(por “Dwaneshadow”)
Gaivotas
voavam em círculos no ar gorduroso e esfumaçado, quando o grupo de homens
desceu tateando a baixa inclinação até o mar. A bandeira do leão da Aquilônia
era fustigada pela brisa marinha, e o líder, um homem gigante em entalhada e
ensangüentada malha negra, sentiu agitações familiares no peito, quando o
cheiro trouxe de volta lembranças de acontecimentos há muito esquecidos, nos
quais os homens ao redor não acreditariam se ele contasse. O grupo foi descansar
na praia, e os homens abanavam as fogueiras ao redor do gigante cauteloso e
observador. Ele olhava para oeste, para o mar onde o sol pendia pesado e baixo
no céu, seu brilho somente aumentando a cor azul do dia. Navios queimavam ali,
com os mastros quebrados ou enviesados, enquanto as naves arruinadas submergiam
parcialmente no mar de final de tarde.
O restante da
frota, golpeada mas inquebrada, havia sido disposta num leque defensivo ao
redor de sua presa: uma fortaleza empoleirada no alto de uma base rochosa, que
se erguia no oceano ocidental a 800 metros de distância da terra. Os muros
estavam quebrados em alguns pontos e, em outros, mostravam sinais de reparos
recentes e apressados – evidências do trabalho das máquinas de cerco arrumadas
ao longo da praia. Um estreito aterro pavimentado era a única via de acesso, e agora
havia homens lançando corpos dali para o mar, onde gaivotas desceriam e
disputariam ruidosamente os pedacinhos mais escolhidos.
O rei
desmontou e entregou sua lâmina a um pajem que aguardava. Como sua armadura,
sua arma era prática e sem adornos: o dispositivo denteado e ensangüentado de
matança de um lutador. Ele pegou um frasco do pajem e bebeu intensamente,
limpando a boca com as costas da mão. Acenou com a cabeça para o aterro:
- O último
deles?
- Não,
Majestade; seus Dragões Negros estão extirpando uns poucos últimos defensores,
que resistem no castelo.
- Mande um
mensageiro. Ofereça-os suas vidas e um lugar em nossas fileiras. Eram homens
bons e leais. Não há necessidade de desperdiçar suas vidas numa causa perdida.
- Você
confiaria num vira-casaca?
- Eles não
traíram ninguém. O líder deles está morto, e os guiou para um empreendimento
perdido, de qualquer forma. Eles entenderão isto. Lutaram bem durante meses, e
serão úteis. Eu sei o que eu teria feito em minha juventude. Venha.
Ele andou a
passos largos, ao longo do aterro, num ritmo que sua facção se esforçava para
acompanhar, abrindo seu caminho ao redor de cadáveres ou simplesmente chutando-os
para dentro do mar.
Alcançaram a
ilha e subiram a inclinação íngreme em direção ao castelo. Os lados da colina
haviam sido limpados de toda vegetação, para fornecer um bom campo de matança
para os arqueiros no muro. Mas não havia cadáveres aqui. Os defensores haviam
saído a cavalo, para enfrentar seus inimigos. Alcançaram o portão, e o rei,
impacientemente, dispensou as saudações de suas tropas que guardavam a entrada.
- Onde? – ele
resmungou.
O capitão da
guarda real mal reprimiu um sorriso:
- No quarto
principal, Majestade.
O rei deu um
grunhido de gratidão e seguiu.
- O que
aconteceu com eles, para tentarem uma sortida?
- Faz sentido
para eles, Pallantides. Eu teria feito o mesmo. Estiveram sob cerco durante um
mês, nosso bloqueio evitando que se reabastecessem. Sua esquadra tentou quebrar
nossa linha e, quando os reforços deles chegaram, tive que, inevitavelmente,
voltar e enfrentá-los na colina acolá, abandonando o cerco, com apenas uma
força-símbolo deixada para trás. Foi um bom plano na teoria, mas mal-executado.
Houve alguma matança. Quando aqueles cães apareceram no terreno alto, suas
bandeiras no alto do bombordo e suas trombetas soprando, e o céu ficou escuro
com suas flechas, pensei, por um instante, que estávamos perdidos.
- Sim. Acho
que você está certo. Eles não podiam adivinhar que você esmagaria as fileiras
da força auxiliar, num insano ataque colina acima, e então ia voltar e
varrê-los para dentro do mar, antes que pudessem fazer uma cabeça-de-praia (*).
Ele enfatizou
“insano” com tom de censura.
- Deixe sua
língua longe do meu traseiro, Pallantides – o rei sorriu largamente. – Aqueles
alquebrados meio-homens não têm idéia de como levar uma guerra adiante. Você ou
eu estaríamos no pé da colina e atrás deles, antes que percebessem que estávamos
lá. Eram intensos demais em assistirem o horizonte nobre e romântico, para
concluírem o trabalho. Esta foi a ruína deles. Isto e a qualidade dos rapazes
que deixamos na praia. Uma muralha de escudos, e as lanças, nas extremidades
das banquetas, não é meu estilo, mas, por Crom, isso os segurou por tempo
suficiente para que os arqueiros os mantivessem recuados e diminuíssem suas
fileiras para o ataque da cavalaria.
“Um homem
impressionante, aquele capitão. Ele tomou a iniciativa de avançar sobre a ilha
e adentrar o castelo, antes que eles pudessem derrubar a ponte levadiça. Se a
maré estivesse baixa, não teríamos conseguido. Eles o teriam flanqueado e tido
uma rota aberta para nossas costas.
“Cuide para
que ele seja recompensado. Uma promoção, terras, um título e um posto para os
rapazes que sobreviveram”.
Eles estavam
agora no castelo propriamente dito. Espadachins de uniformes negros se
alinhavam nos corredores. O choque entre espadas e os brados do conflito podiam
ser ouvidos à distância. Quando passaram por um corredor, em cujo fundo uma
luta podia ser ouvida, um de seus guardas gritou:
- Tu não
deverias estar aqui, Majestade. Ainda é perigoso.
Os olhos do
rei faiscaram perigosamente para ele, e o guarda recuou desconcertado.
Pallantides meditou que não importavam os riscos; o próprio rei era a coisa
mais perigosa na ilha. Sua perseguição sem remorso para reaver o que foi tirado
dele, e sua fúria em combate, sempre à frente do conflito – ou liderando um
ataque de cavalaria, ou marchando nas fileiras de sua infantaria –, eram
evidências suficientes de que este não era um homem nascido dentro do peito da
civilização, mas em meio selvagem. Ele, que havia cavado seu caminho, da
selvageria e barbarismo, até o trono da maior nação do mapa. E ele o mantinha
com a paixão ciumenta de quem sabia que uma vida de conforto não era algo a ser
desprezado.
Quando deram a
volta num canto, um soldado cambaleou em direção a eles, para carregar um fardo
de saque. O rei parou, com as mãos nos quadris:
- O que diabos
você pensa que está fazendo, soldado?
Bêbado, o
soldado sorriu para ele.
- Espólios de
guerra, milorde – ele falou indistintamente.
O rei sorriu
largamente, deu a volta e puxou uma tapeçaria da parede:
- Use sempre
algo para carregar seu saque, idiota; você deixou cair uma fortuna em peças de
ouro.
Ele sacudiu a
cabeça e segurou a tapeçaria, enquanto o soldado deixava a pilhagem cair dentro
dela.
- Gaste isso
sabiamente, rapaz. Em minha juventude, eu o teria usado futilmente e esbanjado
com prostitutas e dados, dentro de uma semana.
- Certo, mas
você foi bem-sucedido. Talvez, se eu seguir sua liderança, eu mesmo seja rei da
Aquilônia daqui a alguns anos.
O rei bramiu
uma gargalhada:
- Cão
insolente. Vai ter que passar por mim primeiro. Pallantides: cuide para que este
rapaz tenha um trabalho como oficial de intendência. Não queremos que as
habilidades de pilhagem dele sejam desperdiçadas, e não o quero comandando
tropas. Ele vai ter minha coroa, antes que percebamos.
- Sim,
Majestade. Aqui estamos.
Pararam diante
de uma porta pesada. Havia nela um guarda com as insígnias dos Dragões Negros,
o corpo de guarda pessoal do Rei. O Rei o saudou inclinando a cabeça:
- Valerius.
Ele saudou de
volta, grisalho e cicatrizado; um talho recente lhe descia a bochecha e sua
barba cinza. Olhou para o rei, olhos arregalados e rasos de lágrimas:
- Eles lutaram
bem, afinal, esses rapazes. Muitos homens bons e amigos morreram hoje. Espero
que tenha valido a pena.
O rei parou.
Deu a volta, olhos estreitados e as mandíbulas cerradas. Então, ele suspirou,
pôs a mão no ombro do velho guerreiro e abriu a porta.
Ela estava
deitada de lado na cama, encarando-o; os últimos raios do sol traçando uma aura
lanosa em sua juba de cabelos lustrosos. Espreguiçou-se luxuriosamente, com um
langor delicioso, e abriu um olho, maravilhando Conan e fazendo seu coração cantar,
como no dia em que o havia olhado pela primeira vez. Ela sorriu ardentemente e
estirou uma das mãos até ele.
- Eu sabia que
você viria – ela sussurrou.
O rei se
voltou para o velho guarda:
- Valeu a
pena, velho amigo. Por Crom, valeu.
(*) – Cabeça-de-praia: Linha criada quando um grupo de unidades armadas
alcança a costa, e começa a defender a área, até chegarem reforços para uma
ofensiva (Nota do Tradutor).
Tradução: Fernando Neeser de Aragão.