparentemente de nenhum
lugar, atravessam as armaduras e corpos dos atlantes de Negari. No momento
seguinte, todos ouvem um grito, repetido como se fosse o pulsar de um tambor:
- Bêlit! Amra! Bêlit! Amra!
Então, Conan, Sakumbe e Akana avistam uma horda de desnudos e
emplumados guerreiros negros, liderados por uma seminua lanceira branca. Em
meio aos corsários negros, o trio de bárbaros avista alguns dos guerreiros
tribais atlaianos que haviam visto no caminho do litoral até a cidade. Segundo
Sakumbe dissera a Conan, os nativos dali são famosos por acordarem do sono mais
profundo e se colocarem em estado total de prontidão para a batalha em questão
de segundos. O rosto crispado de Sakumbe se abre num sorriso de alegria e
alívio.
- Por Ajujo! Bêlit! – exclama o suba.
O cimério, por sua vez, mantém o silêncio e, com um breve sorriso no
rosto e um brilho de desejo nos olhos ao rever sua amante pirata, converge
para o lado da líder, seguido por Sakumbe e Akana, enquanto os negaris marrons
se recuperam do elemento-surpresa.
Enquanto os
recém-recuperados atlantes se aproximam, Conan e Bêlit gritam como lobos na
caçada e se preparam para enfrentar o ataque; correm em direção a eles como
lobos, e vêem o desprezo em seus rostos de falcão, ao se aproximarem. Os arcos
já foram usados e nenhuma flecha é disparada das filas dos corsários que
correm, nem se arremessa uma lança. Eles só querem chegar ao corpo-a-corpo.
Quando os corsários negros chegam a um tiro de dardo, os atlantes de Negari
enviam a eles uma chuva de lanças, a maioria das quais ricocheteiam nos
escudos dos piratas das Ilhas do Sul; e depois, com um rugido gutural, o ataque
deles lança-se ao alvo.
Quem disse que a ordenada disciplina de uma civilização degenerada pode
defrontar-se com a pura ferocidade da barbárie? Os negaris marrons lutam para
combater como uma só unidade; Conan, Bêlit e os corsários negros lutam como
indivíduos, lançando-se de cabeça contra as lanças atlantes, e talhando e
perfurando como loucos.
Toda sua
primeira linha cai sob as lanças sibilantes de N’Gora, Ajonga, Yasunga, Laranga
e as dezenas de corsários ali presentes; as filas posteriores recuam e hesitam,
quando seus guerreiros sentem o impacto brutal da incrível força do cimério e
dos piratas de Bêlit. Se houvessem agüentado, poderiam tê-los cercado, com seu
número superior e os degolado. Mas não conseguem resistir. Os lobos da costa
meridional abrem o caminho deles como um arado numa tormenta de golpes martelantes,
rompendo suas linhas e pisoteando seus mortos enquanto prosseguem inexoravelmente
adiante. Sua formação de batalha se dissolve; eles lutam homem a homem contra
os negros, a descendente de shemitas e Conan, e a batalha torna-se uma
carnificina. Pois em força individual e ferocidade, não conseguem comparar-se
aos bárbaros que ainda não conheceram a decadência.
Com uma coordenação cerebral invejável, Conan abre um profundo corte
horizontal nos olhos de um dos militares de pele marrom, rasgando em seguida o
ventre de outro. Esquivando-se de uma espada negari, Bêlit corta, com seu punhal,
o pulso de seu pretenso assassino para, no instante seguinte, lhe abrir a
jugular com o mesmo punhal. O atlante seguinte, a correr com a espada erguida
em direção à líder pirata, tem sua garganta perfurada pela ponta da lança
empunhada por Bêlit. Em seguida, a descendente dos reis de Asgalun desembainha
uma espada curta – cujo manuseio ela aprendera facilmente com Conan nos últimos
meses – e, com um véu vermelho de fúria nos olhos, arrebenta crânios sob
capacetes de cobre, despedaça peitos, rasga entranhas e arranca membros,
deixando atrás de si um rastro de sangue quase tão grande quanto o que fora
feito por Conan, Sakumbe e cada um dos corsários negros.
Com um largo sorriso de orgulho em seus lábios finos, Conan vê sua
amada líder pirata segurar uma lança, a ela endereçada, e desviá-la ao coração
de um dos negaris, ao mesmo tempo em que estripa, com sua espada, o que tentara
matá-la. Em seguida, com força e agilidade espantosas, Bêlit parte dois
guerreiros marrons ao meio, na altura da cintura, e decepa a cabeça de um
terceiro. Os atlantes sobreviventes rompem filas e fogem, atirando suas lanças
sem efeito nos atacantes. Thutmekri consegue fugir. Akana mata o rei Karawan,
cravando-lhe no peito o bastão de madeira desconhecida, o qual reduz o monarca a
pó, mas é morta pela lança do fugitivo general Hakizimana. Conan a vinga,
atirando nas costas do general uma das lanças atlantes que resvalaram nos
escudos dos piratas negros e, assim, são frustrados os planos imperiais do
falecido rei de Negari.
Conan e Bêlit sabem que é inútil procurar o traiçoeiro Thutmekri
naquele caos. Assim, a líder pirata comanda a fuga daquela antiqüíssima cidade.
Mais tarde, eles saquearão a costa de Zembabwei – cuja embaixada o stígio
pretende visitar –, em vingança à traição de Thutmekri. Enquanto arqueiros
cor-de-ébano dão cobertura, durante a fuga, Bêlit vê o cimério parado e com os
olhos voltados para o palácio. Então, a descendente de shemitas pergunta
delicadamente a Conan:
- O que houve? Esqueceu algo no palácio?
- Não... Nada que eu vá esquecer – ele responde e, tomando a amada nos
braços, Conan segue seus piratas no longo caminho até a praia, onde o Tigresa os espera. Em seguida, ele se
dirige a Bêlit: – Como nos encontrou aqui?
- Aquele porco do Thutmekri conseguiu fugir, como você mesmo viu, e nós
o seguimos até aqui. Vendo que ele estava entrando em Negari pelos portões da
frente, procuramos por alguma entrada secreta. Chegando aos penhascos que
cercam essa cidade maldita, N’Gora nos mostrou uma: era uma janela gradeada em
pleno chão! Um único corsário foi suficiente para arrancá-la, e nós entramos e
atravessamos um corredor estreito e cinza, sem rumo nem planos, pelo que
pareciam ser milhas e milhas. Descíamos cada vez mais por passagens que ficavam
sob passagens. A luz ficava mais obscura, e um lodo úmido aparecia nas paredes.
“Após
percorrermos diversos corredores e passarmos por calabouços vazios, chegamos a
uma escadaria, na qual ouvimos um estranho burburinho. Galgando-a e adentrando
o corredor acima, seguimos uns cem passos com meus corsários e nos deparamos
com o que parecia ser uma parede sem porta. Após ouvirmos um alarido, que era
nada menos do que você e Sakumbe enfrentando os negaris, tateei e encontrei uma
tranca; e então chamei Yasunga, Ajonga e Laranga para abrirem-na.
“Entramos,
viramos à direita e tateamos nosso caminho por uns 500 passos. Lá, o corredor
ficou mais claro; a luz se infiltrava de fora, e subimos uma escadaria por
vários degraus. Numa espécie de patamar, a escadaria se tornou duas, uma conduzindo
à esquerda e a outra para a direita. Subimos a da direita, guiados pelos
alaridos de luta, e então encontramos você e Sakumbe.
“Não
encontramos o tesouro, mas não saímos de mãos vazias. Além das cabeças dos
negaris, que nos darão salvo-conduto para sairmos de Atlaia, eu e meus
corsários conseguimos saquear alguns mantimentos daquela cidade maldita”,
finaliza a pirata, com um sorriso contagiante no rosto.
4)
As mulheres mais velhas da tribo cozinham ugali – um prato à base de farinha – e servem a todos os que estão
presentes naquela tribo atlaiana – inclusive os convidados Conan, Bêlit,
Sakumbe e os corsários negros; todos eles homenageados por terem trazido para
aquela tribo cabeças de negaris marrons, como prova de que haviam, não só matado
inimigos dos negros tribais, como também impedido a expansão imperial de
Negari. Os guerreiros daquela tribo estão pintados e vestem um pano de cintura
vermelho, cada um. Seus troncos nus estão enfeitados com colares de pérolas. A
pintura vermelha corre do pescoço até a metade do peito, terminando em ponta.
Jovens aldeãs dançam em fila, com enormes enfeites nos pescoços e
viradas para os homens, com suas cabeças balançando no ritmo. Os cabelos dos
homens esvoaçam a cada salto. Os peitos nus e suados de homens e mulheres
brilham à luz das estrelas, lua e fogueiras. Os anciãos estão sentados em
círculo no chão, envolvidos em mantas de lã.
Carnes de cabra e pães sem fermento são servidos a todos os que
assistem à dança – tanto os nativos quanto os convidados. Algumas mulheres são
oferecidas aos corsários negros ali presentes. Yasunga, Ajonga, Laranga e o
subcomandante N’Gora são quatro dos primeiros a se aconchegarem nos braços das
belas jovens atlaianas. Por um momento, Conan pensa, melancólico, na falecida
Akana de Kush; mas tais pensamentos são descartados, quando Bêlit o beija ao
sabor da cerveja nativa, feita de milho.
Um boi havia sido abatido no meio da tribo. Seis homens o deitaram no
chão. Três deles o asfixiaram, enquanto outros o seguravam pelas pernas.
Então, sua artéria principal fora cortada e todos os homens em volta lhe
beberam o sangue. Após ele ser assado, homens, mulheres e crianças fazem fila
para pegarem seus pedaços. As melhores partes são dadas aos idosos, e depois é
a vez das mulheres e crianças, e, finalmente, dos convidados. Junto com o boi
assado, é servido um chá nativo, ao qual se mistura leite de vaca e bastante
mel – agora substituído pelo açúcar que Bêlit trouxera de Negari.
Em seguida, os idosos se levantam e dançam ao lado dos jovens. No
momento seguinte, um dos jovens da tribo entra repentinamente numa espécie de
frenesi. Ele se sacode, dança e o seguram no chão com força. Conan e Bêlit
perguntam o que está havendo, e Sakumbe – também abraçado a uma atlaiana, a
qual o suba logo levará para a cama – diz que, segundo o líder da tribo, aquele
rapaz provavelmente bebeu sangue demais, e teria caído numa espécie de transe
por causa da dança. Agora estaria lutando com um leão em sua alucinação. Eles
dizem não ser tão grave, já que estava sendo vigiado e, em algum momento,
voltaria ao normal. O homem se contorce no chão aos berros, com a boca
espumando e os olhos fixamente voltados para o céu, mas a festa continua.
Leões rugem ao longe. Parte dos corsários negros já havia se recolhido
às choupanas que lhe foram oferecidas. Por um instante, Bêlit pensa em fazer
sua dança de acasalamento, mas, ao ser erguida pelos braços fortes de seu
amado e levada à cabana que fora reservada a eles, a líder pirata muda de
idéia. Conan, por sua vez, novamente excitado com a suada pele sedosa de Bêlit
em suas fortes mãos calejadas – e, é claro, pela beleza dela –, beija-a quando
chegam à cabana e despe o restante de sua armadura – a parte que lhe cobre o
tronco –, ficando tão seminu quanto a rainha, não só da Costa Negra, mas também
do seu coração. Lá fora, a festa continua, mas, dentro daquela choupana, o casal
de líderes piratas passa boa parte da noite fazendo amor.
* * *
Os atlaianos daquela tribo oferecem um preço de 40 cabeças de gado para
cada jovem, caso os corsários negros queiram levá-las. Aqueles piratas,
contudo, não dispõem deste tipo de riqueza entre seus espólios.
- Além do mais – acrescenta o jovem Sakumbe ao líder da tribo –, essas
garotas não foram feitas para a vida dura da pirataria. São jovens
maravilhosas, em todos os aspectos, mas não são guerreiras endurecidas, como
nossa amiga branca. – ele conclui, diplomático e sorridente.
No dia seguinte, contudo, Ajonga, Yasunga, Laranga e outros dez
corsários negros preferem ficar naquela tribo e se casarem com as atlaianas,
enquanto Sakumbe, Conan, Bêlit e o restante da tripulação seguem para a costa
onde o navio Tigresa está ancorado.
FIM
Agradecimentos especiais: Aos howardmaníacos Al Harron, da Escócia,
e Deuce Richardson, dos EUA, bem como à escritora Corinne Hofmann, da Suíça.
A seguir: Resgate!