(por Fernando Neeser de
Aragão)
“Paisagens se sobrepondo, colinas sobre colinas,
Encosta por encosta, cada uma povoada de árvores tristes,
Nossa terra descarnada jazia. E quando um homem subia
Um pico áspero e contemplava, olhos protegidos,
Via nada além da paisagem infinita – colina sobre colina,
Encosta por encosta, cobertas como suas irmãs.
.
“Era uma terra de melancolia que parecia abrigar
Todos os ventos e nuvens e sonhos afugentados do sol,
Os galhos despidos agitavam-se por ventos solitários,
E florestas recolhidas, de todo meditativas,
Nem mesmo iluminadas pelo sol raro e esmaecido,
Que tornava homens sombras encolhidas; eles a chamavam de
Ciméria, terra da Noite e das Trevas”.
O verão cimério se caracteriza pelo verdor em quase toda a região, com
poças de lama aqui e ali, decorrentes das chuvas que contribuem para reduzir a
quantidade de nuvens no céu, fazendo o sol banhar aquele país – que é
totalmente nublado, sombrio e nebuloso durante o outono, inverno e primavera.
Mesmo assim, as florestas da Ciméria são tão espessas, e com árvores tão
próximas e densas que a luz do sol mal penetra pelos bosques de folhas
verde-escuras.
Durante o dia, quem adentra aqueles bosques tem a impressão de que é
noite; já à noite, o interior das mesmas florestas esconde qualquer luz
externa, ficando em total escuridão – sem contar que aquela região tem névoas em
qualquer estação do ano. De qualquer forma, os ventos, quase sempre frios, que
sopram por aqueles vales, agora estão mornos.
O povo da Ciméria descende dos atlantes da Era Thuriana, apesar de
desconhecer sua ancestralidade – tendo evoluído, por esforços próprios, dos
homens-macacos nos quais seus antepassados se transformaram. Povo constituído
por pessoas altas, dolicocéfalas e morenas, de cabelos negros e olhos azuis e
cinzas, seus homens são robustos e musculosos, enquanto suas mulheres são
esguias, de curvas firmes. Têm uma vida tribal, como seus vizinhos nórdicos de
Asgard e Vanaheim, e moram em aldeias construídas em clareiras – naturais ou
não – das densas florestas daquela região de montanheses.
As choupanas são circulares e feitas de pedra e madeira, com tetos
cônicos, de madeira e palha. Somente a oficina do ferreiro é totalmente de
pedra, a fim de evitar um incêndio acidental.
Além de cercados por povos inimigos – como vanires e pictos – ou pouco
confiáveis – como hiborianos da Bossônia e Reino da Fronteira, além de aesires
–, os cimérios também lutam uns contra os outros em esporádicas guerras tribais.
Assim, tanto homens quanto mulheres sabem guerrear e manusear espadas. Suas
habilidades – de guerra, caça, metalurgia, confecção de lanças e machados com
lâmina de pedra, dentre outras – se dividem de acordo com a aptidão e
hereditariedade de cada um, e não com o sexo.
É meia-noite e a lua está em seu zênite. Mulheres cimérias dormem
completamente nuas com seus maridos, quando são subitamente acordadas pelo
barulho abafado de cascos de cavalos, por botas de pele sobre a lama e pelo
latido dos cães de caça da tribo. A aldeia está sendo invadida! Sem tempo para
se vestirem, elas se levantam rapidamente e saem de suas choupanas, de espada
em punho, para, juntamente com seus maridos seminus, defenderem a si mesmas e à
própria tribo.
Os invasores, munidos de espadas, machados, lanças e escudos, são
homens tão altos e fortes quanto os cimérios, mas têm a pele branca e os
cabelos ruivos. São os temíveis guerreiros de Vanaheim – os vanires –, que
vivem a noroeste da Ciméria. Aquele bando vanir vem saqueando algumas aldeias e
se escondendo, desde que cruzou a fronteira noroeste daquela região enevoada.
Infelizmente, as tribos cimérias não são unidas a ponto de mandarem mensagens
umas às outras. Os vanires – cujo número diminuíra desde o primeiro ataque a
uma aldeia ciméria – pensavam estar pegando aquela tribo desprevenida, ao se
aproximarem à noite.
Súbito, com um sorriso sinistro, um dos cimérios – líder daquela aldeia
– sai de trás de uma cabana e, empunhando duas espadas, abre a garganta de um
dos invasores, de cabelos ruivos e olhos azuis, e tem início, naquela tribo
daquele país montanhoso, uma luta sangrenta entre cimérios e vanires. E, em
meio à feroz dança de espadas, machados, escudos, ossos quebrados, tendões
partidos e carnes rasgadas, uma guerreira quase nua, em estado adiantado de
gravidez e cabelos negros como a escuridão das florestas daquela nação, abre
caminho por entre uma verdadeira muralha de guerreiros ruivos. O nome da jovem
lutadora gestante, de olhos cinzas, é Ealadha, filha dos guerreiros Cliodhna e
Murrad.
Ealadha crava a espada no coração de um atacante de barba ruiva – um
dos poucos a cavalo –, o qual se inclina de sua montaria galopante, para tentar
agarrá-la. Ela sorri levemente, ao ver o corpo varado do saqueador de Vanaheim
desabar da sela e jazer estendido sobre a lama. Um giro da espada daquela
mulher ciméria decepa o antebraço de outro vanir a cavalo, que tentava
atingi-la com um enorme machado. Quando este ruivo cai, apertando o coto ensangüentado
do cotovelo, uma outra mulher salta sobre o cavaleiro, o qual geme caído sobre
a lama, e decepa-lhe a cabeça num só golpe. Com um sorriso degenerado, outro
vanir a cavalo agarra uma criança a pé e arrebenta-lhe o crânio contra uma viga.
E, com um rugido de puro ódio, o ferreiro da tribo – marido de Ealadha – dá um
pulo para o alto e decepa a cabeça do covarde assassino ruivo.
Urrando feito um urso, Tassach, pai do ferreiro Criomnthan, enfia sua
espada no olho de um atacante vanir a pé, fazendo a lâmina de aço se projetar
pela nuca do ruivo, e o sangue do mesmo se misturar ao vermelho da barba do
invasor nórdico até a cota de malha. Figuras selvagens correm até a batalha – mulheres
altas e flexíveis, totalmente nuas, os cabelos negros soprados pelo vento agora
morno, os olhos azuis e cinzas faiscando, e as espadas em punho, gotejando
sangue vanir.
Medindo 1m83 de altura, Criomnthan não é mais nem menos alto que a
maioria de seus conterrâneos – embora seja 3 cm mais alto que o pai Tassach. Mas, devido a
longos anos de forja, o ferreiro de farta barba negra – agora aparada, devido
ao calor – e olhos azuis é um dos homens mais musculosos da tribo. No entanto,
é um guerreiro ágil, de corpo flexível e com uma tremenda força nos braços de
forjador.
Nenhum daqueles vanires, em cota-de-malha e escudo, é páreo para o
ferreiro Criomnthan. Embora seminu e sem escudo, o forjador de metais empunha
perigosamente a espada contra aqueles invasores ruivos, girando e estocando
para atacar, e se abaixando e pulando para se esquivar – ou para ambos. Numa
finta enganadora, ele fura a boca-do-estômago de um vanir; noutra, ele abre o
crânio de outro ruivo na altura dos olhos, em uma explosão de sangue e derramar
de miolos.
Enquanto isso, apesar das rugas no rosto e dos pêlos grisalhos em seu
peito musculoso, o velho Tassach – assim como o filho Criomnthan –, mata dois
invasores para cada conterrâneo morto.
Um gigantesco vanir a pé – um dos mais musculosos da horda – investe
contra Ealadha, de machado na mão, imaginando-a frágil. Contudo, mesmo grávida,
a esposa do ferreiro é mais ágil que a maioria dos aldeões sob ataque – e muito
mais do que o corpulento ruivo que investe contra ela. Este tenta matá-la com
dois giros mortíferos de seu enorme machado. Contudo, ao tentar atingir Ealadha,
o vanir se aproximou demais da gestante seminua, de modo que esta acerta duas
estocadas no homem de barba ruiva: a primeira, na genitália do ruivo, fazendo o
vanir urrar; a segunda, no grosso pescoço daquele brutamontes de Vanaheim,
matando-o.
Outro vanir, sentindo uma estranha excitação sexual ao ver os
balouçantes seios nus de Ealadha, com as largas aréolas escurecidas pela
gestação, tenta agarrá-la por trás, a fim de violentar a jovem. Contudo, a
desnuda guerreira Cliodhna, mãe da futura mãe, salva a honra da filha,
decepando por trás e de um só golpe, a cabeça do ruivo, a qual voa para longe
num chafariz de sangue, indo rolar pela neve já avermelhada de sangue cimério e
vanir.
Os cães de caça cimérios, que haviam alertado a aldeia da invasão
estrangeira, voam em direção às gargantas dos ruivos; alguns deles as
despedaçam; outros são mortos a golpes de espada e machado pelos vanires,
enquanto outros enfrentam os poucos cães-de-guerra, trazidos pelos guerreiros
ruivos de Vanaheim. Crianças – de recém-nascidos a meninos e meninas de dez anos
– assistem à batalha, pelas frestas das choupanas nas quais se escondem,
protegidas pelos anciãos – alguns dos quais, oráculos da tribo. Caso sobrevivam
à invasão, as crianças mais velhas repetirão, com bastões de madeira, os golpes
da batalha, como treino para futuros combates na adolescência e idade adulta.
Girando seu machado de duas lâminas, um dos vanires decepa a cabeça de
uma mulher e racha o crânio de um homem, em seu avanço a uma das cabanas, mas é
detido por duas espadas cimérias: a primeira, empunhada por um homem,
furando-lhe os intestinos; e a segunda, de uma mulher que decepa a cabeça ruiva
do assassino vanir.
Uma das cabanas é incendiada por duas tochas vanires, fazendo sua
ocupante – uma grisalha mulher de mais de 70 anos – sair da mesma, com o
recém-nascido bisneto caçula nos braços. No momento seguinte, ela e o bebê são
mortalmente atravessados por uma lança vanir, com ponta de bronze. Tomada de
ódio ao ver a velha e o bebê serem covardemente assassinados, a seminua
gestante Ealadha – tão hábil na luta quanto o marido ferreiro – agarra uma
lança de ponta de sílex com a mão esquerda e a arremessa, certeira e
fatalmente, em direção ao musculoso pescoço do assassino ruivo. Este cai
agonizante para trás, com o esôfago, traquéia e vértebras cervicais perfurados
pela lança, cuja ponta se projeta pela parte posterior do seu pescoço.
Os dois incendiários, por sua vez, são mortos por um giro fatal da
espada de Tuathal, o marceneiro da tribo, cuja filha de nove meses está dentro
de sua cabana, sob a proteção da mãe. A seguir, uma das mulheres a guerrearem
nuas é atingida por um mortífero machado vanir entre os seios morenos, ao mesmo
tempo em que vinga a própria morte, enfiando profundamente a espada gotejante
entre o pescoço e queixo de seu algoz.
Ao mesmo tempo, outro bisneto da recém-vingada idosa – uma menina de
uns dois anos – é derrubado por outro vanir, o qual pisa sobre o pescoço da
criança, rindo e estrangulando-a sádica e lentamente. Mas a menina crava os
dentes no calcanhar do ruivo, cortando-lhe o tendão. O homem de barba vermelha
cambaleia de dor e ergue a espada, pronto para rachar o crânio moreno da
garota, mas é morto por um giro mortal da lâmina do velho Murrad, pai de Ealadha.
O golpe de Murrad abriu as costas do vanir, partindo-lhe a coluna vertebral ao
meio e talhando costelas e pulmões. O velho guerreiro cimério só não reclama
com a menina porque acaba de ver o sangue inimigo nos dentes dela, o que
arranca um sanguinário e sombrio sorriso de orgulho dos lábios do sogro de Criomnthan.
Dali a pouco, o ventre de Ealadha
começa a se contrair, para libertar uma criança que ali ficara por nove meses.
A mulher grita de dor, mas continua manejando sua espada implacável contra os
gigantes de Vanaheim. Num dado momento, os vanires cercam a mulher, abafando o
choro de uma criança recém-nascida com seus urros bestiais de guerra.
Entretanto, uma massa de guerreiros de cabelos negros alivia a pressão vanir,
ajudando a esposa do ferreiro a se livrar dos últimos incursores que invadiram
sua tribo.
Tão nu quanto quase todos ali, o líder da tribo lidera, ao lado da
também desnuda esposa, uma curta e implacável perseguição aos vanires
sobreviventes, os quais tentam fugir. Os ruivos que não morrem com golpes de
espadas e machados nas costas – ou decapitados por trás enquanto correm – são
mortos à distância por lanças de metal e sílex, arremessadas contra suas costas
ou nucas – a depender do material da ponta da lança: as de metal eram
endereçadas às costas blindadas dos incursores de barbas vermelhas; e as de
pedra, às nucas e partes posteriores dos pescoços dos guerreiros de Vanaheim.
Enquanto isso,
as crianças saem correndo de suas choupanas e, sorridentes, se divertem
decepando as cabeças dos cadáveres inimigos, antes que os adolescentes e
adultos carreguem os corpos para apodrecerem longe da tribo.
Embora os
vanires sejam lutadores implacáveis, os cimérios – apesar de não usarem arcos
nem cotas-de-malhas, como seus inimigos vanires e aesires – possuem, além da
agilidade, uma furtividade, adquirida nas montanhas e florestas escuras, a qual
é ainda maior que a dos nordheimeres das ensolaradas planícies geladas do
Norte. Sem contar que as mulheres ruivas e loiras de Nordheim são mais
guerreiras defensivas que ofensivas, lutando apenas em ocasiões especiais – e,
portanto, menos freqüentemente que as das colinas sombrias – e não participando
de incursões, como esta que os cimérios acabam de repelir.
Os cavalos
sobreviventes dos recém-eliminados invasores vanires serão aproveitados para
futuras incursões a povos rivais, ao leste, norte e sul – embora os cimérios lutem
quase sempre a pé. Neste momento, todas as atenções se voltam para uma das guerreiras,
não apenas ensangüentada pela luta, mas também enfraquecida pelo parto, a qual,
mal conseguindo se manter de pé após o duplo esforço, é prontamente amparada
pelo marido, ao mesmo tempo em que ainda segura o recém-nascido no colo – e sem
ter ainda cortado o cordão umbilical que une o bebê à mal-coberta vagina da
mãe.
- Quando eu
não puder me erguer sozinha, é porque minha hora já chegou, Criomnthan – ofega
Ealadha, se apoiando na própria espada, e disfarçando sua gratidão e amor ao
marido com a típica seriedade ciméria. À exceção de Tassach, a maioria dos
cimérios só sorri em meio às batalhas. Logo, a esposa do ferreiro acrescenta: –
Alguém me traga um pano para eu limpar esse maldito sangue vanir desta adaga e
cortar este cordão umbilical! Por Crom, minha tanga está ensangüentada demais
para limpar qualquer coisa.
Uma das
guerreiras da tribo atende prontamente ao que fora solicitado.
- Qual será o
seu nome? – pergunta Criomnthan, ajudando Ealadha a ir para a cabana, pouco
depois da mesma cortar o cordão umbilical.
- O menino se
chamará Conan – ela responde.
- “Co-nan”...
“Nascido em Batalha”. Excelente nome! Será um grande matador de vanires... como
nós!
- E de
hiborianos, aesires, pictos e bossonianos também... assim como todos nós! – Ealadha
acrescenta.
Chegando à
cabana – logo após terem lavado o sangue de seus corpos e do bebê –, eles
encontram a mãe de Criomnthan cuidando da pequena neta, Rotheachta, primogênita
de Ealadha e seu marido ferreiro. Naquele país bárbaro, as pessoas, apesar de
melancólicas, só choram no dia em que nascem. Lá dentro, o casal troca um beijo
e se veste, enquanto Tassach adentra sorridente a choupana e é logo informado
do nome de seu segundo neto – o primeiro do sexo masculino.
O pai do
ferreiro – e outrora membro de uma tribo do sul da Ciméria, além de aventureiro
pelos reinos hiborianos quando jovem – sorri ao saber disto e ergue a espada
ensangüentada, gritando com extrema alegria o nome do mais novo neto, de olhos
tão azuis quanto os de Criomnthan. Tendo aprendido, com os hiborianos, a sorrir
mesmo longe da loucura da batalha, o velho Tassach, avô do recém-nascido Conan,
é um dos poucos oásis de alegria constante entre aquele povo taciturno e
melancólico, em cujo seio nascera.
A seguir: O Jovem Matador