1925-2025: "Lança e Presa" e o Rugido Primordial que Despertou um Gênio

 

Há um século, a edição de julho de 1925 da lendária Weird Tales não apenas apresentou ao mundo a fúria de Agnes de Chastillon, mas também reverberou com um som mais antigo, visceral e fundamental: o choque de pedra contra osso, o grito de caça na aurora do tempo. Foi naquele mesmo mês que Robert E. Howard publicou "Spear and Fang" (Lança e Presa), o conto que marcou sua estreia na revista e acendeu a chama criativa de um dos mestres da literatura pulp.

Enquanto "Sword Woman" nos transportava para um cenário medieval de opressão e rebelião individual, "Spear and Fang" nos arremessava milhões de anos no passado, para um mundo onde a sobrevivência era ditada pela força bruta e a inteligência emergente. Celebrar o centenário desta publicação é reconhecer as raízes profundas do universo howardiano, onde heróis primitivos enfrentavam perigos bestiais e onde a linha entre homem e fera era tênue e sangrenta.

O Mundo Cru e Inóspito de Ga-nor

Em "Spear and Fang", Howard abandona os castelos e as espadas de aço por clãs Cro-Magnon e Neandertais, por lanças de sílex e presas afiadas. O protagonista, Ga-nor, é a personificação do homem primitivo: forte, instintivo e profundamente ligado à sua tribo e companheira, A-aea. O rapto de A-aea pelos "Homens-Macaco" (os Neandertais, vistos sob uma ótica da época) desencadeia uma perseguição implacável que é o coração pulsante da narrativa.

Howard pinta um retrato vívido de um mundo onde a natureza é implacável e cada amanhecer é uma nova batalha pela existência. A descrição da paisagem, dos animais selvagens e dos próprios conflitos tribais é imersiva, transmitindo a dureza e a beleza selvagem desse período remoto.

O Confronto de Eras: Inteligência versus Força Bruta

"Spear and Fang" pode ser lida como uma alegoria da própria evolução humana. Os Cro-Magnons, representados pela tribo de Ga-nor, são retratados como mais ágeis, inteligentes e capazes de utilizar ferramentas de forma mais eficaz do que os Neandertais, que são descritos como mais brutos e dependentes da força física. A perseguição de Ga-nor não é apenas um ato de amor e vingança, mas também uma demonstração da superioridade adaptativa de sua espécie, que eventualmente levaria à extinção dos Neandertais.

A narrativa culmina em um confronto brutal e direto, onde a astúcia e a determinação de Ga-nor se provam mais poderosas do que a pura força bruta de seus adversários. É um tema recorrente na obra de Howard: a inteligência e a resiliência do indivíduo contra probabilidades esmagadoras.

Um Grito Primordial que Ecoa Até Hoje

Embora "Spear and Fang" seja um conto relativamente curto e direto, seu impacto na gênese da ficção de Robert E. Howard é inegável. Ele estabeleceu muitos dos temas e elementos que se tornariam marcas registradas de sua obra:

  • Heróis Primitivos e Instintivos: Ga-nor é um precursor de Conan e outros heróis howardianos que confiam em sua força, astúcia e coragem para sobreviver em mundos perigosos.
  • A Luta Pela Sobrevivência: A natureza implacável como pano de fundo para os dramas humanos (ou pré-humanos) é um elemento constante em suas histórias.
  • A Violência como Força Motriz: Os conflitos em "Spear and Fang" são diretos e sangrentos, refletindo uma visão do mundo onde a sobrevivência muitas vezes depende da capacidade de infligir e suportar violência.

Ao celebrarmos o centenário de "Spear and Fang", reconhecemos não apenas o primeiro passo de Robert E. Howard no mundo da ficção pulp, mas também o despertar de uma voz única que moldaria a fantasia para as gerações vindouras. O rugido primordial de Ga-nor em busca de sua companheira ainda ecoa nas páginas da Weird Tales, lembrando-nos das raízes selvagens e da eterna luta pela vida que definem a essência da obra de um verdadeiro mestre.

Leia aqui o conto Lança e Presahttps://cronicasdacimeria.blogspot.com/2007/01/lana-e-presa.html?m=1


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