(por Fernando Neeser de
Aragão)
“O barbarismo é o estado natural da humanidade. A civilização é
artificial; apenas um capricho das circunstâncias. E o barbarismo sempre há de
triunfar no final”
(Robert E.
Howard, em Além do Rio Negro).
Brion, líder – e um dos últimos sobreviventes – de uma dentre quatro pequenas
tribos da fronteira sul do país (destruídas por gunderlandeses, que vieram em
número espantosamente grande), percorre toda aquela região montanhosa e nublada,
convocando e reunindo membros de diversas tribos cimérias para a destruição de
um forte, em retaliação à morte de homens, mulheres e crianças da sua tribo e
das outras três. Segundo seus relatos – e de outros sobreviventes –, uma
fortaleza de madeira, chamada Venarium, estava sendo construída, sobre as
cinzas das tribos destruídas ao sul, por homens de cabelos claros, vindos da
Gunderlândia, a fim de explorarem madeira e minérios da Ciméria para o rei da
Aquilônia, e de expandirem as fronteiras aquilonianas para o norte.
Só a superioridade numérica, mencionada por Brion da Tribo dos
Matadores de Bossonianos, seria capaz de fazer os gunderlandeses – cujos passos
descuidados nas matas cimérias eram tão audíveis aos bárbaros de cabelos negros
quanto os de uma manada bovina – destruírem quatro tribos do sul da Ciméria,
por menores que fossem. Sem contar que, apesar da relativamente pouca
furtividade, os lanceiros que destruíram as tribos do sul faziam parte de uma
formação de guerreiros ágeis, que não usam armaduras, estão acostumados a
armarem emboscadas e, treinados em formações quadradas e compactas, são mais
bem utilizados na ofensiva, devido à sua mobilidade.
Agora, o líder da coalizão ciméria alcança a Tribo do Grande Lago, no
noroeste da Ciméria, onde o pai de Conan, o ferreiro Criomnthan, começa a
forjar várias espadas e machados para que todos os espadachins possíveis da
aldeia invadam Venarium. Em seu íntimo, não apenas Criomnthan, mas uma
quantidade significativa de cimérios, se pergunta se o motivo da invasão
aquiloniana pelo sul não se devia também à recusa dos bárbaros morenos das
colinas em ajudarem renegados da Aquilônia, que lá apareceram, meses e anos
antes, em busca de guerreiros para ajudá-los a invadir a própria Bossônia e Gunderlândia
de onde vieram.
O líder da união tribal percebe – como já vira em outras tribos – a
empolgação de todos os homens, mulheres e crianças ali presentes em
seguirem-no.
- Vocês ficam, Tassach, Cliodhna, Murrad, Tuathal, Iuchra e Eanbotha – diz Brion. – Alguém precisa
permanecer para proteger todos os velhos e crianças que não podem ir até Venarium.
Todos ali presentes assentem. Os aquilonianos não são os únicos rivais
que os cimérios precisam enfrentar. Também há os vanires, aesires e pictos.
Além disso, Tassach havia ouvido a descrição do Forte Venarium – não muito
diferente de uma fortaleza que conhecera na Gunderlândia, quando jovem –, e
dera aos cimérios informações importantes sobre como atacar a construção de
madeira. Sem contar que o pai de Criomnthan conhece um pouco sobre as formações
de lanceiros gunderlandeses e sobre como desfazê-las. Tais informações foram
bastante úteis a Brion; mas, como o próprio líder do cerco havia dito ao
ex-aventureiro, alguém tinha que permanecer na tribo para defendê-la. E Tassach
– assim como o velho Murrad, avô materno de Conan –, apesar do físico emagrecido
pela idade avançada (um efeito normal da velhice em cimérios e nordheimeres),
ainda é páreo para matar sozinho três pictos e um jovem vanir ou aesir.
Com um breve beijo, Conan – agora um jovem de quase quinze invernos,
com 1m83 de altura e uma musculatura bem-proporcionada de 81 kg – se despede da
noiva Eanbotha e, de espada embainhada e usando o elmo de chifres que seu pai
lhe forjara há meses, segue o líder da tribo, os pais e conterrâneos na longa
marcha para Venarium.
Os preparativos para o casamento entre Conan e Eanbotha já estavam
quase prontos. Só faltava chamar o oráculo da tribo para oficializar a união
entre aqueles dois adolescentes. Todavia, a notícia da ameaça vinda do sul fez
com que a cerimônia fosse adiada. Durante aqueles doze meses, foram inúmeras as
vezes em que o filho de Criomnthan e a filha de Tuathal subiram juntos as
encostas das montanhas, para terem relações sexuais nos cumes das mesmas, e em
seguida se banharem no lago próximo à aldeia – no qual, desde pequenos, os
cimérios daquela tribo aprendem a nadar.
E, embora filha de um marceneiro, Eanbotha havia aprendido, com a mãe,
a importância do uso de ervas contraceptivas. A filha de Tuathal sabe que o
futuro marido tem um espírito, no mínimo, tão inquieto quanto o de Tassach, pai
do futuro sogro; e, portanto, prefere engravidar somente quando Conan estiver
casado com ela e, deste modo, com as raízes devidamente fincadas na própria
terra natal – como aconteceu, décadas antes, com o velho Tassach, avô paterno
de Conan, ao se casar com Iuchra.
Ao longo daquele tempo, o filho do ferreiro também havia participado de
pequenas escaramuças entre tribos cimérias, matando alguns conterrâneos em
duelos – inclusive dois chefes de clãs inimigos –, o que, aliado ao fato de ter
quebrado o pescoço daquele touro selvagem, havia tornado seu nome mencionado e
repetido com respeito ainda maior nas fogueiras do conselho. Mas, naquele
momento, diversas tribos daquela região bárbara estão deixando de lado suas
rixas, para se aliarem contra um inimigo comum.
Rotheachta, irmã mais velha de Conan, assim como a esposa de Tuathal e
mais dezenas de guerreiros e guerreiras daquela tribo, os acompanham na invasão
a Venarium, liderados por Brion – o refugiado de uma das tribos do extremo sul
da Ciméria, as quais foram destruídas pelos gunderlandeses para a construção do
forte... os gunderlandeses, despreocupados e joviais, cuja jovialidade mal
disfarça sua natureza totalmente impiedosa. A coalizão, que segue até Venarium,
reúne, em sua ida ao norte e volta para o sul, um total de 35 tribos cimérias.
* * *
É noite. Após dias de marcha, a coalizão tribal chega a um vale, com
colinas entre os guerreiros e guerreiras de cabelos negros – dentre os quais
Conan distingue, pela primeira vez na vida, uma minoria de meia dúzia de
pessoas de cabelo castanho-escuro, entre milhares de seus conterrâneos –, e a
fortaleza. Uma vez reunidos todos ali, Brion dá ordem para que os milhares de
cimérios ali reunidos cerquem silenciosamente o Forte Venarium, por trás das
colinas escuras, e o ataquem de todos os lados, de uma vez, ainda de madrugada,
não poupando nenhum ocupante do forte.
- Não há tempo a perder. – assente Ealadha, ouvindo claramente as
palavras de Brion e obedecendo às ordens do mesmo – O líder tem razão. Se não
atacarmos diretamente o forte, poderão vir outros malditos gunderlandeses, como
foi sabiamente dito.
- Concordo, mãe. – diz Conan, acompanhando Ealadha no silencioso cerco
por trás das colinas – Nós sabemos que atacar apenas quem sair de Venarium não
destruirá o forte.
- É isso aí. – diz o ferreiro Criomnthan, com os olhos queimando, e
rangendo os dentes em fúria e sede de sangue, diante da iminência de uma
batalha – Faço minhas as palavras do líder e as suas. Quanto mais cedo
destruirmos Venarium, melhor para a Ciméria.
Um mero cerco, todos ali sabem, jamais expulsaria os aquilonianos que
se instalaram no sul da Ciméria. Assim, inflamados pelas palavras de Brion,
pelo sentimento de defender o que é deles e pelo sentimento de vingança pelas
mortes dos cimérios da fronteira sul, a horda de bárbaros de cabelos negros e
olhos azuis e cinzas parte para o ataque, descendo, sem aviso prévio, das
montanhas verde-escuras ao redor de Venarium e investindo com tamanha fúria que
ninguém é capaz de detê-los.
As sentinelas ficam de prontidão, enquanto os moradores do forte
acordam e se preparam para a invasão inesperada. Os gunderlandeses naturalmente
esperavam por um ataque cimério, mas não em proporções tão assustadoras!
Flechas, lanças, chumbo derretido e pedras, lançados das paliçadas de
Venarium, abatem cimérios, mas são insuficientes para deter a enorme horda
uivante que avança em direção ao forte. Com as espadas entre os dentes, os
cimérios, vestidos apenas com suas costumeiras roupas de pele, escalam os muros
da fortaleza, com a vingança em seus corações. Vingança pela morte dos
conterrâneos das tribos do sul, aliada ao espírito de liberdade. Aquela terra
pertence aos cimérios, e nenhum aquiloniano há de tomá-la!
Os guerreiros e guerreiras mais adiantados, como Brion, Rotheachta e
Conan, usam pequenos escudos redondos de madeira, reforçados com metal e
contendo uma afiada ponta metálica de 15 centímetros na
parte central – e são os primeiros a pularem o muro do forte. Os demais – com
escudos ou não – encontram-se armados com lanças na mão direita, machados na
esquerda e espadas à cintura.
Os
aquilonianos lutam desesperadamente por suas vidas. Mas a torrente bárbara, que
se derrama das colinas cimérias para dentro do forte, é implacável e impossível
de ser detida. Lanças cimérias e aquilonianas são arremessadas; espadas e
machados rodopiam de ambos os lados daquele caos. Os homens da Gunderlândia são
hábeis lanceiros, cuja terra natal, a província mais setentrional da Aquilônia,
está a apenas um dia de cavalo das fronteiras da Ciméria através da fronteira
bossoniana. Criados para a luta, são o povo de raça mais pura entre os
hiborianos – homens de constituição firme, com cabelos amarelos de corte reto
em capacetes de aço, couraças de cota-de-malha e caneleiras polidas.
Há uma minoria
de bossonianos em Venarium – parte dos arqueiros, já mortos por lanças de ferro
e aço dos cimérios, pertencia àquele povo moreno, de estatura mediana, das fronteiras
norte e oeste da Aquilônia. Mas a maioria dos aquilonianos daquele forte se constitui
de gunderlandeses. Estes últimos, ao invés de arcos, usam espadas, lanças e
adagas – homens de cabelos amarelos, com pele clara e olhos cinzas, suas cabeleiras
leoninas despontando sob os capacetes de aço. São lutadores fortes, impiedosos
e bem-disciplinados, e muito apreciados como militares entre os colonos da
fronteira.
Mas a vantagem está com aqueles bárbaros de cabelos negros, pele morena
e olhos claros, que, em número bem maior, sitiaram e invadiram Venarium. Para
cada cimério morto, três aquilonianos são igualmente mortos.
Lanças e espadas cimérias derrubam os aquilonianos ao chão, onde os
colonos são mortos por espadas e machados de ferro e aço, os quais decepam as
cabeças dos guerreiros de Venarium ou lhes atravessam corações e intestinos.
Conan está entre os cimérios que destroem a formação dos Piqueiros
Gunderlandeses – homens de armadura média, treinados na formação quadrada e de
parede de lanças, para ofensiva máxima e efeito de defensiva.
Cimérios se lançam desde os muros em direção às lendárias Falanges Gunderlandesas,
as quais, apesar de suas longas lanças, capazes de deter, combater e atravessar
vários guerreiros de uma única vez – e principalmente cavalos –, são
rapidamente desfeitas pela ferocidade bárbara e enorme superioridade numérica
dos guerreiros de cabelos negros, os quais também atacam a pé. Dezenas de
bárbaros morrem, mas a maioria sobrevivente – constituída de centenas e seguida
por milhares – corta os piqueiros de cabelos claros e armaduras leves, como se
eles fossem trigo.
Nada pode deter a onda ciméria, a qual atravessa as Falanges Gunderlandesas
com pura massa, força, agilidade e ferocidade, despedaçando, com suas espadas e
machados, as lanças e escudos manejados pelos colonos de cabelos claros do
norte da Aquilônia. Após a pesada e compacta formação da Guarda Gunderlandesa
ser desfeita pelos ágeis bárbaros de cabelos negros, as linhas de batalha
deixam de existir. Embora hábeis lanceiros, os aquilonianos da Gunderlândia não
são páreo para as lanças cimérias de arremesso, as quais chovem impiedosamente
sobre eles.
Algumas das guerreiras cimérias esfaqueiam os pescoços dos
gunderlandeses por trás com suas facas de ferro e aço; outras brandem
velozmente seus machados, derramando sangue hiboriano sobre o solo do sul da
Ciméria. Mas a maioria delas usa feroz e impiedosamente suas espadas contra os
gunderlandeses daquele maldito forte – não poupando nenhum daqueles colonos que
servem ao infame rei Vilerus da Aquilônia –, decepando braços, pernas e
cabeças, e fazendo derramar sangue, entranhas e miolos em golpes de velocidade
cegante e dificilmente igualada pelos invasores aquilonianos.
Ao ver seu escudo despedaçado pelos golpes contínuos das lanças
gunderlandesas, Conan o descarta e puxa a espada, brandindo-a juntamente com o
machado.
Uma atacante ciméria tem o antebraço decepado por uma das poucas
guerreiras gunderlandesas dali, na altura do cotovelo, mas com o direito ela
abre a mulher de cabelos claros, num golpe ascendente de seu machado, o qual
arranca um enorme jato de sangue, do umbigo à garganta, da guerreira que a aleijou.
Outro guerreiro da Aquilônia ergue o escudo e tenta estocar sua lança
em direção a Rotheachta, mas a espada da jovem corta, num só golpe, lança,
escudo e pescoço do aquiloniano, fazendo a cabeça do soldado rolar
ensangüentada pelo chão. Um gunderlandês derruba Rotheachta, mas a espada de
Criomnthan racha o crânio loiro do lanceiro, antes que o mesmo lhe mate a
filha. Outro cimério ataca um gunderlandês de cabelos castanho-claros, derrubando-o.
Os dois guerreiros rivais se engalfinham e rolam sobre o chão, matando um ao outro.
Outra
guerreira ciméria tem seu torneado ventre esguio perfurado por uma lança inimiga.
Conan ataca, por trás, o gunderlandês que a ferira mortalmente, rachando o crânio
do inimigo. A jovem, por sua vez, ainda matas mais dois guerreiros rivais antes
de cair morta. Conan, que a vingara, lança-se novamente como um tigre
enlouquecido à luta, com gritos bestiais e gargalhadas.
Em meio àquele
caos, dois lanceiros atacam o filho de Criomnthan, vindos de lados opostos. Um
deles tem cabelos castanho-claros e olhos tão cinzas quanto o de qualquer
gunderlandês; e o outro é um loiro caolho. No exato momento em que os dois
homens tentam vará-lo, Conan joga-se no chão, esquivando-se e fazendo o loiro
caolho ser trespassado pela lança gunderlandesa, ao mesmo tempo em que decepa
as duas pernas do lanceiro vivo – o qual se esquivara da lança do loiro – e
racha-lhe o crânio castanho, num espirro de sangue e miolos sobre a relva.
Sem esperar o
ataque, Conan parte novamente para a luta, talhando três aquilonianos da
Gunderlândia num só golpe, rasgando dois ventres e um peito num enorme jato escarlate,
misturado ao inconfundível som de ossos quebrados com carnes e vísceras dilaceradas.
O quarto, com a espada erguida, recebe entre as pernas o violento impacto de um
pontapé de Conan, antes de ter o crânio rachado, num espirro de miolos pelo
próprio rosto branco, contorcido pelo estertor de morte.
O quinto
atacante, por sua vez, arranca uma mecha do cabelo do filho de Criomnthan, com
um giro mortal de sua espada. Aproveitando a guarda momentaneamente aberta
daquele colono, o bárbaro, com agilidade felina, arremete a espada num golpe
lateral, abrindo os músculos peitorais, bem como o coração e espádua do
atacante.
Ao ver o filho
– de olhos tão azuis quanto o ferreiro que o gerara nela – lutando daquele
jeito, Ealadha se enche de orgulho e brande a espada com determinação renovada.
O rosto majestoso da mãe de Conan encara o inimigo, seu cabelo lhe cai como uma
cascata de ébano sobre os esguios e fortes ombros morenos, e suas mãos agarram
tenazmente a já ensangüentada espada larga, brandindo-a contra qualquer atacante
da Gunderlândia.
Embora com os
seios agora três vezes maiores que há 15 anos – devido a outras gestações e
partos desde então –, Ealadha, filha do velho Murrad, gira a espada tão agilmente
quanto no dia em que Conan nascera. Amontoados ao seu redor, jazem os corpos
mutilados de vários gunderlandeses e de seus impiedosos cães de guerra – estes
mortos tanto pela espada quanto pela ponta afiada do escudo cimério, usado pela
esposa do ferreiro.
Tão ágil, forte e flexível quanto os demais cimérios, Brion, o líder do
cerco, abre pescoços e peitos, e decepa cabeças e membros a cada golpe de sua
espada ensangüentada. Depois de Conan, Brion é quem mais derrama sangue, miolos
e intestinos gunderlandeses naquele forte de madeira.
Logo, Eremon, líder da tribo de Conan, se junta a Brion e, com as
costas coladas umas às outras, ambos os chefes derramam ainda mais sangue
aquiloniano, quebrando, com suas espadas e machados, as pontas das lanças
brandidas por aqueles guerreiros de cabelos claros, os quais pagam caro por terem
cruzado a fronteira e destruído aquelas quatro tribos cimérias. Desse modo, sem
remorso nem piedade, Eremon esquarteja peitos, corta corpos ao meio com seu
machado e dá estocadas fatais com sua espada.
Então, Brion repete as ordens para que ninguém em Venarium seja poupado, enquanto sai de perto de Eremon e
lidera um grupo de cimérios, para ajudarem os conterrâneos que tentam arrombar
o portão.
As casas de madeira dos gunderlandeses daquele forte são invadidas
pelos saqueadores de cabelos negros, os quais arrombam de um só chute as portas
com fechaduras de ferro, derrubam velas, lamparinas, mesas e cadeiras, saqueiam
baús de ouro e recipientes de comida, além de incendiarem os móveis e casas
após matarem as mulheres e crianças de cabelos claros ali residentes.
Mas mesmo as mulheres não-guerreiras de Venarium – as quais, assim como
as bossonianas, são endurecidas veteranas da fronteira – não são fáceis de
serem mortas pelos cimérios, e lhes opõem feroz resistência, matando algumas
das mulheres – e até homens – de cabelos negros que invadem aquele forte, antes
de caírem sob as lâminas dos bárbaros. Alguns dos homens de Venarium vingam as
mortes de suas mulheres e filhos, afundando suas espadas e lanças nos corpos de
alguns cimérios, apenas para serem mortos logo depois pela inexorável maré de
guerreiros bárbaros, de desgrenhados cabelos negros, os quais agora invadem as
áreas de plantio do forte.
Ao matarem as mulheres e crianças do forte, aqueles cimérios pensam em
suas próprias mulheres e crianças de cabelos negros, mortas impiedosamente no
sul da Ciméria; ao matarem os poucos sacerdotes de Venarium, lembram dos
oráculos cimérios, assassinados por aqueles suínos, portadores da palavra de
Mitra. Aqueles guerreiros e guerreiras de cabelos negros estão, não apenas
defendendo o próprio território, mas também vingando as mortes dos
conterrâneos, de modo que não há o mínimo arrependimento em seus corações.
Após ajudar a matar as mulheres gunderlandesas do forte, Rotheachta sente
uma alegria sinistra lhe envolver o íntimo, tanto quanto seu irmão, os quais
lutavam pela primeira vez em batalha – especialmente Conan, que já havia matado
alguns batedores pictos, anos antes, e dois líderes cimérios, meses atrás. Mas,
desta vez, tal sentimento em Conan é ainda maior, proporcional à quantidade de
inimigos mortos.
Havia uma pequena construção ali – a única feita de pedra ao invés de
madeira –, na qual morava Cadmon, líder do forte Venarium. Ele é o único
gunderlandês que, além da armadura de cota-de-malha dos seus conterrâneos, usa
gorro de aço sob o capacete e o emblema da serpente dourada da Aquilônia
bordado em seu peito – o mesmo emblema da bandeira à qual os cimérios agora
incendeiam. Apesar de lutar como um lobo desde as muralhas de Venarium, Cadmon
é inexoravelmente empurrado para o centro do forte, morto e despedaçado pelos
bárbaros que lutam como verdadeiros tigres.
Enquanto as plantações do forte são saqueadas e queimadas, alguns
cimérios – em especial as mulheres que ali guerreiam – saqueiam tecidos, e até
cortinas e roupas de lã, algodão e linho, enquanto Conan retira a armadura de cota-de-malha
do corpo de um gunderlandês morto – cuja altura e físico eram semelhantes aos
do filho de Criomnthan – e a veste, com um sorriso triunfante no rosto. O torso,
braços e pernas de Conan estão agora tão protegidos quanto sua cabeça. A visão
das casas, e dos saques delas arrancados, faz Conan se lembrar dos relatos do
avô, acerca do mundo civilizado ao sul, e lhe dá um vislumbre das maravilhas
descritas pelo velho Tassach.
Um pequeno grupo, do lado externo de Venarium, havia cortado um tronco
de carvalho, a fim de arrombar os portões do forte. Embora não estivessem mais
sob a mira de lanças, flechas, chumbo derretido nem pedras, os bárbaros de
cabelos negros não conseguiam abrir aquelas enormes portas, também de carvalho.
Mas, com a ajuda de Brion, o qual agora mata e lidera a matança dos guardas que
se aglomeravam no portão, os cimérios do lado externo agora encontram a enorme
porta destrancada pelo líder, o qual lhes sorri por entre a grisalha e farta
barba sem bigode. Uma nova horda ciméria irrompe forte adentro. Agora a batalha
está definitivamente perdida para os gunderlandeses mandados pelo rei da
Aquilônia.
Muitos guerreiros, e algumas últimas guerreiras, de cabelos claros lutam
desesperadamente, empunhando suas longas lanças contra os cimérios, o que pouco
lhes adianta. Apesar de ceifarem a vida de vários bárbaros morenos, os brancos
da Gunderlândia são afogados pela superioridade numérica dos cimérios.
Cobertos de sangue da cabeça aos pés, os guerreiros Brion, Eremon, Rotheachta,
Criomnthan, Ealadha e Conan ajudam a matar os últimos guerreiros aquilonianos
da Gunderlândia, construtores do agora condenado forte Venarium. Descendentes
não-mestiços dos primeiros hiborianos, os guerreiros semibárbaros da
Gunderlândia não tinham a habilidade e ferocidade bárbara dos cimérios, cujos
poderosos tendões têm velocidade tão cegante que, a seu lado, os movimentos do
mais bem-treinado dos gunderlandeses parecem lentos, desajeitados e pesados.
Anos de luta com homens, animais e todas as formas de elementos haviam
instalado, em suas melancólicas almas cimérias, o próprio espírito do
selvagem... o poder intangível que esvoaça no longo uivo do lobo cinza, que
ruge no vento do norte, que dorme na poderosa agitação dos rios turbulentos dos
finais de inverno, que ressoa nos açoites do vento gelado e do bater das asas
da águia. Tais qualidades – idênticas às dos seus vizinhos de Nordheim – sempre
fizeram dos cimérios um povo inconquistável.
E o jovem Conan nunca sentira tanto prazer em lutar e matar como
naquele cerco, no qual acaba de lutar sua primeira batalha – nem mesmo quando
havia livrado a aldeia daqueles batedores pictos que a espionavam, anos atrás,
e participado recentemente daquelas duas escaramuças tribais.
Uns poucos
sobreviventes conseguem fugir para a Bossônia, de onde voltarão à sua terra,
tão montanhosa quanto a que ousaram tentar invadir, e enviarão, ao Rei Vilerus
da Aquilônia, a notícia da brutal queda de Venarium. Outros sobreviventes,
caídos ao chão dentro do forte, com membros decepados ou com ferimentos que
lhes dariam mortes lentas, são lançados ao fogo que queima e destrói suas casas
e já começa a ameaçar as muralhas locais. Uma veterana gunderlandesa, ajoelhada
de dor com uma lança atravessada no peito, tenta se erguer, cambaleante, e
consegue. A mulher dá alguns passos vacilantes, agarrando a imensa haste que a
atravessara. Ela caminha sem direção certa, e é derrubada por um machado
cimério, arremessado em sua cabeça. Os cimérios
não torturam. Eles não são mais cruéis do que a vida exige. Não é a
injustificada sede de sangue que os faz matar inimigos feridos, mas o fato de
saberem que suas chances de sobrevivência aumentam a cada inimigo morto.
Conan avista uma jovem gunderlandesa loira – a qual fora violentada por
guerreiros da Ciméria central – prestes a ser morta pelos homens que a
estupraram, e avança para tentar salvá-la, pois é interessante, do ponto de
vista do adolescente, que ela também viva para dar a notícia da destruição
daquele forte. Ele, contudo, chega tarde demais e, ao ver a jovem com a
garganta cortada pelo punhal de um cimério, se enfurece e, num redemoinho de
aço, sangue, miolos e intestinos se derramando, massacra parte do grupo que a
violentou, além de matar o assassino da loira. Vendo isso, os líderes Brion e
Eremon tentam parar aquela luta, mas Brion recebe uma estocada mortal nas
costas, ao matar um daqueles arruaceiros. No momento seguinte, contudo, o líder
da destruição do Forte Venarium vinga a própria morte, usando suas últimas
reservas de força para estrangular o próprio assassino. Eremon, por sua vez, é
morto pelo rapaz que comandara o estupro, mas Conan decepa por trás, num jato
de sangue, a cabeça do assassino do líder da sua tribo. Naquele furacão, de
aço, sangue e de lâminas se cravando precisa e impiedosamente em órgãos vitais,
Conan termina de vingar a moça assassinada.
Dos tecidos saqueados no Forte Venarium – agora reduzido a cinzas –,
somente as peles e alguns panos de algodão são aproveitados pelos cimérios, por
serem mais apropriadas àquela terra inóspita – ao contrário da seda e linho,
logo descartados após serem usados para limparem o sangue aquiloniano das
espadas cimérias. O ouro também é dispensado, vez que não tem a mesma utilidade
do sílex, ferro e aço, muito mais práticos e resistentes para a confecção de
machados, lanças, espadas e facas.
Os sonhos imperiais de expansão aquiloniana para o norte foram
frustrados em sangue e fogo por aqueles ferozes bárbaros morenos, mas a aliança
ciméria rapidamente se desfaz, e aquelas 35 tribos retornam paulatinamente ao
seu dia-a-dia.
* * *
Chegando de Venarium, e ainda vestido com a armadura de cota-de-malha
gunderlandesa que trouxera de lá como saque, Conan avista Eanbotha correr em
sua direção e a beija sofregamente. Sorrindo, o guerreiro adolescente pergunta
pelo avô. É naquele momento que Conan avista corvos voando em círculos, em direção
à floresta. De acordo com sua bela noiva de olhos cinzas, eles estão devorando
os cadáveres de selvagens pictos, que, na sua ausência, atacaram a tribo e
mataram seu avô paterno.
Sem perguntarem mais nada a Eanbotha, ele e o pai correm até a clareira
onde fica a aldeia, e se deparam com alguns túmulos extras – ao redor dos quais
os oráculos entoam canções fúnebres – e com o velho Murrad. Este, percebendo o
olhar do genro e neto, se dirige a eles:
- Eanbotha já contou, não? Ele foi para o reino de Crom, mas levou três
demônios pintados consigo e morreu com um sorriso nos lábios. Eu mesmo vinguei
a morte de Tassach, ao estripar o picto que dera o golpe fatal nele. Iuchra descarregou
a própria dor, decepando as cabeças dos três pictos que o falecido marido dela havia
matado, e do quarto, que o matou logo depois.
O ferreiro Criomnthan, ao ouvir tal notícia, tem seus olhos azuis
nublados por uma expressão melancólica em seu moreno rosto cicatrizado. Conan,
por sua vez, fica perplexo e desnorteado, além de melancólico. Os cimérios
raramente choram, por mais tristes que estejam, mas todos ali presentes –
apesar da derrota dos aquilonianos de Venarium – ficam sombrios e melancólicos
com a notícia da morte, não só dos conterrâneos que pereceram no forte
aquiloniano, mas dos que foram atacados na aldeia onde vivem – principalmente
com a partida do sorridente ex-aventureiro Tassach, nascido no sul da Ciméria.
O velho avô paterno de Conan contagiava a todos na tribo com sua alegria
constante. E Conan, seu primeiro neto homem, foi quem melhor aprendeu, com o
guerreiro e ex-aventureiro, que o sorriso não está presente apenas na guerra e
na batalha.
Aproximando-se de Murrad, Tuathal dá um tapa amigável no ombro do pai
de Ealadha e acrescenta a Conan:
- Foi graças ao seu avô materno que os pictos fugiram! – diz o futuro
sogro do adolescente. – Ninguém é páreo para ele!
No entanto, a vida repentinamente parece fútil e sem sentido ao jovem
Conan – como ele já vira acontecer com outros conterrâneos seus. Só que desta
vez, havia um motivo, que não era o simples vôo ou pio de uma ave, nem o soprar
do vento, nem um redemoinho de poeira. Como já vira outros homens de sua tribo
fazerem, o adolescente agora se pega meditando sobre o vazio da existência.
Havia um pouco de alegria naquela terra: as brincadeiras entre as crianças, o
nascimento de um bebê, uma prazerosa relação sexual e, principalmente, a
loucura da batalha. Mas, naquele instante, os prazeres, temores, ambições e
coisas terrenas se lhe revelam subitamente como pó e brinquedos quebrados. As
fronteiras da vida murcham e as linhas da existência se fecham ao redor de
Conan. Deixando cair a cabeça leonina em suas mãos fortes, o adolescente geme
em voz alta.
No momento seguinte, o toque da mão do pai em seu ombro direito, e da
de Eanbotha no esquerdo, fazem Conan erguer a cabeça e um calor agradável lhe
percorrer as veias – afinal, a vida, apesar de tudo, não é o sonho de um deus
idiota, e vale a pena ser vivida.
Após se tornar líder da tribo, com a morte de Eremon e uma posterior
escolha quase consensual, o ferreiro Criomnthan se torna, também, o segundo
líder tribal mais poderoso da Ciméria – perdendo apenas para Domnail, filho do
falecido líder Brion, do Saque de Venarium.
Pele, carne, mel, água, sílex, metais, madeira e vegetais... estas são as
riquezas mais importantes para os cimérios. Conan, contudo, tem agora apetite
por muito mais. E a morte de Tassach, aliada ao dia-a-dia cada vez mais
monótono da tribo e à iminência do casamento com Eanbotha – esta última, uma
razão que o deixaria preso àquela região, agora mais melancólica do que nunca
–, leva Conan a abandonar a Ciméria e viajar para Nordheim, em busca de
aventura e saque.
Ele até havia pensado em seguir para o sul, a fim de conhecer melhor
suas maravilhas, mas seu desejo por saques faz com que o rapaz prefira se aliar
a guerreiros tão fortes e ágeis quanto os cimérios, e não a lutadores
relativamente desengonçados do sul. Sem contar que, apesar de não lutarem tão
bem quanto os cimérios, os aquilonianos, devido à recente destruição de
Venarium, estão ressentidos demais para permitirem que um solitário adolescente
cimério adentre o país deles. E a Nemédia, por sua vez, havia tido escaramuças
demais com os cimérios para perdoar a presença de Conan na terra deles.
Os ruivos vanires são inimigos jurados dos cimérios (e vice-versa) há
muito tempo, de modo que Conan prefere procurar aos vizinhos loiros dos vanires
– os aesires; os bárbaros de Asgard. Assim, após arrumar os pertences, se
despedir brevemente do pai e sem dizer uma só palavra aos outros membros da
tribo – os quais, à exceção do ferreiro e líder Criomnthan, não presenciaram a
partida de Conan –, o jovem viaja para norte e leste.
Com um raro sorriso no rosto, Criomnthan entregou a Conan a armadura,
saqueada em Venarium, de cota-de-malha gunderlandesa, à qual consertara
secretamente – já sabedor de que seu filho poderia tomar decisões e rumos
semelhantes aos do falecido Tassach, quando este era jovem.
FIM
Agradecimento especial: Ao
howardmaníaco Alexander “Taranaich” Harron, da Escócia, por suas preciosas
informações sobre os lanceiros gunderlandeses.
A seguir: Além das Colinas.