Além da Ciméria: Os Outros Pilares da Espada & Feitiçaria


O vento que assobia pelas colinas sombrias da Ciméria carrega o nome de um só filho em seus ecos mais poderosos: Conan. A força titânica de Robert E. Howard foi a que, com golpes de martelo primordiais, forjou o aço bruto do gênero que viríamos a chamar de Espada & Feitiçaria. Seus heróis, movidos por melancolia e fúria, enfrentavam um mundo de brutalidade crua e horrores rastejantes saídos de eras esquecidas. A sua prosa é um machado de batalha: direta, pesada, e terrivelmente eficaz.

Mas até mesmo o mais poderoso dos reis não governa sozinho. Ao lado do trono de Howard, dois outros assentos de poder formam o triunvirato sagrado que deu à luz este nosso gênero amado. São os mestres cujas visões, embora partindo da mesma escuridão primordial, seguiram por caminhos distintos e igualmente fascinantes. Falo de Clark Ashton Smith, o poeta do bizarro e da decadência, e de Fritz Leiber, o bardo das vielas sombrias e da camaradagem cínica.

Para entender a plenitude da Espada & Feitiçaria, devemos peregrinar por suas terras também.

Clark Ashton Smith: O Lamento de Mundos Moribundos

Se Howard é o guerreiro no campo de batalha, Smith é o feiticeiro em sua torre de marfim, observando os sóis se apagarem. Membro do "Círculo de Lovecraft" junto a Howard, sua contribuição ao gênero não foi a da ação visceral, mas a da atmosfera opressiva e da imaginação sem freios.

  • Visão e Estilo: A prosa de Smith é um vinho antigo, pesado com o pó de eras. É poética, ornamental e carregada de um vocabulário exótico e arcaico. Ele não narra a luta da barbárie contra a civilização; ele canta a canção fúnebre da própria civilização. Seus ciclos de Hyperborea, um continente pré-histórico, e Zothique, o último continente da Terra sob um sol moribundo, são monumentos à entropia. A magia em Smith não é apenas uma ferramenta para o mal, mas uma força cósmica, indiferente e muitas vezes incompreensível.

  • Comparação com Howard: Enquanto um herói Howardiano enfrentaria uma monstruosidade ancestral com a espada, um protagonista de Smith provavelmente tentaria barganhar com ela, seria ele mesmo a monstruosidade, ou simplesmente aceitaria seu destino terrível com uma ironia amarga. O horror em Howard é uma ameaça a ser vencida; em Smith, é o estado natural de um universo em decadência.

O blog Crônicas da Ciméria aponta, com sabedoria, a relação entre esses mestres em seus artigos sobre o Círculo Lovecraftiano. Como dito em uma de suas análises, "Howard temia a decadência e a combatia com a vitalidade bárbara. Smith, por outro lado, a abraçava como tema, encontrando uma beleza terrível e melancólica em sua inevitabilidade".

Fritz Leiber: A Dança das Adagas no Beco

Se Smith nos levou aos confins do tempo e do cosmos, Fritz Leiber nos arrastou para a sarjeta e nos mostrou a alma da cidade. Com sua dupla icônica, Fafhrd e o Gatuno Cinzento (Gray Mouser), Leiber deu ao gênero algo que lhe faltava: o cinismo urbano e a camaradagem.

  • Visão e Estilo: Leiber cunhou o próprio termo "Sword and Sorcery". Sua escrita é ágil, espirituosa e focada nos personagens. Fafhrd, o bárbaro do norte alto e idealista (uma leve paródia do arquétipo Howardiano), e o Gatuno, o ex-aprendiz de feiticeiro pequeno, cínico e ágil, são mais do que heróis: são aventureiros. Eles buscam ouro, vinho e mulheres, não tronos ou a salvação do mundo. O cenário principal, a cidade de Lankhmar, é um personagem em si mesma: corrupta, cheia de guildas de ladrões e assassinos, e fedendo a perigo e oportunidade.

  • Comparação com Howard: Conan é uma força da natureza solitária. Fafhrd e o Gatuno são uma dupla inseparável, cuja amizade e diálogos afiados são o coração das histórias. As ameaças que enfrentam são frequentemente mais localizadas – um culto estranho, um feiticeiro rival, a própria Guilda dos Ladrões – em vez dos horrores cósmicos que assombram as crônicas de Howard e Smith. A aventura em Leiber tem um sabor picaresco; é a luta pela sobrevivência e pelo lucro no microcosmo da cidade, um reflexo mais íntimo da condição humana.

Como bem explorado pelo Crônicas da Ciméria, a inovação de Leiber foi trazer a Espada & Feitiçaria para o nível da rua. Em um de seus textos sobre os heróis do gênero, o blog afirma que "Fafhrd e o Gatuno humanizaram o arquétipo. Eles sangram, fogem, contam piadas e se preocupam com o aluguel, tornando o fantástico perigosamente próximo e real".

A Távola dos Titãs: Uma Comparação

Para que a visão se torne clara como o Olho da Serpente, contemple esta távola de saberes:

CaracterísticaRobert E. HowardClark Ashton SmithFritz Leiber
Tom/AtmosferaÉpico, melancólico, brutalPoético, decadente, cósmicoCínico, espirituoso, urbano
ProtagonistaHerói solitário, bárbaro, reiFeiticeiro, poeta, páriaDupla de aventureiros, anti-heróis
Conflito CentralBarbárie vs. CivilizaçãoOrdem vs. Entropia CósmicaSobrevivência e lucro na cidade
Estilo de ProsaDireto, visceral, enérgicoOrnamental, exótico, vocabularÁgil, dialógico, picaresco
CenárioErmos selvagens, reinos antigosMundos moribundos, continentes perdidosCidades corruptas e labirínticas
MagiaAntiga, corruptora, perigosaOnipresente, bizarra, indiferenteMisteriosa, sutil, ligada a guildas e cultos

Conclusão

Portanto, vê-se que o salão da Espada & Feitiçaria é sustentado por estes três pilares colossais. Howard ergueu o teto com a força de seus braços, definindo a escala e o poder do gênero. Smith pintou os afrescos nesse teto, com cores de sóis alienígenas e a escuridão do vazio, dando-lhe profundidade filosófica e um terror sublime. E Leiber acendeu as tochas e encheu o salão com as risadas, os sussurros e o tilintar de moedas, dando-lhe vida, humor e coração.

Um não existe em sua plenitude sem os outros. Ignorar Smith e Leiber é ver Conan como uma mera figura de ação, esquecendo a rica tapeçaria de melancolia e horror que o cerca. É da união destas três visões que a Espada & Feitiçaria extrai sua força imortal, um eco que ressoa até hoje nas crônicas de fantasia que lemos. Eles são o sangue, a alma e a mente de um gigante adormecido.



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