Um Novíssimo Recomeço... Conan e Valéria


 

Um Novíssimo Recomeço... Conan e Valéria

(por Fernando Neeser de Aragão)


Introdução:

Valéria foi perseguida pelo irmão de um oficial que ela matara num acampamento próximo à cidade stígia de Sukhmet, mas nem ficou sabendo, pois Conan matou o homem antes que este encontrasse a loira. O cimério acabou alcançando Valéria na floresta próxima a Xuchotl, uma misteriosa cidadela, onde os dois entraram após Conan matar um dragão que rondava a floresta. Dentro da cidadela, a dupla se envolveu numa rixa de décadas entre os xotalancas e os tecuhltlis, duas facções que habitavam Xuchotl. Quando Conan e Valéria deixaram a cidadela, seus habitantes já estavam extintos (Pregos Vermelhos/ http://cronicasdacimeria.blogspot.com.br/2013/04/pregos-vermelhos-versao-completa.html).


1)


Era uma mulher alta, de busto volumoso e membros grandes, com ombros firmes. Toda a sua forma refletia uma força incomum, sem diminuir a feminilidade de sua aparência. Era totalmente mulher, apesar dos modos. Seus trajes consistiam apenas numa curtíssima saia de seda, feita sem costura e presa à cintura por outra faixa, também de seda – ambas pegas em Xuchotl. Num dos quadris bem-torneados, ela trazia um espada reta de dois gumes; e no outro, um longo punhal. Seus rebeldes e cacheados cabelos loiros eram aparados em corte reto à altura dos ombros. Contra o fundo de savana, ela posava de forma inconscientemente pitoresca, bizarra e fora de lugar. Ela deveria estar posando contra um fundo de nuvens marinhas, mastros pintados e gaivotas em revoada. Havia a cor do mar em seus olhos grandes. E era assim que deveria ser, pois ela era Valéria da Irmandade Vermelha, cujas façanhas eram celebradas em canções e baladas, onde quer que os navegantes se reúnam.

Ao seu lado, havia um homem alto e poderosamente constituído – quase um gigante em estatura –, os músculos ondulando suavemente sob sua pele bronzeada. Sua roupa era um simples par de calções de seda, seguro por um largo cinto de couro. Seus vivazes olhos azuis e vulcânicos; a figura enérgica, em plena forma, hábil e experiente, inspirava confiança mesmo aos mais temerosos. Uma espada larga e um punhal lhe pendiam do cinto. Era Conan da Ciméria, ex-comandante do navio Mão Vermelha e – assim como Valéria – ex-integrante dos Companheiros Livres de Zarallo.

O casal parou atrás de uma pequena elevação e se deitou de bruços sobre a mata rasteira da savana. Havia doze gnus à frente deles, e os dois guerreiros, felizmente contra o vento, estavam concentrados em suas presas. Estas continuavam pastando tranqüilamente, sem saberem da presença dos dois guerreiros que os espreitavam. O odor dos gnus era pungente no ar quente da tarde. Logo, o cimério pegou um arco que ele próprio confeccionara no caminho desde Xuchotl, pôs uma flecha nele, esticou o arco e fez mira. Súbito, os cabelos negros de sua nuca se arrepiaram, quando ele percebeu um movimento sutil atrás de si.

Foi se virar, ver e atirar. Três javalis investiam contra o casal, mas a flecha do moreno de olhos azuis atingiu o primeiro no olho e lhe perfurou o cérebro. Desembainhando suas espadas – pois os javalis se aproximavam rapidamente, e flechas seriam inúteis a uma distância tão curta –, o moreno e a loira enfrentaram, cada um, uma fera. Agilmente, a guerreira de longos cachos dourados se esquivou das presas do animal que a atacava, desceu-lhe a espada no focinho, quase o decepando, e no golpe seguinte, cortou fora a cabeça da besta.

Ofegante, ela foi ver como ia seu companheiro de lutas – e agora de cama –, e viu o outro javali caído aos pés do cimério e com o crânio perfurado. Uma única estocada da espada, enfiada no crânio do animal até se projetar sob a mandíbula desta, havia sido o suficiente para Conan pôr fim à vida da besta que ele enfrentara.

Súbito, sentindo o cheiro dos javalis mortos, um leão apareceu ali. Colocando-se entre Valéria e o felino, e sem tempo para arrancar a espada da carcaça do javali que matara, Conan se esquivou da investida do leão urrante, fazendo-o errar a patada que dera em direção ao cimério. O animal rugiu outra vez, e o bárbaro da distante Ciméria se lançou sobre ele. Os dois rolaram ao chão e os urros do leão foram interrompidos por um estalo.

Conan empurrou, para um lado, a carcaça do leão, cujo pescoço ele partira, puxou sua espada do corpo do javali e se ergueu, ensangüentado, porém sorridente, intacto e disposto diante de Valéria, e com apenas alguns arranhões aqui e ali. Ambos trocaram um sorriso e se puseram a esfolar os três javalis mortos. Após limparem o sangue de seus corpos, o casal assou e almoçou a carne de um dos animais, teve relações sexuais, levou o que pôde da carne dos outros dois e seguiu viagem para oeste, indo dormir após o cair da noite.



2)


Os aphakis – povo meio negro, meio shemita de Tombalku – golpeavam combate adentro, como um furacão adentrando um bosque de árvores novas. Em força bruta, nem três adoradores de Jhil eram páreos para Conan e, apesar de medir 1,90m e pesar quase cem quilos, ele era mais rápido que qualquer um deles. Ele se movia através da massa remoinhante e rodopiante com a segurança e o poder de destruição de um lobo cinza no meio de cães de rua, e andava sobre um rastro de corpos contorcidos.

Valéria lutava ao lado dele, com os lábios sorrindo e os olhos ardendo. Ela era mais forte que um homem comum, e mais rápida e feroz. Sua espada parecia viva em sua mão. Onde Conan abatia os oponentes com seu peso e a força de seus golpes, quebrando lanças e espadas, partindo crânios e abrindo peitos até o esterno, Valéria usava uma finura no manejo da espada que aturdia e desconcertava seus antagonistas antes mesmo de matá-los. Mais de uma vez, um guerreiro que levantava a lâmina tinha a jugular perfurada ou aberta, antes que pudesse golpear. Conan, um dos mais altos daquela refrega, caminhava através do tumulto golpeando à direita e esquerda.

Mas Valéria se movia como um fantasma ilusório, mudando constantemente de lugar, e perfurando e cortando enquanto mudava. Espadas nunca a acertavam, e os manejadores das mesmas ceifavam o ar vazio, morrendo com o coração ou pescoço trespassado e a risada zombeteira dela nos ouvidos. Ela também saltava como uma pantera sobre os antagonistas e lhes trespassava os pescoços e testas, além de decapitá-los e estrangulá-los, quebrando-lhes os pescoços como se fossem gravetos.

Enquanto isso, o cimério golpeou o escudo de um dos aphakis mais ágeis e fortes daquele destacamento, mas foi desarmado pelo mesmo broquel que golpeara, quando o guerreiro marrom lhe acertou o rosto, fazendo o bárbaro cuspir sangue e largar involuntariamente a espada. Contudo, desarmando aquele vassalo do Rei Zehbeh com um giro da lança de um dos aphakis mortos, Conan cravou a mesma na testa de seu antagonista, de modo que a ponta de sua arma se sobressaiu pela nuca do rival, pouco antes do cimério reaver a espada.

Cruzando espadas com outro aphaki, Conan sentiu a dor de uma facada, pouco acima do umbigo, e reagiu furiosamente com um giro lateral de sua espada, decepando a calota craniana do mestiço, num jato de sangue, miolos e faíscas do elmo de seu rival. Por sorte, o ferimento no ventre do cimério tivera uma profundidade de uns dois centímetros apenas, abrindo somente alguns músculos abdominais e passando longe de qualquer órgão vital do bárbaro.

No instante seguinte, o cimério se tornou o centro de um furacão de lâminas cortantes e longas lanças. Mas movia-se rápido, como o ofuscante brilho do aço de sua espada. As lanças assobiavam no vazio do ar, enquanto a espada entoava seu canto de morte. Sobre ele, pairava a loucura combativa de sua raça, e com uma cortina vermelha de fúria insensata ondulando sobre seus olhos ardentes, ele arrebentava crânios, despedaçava peitos, arrancava membros e rasgava entranhas, transformando as areias num depósito de miolos e de sangue.

Com sua espada enfiada no esterno de um dos aphakis, Valéria agarrou o punho armado de outro guerreiro que investia contra ela e, com a mão direita, acertou-lhe uma seqüência de poderosos socos, arrancando-lhe vários dentes quebrados em jatos de sangue, até o último murro lhe partir o maxilar esquerdo, não muito longe do queixo. Os golpes ininterruptos e impiedosos da ex-pirata aquiloniana o enfraqueceram, de modo que a pressão dos dedos da loira em seu pulso direito o fez largar a espada. Ato seguido, Valéria da Irmandade Vermelha travou as mãos no pescoço do homem, e o estrangulou até lhe quebrar fatalmente o Pomo-de-adão.

Enquanto isso, o cimério amontoava cadáveres mutilados aos seus pés, até que os inimigos recuaram, ofegantes de ódio e medo, exceto um, que lhe atingiu a nuca de longe, com uma pedra enorme. Caído ao chão, Conan ainda se recuperava da pedrada, quando o aphaki que o atingira tentou decapitá-lo. Mas Valéria enfiou a espada no pulmão do guerreiro mestiço, salvando a vida do cimério.

O aphaki mais alto – líder daquela patrulha, um dos últimos sobreviventes e disposto a matar aqueles dois guerreiros que rapidamente dizimaram a maioria dos seus homens – soltou um grito feroz e deu um pulo em direção a Valéria, golpeando duramente. Desajeitadamente, ela deteve o ataque, e este bateu a parte plana de sua lâmina na cabeça, de modo que ela viu fagulhas relampejarem diante dela, e cambaleou. A espada se levantou novamente, com um grito rouco e bestial de triunfo... E então, uma figura gigante avultou atrás do comandante, e o aço brilhou como um arco de clarão azul. O grito do líder aphaki parou bruscamente e ele caiu como um boi sob o machado, os miolos jorrando de seu crânio, que fora rachado até o pescoço. Com um sorriso de alívio, Valéria agradeceu a Conan por ter lhe salvado a vida, enquanto os poucos que restaram entre aqueles tombalkanos fugiam.

Após a batalha, os espólios foram pegos pelo casal, e o cimério e a aquiloniana beberam água e curaram suas feridas num oásis próximo; e, pouco depois de enfaixar o ferimento no abdômen, Conan despiu Valéria de sua única peça de roupa, ambos trocaram um beijo feroz, o cimério também se despiu e, em seguida, sugou os seios alvos e suados da loira, enquanto eles faziam amor e grunhiam loucamente por entre as palmeiras. Após o coito, o casal tomou banho naquele oásis, copulou novamente, comeu e adormeceu.



3)


- Conan cortará sua garganta por isso, maldito bruxo aphaki! – gritou Valéria, com as mãos e os pés amarrados.

- Cale a boca, vadia de cabelos amarelos! – rosnou o sacerdote de Jhil; um homem mestiço, de pele marrom e cabelos lisos, mais branco que negro, igual aos soldados que Conan e Valéria haviam matado, dias atrás. – Foi por culpa de Conan que meu pai Daura morreu assassinado em Tombalku, anos atrás. Fui eu que, com meus poderes, senti a presença do cimério e mandei aquela patrulha, dias atrás, para pôr fim ao cão branco. Como aqueles incompetentes não serviram ao meu propósito, eu lhe raptei e lhe usarei como isca para acabar com a vida daquele canalha, que no passado dividiu o trono com o finado Sakumbe!

Enquanto isso, aproximando-se da caverna onde Valéria fora feita refém do feiticeiro aphaki, Conan se deparou com duas figuras de pesadelo, metade humanas, metade ratos – as quais mediam dois metros cada uma, quando encurvadas, mas que mediriam três, caso andassem eretas. O cimério se preparou para enfrentá-los, mas ambos correram para dentro da enorme gruta. Conan os seguiu.

Ao mesmo tempo, Valéria havia acabado de se soltar, com esforços próprios, usando as unhas e ajudada pelo próprio suor, o qual deixava suas amarras escorregadias. Entrementes, o bruxo tombalkano continuava a invocar mais e mais homens-ratos. Naquele instante, tendo desamarrado os próprios pés, Valéria investiu contra o mago e teria lhe acertado um murro no queixo, se ele, ainda mais rápido, não a tivesse deixado inconsciente com um raio verde que lhe partira da mão.

Então, Conan apareceu naquele recinto, com os vulcânicos olhos azuis ardendo de ódio. O feiticeiro aphaki mandou suas criaturas contra o cimério, e ele começou a despachá-las, com giros e estocadas mortais, atravessando peitos e ventres, decepando cabeças e cortando ao meio os corpos daqueles seres profanos e infernais. O cimério lutava com toda a ferocidade de sua raça, mas as criaturas eram muito numerosas. Súbito, o bárbaro do norte viu uma fenda no chão e uma repentina intuição lhe estalou no pensamento.

Assim, num ato tão rápido quanto seu pensamento, ele cravou a ponta de sua espada na fenda e a mesma explodiu em sangue e lava, afogando e queimando todos os homens-ratos, cujos gritos de agonia agora soavam quase humanos, de modo que até o cimério sentiu um arrepio de repulsa lhe percorrer a espinha. Ao mesmo tempo, o feiticeiro aphaki estirou a mão aberta em direção a Conan. Súbito, os olhos do bruxo tombalkano se dilataram, e as mãos, desesperadas, agarraram a lâmina de aço polido que, de repente, se projetou de dentro de seu peito. O sacerdote de Jhil já estava morto, antes de cair de bruços sobre o chão de pedra da caverna.

- Por Mitra, eu tinha de fazer isso – disse Valéria, limpando o sangue de sua espada e ficando esplendidamente ereta diante de Conan –, por minha própria honra.

A antiga chama voltou aos olhos de Conan, ele a agarrou ardentemente nos braços, ambos se beijaram ferozmente, tanto na boca quanto nos corpos um do outro e, mais uma vez, tiveram relações sexuais, agora no interior daquela caverna – afinal, a tão planejada viagem até o litoral ainda poderia esperar um pouco mais.



Chegando às savanas do litoral, onde as tribos negras pastoreavam seu gado, Valéria e Conan se depararam com um grupo de guerreiras negras. Eram guerreiras kushitas, com a pele do mais puro ébano. Viúvas e órfãs dos gallahs que haviam se revoltado contra a falecida Princesa Tananda de Kush – e cuja revolta Conan reprimira em Shumballa –, elas haviam abandonado Kush, antes da segunda e bem-sucedida rebelião dos gallahs contra os chagas, e passaram a viver como bandoleiras e mercenárias. Lembrando-se das perdas que sofreram no passado, graças àquele bárbaro moreno, elas cercaram o cimério e sua companheira aquiloniana, e só não os mataram porque a líder delas era ninguém menos que a shemita Zoraide, ex-companheira de armas e de cama de Conan, quando este último liderava os zuagires!

Recém-chegada aos 50 anos, Zoraide estava ainda mais bela que na sua época de líder zuagir, há dez anos, graças às linhas de expressão em seu rosto, ao aumento de fios brancos em sua cabeleira e – embora o cimério não visse, pois a armadura dela escondia – ao aumento da flacidez em seu busto enorme. Mas Conan estava consciente de que não era mais digno de desfrutar daquela beleza ainda mais amadurecida da shemita, por saber que, apesar dela ter acabado de lhe poupar a vida, ela o vira traí-la, há uma década, com a kushita Pebatjma em Khauran, pouco após o trágico fim de sua carreira como líder dos zuagires – além do mais, Zoraide não se envolvia com homens que tivessem companheira. 

Súbito, aquele grupo se viu cercado por criaturas tão altas quanto o cimério que acompanhava aquelas guerreiras. Eram de cor azul-escura e possuíam cabeças, braços e torsos de homens; mas, abaixo da cintura tinham caudas e patas de escorpiões. A aparição daqueles seres recrudesceu a necessidade de duas espadas a mais, em auxílio àquelas kushitas e à sua líder shemita. Conan não entendia o que aquelas criaturas – das quais ouvira falar através dos extremamente longevos sábios pelishtios de Asgalun – faziam naquelas savanas, tão longe ao sul. Súbito, o cimério se lembrou dos ataques recentes dos aphakis (povo meio negro e meio shemita) e do ainda mais recente rapto de Valéria, feito pelo também aphaki filho de Daura. Mas é claro! Fora, sem dúvida, a magia meio shemita do tombalkano que invocara aquelas criaturas, antes que Conan o matasse!

Mas aquele não era o momento para elucubrações. Cercadas pelos homens-escorpião, as guerreiras e seu aliado cimério formaram um círculo, todos de costas uns para os outros, ao mesmo tempo em que aquelas criaturas puxaram seus arcos.

- Escudos! – gritou Zoraide, em voz de comando. Imediatamente, todas levantaram seus escudos de couro de elefante (inclusive Conan e Valéria, aos quais lhes foram dados um escudo cada um), protegendo-se de todas as setas letais lançadas por aqueles semi-humanos. Uma das guerreiras, no entanto, teve seu ombro esquerdo atingido por uma flecha e, baixando involuntariamente o escudo, foi morta por uma seta no pescoço.

No momento seguinte, sem tempo para lamentar pela morte da companheira gallah (apenas para praguejarem de ódio contra quem a matou), as demais mantiveram a parede protetora cerrada, fechando o local onde a recém-falecida guerreira de ébano havia estado.

Acabadas as flechas dos homens-escorpião, as guerreiras dispararam de volta, dando cobertura para que Conan e Valéria (os quais não tiveram tempo de arranjar arcos) pudessem avançar no corpo-a-corpo. Conan foi o primeiro a investir contra uma das criaturas, saltando para o alto e cravando-lhe mortalmente a espada no peito, antes que aquele semi-humano pudesse usar seu veneno contra o cimério. Enquanto isso, quase tão ágil quanto Conan e evitando o ferrão de outro daqueles homens-escorpião com uma cambalhota, Valéria cortou fora a cauda venenosa de seu rival e, no momento seguinte, decepou-lhe a cabeça por trás e de um só golpe.

No momento seguinte, com as flechas de suas guerreiras quase terminadas (e sem setas em sua aljava), Zoraide correu para ajudar o cimério e a aquiloniana, fazendo uma manobra semelhante à de Valéria, só que abrindo o crânio do homem-escorpião ao qual atacara. No momento seguinte, a voluptuosa líder shemita, como sempre fazia, engatinhou no chão, como uma felina do deserto e, como uma raposa branca que pula até um cão desprevenido, ela se agachou por um breve segundo, contraiu os músculos das pernas e saltou sobre mais uma daquelas criaturas, quebrando-lhe o pescoço num estalo seco, enquanto Conan e Valéria eliminavam os dois inimigos restantes, com a ajuda de flechas e lanças, usadas pelos amigos que o cimério tinha, entre os nativos daquelas savanas, os quais haviam começado a disparar quase ao mesmo tempo em que as mercenárias.

Enquanto os nativos das savanas observavam satisfeitos a colheita sangrenta, feita por eles e por aqueles guerreiros sobre criaturas aparentemente invencíveis, Zoraide, Valéria, Conan e as sobreviventes kushitas avistaram o sol se refletir em pontas de lanças de aço, em meio a uma nuvem de poeira vinda do norte. Embora com suas espadas de prontidão, aqueles 20 guerreiros foram aos poucos percebendo, para seu alívio, que se tratava de guerreiros kushitas – o que fez as mercenárias negras sorrirem largamente.

Ao se aproximarem das mercenárias e de seu aliado bronzeado, aquele destacamento de 30 guerreiros parou, e o líder deles reconheceu Conan e vice-versa, ao mesmo tempo em que se estarrecia diante da visão daquelas criaturas, claramente mortas pelo grupo de mercenárias e seus aliados ocidentais.

- Eu lhe conheço – disse aquele comandante negro, dirigindo-se a uma das guerreiras conterrâneas. – És Kasaqa, viúva de Alara, não?

- Sim, Afari – ela respondeu, reconhecendo o ex-servo de Thuthmes, que havia conspirado contra a falecida Princesa Tananda e, de acordo com rumores que ouvira, passado para o lado dos kushitas de Punt, quando a revolta contra os chagas havia estourado há quase oito anos.

- Soubemos da existência de mercenárias, viúvas de rebeldes gallahs, que vêm atuando entre as savanas e o Grande Deserto – ele respondeu, com um sorriso nos lábios grossos. – Bom, a nobreza de Kush precisa de mulheres como vocês, para ajudarem a manter a ordem em nosso país, defendendo-o de invasões stígias e kordafanas. Por isso, gostaria de lhes pedir que, caso queiram, regressem conosco a Shumballa, onde vocês serão muito mais que mercenárias.

Os sorrisos das kushitas se alargaram, ao verem uma oportunidade de voltarem aos seus lares; de lutarem por seu país, defendendo-o contra invasões estrangeiras, e, quem sabe, de constituírem novas famílias. Todo o ódio que elas sentiam por Conan havia desaparecido, após o cimério ter lutado ao lado delas e após saberem que Zoraide o estimava – ainda que somente como amigo. Kasaqa, por sua vez, foi quem mais relutou em poupar Conan ao reencontrá-lo, pois, durante sua fuga de Kush, havia sido estuprada por homens da nobreza chaga – os quais, obviamente, foram mortos, logo depois, por suas amigas e companheiras de fuga.

Assim, após enterrarem suas duas companheiras mortas – a segunda havia sido envenenada por um dos homens-escorpião –, as guerreiras kushitas, acompanhadas por sua líder Zoraide e pelos ocidentais Conan e Valéria, seguiram para o mais setentrional dos Reinos Negros, onde fizeram com que o Comandante Afari iniciasse um longo trajeto – embora não tão longo quanto se poderia pensar – que o levou ao trono de Kush. A presença da amiga e da companheira daquele cimério, o qual o ajudara na rebelião contra Tananda, deu-lhe prestígio, conhecimento e resistência suficientes para se tornar o líder mais amado na história daquela nação.

Reunindo dois mil dos nativos das savanas onde os homens-escorpião haviam sido mortos, Afari, Conan e Valéria, juntamente com Zoraide e suas arqueiras, lideraram aqueles lanceiros da savana até Kush, onde astutamente surpreenderam os negros gallahs que agora governavam aquela nação, os surpreendendo e avançando tão rápido que eles não tiveram tempo de usar seus arcos. Em combate mano a mano, os cavaleiros kushitas não tiveram como resistir aos ferozes lanceiros, e foram facilmente dispersados.

O feiticeiro Ageera, Rei de Kush desde a revolta dos gallahs de Punt contra os chagas de El Shebbeh, foi morto em combate e Afari se declarou soberano daquele país, governando tanto a maioria gallah quanto a minoria chaga. Os lanceiros negros das savanas do sul passaram a integrar os exércitos kushitas, fortalecendo mais ainda aquela nação com seu sangue bárbaro, misturado ao dos negros civilizados daquele país.

Para seu longo reinado, Zoraide de Shem ficou ao lado do rei como sua fiel esposa e co-regente, enquanto Valéria e Kasaqa foram promovidas a capitães de sua guarda particular e, com o tempo, conselheiras do Rei Afari. Com ações inteligentes e grandes estratégias de defesa do reino, bem como administrando secas ocasionais no norte daquele país, de modo que o povo não passasse fome, a rainha shemita foi conquistando a admiração e o respeito de todos os kushitas. O povo de Kush rapidamente se esqueceu da aparência estrangeira da Rainha Zoraide, de modo que, no pesaroso dia em que o Rei Afari foi reivindicado pelas trevas, a população a aceitou como sua governante.

Enquanto isso, entediado com a vida de capitão no palácio real de El Shebbeh e disposto, mais do que nunca, a voltar à pirataria, Conan abandonou Kush e, com a ajuda dos seus amigos pastores das savanas do sul, viajou até a cidade de Suba, e de lá ganhou o mar aberto.



FIM


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