Matérias e Entrevistas: Entrevista: Fernando Bertacchini

por Osvaldo Magalhães
em 07/10/2004

Esta entrevista foi ao ar em 07/06/2002

O atual Editor Hiboriano, Fernando Bertacchini, é o grande responsável pelo retorno - quase que imediato - de Conan às bancas brasileiras.

Seu empenho e dedicação não foram em vão e, como prova da admiração por seu trabalho, o Crônicas da Ciméria publica uma entrevista exclusiva com o Fernando.

Deleite-se:

1) Qual foi sua reação ao tomar conhecimento de que a Mythos iria publicar Conan e que você seria o editor?

Pra mim, não foi surpresa porque eu já previa que a Abril não manteria mais a publicação. Na época da criação das linhas Premium, já se discutia quantas edições de Conan ainda seriam possíveis produzir com material inédito e a previsão era de mais dois anos. Contando a saga dos Kozakis, daria mais tempo, mas acredito que a Abril não considere que a reprodução em PB de histórias originalmente coloridas resulte em boa qualidade. Porém, neste caso estou apenas supondo já que, depois que passei a ser apenas tradutor, eu só ia lá quando havia alguma reunião e, portanto, não tenho informações suficientes sobre o que se passa na cabeça de ninguém de lá. Concluindo, nós soubemos que Conan estaria disponível em setembro do ano passado porque as vendas não eram significativas para uma editora de grande porte. Como para uma editora menor as vendas estimadas deles eram atraentes, eu já previa que o Conan viria pra cá, e já comecei a estabelecer contatos com você e o Carina pra começar a busca por material.


2) Você já tinha algum conhecimento sobre o personagem?

Eu leio quadrinhos desde os 7 anos de idade e conheci o Conan na Bloch. Porém, como a Bloch era uma tragédia pra publicar quadrinhos, não gostei da revista. Na época que a Abril adquiriu os direitos, o Jotapê Martins me ligou empolgado pra passar a informação e falou que eu ia ver o que era o Conan. Apesar das adaptações e da publicação fora de ordem cronológica, realmente gostei das histórias. Depois achei ainda melhor na ESC, mas confesso que foi o primeiro personagem que me cansou. Eu li até mais ou menos o número 50 da ESC e, então, desisti da coleção. Nunca fui muito fã de histórias onde o inimigo é um demônio, porque fica muito desigual um humano enfrentar um demônio e sempre vencer. Como a temática principal do Conan sempre envolveu matar demônios ou feiticeiros, e traçar alguma mulher maravilhosa, acabei cansando. Mas não estou condenando o personagem nem a criação. Na época em que desisti, eu já trabalhava no arquivo editorial da Abril e, com tantas revistas a disposição e tendo de zelar pelas mesmas, fui mudando minha postura. De fanzoca de quadrinhos, passei a profissional e, pra que o fanatismo não atrapalhasse o profissionalismo, me tornei menos fã e mais profissional. Afinal, trabalhar com gibis passou a ser meu ganha pão. Com isso, aos poucos fui lendo menos títulos e o Conan não foi o único que saiu da minha lista de prioridades.


3) Como está sendo desenvolvida a editoração das histórias, tanto inéditas quanto clássicas?

Eu sigo a regra básica do bom senso. A lógica pra mim era dar seqüência do ponto onde a Abril parou. Ou seja, descobrir as republicações da Conan the Barbarian na Conan Saga e tentar adquirir a seqüência até onde for possível. Pelo que tenho visto, se as revendas continuarem me arrumando as revistas que tenho deixado em listas de espera, talvez eu consiga manter a ordem da Conan the Barbarian até, pelo menos, o número 100. Mas é claro que, nessas Conan Saga, também saiam muitas republicações de grandes histórias da Savage Sword já antigas que merecem ser revistas ou conhecidas por quem nunca as leu. O problema é o espaço. Se em algum momento entrarmos com alguma delas, a revista não terá espaço pra alguma história da CB. O segundo passo da programação editorial foi começar a descobrir o que a Abril nunca publicou. Trocando e-mails com você, o Carina e o Dionísio, eu descobri uma boa parcela de histórias. A grande encrenca nesse caso é conseguí-las. Essas da Conan colorida de 1995 até que foi fácil por serem recentes. Mas a saga dos Kozakis, pelo que estou constatando, será muito difícil. As primeiras histórias até que são facilmente localizáveis. Mas já deixei as últimas e a seqüência final da SSC em listas de espera desde fevereiro, e até agora as revendas não conseguiram nada. Se eu não conseguir a saga completa, não sei se vai dar pra aproveitar esse material inédito. Também há limites de orçamento. Eu não posso sair comprando em dólar sem critério. Ou seja, faço um pedido de revistas, a editora me reembolsa e só vou fazer outro quando já tiver aproveitado uma parte do material inicialmente adquirido. Por esse motivo, ainda não importei nada da saga dos Kozakis. Algumas das revendas que acesso permitem que eu reserve revistas por três meses. Com isso, tenho mais dois meses de garantia das primeiras histórias dos Kozakis. Quando finalmente estiver com essas revistas em mãos vou verificar se as histórias pelo menos se fecham em pequenos arcos. Assim, se eu não conseguir a saga inteira, ao menos as revistas que chegarem poderão ser aproveitadas.


4) O futuro de Conan no Brasil é preocupante?

As vendas não foram nenhum espetáculo, mas como já mencionei, para uma editora de porte médio, são satisfatórias. Se o título permanecer nesse patamar, não há risco de cancelamento. Se as vendas caírem, aí sim o futuro de Conan está ameaçado porque a revista simplesmente não estaria resultando em absolutamente nenhum lucro. Sinceramente? Pela dor de cabeça e toda essa dificuldade que está sendo preparar cada número desse título, eu acho que o ideal seria que ele vendesse pelo menos 30% além do que está vendendo porque o meu tempo está sendo consumido em demasia, e outras revistas que produzi, inclusive de personagens totalmente desconhecidos, obtiveram um resultado melhor sem me ocupar tanto. Ou seja, se os fãs de Conan continuarem abandonando o personagem o título não tem como sobreviver. Espero que essas primeiras histórias inéditas, mesmo não sendo verdadeiras obras-primas, possam trazer de volta alguns dos leitores perdidos. Agora, se não acontecer isso, compromete o futuro. Como eu posso pedir pra importar mais material se os leitores não respondem? Nenhum diretor de empresa permitiria. A decisão mais lógica nesse caso é que o chefe desista do título que não atrai mais leitores e passe a aproveitar seu editor em outras publicações que atingem mais leitores. Não estou querendo aqui deixar ninguém apavorado. Acho que Conan vai continuar nas bancas, no mínimo, até o final deste ano. Porém, quero que todos os leais fãs do cimério se conscientizem da realidade porque muitos não têm a menor idéia da situação e acreditam que Conan tem uma legião imensurável de fãs. Sem brincadeira, tem gente que chegou a me mandar e-mails irados garantindo que Conan tem cerca de 100 mil leitores. Quando eu respondia tentando mostrar a realidade, alguns me criticaram alegando que eu estava por fora e nem deveria editar o título, que o herói tem no mínimo 40 mil exemplares garantidos por mês. Talvez até seja, mas nem um terço deles ainda compra a revista. Os outros devem viver relendo suas coleções. Por isso, a esperança é que o terceiro filme realmente saia e seja MUITO, mas MUITO BOM. Se for nojento como o seriado de TV e o desenho, só vai servir pra sepultar de vez o personagem. Se for bom, pode atrair novos leitores e originar uma nova revista no exterior, o que seria ideal pra nós. Até o nosso projeto de produzir histórias no Brasil só será viável se as vendas subirem os 30% que mencionei. Vamos todos aguardar e torcer.


5) Existe alguma possibilidade das histórias serem produzidas no Brasil?

Como mencionei no final da resposta anterior, somente se a margem de venda subir, pois o custo de produção nacional será meio alto e o trabalho da editora vai aumentar mais ainda, já que tudo, do roteiro às capas, tem de ser aprovado pela Conan Properties, tornando o processo de produção ainda mais lento.


6) E quanto às histórias espanholas?

Já não sei o que dizer. Eu estabeleci contato com o representante do Sword Studios e pedi pra ele me passar informações. Preciso saber quanto eles querem pelas histórias e se eles possuem as mesmas em CDs. Só que eles não responderam mais. Mais uma vez, o custo desse material é que vai definir se é viável ou não, de acordo com as vendas da revista. Porém, como o espanhol não me contatou mais, fica difícil, pois estou lotado demais de trabalho pra rastejar atrás deles. Já deu pra perceber que estou irritado e já sem pique de insistir atrás desse material, né? Lamento, mas estou mesmo, porque está sendo desgastante tentar fazer esse milagre em particular. Por isso, espero que os leitores depois não me ataquem achando que é má vontade de minha parte. Vontade eu tenho de sobra, mas nem todo mundo tem.


7) As expectativas da editora estão sendo correspondidas quanto à nova revista Conan - o Bárbaro?

Mais ou menos. A revista vendeu o suficiente pra ser mantida em bancas, desde que mais fãs não desistam. Ou seja, a editora pode mantê-la nesse patamar, mesmo sendo meio baixo quando comparado ao volume de trabalho e o tempo que ela ocupa um editor (que tem e terá muitos outros títulos pra produzir este ano). Porém, o ideal mesmo é que as vendas subam pelo menos 30% pra justificar o tempo que estou dedicando a esse título. Para que os leitores tenham uma melhor noção do que estou falando, um exemplar de Conan consegue me tomar mais tempo do que DOIS de Warlands. E reparem que Warlands eu estou inclusive traduzindo! Ou seja, Conan dá o dobro do trabalho. Portanto, precisaria vender duas vezes mais. Se não fosse um personagem tão tradicional, tão histórico e com tantos grandes artistas pra se republicar, nem eu acharia que vale a pena me empenhar tanto em detrimento de outros ótimos títulos que tenho de produzir. Porém, como Conan é Conan, em vez de torcer pra ele vender duas vezes mais, estou torcendo apenas por uma ampliação de 30% na base de leitores. Está longe do ideal, mas por um personagem histórico, vale um sacrifício.


8) Alguma mensagem para os fãs do Cimério?

Obrigado a todos que estão escrevendo pra Taverna, em especial aos que têm enviado sugestões e tentado descobrir histórias inéditas. Porém, tentem transmitir seu amor pelo personagem a algum amigo, filhos, parentes. Tentem criar novos fãs para que o personagem tenha uma vida ainda mais longa no Brasil. Preferências pessoais à parte, eu sempre dedico o máximo de mim ao que tenho de fazer, e é o que estou fazendo por este título. Espero que ele prossiga por muitos anos, mesmo que eu já não seja o editor, mas também espero que novos leitores embarquem nessa arte que são os quadrinhos e no mundo de fantasia e aventuras de Conan. E para isso, cada um de nós que aprecia HQ tem de se empenhar. Se cada um conseguir, sem ser um chato, passar a alguém o prazer de ler quadrinhos, nem que seja pra um amigo por ano, já será um grande passo.


9) Para encerrar, fale um pouco sobre sua carreira:

Resumidamente, eu leio quadrinhos desde os 7 anos (tenho 34) e colecionei tudo que surgia nas bancas dos 7 aos 22. Já tive empregos que não tinham nada a ver com esse hobbie, mas em 89 fui contratado pela Abril Jovem como técnico em documentação do Arquivo Editorial. Além de auxiliar qualquer funcionário em pesquisas, minha função principal era receber, catalogar e controlar as remessas de histórias Marvel e DC e, claro, manter em ordem o arquivo de revistas das redações juvenis e adultas. A partir de 94 comecei também a traduzir algumas histórias Disney e material de revistas de atividades como freelancer até que, em 95, fui transferido para a Redação de Quadrinhos Juvenis como responsável pelo atendimento ao leitor. Porém, como o Figa já sabia do meu potencial (tanto que tentou me promover a editor uma vez e não foi autorizado porque não sou jornalista) passou também a me aproveitar como um tipo de assistente editorial. Eu participava da programação de histórias, redigia matérias e notícias para uma revista eletrônica de um convênio entre Abril e Tec Toy e, embora sem ser creditado, fui tradutor e editor da mini-série Star Wars: Dark Empire (Guerra nas Estrelas: O Império do Mal). Logo depois que fui pra redação, outros estúdios finalmente abriram os olhos pra mim e passei a traduzir bem mais histórias de diversos personagens (inclusive, todos os números do Conan Rei). Como a falta de diploma jamais me permitiria subir na Abril (e, como estava trabalhando dentro e fora da editora, me seria impossível arrumar tempo e disposição pra voltar a estudar com afinco), comecei a pensar em sair e me dedicar exclusivamente a tradução, pois ganharia mais e trabalharia um pouco menos. Na ocasião, o meu amigo e editor, Mário Luiz, tinha contato com pessoas da HBO Brasil e me indicou como tradutor. Eles me aprovaram e saí da Abril pra me dedicar somente a tradução para legendas dos canais Sony/HBO. Porém, eu estava mal estruturado para a agilidade e a demanda que esse mercado exige e confesso que, antes de me queimar definitivamente, desisti de ser tradutor freelancer da HBO (embora até hoje eu lamente não ter me saído melhor ou insistido, já que adoro seriados de TV) e voltei a traduzir somente quadrinhos no final de 98. No ano seguinte, o Figa me passou alguns títulos integrais, como Aranha, Mutantes e o próprio Conan (procurem em suas coleções os que foram traduzidos por "Estúdio Jun Fan") e eu trabalhei somente para a Abril até março de 2001, quando o tal diretor argentino obrigou o Figa a rebaixar o preço que nos pagava. Como a nova tabela era vergonhosa e não me permitia sequer honrar meus compromissos mensais, imediatamente tentei restabelecer contato com outros meios de trabalho, inclusive enviei um novo currículo para a HBO, mas imediatamente o Helcio e o Dorival me convidaram pra ser editor. Apesar de só ter editado o Star Wars em toda a minha vida, eu conhecia o serviço de cabo a rabo e nem hesitei em encarar a nova função. E eu nem imaginava que a Myhos já estava com vários Elseworlds sob contrato. Depois que entrei, muito mais do que traduzir e editar, eu ganhei uma chance de desenvolvimento ainda maior e hoje não só traduzo e edito, como também estabeleço contatos e negocio futuras publicações com as editoras no exterior. Ou seja, um evento que chegou a me apavorar, que foi a perspectiva salarial ridícula que o gringo da Abril impôs aos valorosos profissionais da produção editorial, sem os quais nenhuma revista chega com qualidade às bancas, acabou me catapultando a algo muito melhor. E praticamente consolidou um fato que a Abril jamais sonhara, que seria a existência no mercado nacional de um concorrente poderoso como é a Mythos Editora, onde estou muito bem e, embora minha paixão profissional ainda seja traduzir e adaptar as histórias, continuo fazendo muito mais do que gosto. Posso trabalhar como um desesperado, mas enquanto me aprovarem por aqui, acho que estou no lugar certo e nem penso em sair tão cedo.

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