Os Espectros das Ruínas

(por Robert E. Howard e Fernando N. de Aragão)



Introdução:

Agora com 17 anos, Conan alia-se ao nemédio Taurus na invasão da Torre do Elefante. Taurus é morto por uma aranha gigante, a qual o cimério mata em seguida. Noutro cômodo daquela torre, o bárbaro encontra Yag-Kosha – um alienígena brutalmente escravizado, há três séculos, pelo bruxo Yara, dono daquela construção. A pedido daquele ser torturado, Conan o mata, libertando-lhe a alma para dentro da jóia chamada Coração do Elefante, com a qual ajuda o alienígena a vingar-se de Yara (A Torre do Elefante/ http://cronicasdacimeria.blogspot.com/2007/06/torre-do-elefante.html).




1) Jaelle de Yezud

Tochas tremeluziam sombriamente nas festas no bairro do Marreta, onde os ladrões de Zamora faziam carnaval à noite. Lá, eles podiam fazer quanta algazarra e gritaria quisessem, pois as pessoas honestas evitavam esse bairro, e os guardas, bem pagos com dinheiro sujo, não interferiam na diversão deles. Ao longo das ruas tortuosas e sem pavimentação, com montes de lixo e poças lamacentas, cambaleavam vociferando os bêbados briguentos. O aço brilhava nas sombras de onde vinha o riso estridente das mulheres e os ruídos da arruaça e luta. A luz das tochas flamejava tênue das janelas quebradas e portas escancaradas, e emanava o cheiro de vinho azedado e corpos suados, o clamor de bêbados e o bater de punhos sobre mesas grosseiras, e as animadas canções picantes, lançadas como uma bofetada.

Numa dessas espeluncas – a taberna de Zhorkonas –, a diversão trovejava até o telhado baixo manchado pela fumaça, onde os vagabundos se reuniam vestidos com toda espécie de farrapos – eram batedores de carteira, astutos raptores, ladrões de dedos ligeiros, vociferando exclamações animadas com suas meretrizes de vozes estridentes, as quais usavam suntuosos vestidos espalhafatosos.

Naquele antro, um jovem alto e robusto da Ciméria – apesar de já estar familiarizado com o local – encontrava-se quase tão deslocado quanto um lobo cinzento entre ratos famintos nos bueiros. Ele trazia consigo um saco, cheio de jóias de diversas cores, e seus vulcânicos olhos azuis esquadrinhavam a taverna, até pararem numa sorridente garçonete, a qual conhecera dias antes – mas a quem não tivera tempo de levar para o quarto.

O estalajadeiro Zorkhonas, dono do recinto, abriu a boca para dizer algo ao forasteiro, de nome Conan, mas se calou quando este lhe entregou uma das muitas jóias outrora pertencentes ao recém-desaparecido Yara, e indicou um quarto ao jovem e à garçonete Jaelle, pela qual o cimério se interessara. Tratava-se de uma mulher que, horas antes naquela mesma taverna – agora iluminada com mais velas do que anteriormente –, havia mostrado a Conan o agora falecido seqüestrador kothiano, pouco antes do bárbaro ter se aventurado na Torre do Elefante.


Os recém-desnudados seios volumosos de Jaelle não eram tão firmes quanto os das jovens às quais o cimério possuíra antes, mas ele não se importava com isto, vez que o corpo da yezudita era esguio e ao mesmo tempo voluptuoso, além de ter as demais curvas firmes e ao mesmo tempo macias. O busto da zamoriana, além de grande, tinha as aréolas tão escuras quanto as de qualquer outra mulher do povo dela – só que com diâmetro maior, combinando com o tamanho dos seios.

Jaelle abraçou Conan e beijou-lhe ardorosamente os lábios, para em seguida deitar o agigantado cimério seminu sobre a cama.

- Me ame, homem vigoroso da Ciméria! – sussurrou Jaelle, montada sobre Conan, pouco antes deste sugar-lhe avidamente o volumoso busto escuro.

Em seguida, sentando Conan na beirada da cama, Jaelle se curvou diante do cimério, tirando-lhe a tanga e englobando-lhe o membro viril com a boca úmida, e pondo-se a descer e subir continuamente a cabeça sobre o excitado adolescente, arrancando-lhe grunhidos cada vez mais roucos de prazer.

Então, tirando o restante do vestido de seda e ficando totalmente nua, ela montou sobre Conan, enquanto este, embalado pelo subir e descer – desta vez do corpo – da yezudita, voltou a lhe sugar as mamas suadas.

Por um momento, Conan ficou surpreso, ao perceber que Jaelle tirou-lhe o falo da vagina para introduzi-lo no próprio ânus, pois, até então, o jovem cimério só havia praticado coito vaginal. Mas aquele bárbaro não foi, em momento algum, tomado por qualquer tipo de nojo. Muito pelo contrário: a sensação de um orifício ainda mais coeso que uma vagina, a lhe envolver o pênis, deixou o adolescente muito mais excitado!

Jaelle, por sua vez, suspirava e gemia, de boca aberta e olhos fechados, arquejando e contorcendo o corpo para trás, equilibrando dor e prazer, enquanto seu busto grande e moreno balançava à medida que o corpo da yezudita subia e descia sobre o falo latejante do cimério, o qual voltou a sugar-lhe os seios, até a mulher gritar de prazer, num tremendo êxtase de desejo a lhe explodir em cada fibra latejante de seu ser.

Conan ficou ainda mais excitado quando, após atingir o orgasmo e antes dele próprio chegar ao clímax do prazer, Jaelle desmontou do membro ereto do bárbaro e, ajoelhada, o pôs a poucos centímetros da face marrom, permitindo ao gigante bronzeado ejacular no rosto inteiro da garçonete, embranquecendo-lhe a bela face, assim como uma pequena parte dos longos e sedosos cabelos negros.

Com um sorriso malicioso nos lábios lambuzados e um olhar travesso dirigido a Conan, Jaelle limpou o sêmen do bárbaro, sugando e lambendo-lhe o membro ainda rígido. O adolescente cimério se sentiu pronto para outra relação, de tão extasiado que ficara.

Assim, tomado de desejo pela visão daquele belo rosto escuro manchado de esperma branco, Conan se levantou subitamente e voltou a abraçar e beijar aquela jovem mulher.

Após o segundo enlace amoroso com a garçonete, Conan pegou, não a taça de vinho, mas o jarro da bebida, ingerindo uma quantidade um pouco maior que a anterior à primeira relação sexual com Jaelle. Em seguida, após jantar no quarto com a yezudita, ele a pagou com as jóias que haviam caído da Torre do Elefante, horas atrás.

* * *

Nos dias seguintes, vendo seu ouro e jóias escassearem – e sabendo que outros ladrões já haviam pilhado todas as riquezas da destruída Torre do Elefante –, o cimério foi roubar mercadores ricos e nobres da cidade de Zamora, para poder pagar Jaelle e continuar sendo o único homem dela. Ao retornar à taverna, no entanto, Conan ouviu Jaelle lhe contar que um mercenário e oficial gunderlandês, chamado Nestor, havia procurado por ele no Marreta, pois os roubos do bárbaro haviam enfurecido o governo da cidade.

- Malditos montanheses de cabelos claros! – exclamou Conan, entregando à yezudita a metade do que havia roubado. – Esses gunderlandeses são quase tão espertos quanto um cimério. Mas não se preocupe, Jaelle; eu disse “quase” – ele acrescentou, com um sorriso largo, duro e sinistro. – Assim como eu e meus conterrâneos fizemos com os conterrâneos dele em Venarium, darei uma boa lição em Nestor e nos soldados dele! – E, após beijar os lábios de Jaelle, o cimério partiu daquela taverna, prometendo voltar.


2) Nestor da Gunderlândia

Era noite nas cercanias montanhosas da cidade de Zamora, capital do reino homônimo. Um pelotão de soldados zamorianos, liderado pelo oficial mercenário Nestor da Gunderlândia, marchava por um estreito desfiladeiro, perseguindo Conan, o cimério.

Nestor era um homem loiro, alto e musculoso, de olhos cinzas, cabelos curtos e rosto bem barbeado. Assim como os homens a quem comandava pelo desfiladeiro, Nestor usava uma armadura prateada com peitoral de prata, e capacete emplumado e com pontas da guarda real de Zamora – e com a luz prateada da lua cheia lhes realçando o brilho argênteo da armadura, peitoral e capacete. Todos levavam uma lança na mão direita e um escudo na esquerda. Nos cintos de cada um deles, pendiam espadas embainhadas. Conan deixara a cidade e estava sendo seguido por entre as montanhas. As paredes do desfiladeiro eram íngremes e o chão, densamente coberto por uma rica grama alta.

- Capitão Nestor... – sussurrou subitamente um soldado que estava logo atrás do mercenário gunderlandês. O tom amedrontado fez o hiboriano virar de forma tão repentina quanto a fala do zamoriano.

- Diga, Zeshonq! – respondeu Nestor.

- Sabe o que é, capitão? Hoje de manhã, uma quiromante leu minha mão na cidade, e pediu que eu tivesse “cuidado com as pedras gigantes”. E nós agora estamos atravessando este desfiladeiro...

- Por Mitra! – rosnou o loiro, subitamente furioso, mas falando tão baixo quanto os jovens morenos sob seu comando. – Não acredito nisso! Pensei que o governo da cidade de Zamora tivesse me confiado a liderança de soldados destemidos, e não de imbecis supersticiosos! Em frente, pelotão!

Voltando a andar pela grama, Nestor tropeçou em algo e caiu pesadamente. Era uma corda de couro cru, ali estendida por Conan, e ela derrubou uma estaca. Com a queda da estaca, houve um trovejar vindo do lado esquerdo do desfiladeiro, e diversos blocos de pedra – a maioria com diâmetro superior a um metro – desabaram por aquele lado sobre o pelotão. Por estar mais à frente que os zamorianos – e por ter se levantado e saltado para a frente o mais longe que pôde, ao vislumbrar os enormes blocos despencando –, Nestor só recebeu o impacto de algumas pedras menores, no capacete, membros e rosto. Duas ou três pedras, do tamanho da cabeça de um homem, lhe atingiram a armadura, derrubando o gunderlandês e quebrando sua lança.

Tossindo e se erguendo cambaleante após o fim do desmoronamento, o loiro praguejou, ao ver um riacho de sangue fluir sob as gigantescas pedras caídas. Todos os seus soldados haviam morrido soterrados. O oficial sabia que um lugar como aquele era perfeito para uma emboscada, mas, apesar de seus longos anos como mercenário em diversos países, não contava com uma armadilha daquelas.

Furioso, ele seguiu a trilha sozinho e de espada em punho, mesmo sabendo que poderia, a qualquer momento, ser atacado traiçoeiramente pelo cimério. Emergindo num platô elevado, adentrou a cidade abandonada dos antigos, onde encontrou um jovem alto e robusto, cuja túnica barata não conseguia esconder as linhas duras e bem-proporcionadas de sua estatura poderosa, os ombros largos e pesados, o peito maciço, a cintura delgada e os braços pesados. Sua pele estava tostada pelo sol dos campos e seus olhos eram azuis e ardentes; uma negra cabeleira emaranhada lhe coroava a fronte larga. Era Conan, o ladrão.

Instantaneamente ele atacou o cimério. O gunderlandês era tão ágil quanto o bárbaro. A princípio, a experiência de guerra e habilidade espadachim de Nestor predominaram sobre Conan. Entretanto, a resistência e a força – assim como a belicosidade natural – do cimério foram anulando, centímetro a centímetro, toda a perícia daquele gunderlandês.  Habilidade e astúcia não lhe serviam contra aquela encarnação de olhos ardentes da fúria, a qual avançava sobre o loiro numa onda irresistível, batendo como um ferreiro numa forja. Nestor só conseguia aparar; ele não tinha oportunidade de revidar. Um último ofego de intenso esforço muscular, uma explosão de força dinâmica e Conan o deixou sem sentidos com um golpe de espada que lhe fendeu o capacete, borrifando sangue.

Conan olhou para o corpo imóvel e estatelado do oficial mercenário. Embora sabendo que o gunderlandês esteve à sua procura no Marreta, o cimério não tinha nenhum rancor pessoal contra Nestor. Mas parecia que o loiro não se importava em ajudar as autoridades zamorianas em rastreá-lo, desde que houvesse bastante dinheiro em troca. O jovem cimério grunhiu. Como gunderlandês, Nestor deveria saber melhor como perseguir um cimério numa região montanhosa. Depois, o bárbaro embainhou sua espada e seguiu para dentro da cidade abandonada, achando que ele estava morto.
O bárbaro já tinha ouvido dizer que aquela cidade – outrora um posto avançado da antiga Stygia – possuía um enorme tesouro, de modo que, ao sair da cidade de Zamora, o cimério não pretendia apenas armar uma emboscada contra Nestor.

Conan entrou na cidade perdida de Iaphethon – escalando as muralhas, pois os portões estavam trancados. Ele andava casualmente pelas ruas alastradas de escombros, e seus olhos azuis perambulavam pelas colunas quebradas, frisos bizarros e hieróglifos que adornavam a alvenaria em ruínas. Sua mente dava voltas, devido às obscuras conjecturas despertadas pelas cenas desenhadas lá. Quanto às construções propriamente ditas, eram todas de ângulos estranhos, inclinando-se em direção ao enorme palácio negro, esculpido numa única e monstruosa colina de pedra, no centro da cidade. Não muito longe daquela construção, havia uma pirâmide e, próximo a ela, um enorme fosso circular, do qual irradiava um estranho mau cheiro; parecia um odor animal, mas o cimério não conseguiu identificar a qual tipo de criatura terrestre pertencia. Conan estremeceu involuntariamente.

Ele voltou sua atenção para o palácio, onde, segundo sussurros amedrontados de ladrões zamorianos, estaria o tesouro. Mas o odor que saía do fosso começou a ficar cada vez mais forte, até se tornar insuportavelmente fétido. Os pêlos da nuca de Conan se arrepiaram, e, ao dar meia-volta para ver o que estava acontecendo, ele ficou quase paralisado de horror ao ver aquilo que saía do fosso. O jovem havia encontrado o ser monstruoso que, segundo os boatos ouvidos em Zamora, assombrava aquela cidade perdida! Não era um animal, como a humanidade conhece os animais. Parecia mais com um verme do que com um polvo, uma serpente ou um dinossauro. Em tamanho, o monstro era gigantesco; seu volume sobrepujava o de um mastodonte. Por trás dos enormes olhos hediondos e estranhos daquela criatura monstruosa, brilhava uma inteligência maligna e quase humana.

O cimério deu meia-volta e saiu correndo, não por medo supersticioso como quando correra da serpente com cabeça humana em Numália, à qual ele mesmo matara antes de fugir, mas por uma questão de auto-preservação. E aquela foi sua atitude mais correta, pois o verme gigante avançava até o bárbaro adolescente na mesma velocidade em que este último corria. Conan procurou algum lugar elevado, e seus olhos brilharam sobre uma moradia alta com relevos e pilares entalhados, os quais lhe facilitavam a subida. Mas a criatura avançava rapidamente, arrastando sua massa trêmula do chão até a parede e coluna, e já quase sobre o teto da casa arruinada.

Desesperadamente, o cimério procurou – e achou – outra construção, um pouco mais alta, e, como um enorme felino, saltou até o teto desta. Sabendo que não conseguiria escapar saltando de teto em teto, Conan fez o inesperado: ao chegar a um teto próximo ao ponto mais alto dos muros da cidade, ele saltou até o chão no exato momento em que a coisa escalava a parede e teto de mais uma construção. Correndo dali com uma velocidade nascida do desespero, o bárbaro escalou a muralha mais alta de Iapheton, bem antes que a criatura o alcançasse. Mas ele não pretendia ficar ali para sempre, encurralado por aquele verme gigante até morrer de fome. Então, com um brilho nos vulcânicos olhos azuis, Conan notou que o muro, desgastado por longas eras, possuía alguns grandes blocos soltos de pedra. A criatura só conseguira arrastar seu corpo até pouco mais da metade daquele muro. Assim, agarrando um dos matacões soltos na elevação onde se encontrava, o cimério o arremessou sobre a massa instável daquele mortífero verme gigante. Este escancarou a boca babante e se contorceu, ameaçando mergulhar para golpear a parte inferior do muro. Percebendo isto, Conan lançou outro bloco, bem maior que o anterior, imobilizando a coisa, e mais um terceiro por precaução, fazendo-a mudar de cor, do marrom-claro para um azul medonho.

Então, desembainhando sua espada, Conan desceu e girou sua lâmina, cortando a carne polpuda do ser monstruoso que se contorcia, e decepando-lhe a cabeça num jato de líquido verde. A massa montanhosa arfava e se retorcia, enquanto o cimério, possesso de ódio, cortava aquela coisa em outros pedaços, tingindo a agora azulada pele esponjosa da criatura com o verde do sangue da mesma, a salpicar sobre o monstro quase morto. Ofegante e suado, o bárbaro se afastou da criatura – agora morta – e dirigiu seus passos de volta ao palácio.

* * *

Nestor se moveu e gemeu. A dor lhe perfurava o crânio, quando ele ergueu a cabeça e olhou ao redor de si para a fria elevação. Lembrou-se que lutara desesperadamente contra Conan, e de ter sentido pânico ao perceber o selvagem progresso do adolescente, mas nada mais. Sangue seco lhe empastava o lado esquerdo do rosto. Ele se sentou, tirou o elmo e sentiu o ferimento em seu couro cabeludo. Examinou a rachadura em seu capacete, e então o recolocou na cabeça.

O gunderlandês se ergueu vacilante sobre os pés, rangendo os dentes para conter uma onda de dor e náusea. A lua não havia descido muito no céu. Pegando sua espada caída ao chão, o loiro a embainhou e, quase tão agilmente quanto Conan, escalou os muros de Iapheton. Ele perambulava cautelosamente pelas ruas antigas, quando se deparou com o cadáver gigantesco e esquartejado da criatura monstruosa.

- Por Mitra e Bori! – ele praguejou, perplexo.


3) “Guerreiros de uma era passada”

Conan subiu os degraus que guiavam para dentro do palácio. O vento lhe agitava o cabelo e a camisa rasgada. Atravessou o pórtico com colunas da parte frontal do palácio e testou os anéis de bronze oxidado da gigantesca porta de ébano à sua frente. Esta não parecia ter barras nem trancas. Ele virou as costas, e viu uma figura de cabelos loiros, olhos cinzentos, capacete rachado no lado, e armadura arranhada e amassada. Era Nestor, vindo ao seu encontro novamente, de espada na mão.

Conan grunhiu irritado e desembainhou a própria lâmina. Nestor olhava para a figura bárbara em roupas rasgadas e ensangüentadas, a qual o aguardava diante dos portões negros, como se tivesse acabado de sair de um matadouro. A impetuosa auto-confiança, incitada pelo ódio, a qual Nestor havia demonstrado no primeiro encontro deles, havia sumido. Agora, seus olhos cinzas examinavam Conan com uma frieza predatória.

- Esqueceu que a cabeça de um gunderlandês é quase tão dura quanto a de um cimério? – exclamou Nestor que, por ter nascido numa terra tão montanhosa quanto a Ciméria, era quase tão bom escalador quanto Conan. – Agora em guarda, bárbaro! – acrescentou o gunderlandês, pondo-se à frente.

- Por Crom – disse Conan, enfastiado –, esqueça a recompensa. Já eliminei todo o seu pelotão. Mesmo que você consiga levar minha cabeça, aquelas víboras zamorianas vão usar isso como desculpa para lhe negar um pagamento. Podem até lhe enforcar por isso.

A lembrança da rude bravura do adolescente, e da dor brutal do ferimento em sua cabeça, deixaram Nestor meio indeciso.

- Você fez o jogo dos zamorianos por tempo suficiente para saber que estou certo – prosseguiu Conan. – Além disso, me disseram que há mais tesouro neste palácio do que dez homens podem carregar. Mais que suficiente para nós dois, sem derramamento de sangue.

- Sugere que eu me junte a você? – perguntou Nestor.

- Sim. Não tenho interesse em espancar sua cabeça idiota de novo.

Nestor não conseguia sentir falsidade no bárbaro. Ele estava simplesmente falando a verdade com rudeza franca.

- Muito bem – disse Nestor.

Como se aquilo concluísse a negociação deles, Conan embainhou sua espada e deu a volta sem pensar duas vezes. Não era a atitude de um jovem ingênuo. Nestor sentira o cimério avaliá-lo aguçadamente enquanto falava. Conan sabia que a verdade de suas palavras surtiu efeito maior do que qualquer aço. Nestor embainhou sua espada.

Conan puxou os anéis de bronze, e as enormes portas giraram para fora, rangendo em dobradiças de pedra. Nestor e Conan encararam o interior escuro do enorme palácio negro.

Caminharam através de uma ante-câmara e de outras séries de portas duplas, até uma vasta sala do trono. A luz da lua só aparecia através de uma longa janela no alto de uma das paredes, o que obrigou Conan e Nestor a fazerem duas tochas.

- Os ladrões e a realeza de Zamora evitam este local – disse Conan, sua voz ecoando no salão silencioso. – Encontrei um ladrão, mais corajoso que a maioria, o qual afirmou ter achado um grande tesouro aqui.

- Então, por que ele próprio não levou o tesouro? – Nestor murmurou incrédulo.

- Ele disse que demônios o guardam. O medo dele foi tão grande, que não ousou tocar numa só moeda.

- E você acredita nele?

- Esta sala do trono se encaixa na descrição que ele fez – Conan respondeu.

Ele e Nestor prosseguiram, procurando salas e câmaras cheias de restos despedaçados de um povo desaparecido, ou dentro de lugares escuros do palácio, às vezes tateando através de corredores, cuja única luz era a das tochas carregadas pelos aventureiros, e às vezes atravessando câmaras largas com janelas no alto, através das quais o luar penetrava. O cimério se movia silenciosamente, mas as botas do gunderlandês se arrastavam pelas pedras em ruínas, e as tiras de sua armadura rangiam enquanto ele andava. Ao longo dessa busca, Nestor começou a ter uma noção estranha: a altura das arcadas, dos tetos e das portas, tudo parecia indicar que aquele local fora construído por uma raça mais alta que a humana. Subiram uma escada em espiral, até uma balaustrada, e atravessaram um arco para dentro de um corredor paralelo à balaustrada.

- Aqui – disse Conan. À esquerda e direita, o corredor se estendia em escuridão e, adiante, havia uma entalhada porta de pedra entreaberta.

Com suas tochas erguidas, eles olharam para dentro de uma câmara alta com um teto abobadado. No alto da parede mais afastada, havia uma solitária janela redonda, diferente das outras que haviam encontrado; era vitrificada com cristal espesso. Ao redor da câmara, viram uma galeria, com aberturas escuras ao longo de sua extensão, dentro das quais havia o que pareciam ser estátuas, esculpidas com a aparência de guerreiros de uma era passada, mestiços de stígios e zamorianos. Figuras similares se encontravam ao redor da câmara, posicionadas como se estivessem vivas – algumas delas, sentadas em bancos de pedra; outras, deitadas em repouso, algumas agrupadas como se conversassem, como cortesãos congelados no tempo.

No centro daquela câmara, havia uma grande pilha de moedas de ouro e prata, as quais brilhavam no escuro. Dentro desta pilha, pulsando vermelhas, verdes e azuis como chamas bruxuleantes, havia rubis, esmeraldas e nacos de lápis-lazúli.

Conan adentrou a câmara, iluminando-a com sua tocha:

- Mais tesouro do que dez homens podem carregar.

- E isto foi deixado por mais séculos do que os homens podem se lembrar? – Nestor fitava apreensivo ao redor. – Não gosto disso, Conan.

Conan se lançou para baixo e sentou-se na pilha de moedas e gemas, sorrindo largamente. Nestor perambulou inquieto ao redor da câmara. Ele bateu de leve numa das sentinelas. Parecia oca, formada por alguma substância resinosa com uma cor jade. Tinha uns 2m10 de altura, suas feições humanas e aquilinas com um aspecto predatório. Um calafrio caiu sobre o gunderlandês, quando ele viu as mesmas feições sinistras em todos os ídolos silenciosos na câmara.

Na escuridão sob a janela de cristal, Nestor viu um altar. Sobre o mesmo, havia oito esmeraldas fantásticas perfeitamente iguais, ao redor de uma serpente de jade intricadamente entalhada, com presas de marfim e olhos de diamante. Ele estremeceu com a aparência maligna do ofídio, ao mesmo tempo em que sua mente nadava na conjectura de seu valor. Nestor olhou para trás, e viu Conan apanhando punhados de moedas e jóias, e colocando-as dentro de um pequeno saco e de várias bolsas que ele havia posto sobre o chão. Uma opala escorregou dos dedos de Conan e rolou pelo chão, até parar aos pés de uma das malévolas sentinelas.

- Corte um pedaço do seu manto – disse Conan. – Aqui há pilhagens suficientes para resgatar o Rei de Turan, se pudéssemos carregar tudo.

Então, Conan finalmente viu as esmeraldas e o ídolo em forma de serpente – aparentemente, o deus do povo que há muito erguera aquela cidade – brilhando sobre o altar. Ele se ergueu e avançou para examiná-los.

- Quero ser um stígio! – exclamou Conan. O cimério estendeu a mão para pegar as esmeraldas, mas Nestor lhe agarrou o pulso.

- Detenha sua mão, cimério. Você leva o ouro e as jóias. Eu levarei estes.

- Jogaremos dados para decidir.

Nestor mal reprimiu um sorriso. Ele trazia dados, e o cimério era conhecido no Marreta por jogar muito e perder mais do que ganhava. Colocando sua tocha num encaixe, numa das paredes, Nestor tirou sua bolsa de dados do cinto, e colocou os cubos de madeira dentro da mão. Separou cuidadosamente os dados, dando alguns para Conan e ficando com alguns.

- Você primeiro – disse Conan.

Nestor agitou os dados no punho, os fez rolar e sorriu diante do resultado. Conan grunhiu consternado. Ele ergueu os dados que Nestor havia lhe dado, numa das mãos poderosas.

- Por Bel! – ele murmurou, soprando sua mão como havia visto os zamorianos fazerem, e então lançou os dados ao chão sem rolar e ergueu sua mão:

- Há! Que tal isso?

Nestor olhou fixamente para baixo e praguejou.

- Por Mitra – ele praguejou novamente –, era para você rolá-los! Pegue-os e jogue novamente.

Você perdeu – grunhiu Conan.

O maxilar de Nestor se fechou e contraiu, e o queixo de Conan estava lançado de forma truculenta para a frente, enquanto ambos os homens agarravam os cabos de suas respectivas lâminas. Parecia que os dois guerreiros iam explodir numa luta feroz e sangrenta. Então, Nestor pensou melhor e recuou.

- Bah! – ele disse com um ar de desdém. – Será um trabalho infernal você vendê-las.

Conan esvaziou o saco de couro e uma das bolsas sobre o altar, e então pôs as grandes esmeraldas dentro da bolsa, a qual ele segurava ao cinto. Ao mesmo tempo, Nestor pegou sua tocha de volta, bem como uma das bolsas cheias que Conan abandonara, e segurou esta última ao seu próprio cinto.

Conan pegou o ídolo em forma de serpente, e o enfiou no saco. Ao fazê-lo, um sussurro medonho atravessou a câmara e fez a pele do cimério se arrepiar. Ele olhou para cima e viu movimentos medonhos por toda a parte, enquanto os ídolos escuros irrompiam em vida sinistra.

Conan e Nestor encostaram-se no altar, aturdidos por uma sensação crescente de irrealidade, ao verem o pavoroso quadro vivo se desdobrar. Ao longo das galerias superiores e inferiores, as sentinelas se desprendiam de suas carapaças resinosas, para revelar rostos mumificados e vestes e armaduras stígias. Braços definhados, envoltos em mortalhas, ergueram khopeshes – espadas em forma de foice, típicas da Stygia – e escudos; e rasos rostos sem olhar, com bochechas afundadas, se voltaram em direção aos dois ladrões. Conan e Nestor sentiram o cheiro amargo de sódio preenchendo a câmara.

- Crom!

- Mitra!

O som da praga irritada de Conan se misturou com o da de Nestor. Este correu até a porta, seguido de perto por Conan, que havia parado por um momento para segurar o saco em seu cinto. Mas os cadáveres gigantes já os cercavam. Os dois homens se viram lutando com as costas coladas umas às outras, no centro de um círculo apunhalador e retalhador daqueles malditos. Conan se torceu para um lado, esquivando-se de uma estocada, e decepou a cabeça de um dos guerreiros morto-vivos, o qual continuou a lutar sem cabeça até Conan o fazer cambalear com um chute poderoso. Nestor cortou o braço do escudo de outro. O gunderlandês se curvou para pegar o escudo, e golpes lhe resvalaram no elmo e couraça prateada. Seus dedos agarraram a alça do escudo, sentindo seu peso familiar, enquanto se erguia e usava o escudo para bater com toda a força em dois dos cadáveres, derrubando um e pondo o outro para cambalear. Sorriu, enquanto se protegia com o escudo.

Nestor e Conan lutavam sombriamente em meio àquela tempestade de khopeshes. O gunderlandês havia lançado sua tocha, sem efeito, num dos gigantes, atingindo-lhe apenas a couraça enferrujada. O cimério, por sua vez, teve mais sorte, acertando o rosto mumificado de um dos mortos-vivos e fazendo toda a carne ressecada daquele cadáver ambulante queimar. Nestor estava ferido na coxa e no braço. Sem armadura, Conan estava em situação pior, com o sangue lhe pingando de uma dúzia de ferimentos.

Um dos cadáveres ambulantes raspou seu khopesh contra as costelas do cimério. Conan lhe arrancou o braço da arma e fechou os dedos de ferro da sua mão esquerda ao redor do pescoço da coisa. Ele o ergueu completamente com um dos braços e o utilizou como escudo, enquanto continuava golpeando e aparando com sua grande espada larga. Então, o bárbaro lançou a coisa monstruosa em direção aos seus atacantes, derrubando três deles numa pilha, sobre a qual ele pulou.

Nestor tentou seguir Conan, mas seu pé escorregou num membro decepado, e ele caiu sob uma chuva de golpes, com quatro dos cadáveres avultando sobre ele, suas lâminas em busca de seus pontos vitais. O gunderlandês se cobriu com o escudo. Momentaneamente livre dos atacantes, Conan embainhou a espada e ergueu um dos bancos de pedra. Com um rugido, ele correu para a frente e investiu contra o grupo acima de Nestor, fazendo os guerreiros morto-vivos cambalearem. O cimério lançou o banco num deles, esmagando-lhe a cabeça, e então agarrou Nestor pelo cangote, levantando-o. Os dois guerreiros saíram cambaleando pela porta, e através do corredor após ela. À direita e esquerda, eles viram mais formas arrastando os pés na escuridão. Os cadáveres da galeria superior haviam descido, e agora espreitavam ao longo do corredor, em direção a eles.

Conan e Nestor alcançaram o salão, correram ao longo da balaustrada e desceram as escadas em espiral. Fugiram, correndo como se galopassem, através do palácio escuro, perseguidos por aquela horda cambaleante, através da sala do trono e antecâmara; saíram através das grandes portas de ébano, saudados pela luz do sol – o qual já havia nascido e estava ficando alto –; através do pórtico com pilares do grande palácio, e descendo os degraus, onde finalmente pararam e deram a volta.

Acima deles, vários dos guerreiros morto-vivos andaram até a luz do sol e os perseguiram. Mas seus membros e mortalhas definhados se transformaram em pó sob os raios do sol, e suas armas e armaduras se espatifaram sobre o chão. Um elmo rolou saltando pelos degraus, até cair aos pés de Nestor. Sob a sombra do pórtico, as outras sentinelas mortas-vivas pararam e se juntaram por um momento. Logo, deram a volta e cambalearam para dentro do palácio escuro.

- Foi a maior escapatória por um triz que tive em minha vida – ofegou Nestor, largando o escudo ao chão. Conan nada disse. Ficou imóvel, os olhos azuis sob sobrancelhas espessas, mirando inescrutavelmente o palácio negro.

Então, o chão começou a tremer, como se houvesse algum monstro maior e mais terrível sob a cidade. Naquele momento, o mundo estremeceu! Um enorme terremoto abalava a cidade de Iapheton. Um ruído de despedaçar o cérebro parecia quebrar o céu com seu incrível chamado; as casas arruinadas cambaleavam e se espatifavam em pilhas de escombros; um enorme pilar de fumaça e chamas irrompeu do mesmo fosso do qual o verme monstruoso saíra e, sobre as asas daquele pilar vulcânico, grandes massas de entulho voaram para o céu. Nestor e Conan corriam pela cidade que desmoronava. Uma nuvem negra de fumaça, poeira e vigas cadentes envolveu o mundo, um trovão prolongado parecia ribombar para o alto, desde o centro da terra. Construções cambaleavam como bêbados, lançando alvenaria sobre as ruas ao redor deles. Restos de paredes e tetos caíram; e, em meio ao rebuliço causado pelo terrível terremoto que sacudia aquela cidade abandonada, o chão se abriu sob os pés dos dois ladrões. Conan e Nestor foram separados. Até mesmo o palácio esculpido na colina havia se transformado numa pilha de pedras desmoronadas.

Conan não conseguia se lembrar onde ele o loiro foram separados. Ele saiu por uma brecha recém-desmoronada dos muros da cidade, após atravessar os subúrbios de Iapheton, parando apenas quando alcançou o alto do desfiladeiro, onde virou e olhou para a despedaçada cidade dos antigos, com seus grandes portões ciclópicos agora entortados e caídos – nem mesmo a magia que os deixara trancados por tantos séculos fora capaz de resistir ao terremoto. Conan esperou. Mas quando, após uma hora, não viu sinal do gunderlandês, o cimério se dirigiu de volta à Cidade dos Ladrões.


4) De volta a Zamora

Conan voltou para a cidade de Zamora, capital do reino homônimo. Na área mais nobre da cidade, o cimério, avesso a magia como sempre, dispensava as quiromantes de lenços de seda vermelha na cabeça, e roupas e ponches coloridos, as quais sempre se ofereciam para ler o futuro nas mãos do bárbaro e de quaisquer outros transeuntes em Zamora.

De volta à taberna de Zhorkonas, no Marreta – agora iluminada por uma vela em cada mesa, após o incidente no qual Conan matara o kothiano que dele zombara –, homens esfarrapados e mulheres espalhafatosas, com a típica pele escura do povo de Zamora e lenços vermelhos em suas cabeças, bebiam e cantavam, enquanto outras mulheres zamorianas – usando ainda menos roupa que a maioria das prostitutas dali – dançavam tocando castanholas e pandeiros, com os quais regulavam o ritmo das canções dos vagabundos locais e das melodias dos tocadores de alaúdes – ambos com roupas e jaqueta de seda e vestidos com todo tipo de farrapos, ou, no caso dos ladrões profissionais, usando tangas de seda –, assim como o da própria dança. As dançarinas usavam apenas tênues véus a lhes cobrirem as partes íntimas. Outras – as tocadoras de castanholas – brandiam e balançavam véus dourados sobressalentes ao redor dos próprios corpos, suados de tanto dançar.

O cheiro do suor, tanto dos homens quanto das mulheres, se misturava, como sempre, ao de vinho. Enquanto isso, a bela garçonete Jaelle de Yezud, atual amante de Conan, terminava de sair de um dos quartos do local, onde havia acabado de ter relações sexuais com um cliente. Com o ouro ganho durante os minutos de prazer com mais um homem naquela noite – e o belo corpo devidamente banhado, para que seu cimério não sentisse o cheiro do suor de outro homem nela –, Jaelle sentou-se diante de uma mesa respingada de cerveja, onde serviu vinho para si mesma.

Enquanto sorvia avidamente a bebida, a esguia jovem morena, de 25 anos, avistou, na entrada da taberna, uma silhueta masculina alta, musculosa e seminua, a qual lhe era bastante familiar e agradável.

- Olá, Jaelle! – gritou Conan, dissipando as lembranças melancólicas do desaparecimento de Nestor e se aproximando, a passos largos, da bela zamoriana. – Você nem imagina o que encontrei nas ruínas!

Após seus sucessos na agora distante Aquilônia e na Torre do Elefante como ladrão, Conan havia se tornado cada vez mais corajoso e ousado. Contudo, se aquele bárbaro adolescente fosse mais sábio, teria sido mais prudente e discreto, vez que ele havia sido procurado naquele bairro de Zamora três noites atrás.

- Ruínas? – ela perguntou apreensiva, lembrando-se de um leve trovejar e estremecer de terra sentido dois dias antes, e seguido de um aparentemente leve clarão, avistado a quilômetros de distância ao sul e seguido, por sua vez, por uma coluna de fumaça. – Você esteve... em Iaphethon, a cidade dos antigos?

- Estive sim – o cimério respondeu imperturbavelmente.

- E a criatura, que dizem que assombrava o lugar?

- Há! – riu Conan. – Não passava de um verme gigante, ao qual eu mesmo já despachei pro Inferno! Vou pedir mais vinho, para bebermos aqui e no nosso quarto!

Enquanto o bárbaro pedia vinho, Jaelle terminou o dela, sorriu e perguntou, com tom de cobiça e de desejo na voz:

- O que você trouxe nesse saco, meu Conan? Acaso foi ouro?

Em resposta, Conan sorriu, abriu a bolsa e espalhou seu conteúdo sobre a mesa. Oito grandes esmeraldas bem esculpidas rolaram pela superfície de carvalho manchada de cerveja e, ao repousarem ali, se transformaram numa pilha de pó verde.

- Por Nemain e Diancecht! – praguejou Conan, espantado. – Que bruxaria dos infernos é esta?

Jaelle olhou espantada para Conan, que pegou o saco contendo a serpente de jade e o colocou sobre a mesa. A yezudita o ergueu e, após começar a desatar a fina corda que o prendia, o largou com um grito.

- Conan, ela se mexeu!

- Do que está falando, mulher? – o cimério reclamou.

- Juro para você que alguma coisa se mexeu dentro deste saco...

Conan não teve tempo de ver do que se tratava. Naquele instante, o gordo e ricamente vestido magistrado Shandor entrou com vários soldados:

- Considere-se preso, em nome do Rei Zigunas de Zamora, bárbaro! – disse Shandor.

- O rei de Zamora? Há! – escarneceu o cimério, encostando-se a uma parede e desembainhando a espada. – Aquele bêbado imprestável com medo da própria sombra?

O magistrado se limitou a rir diante da insolência do cimério:

- Achou que não lhe encontraríamos aqui? Nós soubemos que você se aliou àquele mercenário gunderlandês. Ele voltou para Zamora na noite passada, esbanjando moedas, bebendo abundantemente e se vangloriando das suas explorações. Tentamos prender aquele tratante, mas, apesar de bêbado, conseguiu lutar e fugir.

Os olhos do magistrado brilharam sobre o saco:

- O que é isto?

Shandor ergueu a bolsa da mesa e abriu o cordão do mesmo:

- Mais evidência de sua ladroeira...

Ele enfiou a mão gorda no saco de couro, e logo guinchou e o lançou para a frente, com uma serpente viva presa em seus dedos. O magistrado berrou enquanto sua mão enegrecia. Girou loucamente e correu através da multidão, e então caiu para a frente, ficou sufocado, se retorceu e jazeu imóvel, com os olhos arregalados e espuma na boca. A serpente verde saiu de sua mão e rastejou por alguns centímetros, até desaparecer dentro de uma brecha no chão da taverna.

Os homens da guarda zamoriana já estavam com seus arcos preparados, apesar de tudo. Mas, ao soltarem suas flechas em direção ao cimério, foram surpreendidos quando este, num gesto rápido e inesperado, usou uma mesa como escudo, protegendo a si mesmo e à sua Jaelle.

O primeiro soldado a investir contra o cimério teve sua cabeça quase decepada por um giro sangrento da espada de Conan. Este arrancou o manto que Jaelle usava, ao mesmo tempo em que aparou um golpe de espada de um segundo guarda zamoriano. Na fração de segundo seguinte, o bárbaro cobriu-lhe o rosto com aquele manto e lhe acertou uma estocada fatal entre o pescoço e o queixo.

Conan protegeu Jaelle da segunda saraivada de flechas, usando nada menos que o cadáver do corpulento magistrado. Outro guarda zamoriano que tentara atacar o cimério foi atingido por um violento chute do bárbaro nos testículos, ao mesmo tempo em que Conan se esquivava de uma adaga em sua direção, a qual se alojou no pescoço do soldado ao qual o cimério chutara. Quando o pretenso assassino preparou uma flecha para lançar no bárbaro, este lhe arremessou, na testa, a faca que acabara de tirar do pescoço do soldado morto.

Aterrorizada, Jaelle se agarrou às costas do cimério para se proteger e quase o estorvou, pois, no momento seguinte, outro soldado se preparava para matar Conan e a yezudita por trás. Mas uma das meretrizes locais arrebentou uma enorme jarra de vinho na cabeça do guarda. Este, furioso, se voltou para matar a jovem, mas acabou sendo morto por um dos ladrões que freqüentavam a taverna, o qual rachou o crânio do soldado com um sabre.

Em meio àquele pandemônio, um renegado hiperbóreo se esquivou de dois soldados que tentaram acertá-lo pela frente e por trás, ao saltar para um lado; e, no instante seguinte, com dois giros fatais, cortou as lanças e cabeças dos guardas zamorianos como se fossem trigo.

Em meio ao caos, Conan matou mais um soldado zamoriano com uma estocada no coração, e outro ao lhe perfurar os intestinos. Um terceiro tentou acertar o cimério com um giro descendente de sua espada, mas teve o queixo e crânio despedaçados por um chute do bárbaro. Um quarto tentou derrubar a mesa onde Conan estava, mas sua garganta foi cortada por trás por um contraventor shemita. Saltando da mesa, Conan abraçou Jaelle pela cintura e abriu caminho, matando mais soldados com sua espada e empurrando, com seu poderoso ombro direito, as poucas prostitutas que, correndo apavoradas, lhe barravam o caminho até a porta da taverna. Chegando à soleira, um último guarda tentou decepar o cimério e sua garota, mas Conan se esquivou e, dando uma estocada fatal no coração do soldado, conseguiu escapar daquele tumulto com Jaelle.

***

- Vamos para Shadizar, Conan? – perguntou Jaelle, abraçada a Conan. Os bicos duros e marrom-escuros de seus seios fartos, colados ao corpo do jovem cimério, faziam-no pensar em segui-la.

No entanto, ele sabia que Zamora – assim como a Nemédia e Aquilônia, onde ele já havia praticado seus furtos – era um país de governo unificado, onde ladrões com a sua audácia seriam rapidamente capturados.

Sabendo disso – e consciente de que Jaelle não sofreria nenhum dano se permanecesse em Zamora –, Conan a convenceu disso e, após trocar um breve e sôfrego beijo com a bela morena, o bárbaro seguiu rumo à Britúnia. Em seu íntimo, o cimério sorria, ao saber que aquele velhaco do Nestor – de quem havia ficado amigo – não morrera no terremoto.

FIM




Agradecimentos especiais: Aos howardmaníacos e amigos Ricardo Tavares Medeiros, Deuce Richardson, Al Harron e “VonKalmbach”.



A seguir: O Labirinto.


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