Introdução:
Esta é a primeira vez em que me lanço ao desafio de completar um fragmento escrito por Robert E. Howard, mas tive imenso prazer em fazê-lo. Em 1995, a Conan – Espada e Magia #2 (Ed. Unicórnio Azul) publicou o conto “A Mão de Nergal” – um fragmento de Howard, completado postumamente por Lin Carter. Onze anos depois, a Editora Conrad lançou o fragmento original, em Conan O Cimério, Volume 2.
Ao ler o fragmento de R.E.H., notei que, em momento algum, o criador de Conan falava em “morcegos-fantasmas”, como no conto desenvolvido postumamente; sem contar que o Príncipe Than, apesar de tudo, ainda era mais obedecido em Yaralet do que qualquer coisa que aterrorizasse a cidade.
Desse modo, reciclando apócrifos de Joe Lansdale e do já citado Lin Carter (além de acrescentar um outro personagem howardiano), escrevi um novo desenvolvimento ao rascunho sem título, deixado por Howard, visando ser mais fiel ao criador de Conan do que os escritores e roteiristas que sucederam o texano. Mantive intacto o texto original e iniciei o desenvolvimento, logo após o ponto onde o fragmento fora abruptamente interrompido (minha continuação se inicia nos primeiros diálogos, entre Than e Atalis).
Agradecimentos especiais ao amigo e conanmaníaco Osvaldo Magalhães, por suas maravilhosas dicas, que me ajudaram a detalhar o conto a seguir. Para encerrar, desejo a todos uma boa leitura.
Terror em Yaralet(por Robert E. Howard e Fernando N. de Aragão)
1.
O campo de batalha jazia em silêncio. Entre poças púrpuras, figuras ainda se moviam, parecendo refletir o fantástico céu crepuscular tingido de vermelho. Figuras furtivas esgueiravam-se na grama alta. Aves de rapina caíam sobre amontoados mutilados, trazendo um rufar de asas sombrias. Como arautos do Destino, uma ondulante fileira de garças batia asas lentamente em direção aos juncos da margem do rio. Nenhum rumor de rodas de carroça, repiques ou trombetas perturbava aquela quietude cega. O silêncio da morte seguia-se ao clangor da batalha.
Porém, uma figura se movia através daquele campo de ruínas dispersas, apequenado pelo imenso céu opaco e carmesim. O sujeito era um cimério, um gigante de juba negra e olhos azuis flamejantes. Sua tanga, presa por um cinto ao quadril, e suas sandálias de tiras altas estavam respingadas de sangue. A grande espada que arrastava com a mão direita estava ensangüentada até o cabo. Um terrível ferimento em sua coxa o fazia mancar enquanto andava. Cauteloso, embora impaciente, movimentava-se entre os mortos, saltando de cadáver em cadáver, xingando raivosamente o tempo todo. Outros haviam passado antes dele. Nenhum bracelete, adaga cravejada de jóias ou peitoral de prata motivava sua busca. Ele era um lobo que há muito tempo percorria aquela carnificina, enquanto os chacais levavam os despojos.
Passando os olhos pela planície atulhada, não via nenhum corpo vestido ou se movendo. As facas dos mercenários e dos ajudantes de acampamento trabalharam bastante. Abandonando sua busca inútil, perscrutou sem objetivo definido a extensão além da planície, até o local onde as torres da cidade brilhavam fracamente no crepúsculo. Então virou-se rapidamente na direção de um grito torturado que chegou aos seus ouvidos. Aquilo significava um homem ferido, mas vivo, portanto presumivelmente não saqueado. Embora mancasse, andou rapidamente na direção do som, e ao chegar ao limite da planície, afastou os primeiros juncos e olhou para a figura que se contorcia debilmente aos seus pés.
Era uma garota ali deitada. Estava nua, seus membros alvos lanhados e feridos. Havia crostas de sangue em seus cabelos longos e escuros. Uma agonia cega se projetava de seus olhos escuros, e ela gemia, delirante.
O cimério ficou um tempo olhando para ela, e seus olhos foram momentaneamente nublados por algo que, em outro homem, poderia sugerir uma expressão de pena. Ergueu a espada para encerrar o sofrimento da garota, mas quando a lâmina pairou sobre seu corpo, ela choramingou como uma criança que sofre. A longa espada imobilizou-se em pleno ar. Por um instante, o cimério quedou-se imóvel como uma estátua de bronze. Em seguida, embainhando a lâmina com uma súbita resolução, inclinou-se e levantou a garota em seus braços fortes. Ela resistiu de forma incerta, mas sem forças. Carregando-a com cuidado, ele cambaleou uma boa distância em direção à margem do rio coberta de juncos.
2.
Na cidade de Yaralet, quando a noite chegava, as pessoas barravam as janelas, trancavam as portas e permaneciam dentro das casas tremendo, com velas acesas diante de seus deuses caseiros até que a aurora iluminasse os minaretes. Nenhuma sentinela andava pelas ruas, nenhuma meretriz maquiada espreitava nas sombras, nenhum ladrão esgueirava-se ardilosamente por ruelas sinuosas. Os malfeitores, assim como as pessoas honestas, evitavam os lugares escuros, reunindo-se em tocas malcheirosas ou em tavernas à luz de velas. Do entardecer ao amanhecer, Yaralet era uma cidade silenciosa, com ruas vazias e desoladas.
O povo não sabia exatamente o que temia. Porém, dispunha de amplas evidências de que não era contra sonhos vazios que suas portas eram trancadas. Os homens falavam de sombras furtivas, avistadas através de janelas barradas, formas apressadas, estranhas à sanidade e à humanidade. Falavam sobre portas arrombadas durante a noite e de gritos e gemidos humanos seguidos por um silêncio significativo. Falavam do sol nascente brilhando sobre portas demolidas, que se abriam para casas vazias cujos ocupantes nunca mais foram vistos.
Mais estranho ainda, falavam do ruído furtivo de rodas de carroças fantasmas pelas ruas vazias na escuridão antes do amanhecer, e aqueles que as ouviam não se atreviam a olhar. Uma criança olhou, uma vez, e enlouqueceu instantaneamente para morrer em seguida, gritando e espumando, sem dizer o que vira ao olhar pela janela escurecida.
Certa noite, enquanto o povo de Yaralet tremia em suas casas trancadas, um estranho conclave acontecia na pequena câmara, forrada de veludo e iluminada à vela, pertencente a Atalis. Alguns o consideravam um filósofo, outros, malfeitor. Atalis era um homem esbelto e de altura média, com uma cabeça esplêndida e feições de um mercador esperto. Estava vestido com um manto de rico tecido, e sua cabeça raspada denotava sua devoção ao estudo das artes. Enquanto falava, gesticulava inconscientemente com a mão esquerda. A mão direita descansava em seu colo num ângulo não natural. De tempos em tempos, um espasmo de dor contorcia sua expressão, e então seu pé direito, escondido sob o longo manto, retorcia-se de forma aflitiva sobre o tornozelo.
Ele estava falando com alguém que a cidade de Yaralet conhecia (e obedecia) pelo nome de príncipe Than. O príncipe era um homem alto e elegante, jovem e sem dúvida atraente. Os contornos firmes de seus membros e a têmpera de aço de seus olhos cinzas desmentiam a sugestão levemente afeminada de seus cabelos negros e encaracolados e seu gorro de veludo emplumado.
- Esta dor de novo, não é Atalis? – comentou, preocupado, o príncipe Than – E agora, outra invasão de Aghrapur a esta cidade. O rei Yildiz pensa que nós somos os culpados pela insubordinação de Yaralet a Turan. Se as coisas não melhorarem, minha imagem diante do povo será destruída, e aquele feiticeiro desgraçado terminará ganhando a obediência de toda a cidade, à qual ele praticamente já governa à noite, através do medo.
- Calma... – suspirou Atalis, se recuperando do novo ataque de dor que acabava de sofrer. Aquilo estava ficando cada vez mais freqüente – Nossa salvação virá ao raiar do dia. Aquele que salvará minha saúde e a imagem de Vossa Alteza.
3.
O cimério havia colocado a jovem no leito do rio e, com as mãos em forma de concha, molhou-lhe o rosto alvo para limpar seus ferimentos, com a suavidade de uma mãe que lava a própria filha. Se fosse um lago, ele não ousaria usar sua água, por saber que água parada infecciona ferimentos – mas, este não era o caso. Logo após, o guerreiro usou a água corrente daquele mesmo rio, para lavar o próprio ferimento na coxa que o fazia cambalear.
Voltando a atenção para a garota, ele percebeu que, embora numerosos, todos os ferimentos que ela possuía eram superficiais – meros arranhões. Após lavá-los, o bárbaro pôs uma das mãos em forma de concha e, erguendo suavemente a cabeça da moça e apoiando-a contra seu peito forte, deixou a água escorrer por entre os lábios entreabertos da bela jovem. A desconhecida arquejou, tossiu um pouco e voltou a si, mirando o guerreiro com olhos que pareciam estrelas escuras, desconcertada e com um certo temor diante daqueles olhos que a observavam, e que brilhavam como duas fagulhas azuis diante dela.
Ela ainda estava enfraquecida, mas desperta e fora de perigo.
- Por Crom, o que faz uma jovem nua, neste campo de batalha? – ele perguntou, num tom intrigado, que contrastava com sua admiração àquele esplêndido corpo feminino.
- Meu nome é Tameris... Tameris de Koth. Sou escrava do filósofo Atalis, de Yaralet. – ela prosseguiu, apontando para as torres silenciosas da cidade sombria – Fui enviada para cá, a mando do meu mestre, para ir em busca do único homem que pode salvar a cidade. Mas fui pisoteada por um cavalo em fuga, e desmaiei.
O cimério franziu a testa. Naquele campo de batalha, não havia outro sobrevivente além dele.
- Quem é esse homem de quem você fala? – ele resmungou, intrigado.
- O nome do homem que pode salvar Yaralet é, segundo meu amo, um guerreiro da Ciméria, chamado Conan.
O bárbaro fez uma expressão de surpresa.
- Qual o mal que aflige a cidade? – perguntou ele – Já despachei para o inferno metade do exército de lá, hoje, neste campo de batalha. E todos os meus companheiros turanianos morreram flechados.
Associando as últimas palavras do guerreiro ao fato do sotaque deste lhe ser tão desconhecido quanto o nome “Ciméria”, Tameris se sobressaltou:
- É você o guerreiro chamado Conan?
O bárbaro assentiu com a cabeça.
- Não são inimigos humanos que ameaçam Yaralet! – disse a kothiana, com a voz se debilitando – Se você nos ajudar, o príncipe Than lhe dará muito ouro... Não entre lá... durante... a noite...
A jovem desmaiou novamente, e apenas o musculoso antebraço de Conan a impediu de cair ao chão.
Tomando a desfalecida jovem nua nos braços, o cimério ficou intrigado. Não adentrar a cidade à noite? Por quê? De qualquer modo, a penúria do bárbaro, e mais a promessa de ouro, eram razões suficientes para motivá-lo. Mas, o cimério sabia conciliar ambição e necessidade com uma terceira característica: a cautela. Desse modo, após beber mais água do rio e terminar de lavar o corpo, ele preferiu aguardar o amanhecer, enquanto acendia uma fogueira, para aquecer à sua quase nudez, e à nudez total da kothiana.
4.
Nascia o sol sobre as muralhas de Yaralet. Antes do dia clarear, o cimério vira, através de uma pequena fresta no muro da cidade, uma carroça conduzida por uma mulher, de aparência stígia, e puxada por um estranho cavalo, com asas e bico de águia. Mas, tanto carroça quanto cocheira e animal eram semi-transparentes – fantasmas, sem dúvida. Aquilo provocara um arrepio na pele de Conan; mas, como ao nascer do sol, tais seres não existiam, ele se sentiu à vontade para adentrar Yaralet.
Um dos guardas do portão, mesmo reconhecendo a desfalecida Tameris nos braços do bárbaro, perguntou-lhe o nome e o que pretendia fazer ali.
- Conan está aqui a convite meu e de Atalis. – respondeu um jovem, atrás da sentinela.
O jovem era alto e forte, de negros cabelos cacheados, olhos cinzas e usava roupas luxuosas. Estava acompanhado por um homem de cabeça raspada e estatura mediana.
- Príncipe Than! – exclamou, surpreso, o guarda – Perdão, Alteza, eu não sabia...
- Tudo bem, soldado. – respondeu o Príncipe, deixando a jovem Tameris aos cuidados de uma corpulenta criada que os acompanhava.
Dirigindo-se a outro criado, Atalis pediu para que o mesmo cuidasse do ferimento que o bárbaro tinha na coxa.
Ao adentrar a cidade, o cimério percebia os olhares esperançosos daqueles rostos morenos do povo turaniano de Yaralet – dos militares de elmos espiralados até as pessoas mais simples. Ele dirigiu um olhar de estranheza a Than e Atalis. Este último respondeu:
- Eles sabem que você é a salvação do povo, Conan.
- Não entendo por que justamente eu. – ele retorquiu, ainda estranhado.
- Você foi o único que conseguiu ver a ocupante da carruagem-fantasma, sem perder a sanidade. – disse o filósofo.
O bárbaro se sobressaltou. Como aquele homem sabia disso? Atalis sorriu, imaginando a indagação contida naqueles olhos azuis.
- Calma, cimério... Não sou nenhum bruxo. Venha comer conosco, e lhe explicarei tudo.
Chegando à moradia de Atalis, este sofreu outro espasmo de dor, que quase o fez cair. O Príncipe Than o aparou, e o filósofo, ofegante, sentou-se diante da mesa onde confabulara na noite anterior com o Príncipe. Enxugando as gotas de suor no rosto, Atalis – que já contara, no caminho, o que acontecia em Yaralet durante a noite – prosseguiu com a história:
- Isto que você acaba de ver foi uma maldição que o bruxo Rhommaz da Nemédia lançou sobre mim. O ex-escriba lançou uma praga que exterminou a todos os feiticeiros daqui. Mas, por eu ser um filósofo, ele fez um feitiço que está me matando aos poucos.
- E você, cimério, é nossa única esperança... para a saúde de Atalis, para que o povo não deixe de me obedecer por medo a Rhommaz e para que Yaralet volte a ser uma cidade normal às noites. – acrescentou Than.
- De novo, este comentário!... – resmungou Conan, intrigado e meio impaciente – Por Crom, onde é que eu entro nesta história?
- Você é imune a alguns feitiços de Rhommaz, porque um glorioso futuro lhe aguarda, Conan da Ciméria! – respondeu Atalis, apontando para um globo no centro da mesa – Está previsto que um dia você governará um grande reino!
O cimério já ouvira aquilo antes, há alguns anos. Não lhe fazia, por enquanto, muita diferença se aquilo se concretizaria ou não. Em seguida, Than bateu palmas, chamando um criado para que servisse vinho com carne de carneiro ao bárbaro, cujo ferimento na coxa já fora devidamente limpo, desinfeccionado e enfaixado.
- Sente-se e coma, Conan. – disse Atalis, tão educadamente quanto o próprio Than – E saiba que, no passado, esta era uma cidade próspera, sob o governo do sábio Rei Kusiek, pai de Than e descendente direto dos zaporoskanos que fundaram Yaralet, séculos atrás. Kusiek trazia alegria e felicidade ao povo daqui, enquanto mandava seus agentes em caravanas, que atravessavam as estepes em busca de raridades para seu museu particular... pois o pai do Príncipe ao nosso lado governava com a mesma justiça e piedade que seu filho, ocupando os próprios pensamentos com sua coleção de antiguidades.
Garotas trouxeram vinho, pão de cevada e carne de carneiro. Enquanto Conan comia, Atalis o observava. Embora devesse ter pouco mais de vinte anos, seu corpo já apresentava cicatrizes de fogo e aço que só o de um soldado mais velho deveria ter. Seus movimentos eram rápidos e bruscos como os de um gato suave, fluído, alerta para o inesperado.
Faminto como um lobo, depois de um dia e uma noite sem comer – sua última refeição fora na manhã do dia anterior –, o cimério devorava a carne assada e engolia o vinho como se fosse água, ao mesmo tempo em que ouvia Atalis prosseguir:
- Certo dia – continuou o sábio –, apareceu um homem... um ex-escriba, repudiado pelo rei da Nemédia por distorcer fatos históricos... Só eu sabia disso, mas o maldito hiboriano foi mais esperto e agradou Kusiek com um presente. O maldito presente trouxe enorme prosperidade ao valoroso rei, e logo depois... uma morte agonizante.
Esforçando-se para conter as lágrimas de ódio, Than prosseguiu:
- Todo o povo ficou do meu lado, por eu ser o único filho e herdeiro de Kusiek, mas o maldito bruxo nemédio, de nome Rhommaz, era poderoso demais para que até mesmo a própria Guarda Real de Yaralet lhe fizesse oposição. Com sua feitiçaria, e com a maldita Mão de Nergal... o “presente” com o qual havia matado meu pai... Rhommaz sugou as almas dos poucos guardas que não haviam fugido do Palácio Real e os transformou em criaturas demoníacas para servirem aos seus vis propósitos; além de ter invocado a fantasmagórica cocheira stígia e outros demônios, com o próprio amuleto que dera a meu pai, e de fazer pessoas sumirem à noite... provavelmente para engrossarem suas hostes infernais. E assim, ele governa a cidade à noite, usando o terror contra o povo que sempre admirou meu pai e me admira... Mas que, por medo, pode acabar mudando de governante!
- Após nossa vitória sobre o destacamento turaniano – disse Atalis –, nossos passos deviam estar nos levando para o ar livre, para darmos as boas-vindas ao nosso exército; devíamos estar abrindo os portões para subir as colinas e saudar o sol da liberdade. Mas os portões permaneceram fechados, Conan. Estávamos murados, cercados pelas unidades espectrais do inimigo.
“Esses demônios são muito mais implacáveis do que as hostes de Turan, mais inclementes do que as hordas kozakis. Com esse inimigo não se pode negociar; tampouco o ouro pode comprá-lo. Não dão trégua; gestos de submissão não conseguem induzi-los a recuar. Avançam durante a noite e não há grito de sentinela que possa dar o alerta de sua aproximação. Portas e janelas gradeadas não os mantêm do lado de fora; não respondem a nenhum deus que não aquele maldito mago; oferendas não lhes atraem a atenção, a não ser aquelas que eles mesmos tomam”.
- Esse inimigo não tira dia de descanso; não dorme e nem faz pausa; e nada consegue saciar-lhe o apetite. – acrescentou Than.
- Tampouco têm favoritos, os malditos. – disse o sábio – Abatem os ilustres e os obscuros, os justos e os corruptos. Aos poucos, fomos percebendo o tributo macabro que cobravam: no alojamento, era a cama do companheiro, onde cabeça alguma repousava agora. Era a banca fechada da vendedora na feira. Era o assento vazio do freguês assíduo da taverna.
- De dia, choramos a falta daqueles que se foram e rogamos maldições e desafios ferozes – continuou o príncipe –; à noite, ao som das carroças-fantasma que passam com estrépito tenebroso diante de nossas portas, nos encolhemos de medo e horror, acovardados pelo som dos gemidos de pavor daqueles que sabíamos serem as cargas nas carroças, aqueles destinados a morrer; e mesmo nos sonhos seu terror nos invadia.
“As ruas de Yaralet tinham se transformado em corredores do horror: matilhas de cães-fantasma vagavam livremente sob a lua e caçavam as pessoas dentro de suas casas. De forma inconcepta, destruíam portas e janelas com suas garras de espectros, e avançavam soleira adentro, enquanto seus uivos e rosnados pavorosos ecoavam pelas ruas desertas”.
- Você, Conan, é o único homem invulnerável às bruxarias daquele cão loiro da Nemédia – disse Atalis –, graças à aura de glória que lhe cerca! É esta energia positiva que nos protegerá, quando adentrarmos o palácio que, por direito, pertence ao Príncipe Than.
Após beber o restante do vinho, Conan viu o príncipe e o sábio se erguerem, e os seguiu pela abertura escura, atrás de uma tapeçaria. Esta abertura, segundo Atalis, era a entrada de uma secreta passagem subterrânea, que levava até o Palácio Real.
Então, o aposento ficou vazio e silencioso. Seu único movimento vinha das luzes trêmulas do globo sobre a mesa, e das velas.
5.
Eles caminharam através de uma escuridão interminável, iluminada apenas pelas tochas que Conan, Than e Atalis seguravam. Este último ia na frente, com a tocha erguida pela mão esquerda – pois seu braço direito estava quase inutilizado. O cimério e o príncipe trajavam longas cotas de malha e estavam armados com suas respectivas espadas – uma de lâmina reta e duplo corte, usada por Conan, e a outra, um típico sabre turaniano, empunhado pelo príncipe Than.
- Só você pode nos ajudar a matar aquele maldito bruxo, meu jovem amigo. – sussurrou Atalis a Conan – Agora, silêncio! Estamos debaixo do palácio. Estamos quase chegando.
Súbito, uma luz branca e semi-transparente veio ao encontro do trio: era uma mulher com cabelos em corte reto – presos à testa por uma tiara em forma de naja –, roupas sumárias, feições stígias e dirigindo uma carruagem, puxada por um cavalo com cabeça e asas de águia. O cimério ergueu a espada, mas a entidade fantasmagórica limitou-se a gargalhar e passar direto por eles como um raio de luz, sem atingi-los nem ser atingida – exceto por uma leve e temporária redução de temperatura em Conan e nos dois turanianos.
Estes últimos – o príncipe e o sábio – ficaram aliviados em saberem que a aura positiva do cimério os impedira de enlouquecer. Mas, o que viram a seguir era um desafio à sanidade: um grupo de dez múmias – que se encontravam dependuradas no teto daquele corredor, com armas e escudos enferrujados ainda agarrados por seus punhos ressecados – começou a abrir os olhos vermelhos e ganhar vida. Com gritos estridentes, que partiam de gargantas empoeiradas, aqueles mortos-vivos saltaram ao chão e investiram em direção ao filósofo, ao príncipe e ao mercenário.
- Para trás, Atalis! – gritou Than ao sábio, ciente de que o seu amigo filósofo, além de não saber lutar, estava impossibilitado de correr, devido à maldição que lhe fora lançada por Rhommaz.
Conan foi o primeiro a investir, partindo em dois, num só golpe vertical, a carcaça de um dos mortos-vivos. O Príncipe de Yaralet, por sua vez, cortou outra múmia ao meio, só que num golpe horizontal, ao mesmo tempo em que esquivava o próprio pescoço. A parte inferior do morto continuou caminhando em direção a Than, enquanto se preparava para dar um chute no príncipe. Mais rápido ainda, o jovem de olhos cinzas deu outro golpe, separando o par de pernas mumificadas com seu sabre.
As armas afiadas, mas enferrujadas, dos mortos-vivos mal arranhavam as cotas-de-malha dos dois guerreiros. E fora graças a isso que ambos não caíram no primeiro ataque.
O cimério já havia enfrentado criaturas como aquelas, na Hiperbórea e na cidade zamoriana de Larsha. E sabia que, por mais que as decepasse, elas continuariam sendo um sério perigo para ele, Than e Atalis. Foi naquele exato instante que Conan se lembrou do destino do morto-vivo da cripta hiperbórea e das múmias de Larsha – uma fogueira matara o primeiro, e a luz do sol acabara com as últimas. Fogo! É claro!!
- A tocha, Than! Queime-os com sua tocha! – exclamou o bárbaro ao príncipe, enquanto este chutava uma múmia em cuja boca enfiara o sabre, pelo fato da mesma ter se aproximado demais do jovem nobre após este golpeá-la.
Ateando fogo nos cabelos e bandagens dos mortos-vivos, Conan e Than os incendiaram completamente, ao mesmo tempo em que este puxava, com o máximo possível de delicadeza, o sábio Atalis, antes que o fogo formasse uma barreira intransponível entre o filósofo e os dois guerreiros.
Atalis recuperou o fôlego e se adiantou, passando delicadamente a mão sobre a grosseira superfície rochosa que barrava a passagem.
- Tarim! – exclamou Atalis, olhando para os zumbis a queimarem – Estas múmias sempre existiram aqui, mas nunca representaram perigo para ninguém. O bruxo está mais poderoso do que nunca! De qualquer forma, ele sempre adormece após comandar suas criaturas.
Ao toque da mão do sábio, uma massa de pedras deslizou silenciosamente para o lado sobre secretos contrapesos. A luz os inundou. Estavam numa das extremidades de um enorme salão, iluminado por tochas, e cujo alto teto abobadado perdia-se na escuridão. No centro do salão, ladeado por fileiras de poderosas colunas nas quais ficavam as tochas, havia um tablado sobre o qual se erguia um trono de negro mármore maciço, no qual dormia uma figura esguia, alta e encapuzada. Um de seus braços, apesar de estar arriado pelo sono, agarrava, com a mão magra, uma vara de marfim com uma das extremidades em forma de garra.
Atalis cutucou o braço de Conan e sussurou:
- Veja! Rhommaz ainda está dormindo! Mate-o, antes que ele desperte, e a Mão de Nergal perderá o seu poder, junto com o bruxo!
Conan resmungou e se adiantou até a metade do caminho para o trono, se preparando para lançar sua espada no coração do feiticeiro. Alguma coisa nisso tudo não lhe agradava. Era fácil demais...
- Ah, senhores, estive esperando por vocês.
Rhommaz ergueu o capuz e sorriu para eles, paralisando-os de espanto. Sua voz era amigável, mas os olhos azuis, sob a revolta cabeleira loira, eram doentios e faiscavam com uma fúria louca. Ele ergueu a vara de marfim; fez um gesto...
As luzes piscaram de maneira fantasmagórica. Repentinamente, o filósofo manco deu um grito assustador. Seus músculos se contorceram num espasmo de dor insuportável. Caiu para trás sobre o chão de mármore, onde se debatia.
Da vara apontada, saiu um gigantesco morcego, destinado a matar Atalis. Mas, com dois golpes de espada – a de Than, no coração, e a de Conan, no crânio –, a pavorosa criatura pereceu rapidamente, encharcando o chão de vermelho.
No momento seguinte, Than correu para ajudar Atalis, enquanto o cimério também corria, só que com o intuito de matar aquele bruxo. Contudo, Rhommaz brandiu novamente a Mão de Nergal, fazendo surgirem várias criaturas de pesadelo, vistas apenas por quem conhecia os demônios da distante Stygia, ou que dominava – mesmo que parcialmente – a magia daquela terra banhada pelo Styx: eram criaturas humanóides com cabeças de falcões, crocodilos, serpentes e chacais.
Por estar mais próximo do feiticeiro, o bárbaro foi o primeiro a ser atacado por uma das criaturas; era um homem com cabeça de falcão, tentando alcançar o cimério com as poderosas garras dilacerantes. Mas Conan o afastou com um chute entre as pernas; e quando a criatura se inclinou de dor, teve o rosto e crânio partidos em dois por um golpe ascendente da espada do bárbaro.
Sem perder tempo, o cimério abriu a boca-do-estômago da criatura seguinte – quase idêntica à primeira –, enquanto o Príncipe Than abria o peito de um homem-crocodilo e enfiava a espada num homem-chacal. Com as costas coladas umas às outras, o jovem mercenário e o príncipe em busca de vingança resistiram acirradamente contra aquela horda monstruosa, impedindo-os de alcançarem Atalis, que se contorcia agonizante sobre o chão. Mas aquelas crias do Inferno eram numerosas demais, mesmo para dois guerreiros tão invejáveis, e ambos terminaram sendo dominados por braços e mãos semi-humanas.
Atalis continuava se contorcendo de dor, atrás de Conan e Than, enquanto estes últimos ofegavam de ódio ao olharem para Rhommaz; o príncipe, por ter tido o pai assassinado por aquele cão nemédio, e o cimério pela ira que sempre sentia quando a morte se aproximava – principalmente se aquele bárbaro estivesse incapaz de se defender, como agora.
Com um sinistro sorriso nos lábios finos, o bruxo loiro ergueu, mais uma vez, a Mão de Nergal em direção aos dois guerreiros, lembrando-os que lhes aguardava um destino pior do que a morte; pois, com aquele objeto maldito, o feiticeiro sugaria as almas dos dois guerreiros vivos e do sábio, depois que este morresse...
Súbito, como um raio de luz branca em detalhes negros, uma bela jovem nua entrou correndo naquele recinto. Os seios médios e quadris redondos balançavam a cada passo, e o marfim de sua pele cicatrizada contrastava com o negro de seus longos cabelos, de sua púbis triangular e de seus olhos furiosos.
Ao contrário de Than, Conan mal conteve um esgar de triunfo diante da cena. Exultando ante o fim iminente do trio diante dele, Rhommaz mal notou a pequena mudança na expressão do bárbaro. Quando estava pronto para disparar uma rajada que selaria o destino do cimério e do príncipe, o nemédio deixou escapar um breve grito de agonia. A Mão de Nergal caiu de seus dedos subitamente enfraquecidos, enquanto o sangue lhe subia à garganta e o bruxo caía de joelhos. Com uma golfada vermelha lhe saindo pela boca, Rhommaz desabou para a frente com um baque surdo.
Atrás do feiticeiro morto, se erguia a ofegante jovem nua que o matara: Tameris de Koth, segurando um punhal ensangüentado na mão direita. Ciente de que uma facada na espádua não acabaria com ninguém, a escrava de Atalis apunhalara o pulmão direito do bruxo.
Naquele instante, em que Rhommaz caíra logo após o amuleto, rompeu-se o encantamento que aprisionava Atalis em teias de rubra agonia. Pálido, trêmulo e exausto – porém livre de toda a dor que o afligia –, o filósofo estava totalmente curado, com o braço direito se movendo tão facilmente quanto o esquerdo.
Enquanto as criaturas demoníacas, que aprisionaram Conan e Than, se dissolviam em pó sobre o chão da sala do trono, um estranho brilho vermelho apareceu na Mão de Nergal. Agarrando a espada caída ao chão, Conan afastou Tameris para um lado e ficou alerta como um lobo à espreita. Então, vários gritos humanos e semi-humanos preencheram aquele recinto. Como enormes vapores multicoloridos, inúmeras formas humanas saíram daquele amuleto. Com seus temores supersticiosos aflorados ante a visão de algo que não poderia ser atingido por sua espada, o cimério mal percebeu quando Tameris, com a faca esquecida na mão direita, se abraçou ao torso daquele que a resgatara do campo de batalha na noite anterior.
- Tenha calma, cimério. – disse Atalis, tranqüilamente, a voz incrivelmente rejuvenescida pelo fim da maldição – O que estamos vendo são as muitas almas humanas que Rhommaz aprisionou e atormentou na Mão de Nergal. Elas estão indo para seus descansos eternos. Veja como sorriem pra você e Tameris! – acrescentou, sorridente, o filósofo turaniano, que agora caminhava sem capengar.
Dentre as transparentes formas humanas, o bárbaro notou um homem que, embora barbudo e aparentando meia-idade, exibia grande semelhança com o Príncipe de Yaralet. O espírito sorriu para Than:
- Esperarei por você, no Reino de Tarim, no distante dia em que nos reencontrarmos. – disse a amigável voz ressoante, antes de se elevar para os céus ocultos pelas paredes. Antes mesmo que o Príncipe, emocionado e feliz, exclamasse “Pai!”, Conan já sabia que se tratava do falecido rei Kusiek.
No momento seguinte, o brilho vermelho do amuleto se desfez, e este se transformou em cinzas. Então, Conan olhou ardentemente para a escrava que o abraçava.
- Como chegou até aqui, garota? – perguntou o cimério.
- Acordei de meu desmaio, fui até o aposento de meu senhor e o encontrei vazio. – ofegou a kothiana – Mas, dentro da bola de cristal, vi suas imagens entrarem no palácio e vi também quando Rhommaz acordou e lhes viu. Então, eu lhes segui e, encontrando-lhes em seu poder, arrisquei tudo numa tentativa...
- Pelo visto – disse Conan, sorrindo para a moça –, o aço foi novamente mais forte que a feitiçaria. Foi uma sorte para todos nós o seu ato.
- E o mundo, certamente, ficou livre de mais um verme! – respondeu Tameris, cuspindo sobre o cadáver debruçado do feiticeiro a seus pés.
- Ninguém se mexa aqui neste recinto! – gritou repentinamente uma voz, falando o Turaniano com um sotaque estranhamente hiboriano.
O cimério percebeu algo de familiar naquela voz e, virando-se, viu um exército de turanianos adentrar a câmara, sob a liderança de um homem de ombros largos, estatura mediana e porte poderoso. Ao contrário dos seus comandados, aquele oficial de rosto bem barbeado tinha a pele clara como a de Tameris, e os olhos cinzas como os do Príncipe Than. Se estivesse sem o elmo espiralado, que lhe encimava o típico turbante turaniano de seda, de feitio simples, notar-se-ia que o chefe militar tinha cabelos castanhos com mechas grisalhas.
- Nestor?! – exclamou o cimério, ao ver o amigo que havia feito, três anos antes em Larsha – Nestor da Gunderlândia! Pelo visto, você subiu bem mais do que eu a serviço de Yildiz... – o bárbaro acrescentou, sorrindo.
- General Nestor, por favor, cimério. – respondeu o gunderlandês – Fui mandado pelo rei Yildiz, para prender o príncipe Than, Atalis e todos os responsáveis pela insubordinação de Yaralet a Turan.
Conan sorriu novamente e contou a Nestor tudo o que acontecera.
- Portanto – acrescentou o cimério –, ao invés de prender alguém, sugiro que interrogue o povo da cidade. Se Than e Atalis fossem traidores, eu mesmo já os teria matado. De qualquer modo, o que acha de levar ao rei Yildiz a cabeça deste bruxo dos infernos, que foi o verdadeiro culpado? – concluiu o bárbaro, apontando o cadáver do feiticeiro.
O gunderlandês meditou por um instante. Embora estivesse ao lado do sábio e do Príncipe de Yaralet, Conan havia participado de uma expedição contra aquela cidade. E, se o bárbaro ainda era confiável, pensou Nestor, talvez tivesse razão.
- A propósito, Nest... digo, general Nestor – perguntou o cimério, se prendendo para não rir de tais frescuras hierárquicas –, como conseguiu chegar até aqui? Você seguiu Tameris?
- Tameris? Quem é...? Ah, sim, esta jovem. – deduziu Nestor, enquanto via o sangue no punhal da escrava – Não. Nós descobrimos uma passagem secreta para dentro da cidade, e nos deparamos com um túnel escuro, que parecia interminável. Logo depois, chegamos aqui. Agora, chega de conversa fiada! Vocês quatro, nos acompanhem, pois faço questão de interrogar, um por um, o povo de Yaralet, para verificar se este cimério está dizendo a verdade. E você! – o gunderlandês apontou para um dos capitães da guarda – Decepe a cabeça deste cadáver loiro. A reação do povo à visão dela nos dirá mais do que quaisquer palavras eloqüentes dos yaraletanos!
- E a tal “aura de glória”, Atalis? – perguntou Conan, sorrindo ironicamente, enquanto seguia o exército turaniano (este último já com a cabeça de Rhommaz na ponta de uma lança) para fora do recinto.
Um sorriso de desconcerto se estampou no rosto do sábio.
- Bem, até os filósofos se enganam, cimério. Pelo visto, a aura só foi suficiente para proteger nossa sanidade mental diante da serva de Rhommaz.
- A propósito, o que aconteceu com a tal serva fantasma? – perguntou o cimério, intrigado.
- Retornou ao inferno de onde veio. – respondeu Atalis – Dizem que ela era uma vampira que, há dez mil anos, teria enfeitiçado uma das primeiras princesas stígias, filha do Rei Tuthamon...
***
Era noite em Yaralet. Pela primeira vez em anos, naquela cidade, ninguém mais se trancava em suas casas. A praça principal se encontrava iluminada, não apenas pela lua e estrelas, mas por fogueiras no centro da mesma; e os velhos postes – mantidos intactos pelo povo local a mando de Than, na esperança de um dia serem reutilizados – estavam acesos novamente. A alegria reinava absoluta naquela cidade do norte de Turan. O túnel que Nestor usara, dois dias antes para adentrar os muros locais, havia sido vedado.
No centro da praça, bois e carneiros inteiros eram assados nas fogueiras. Vinho era servido, juntamente com as carnes, não somente ao agora Rei Than de Yaralet – recém-coroado numa cerimônia bem simples –, mas também aos exércitos turanianos de Yaralet e Aghrapur, ao povo da cidade, ao General Nestor e, principalmente, ao jovem casal que salvara aquela cidade da influência maligna de Rhommaz: Tameris de Koth e Conan da Ciméria.
Estes dois últimos, sem disfarçarem a alegria, satisfação e desejo, trocavam beijos com sabor de vinho turaniano, enquanto o cimério conversava descontraidamente com o general gunderlandês, que se sentava próximo ao casal.
- Amanhã, partirei para sul, rumo a Aghrapur, e depois para leste, rumo à Hirkânia, numa das campanhas imperiais do Príncipe Yezdigerd. – comentou Nestor, à vontade na presença do ex-parceiro de roubo e com a cabeça de Rhommaz, embrulhada num saco e conservada por sal e ervas aromáticas – E você, cimério?
Conan agora vestia um manto de seda azul sobre a cota de malha. As sandálias em tiras foram substituídas por um par de botas lustradas e polidas.
- Vou retornar para Aghrapur, onde nos separaremos, e deixarei Tameris como serviçal do Rei Yildiz. – respondeu o bárbaro, olhando para a kothiana que lhe sorria contente, pois sabia que as serviçais ganhavam muito mais e se arriscavam bem menos do que escravas; mesmo ela, que nunca fora maltratada em Yaralet, mas que fora enviada numa missão quase suicida no campo de batalha onde conhecera Conan – Em seguida, partirei para aquela campanha contra os montanheses a norte daqui, dos quais você me falou. – concluiu o cimério.
A seguir, aproveitando alguns momentos de desatenção da kothiana, a quem Than e Atalis cederam de boa-vontade ao cimério, Nestor se dirigiu a Conan, na língua gunderlandesa:
- Assim que puder, vou desertar do exército que lidero e fugir para o Iranistão ou Shem. Embora haja um pouco de sangue estrangeiro nas famílias nobres de Turan, a maioria dos generais turanianos tem inveja do sucesso de estrangeiros na liderança das suas fileiras...
- Boa sorte então, velho amigo! – sorriu Conan, respondendo na mesma língua que o general hiboriano.
Na manhã seguinte, acompanhando a comitiva turaniana liderada por Nestor – e com um saco de moedas de ouro na cintura, além da bela Tameris na garupa do cavalo –, Conan da Ciméria partiu para o sul, em direção à capital, enquanto trocava acenos com o Rei Than e o conselheiro deste, o filósofo Atalis. Embora não mais despida – agora ela usava um curto vestido de seda dourada, com cinto prateado –, a kothiana, com seu corpo colado ao de Conan, atiçava o desejo do cimério. Ambos já tinham feito amor na noite passada, logo após a conversa entre o mercenário cimério e o general gunderlandês, e felizmente ainda havia um longo caminho até Aghrapur...
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