A Caminho do Trono

(por Fernando Neeser de Aragão)



1)

É noite nos arredores da cidade de Tarantia, capital da Aquilônia. Fogueiras estão acesas entre a cidade e o caudaloso Rio Khorotas. Naquele acampamento iluminado, mercenários acampados treinam sob a vigilância de um belo jovem loiro a cavalo, vestido em trajes reais e usando um suntuoso e brilhante aro sobre a testa alta. Apesar da sugestão levemente afeminada de seus trajes, os músculos sob as sedas que lhe cobrem o corpo são vigorosos, e seu olhar é guerreiro e viril. Ao redor do jovem de 30 anos, dez guerreiros blindados, e também a cavalo, montam guarda. O loiro a cavalo é Namedides, da casa de Namedes, irmão e sucessor do falecido rei Vilerus – o qual morrera há quase dez anos –, e atual rei da Aquilônia.

Aquele treinamento – feito com lâminas cegas, para evitar riscos desnecessários – garante a seleção dos melhores guerreiros para uma batalha que acontecerá, quilômetros ao sul, contra o ambicioso rei de Zingara, o qual pretende invadir Poitain. Embora o rei da Aquilônia seja um homem impiedoso, o treino promovido por ele não é até a morte. Todos os guerreiros lutam bem, observa Namedides do alto de sua sela. Mas, dentre eles, há um homem de quase dois metros de altura, uma bem-distribuída musculatura sólida de mais de cem quilos, cabeleira negra, testa larga e baixa, e vulcânicos olhos azuis, o qual luta como um verdadeiro leão entre ovelhas. O rei se vê impressionado com a habilidade, força, rapidez, esquiva e ofensiva daquele homem.

A um sinal do rei, um berrante é tocado e o treinamento pára. Namedides cavalga, com seus guardas, até o gigante de olhos azuis, o qual o observa desconfiado, sob espessas sobrancelhas negras.

- Você luta muito bem – diz Namedides, visivelmente impressionado.

- Obrigado – ele responde de forma lacônica.

- Qual o seu nome, forasteiro?

- Sou Conan, um cimério.

Namedides assente e sorri:

- O que acha de liderar os exércitos mercenários que irão defender Poitain dos zíngaros? A Aquilônia está dividida pela guerra dos barões, e o Rei Zancho de Zingara aproveitou a oportunidade para tentar tomar o sul do país.

O cimério abre um sorriso largo e duro. Recém-chegado à Aquilônia pela fronteira leste, Conan havia deixado as duas cortesãs Lilith e Thelia – às quais conhecera em Koth, meses atrás – numa taverna nemédia, e se alistado nos exércitos mercenários aquilonianos. A idéia de Namedides o agrada bastante, e ele balança a cabeça positivamente.

* * *

Após uma marcha de vários quilômetros ao sul, com o emblema do leão dourado sobre fundo preto, dos mercenários aquilonianos, Conan e seu exército atravessam enormes montanhas azuis e chegam à bela região de Poitain, onde são saudados por Trocero, o conde daquela província aquiloniana, cuja população, de cabelos negros e olhos castanhos, é quase tão uniformemente morena quanto seus vizinhos zíngaros.

O Conde Trocero é um homem magro e inquieto, com cintura esguia e ombros de espadachim, o qual carrega seus anos com leveza; seus cabelos negros são curtos e seu rosto, bem barbeado. O exército mercenário acampa a certa distância do castelo do conde.

Leitões são assados no acampamento dos mercenários, e são cantadas músicas sobre bravos guerreiros e belas mulheres. Cerveja é bebida com moderação e, uma vez prontos, os leitões temperados e assados são servidos e comidos, pouco antes de todos irem dormir – pois, no dia seguinte, aquele exército aquiloniano enfrentará os zíngaros.


2)

As forças mercenárias aquilonianas estão posicionadas, formando longas linhas de lanceiros e cavaleiros em aço brilhante. Ao verem a figura gigante de Conan, em armadura negra, subir na sela do cavalo, com a bandeira dos mercenários – um leão dourado sobre fundo preto – e a de Poitain – um leopardo escarlate – ondulando acima dele, um clamor de estremecer o solo emerge do exército.

As tropas aquilonianas assumem a formação padrão. A parte mais poderosa ao centro, composta por cavaleiros fortemente armados. Nas alas, como se fossem asas, há destacamentos menores de homens a cavalo e pelotões de guerreiros montados, apoiados por lanceiros e arqueiros. Os últimos são os bossonianos das fronteiras ocidentais – homens de estatura mediana e constituição forte, trajando jaquetas de couro e elmos de ferro.

O exército zíngaro, encabeçado pelo Rei Zancho, vem em formação similar, e as duas forças se movem em direção ao rio – as alas um pouco à frente das tropas centrais. No meio do exército de Zingara, esvoaça a bandeira dourada daquele país, cujo emblema é um rio passando por duas montanhas – uma homenagem ao Vale de Zingg, onde aquele reino nascera séculos atrás. Os exércitos marcham ao mesmo tempo. Soam as trombetas. O amanhecer resplandece como fogo sobre capacetes, morions e armas pontiagudas; e fará com que o Rio Alimane se torne verdadeiramente escarlate antes que o dia termine.

Os zíngaros chegam ao rio. Flechas voam entre as armaduras, como nuvens de tormenta que escondem o sol. Os bossonianos, acima do barulho das trombetas e do retinir do aço, lançam seus gritos, enquanto puxam e soltam seus arcos em perfeita sincronia. Os arqueiros inimigos procuram manter os bossonianos ocupados, enquanto os cavaleiros zíngaros atravessam o rio. Os bancos não têm grande declive, o que facilita o galope pela beirada da água. Os cavaleiros avançam e combatem em meio aos salgueiros. As setas aquilonianas encontram todas as brechas na armada zíngara.

Cavalos e homens caem, debatendo-se e contorcendo na água. Ela não é profunda, nem a correnteza é rápida, mas os homens se afogam, arrastados para o fundo por suas armaduras e pisoteados pelos cavalos frenéticos. Agora os cavaleiros da Aquilônia vão à frente. Eles cavalgam pelo riacho e confrontam os guerreiros de Zingara. A água forma redemoinhos, bem na altura do peito dos cavalos, e o som de espada contra espada é ensurdecedor.

As asas se fecham. Os lanceiros lutam na correnteza e, atrás deles, os arqueiros continuam seus disparos. Os arbustos estão completamente destruídos, e os bossonianos curvam seus arcos para derrubar as fileiras da retaguarda. O pelotão central dos zíngaros não consegue avançar um passo, e suas asas são empurradas para fora do riacho.

Ao longo do dia quente e interminável, a batalha é retumbante. A planície estremece a cada seqüência de ataque e contra-ataque, ante o assobio das flechas, com o choque dos escudos se rasgando e lanças fragmentadas. Mas a armada da Aquilônia mantém o controle. Como uma muralha de ferro, o esquadrão aquiloniano toma a margem esquerda do Alimane e os zíngaros recuam, fugindo pelo rio.

Em meio à loucura da batalha, o Conde Trocero abre a testa de um zíngaro, ao mesmo tempo em que Prospero faz o mesmo com o peito de outro – um dos poucos que não fugiram dos mercenários liderados por Conan. Este, por sua vez, cruza espadas com o rei Zancho de Zingara, líder do exército rival, cujo orgulho do sangue nobre fez com que aquele monarca moreno se recusasse a fugir. Numa finta enganadora, o cimério consegue abrir a guarda do zíngaro, e em seguida lhe fazer o elmo morion voar da cabeça e abrir o rosto do rei num jato de sangue e miolos.

Com isto, a batalha termina, e, entre exclamações de júbilo dirigidas ao líder cimério que matou o rei de Zingara, os inimigos remanescentes fogem para oeste do Alimane – e muitos deles, flechados pelos bossonianos nas costas, nunca alcançarão Kordava nem as outras cidades zíngaras, de onde foram recrutados.


3)

A cidade de Tarantia, com suas torres azuis e douradas, brilha como uma pedra preciosa sob o sol matutino, a iluminar as planícies onduladas e pontilhadas por ricos arvoredos, as quais cercam a capital da majestosa Aquilônia. Muitos homens passam pelos grandes portões arcados de Tarantia, entre o nascer do sol e a meia noite.

Aquela é, sem dúvida, a cidade mais esplendorosa que o mercenário cimério já viu entre os reinos hiborianos na vida. Nem mesmo Shamar, ao sul, é tão bela e rica quanto Tarantia. Nas ruas daquela cidade, as multidões cuidam de suas próprias vidas, enquanto lojas e barracas permanecem abertas, com seus produtos e artesanatos à mostra.

Mas, naquele dia, algo diferente está acontecendo, e aquilo chama a atenção do povo. Bandeiras são acenadas de todas as torres; rosas forram o pavimento da rua, diante das patas dos cavalos montados por Conan e Namedides, e toda a beleza e nobreza de Tarantia são dadas ao rei da Aquilônia e ao recém-vitorioso e recém-nomeado general cimério.

A tudo isso, se mistura acrobatas e equilibristas de ambos os sexos, naquele desfile triunfal em homenagem à vitória de Conan contra os zíngaros.

No Palácio Real, inúmeras tochas e velas iluminam o animado salão de festas, e as damas da corte vestem roupas de diversas cores, mas principalmente brocado azul com dourado, para combinarem com as cores das torres de Tarantia. Os soldados do palácio, com seus gorros de aço, capacetes e cotas-de-malha, postam-se imóveis como estátuas. Leitões, carneiros e pastéis de carne bovina são assados na lareira.

As serviçais, de turbantes brancos e longos vestidos de cor creme, servem vinho e comida aos convidados. O menestrel Rinaldo – um homem alto e rijo em vestimenta de bufão, cujos desalinhados cabelos loiros caem de forma rebelde sobre os flamejantes olhos azuis – entretém a todos com seu alaúde, cujas canções enaltecem o Rei Namedides, da casa de Namedes, bem como ao recém-vitorioso General Conan, o qual se senta ao lado do jovem rei, ao centro da mesa.

No salão de festas, o cimério conhece Pallantides – um homem tão alto e musculoso quanto ele, e que lembra um gunderlandês, devido à altura e físico, e pelo fato de ter olhos cinzentos e cabelos castanho-claros. Somente seus longos bigodes sem barba – pouco comuns na Gunderlândia – indicam o general como sendo das províncias centrais da Aquilônia.

Quase todos dançam alegremente ao som de flautas e alaúdes, enquanto o cimério, servido por uma linda e sedutora dançarina sorridente de cabelos dourados e olhos verdes, bebe cada vez mais vinho, após ter comido bastante carne. O bárbaro se sente tranqüilo, vez que o próprio Rei Namedides havia provado mais de meia taça, antes de servi-lo. Após beber o equivalente a um barril inteiro, Conan sente uma vertigem se apossar dos seus membros. A sensação lhe é estranhamente familiar. Se o bárbaro não estivesse tão dopado, ele se lembraria de outras vezes nas quais sentira isso. Uma sutil letargia se apossa de seus sentidos e, no instante seguinte, o salão de festas do palácio – que já oscilava diante de seus olhos – escurece, e seus joelhos se dobram, deixando-o cair mole ao chão.

* * *

Ao contrário da maioria das vezes, o despertar de Conan agora não é abrupto. Sua mente está tão letárgica quanto no momento em que desmaiara. Então, com um esforço selvagem, o cimério rompe os laços invisíveis que o mantinham preso à inconsciência. Ele percebe estar num calabouço úmido e escuro, preso à parede de pedra por correntes que nem mesmo seus músculos de bárbaro são capazes de quebrar. Uma onda de fúria toma conta do cimério, ao se lembrar dos acontecimentos que precederam – e causaram – seu desmaio. Aquele maldito rei... Em seu íntimo, o bárbaro jura que isso não ficará assim.

O cimério imagina estar na sinistra Torre de Ferro, a julgar pelos blocos de ferro negro, intercalados com os de pedra, aos quais ele sente pelo contato de suas costas nuas com a parede. E, com um grunhido de ódio, Conan se lembra de rumores, ouvidos ao redor das fogueiras dos mercenários que comandara dias atrás, de que, quem é aprisionado nela, só sai de lá morto.

O sucesso de Conan lhe valeu inimigos poderosos entre a nobreza aquiloniana e seus companheiros oficiais. Ao mesmo tempo, Conan havia se tornado um herói popular, e o Rei Namedides viu o cimério como uma ameaça ao seu governo – uma opinião à qual inimigos de Conan, como o príncipe Deucalion e os condes Aurelius e Ascalante, se encarregaram de encorajar. Assim, vítima deles e de generais invejosos, Conan foi dopado durante aquele festejo no Palácio Real e aprisionado na Torre de Ferro.

* * *

A sombria Torre de Ferro se ergue afastada da cidadela, no meio de um labirinto de ruas estreitas e casas aglomeradas, onde as estruturas mais humildes, ocupando um espaço em desordem, haviam invadido uma porção da cidade que lhes era habitualmente estranha. A Torre é na verdade um castelo; uma antiga e tremenda pilha de pedra compacta e ferro negro, a qual havia servido como fortaleza, num século mais antigo e mais rude.

Não muito longe dela, perdida numa confusão de casas e armazéns parcialmente abandonados, há uma antiga torre de vigia, tão velha e esquecida que não aparece nos mapas da cidade há quase 100 anos. Sua função original havia sido esquecida; e ninguém, dentre os que a tinham visto, nota que a tranca, aparentemente antiga, a qual a impede de ser usada como quarto de dormir por mendigos e ladrões, é na verdade comparativamente nova e extremamente forte, habilmente disfarçada numa aparência de rústica antiguidade. Menos de meia-dúzia de homens no reino sequer conhece o segredo daquela torre.

Não se vê nenhum buraco de fechadura na pesada tranca incrustada de verde. Mas os dedos experientes de um poitainiano, se movendo furtivamente sobre ela, pressionam aqui e ali maçanetas invisíveis ao observador ocasional. A porta se abre silenciosamente para dentro, e ele entra numa escuridão compacta, empurrando a porta e fechando-a atrás de si. Uma luz mostraria que a torre está vazia; uma desnuda e cilíndrica seta de pedra maciça.

Tateando num canto com a certeza da familiaridade, ele encontra as saliências pelas quais procurava, numa laje de pedra que compõe o chão. Rapidamente, ele a ergue e, sem hesitar, desce para dentro da abertura sob ela. Seus pés sentem uns degraus de pedra levando para baixo, para dentro do que ele sabe ser um túnel estreito, o qual corre diretamente para os alicerces da Torre de Ferro, a três ruas de distância.

Numa sala fracamente iluminada da Torre de Ferro, uma porta se abre e uma figura surge dentro de um corredor. O interior da Torre é tão desagradável quanto sua aparência externa. Suas paredes de pedra maciça são ásperas e sem adorno. As lajes do chão são profundamente gastas por gerações de pés vacilantes, e a abóbada do teto é sombria na luz fraca das tochas postadas em nichos.

O homem mascarado se dirige até a cela de Conan, abrindo-a. O cimério o examina com interesse, pensando ser ele o executor enviado para despachá-lo. Então, o homem tira a máscara e capuz, e sorri para o bárbaro.

- Conde Trocero! – Conan exclama surpreso.

O conde balança um molho de chaves, liberta Conan das correntes e, juntos, saem da torre pelo mesmo caminho secreto por onde Trocero havia entrado. Saltando um muro próximo à Torre de Ferro – um dos poucos não-guarnecidos de Tarantia –, o cimério e o poitainiano montam em dois cavalos que os aguardam próximos à margem do Rio Khorotas.


4)

Usando armaduras de Companheiros Livres e capacetes que lhes cobriam parcialmente os rostos, Conan e Trocero cavalgaram por cidades que pulsavam em vida noturna, diante de miríades de luzes, casas de senhores próximas ao Rio Khorotas e pomares férteis. Finalmente, após vários dias de cavalgada, as montanhas azuladas de Poitain se erguem diante da dupla, uma após a outra, como baluartes dos deuses, em penhascos que parecem torres. Próximos à margem do Rio Khorotas, abetos crescem num anel simétrico, o qual parece modelado ao redor de uma pedra cinzenta.

Conan e o conde seguem galopando durante o dia pelas longas encostas íngremes. Conforme sobem e ganham altitude na montanha, o campo se espalha como um enorme manto púrpura, granulado pelo reflexo de rios e lagos, junto ao brilho amarelado de grandes pradarias e o reluzir das torres distantes. À frente num ponto bem mais no alto, eles vislumbram a primeira fortaleza poitainiana – um sítio poderoso, dominando uma estreita passagem, com a bandeira do leopardo escarlate de Poitain tremulando no céu; a mesma fortaleza próxima à qual o cimério havia acampado, semanas atrás com seu exército, quando lutara contra os zíngaros.

- Estamos em casa – sorri Trocero para Conan.

O sol de início de inverno está baixo, pois é fim de tarde. Ainda assim, o Astro-Rei continua tão radiante quanto ao nascer naquele claro céu azul, banhando os já brilhantes rios e lagos, bem como os vastos campos amarelos daquela província de belas e ricas planícies, separada do restante da Aquilônia pelas enormes e já transpostas montanhas azuis.

E assim o era, pois a região de Poitain, no sudoeste daquele país, é a mais bela província da Aquilônia, famosa pelas planícies extensas, pelos jardins de rosas, e onde até mesmo os pântanos são banhados pelo sol.

Mesmo agora, quando o inverno está ondeando as folhas além das montanhas, a grama alta e exuberante ondula sobre as planícies, onde pastam os cavalos e o gado pelos quais Poitain é famosa. Palmeiras e bosques de laranjais sorriem ao sol, e as deslumbrantes torres púrpuras, douradas e escarlates dos castelos refletem a luz dourada. É uma terra de calor moderado e de abundância, de belas mulheres e guerreiros ferozes. Não são apenas as terras duras que geram homens duros. Poitain vive cercada por vizinhos cobiçosos, e seus filhos aprendem a serem duros em guerras incessantes. Ao norte, a terra é protegida por montanhas, mas ao sul, apenas o Alimane separa as planícies de Poitain das planícies de Zingara; e, não uma, mas por mil vezes, aquele rio havia se banhado de sangue. Ao leste, fica Argos; e, além de Argos, Ophir – reinos poderosos e avarentos. Os cavaleiros de Poitain defendem suas terras com o peso e a lâmina de suas espadas, e pouco conhecem o descanso e a ociosidade.

Chegando a um atalho que conduz até perto da muralha, eles tiram seus capacetes e são recebidos por um grupo de cavaleiros em armaduras – homens altos, com olhos escuros e cabelos negros.

Ao reconhecerem a figura alta, de cabelos curtos, ombros largos e rosto barbeado do Conde Trocero, aqueles cavaleiros explodem de alegria – não apenas ao reverem seu conde, mas ao reconhecerem aquele homem agigantado, de juba negra e olhos azuis, que recentemente os conduzira a uma grande vitória contra invasores zíngaros – e disparam feito um enxame ao redor de Conan, gritando seus hinos de guerra e brandindo suas espadas em emoção extrema. Eles também sabem que aquele mesmo bárbaro havia, quase seis anos antes, salvado Velitrium dos pictos que destruíram o Forte Tuscelan.

Deste modo, enquanto Conan e Trocero adentram a fortaleza do conde, eles lançam um clamor e gritos de guerra que assustam os pássaros de tons alegres, que fogem do arvoredo voando para as nuvens. O sangue quente do sul está em chamas de alegria, inflamado de gratidão ao Conde Trocero por este ter salvado a vida de Conan.

Após um banho, Conan se senta a uma grande mesa numa sala suntuosa, cujas tênues cortinas se mexem com a brisa que entra pelas janelas. Comendo e bebendo com o conde de Poitain, ambos conversam.

- Sou-lhe muito grato, Conan – diz o Conde Trocero –, por você e uma ladra terem, há mais de 20 anos, matado o bruxo morto-vivo que envenenou meu pai.

O cimério sorri, lembrando-se da distante noite, quando ele, em sua época de ladrão, havia enfrentado os horrores do Poço de Skelos, juntamente com a saudosa guerreira e ladra Nedaxe de Cherkessia, salvando a vida da poitainiana Rhéia.

- E, além disso, sei que a liberdade é pouco para você e o que você fez por mim e pela minha província, cimério. Eu gostaria de lhe oferecer muito mais. Eu e Prospero estamos definitivamente fartos da política opressora do Rei Namedides, de seus impostos exorbitantes e tudo o mais. Estamos em terrível necessidade, e somente você pode nos ajudar. Após a derrota dos zíngaros, os barões, que até recentemente guerreavam uns contra os outros, também se insurgiram contra Namedides e suas taxas absurdas. O povo também se rebelou, Conan.

“A Aquilônia está numa guerra civil acéfala, e precisamos de alguém para liderar o país contra a tirania daquele canalha e sua facção. Nós vimos a facilidade como você derrotou os zíngaros e matou o Rei Zancho de Zingara”. E, batendo palmas, o conde faz entrar um pajem que segura a bandeira dos mercenários, aos quais o cimério havia liderado recentemente: a bandeira do Leão Dourado num fundo preto. Trocero a segura e entrega a Conan: “Seja o nosso líder, General Conan”, ele diz, com um sorriso. “Seja o comandante da nossa causa e nosso Libertador!”.

- O que ganho em troca? – pergunta o bárbaro.

- Conan, como eu já disse, estamos fartos da tirania de Namedides e sua corja, e a liberdade que lhe dei é pouco para você. Precisamos de um novo governante. A Aquilônia precisa de um novo rei. Eu não sou a pessoa ideal para sê-lo, pois um poitainiano que sitiou Tarantia anos atrás, como eu, jamais seria aceito pelo povo... Seu prêmio será: o trono e a coroa da Aquilônia! – Trocero responde, com um sorriso. – E, mesmo que eu tivesse qualquer interesse em ser rei, o que não é o caso, minha gratidão a você, por ter vingado meu pai, não tem tamanho! – O sorriso do conde se alarga. – E um homem, cujos grandes feitos pelo mundo e a favor da Aquilônia o tornaram querido pelo povo, será extremamente bem-vindo por todos que odeiam Namedides!

O cimério sorri, enquanto visões gloriosas passam por sua mente. Ele sempre havia sonhado em ser rei de algum país civilizado hiboriano, mas o máximo que conseguiu ser foi co-rei da cidade não-hiboriana de Tombalku, anos atrás e por pouco tempo. Agora, a oportunidade finalmente surge para ele!

- Feito! – Conan responde, alargando o sorriso, erguendo seu copo de vinho para um brinde com o conde e segurando a bandeira que este lhe entregara. – Mas agora, depois de banquetear com você, o que preciso é de um pouco de descanso – ele acrescenta, bebendo intensamente todo o vinho restante do copo.

- Você terá isso e muito mais, esta noite – responde Trocero, também alargando o sorriso.

* * *

Dobra os joelhos e implora o meu líquido.
Me quer, me quer, me quer,
E quer ver meu nervo rígido...”.
(Ana Carolina)

Adentrando o quarto de hóspedes do Conde Trocero – uma rica câmara, cujas cortinas transparentes ondulam com a brisa morna –, Conan encontra Márcia – uma concubina do conde, da qual este lhe falara ao final do banquete, e para quem Trocero mandara um recado, de que ela dormiria com um hóspede esta noite – já nua e deitada de bruços sobre o leito de seda. É uma jovem esguia e, como a maioria das poitainianas, tem pele morena, cabelos negros e olhos castanhos. Ela vira o rosto para o lado e, sorrindo, olha para o bárbaro, piscando um dos olhos para ele. Excitado, o cimério fecha a porta atrás de si, tira a roupa e se dirige ao leito onde Márcia se deita.

Ao vê-lo se aproximar, totalmente despido, da beirada da cama, ela empina as belas nádegas e as abre com as mãos, ao mesmo tempo em que, com um sorriso de desejo no olhar, solta um beijo no ar, em direção a Conan, e afunda novamente o rosto no travesseiro do colchão, em clima de expectativa. Aquele belo ânus, liso e quase sem pregas, exibe certa semelhança com a boca da poitainiana. E, como se ali fosse a boca de Márcia, Conan beija-lhe ardentemente o orifício anal – mantido exposto pelas mãos da jovem, cujas nádegas continuam erguidas –, fazendo o mesmo piscar de prazer e arrancando gemidos de desejo da poitainiana. Logo após lhe beijar e sugar o ânus, o cimério faz o mesmo com a vulva de Márcia, excitando-a mais ainda.

Percebendo o desejo urgente, tanto da jovem quanto dele, Conan penetra-lhe a vagina por trás. Após cerca de dois minutos, Márcia retira o falo do bárbaro em sua vagina e o introduz no ânus. A sensação das paredes mais coesas do reto da jovem, ao redor de seu pênis, aumenta ainda mais o prazer e desejo de Conan; e Márcia, por sua vez, fica ainda mais excitada do que quando fora penetrada na vagina. O cimério solta grunhidos cada vez mais altos de desejo, ao mesmo tempo em que a poitainiana se contorce cada vez mais de prazer no leito, atingindo rapidamente o orgasmo sob o vaivém da genitália de Conan e os sólidos músculos enrijecidos do bárbaro.

Enquanto relaxa do êxtase de prazer, Márcia sente que o cimério está prestes a ter um orgasmo e, girando rapidamente o próprio corpo, a jovem põe o falo de Conan dentro da linda boca molhada, onde o bárbaro ejacula abundantemente. Após Conan lançar sua última gota de sêmen, a poitainiana retira o falo do bárbaro da boca e, sorrindo, ela encara os olhos azuis de seu parceiro. Com a boca aberta e sorridente, Márcia gargareja e engole o esperma de Conan, como se ela fosse uma zamoriana.

Tão extasiado quanto no início da relação, Conan beija intensamente a jovem na boca, rosto, pescoço e nos pequenos seios firmes, fazendo-a suspirar novamente de prazer, e a deita na cama, onde a penetra novamente, ao mesmo tempo em que lhe beija o pescoço e suga os seios e axilas, até ambos explodirem de prazer e desejo num novo clímax.

Em seguida, abraçados um ao outro, ambos dormem, embalados pelos sons naturais que vêm de fora.

Naquele cenário exuberante, a natureza tem seus próprios coros: os sapos ao pôr-do-sol, os gansos à noite, os galos antes do sol nascer, as gralhas de madrugada e as cotovias nos arbustos.

* * *

O dia ainda não amanheceu, quando um esguio e alto cavaleiro poitainiano, acompanhado por uma bela jovem, de longos e rebeldes cachos loiros, é recebido pelo Conde Trocero. A mulher que acompanha o cavaleiro é alta, de busto volumoso e membros grandes, com ombros sólidos, os quais indicam uma força incomum, sem tirar nada de sua feminilidade. A cor do mar está em seus grandes olhos azuis, mas ela anda mais com passo de montanhesa que de marinheira. Entrando na sala onde Trocero jantara com Conan, a jovem conversa com o conde de Poitain.

- Após mais de três anos navegando e pilhando no Gaivota, os zíngaros afundaram meu navio – diz a loira. – Fui acorrentada e levada até a capital zíngara, Kordava. Lá, fui jogada na prisão, aguardando execução. Lady Belesa, que havia feito uma fortuna com umas jóias que ganhara anos atrás, ficou sabendo do destino de “uma pirata baracha tão ousada quanto Conan”. Ao saber que eu o conhecia, Belesa usou sua fortuna e ligações em Kordava, para empregar o aventureiro e cavaleiro poitainiano Prospero, a fim de que este se encarregasse de me socorrer. Liderando um ousado ataque-surpresa, ele salvou meu pescoço. Como conseqüência, os homens de Prospero foram mortos, e as enfurecidas autoridades zíngaras lançaram uma rede sobre Kordava, para me recapturar. Expulsa do mar e da terra, fiz uma fuga desesperada... pois eu soube de uma guerra recente entre Zingara e Poitain... e viemos parar aqui, de volta à minha terra natal, em cujas colinas ocidentais não sou bem-vinda – ela conclui.

- Pois bem, Valéria – acrescenta o cavaleiro Prospero, um homem alto, esbelto e moreno de olhos escuros, como a maioria dos poitainianos, e de cabelos e cavanhaque curtos –; você já conhece o Conde Trocero e, como você talvez já saiba, Poitain já se rebelou, há 13 anos, contra a cidade de Tarantia.

- O que já faz de mim um inimigo, tanto do falecido Rei Vilerus quanto do rei atual e, até certo ponto, dos aquilonianos de Tarantia – completa o conde. – Deste modo, o que acha de se juntar a nós e nos ajudar contra Namedides, a fim de libertar o nosso próprio país das mãos vis do tirano? – propõe Trocero. – Um grande guerreiro irá nos liderar, e o nome dele é...

- Não precisa dizer, conde – responde uma voz grave, na portada atrás da loira. – Eu e Valéria já nos conhecemos há anos, não é verdade?

Olhando por cima do ombro, a ex-pirata mal crê em seus próprios e arregalados olhos, ao reconhecer a figura alta e musculosa, que se aproxima dela e dos poitainianos, com os olhos azuis brilhando para a guerreira loira com uma luz inequívoca.

- Conan, o cimério! – exclama Valéria.

O sorriso do cimério se alarga:

- Quem mais? A propósito, fui eu quem ajudou os poitainianos a derrotarem os zíngaros. E fico feliz em saber que você e Lady Belesa estão bem. A propósito, como vai Tina, a filha adotiva dela? A menina já deve estar ficando uma moça.

- Bom, a ophiriana loira de nome Tina deve estar beirando os quinze anos, a julgar pelo aspecto dela – responde Valéria. As palavras da ex-pirata soam mecânicas, pois o fogo no olhar do cimério lhe acende o próprio fogo, como o havia feito quando ela e Conan saíram de Xuchotl, há mais de três anos.

Percebendo o flerte, o Conde Trocero sorri para Prospero:

- Mostre a Valéria os aposentos dela. A jovem deve estar precisando descansar. Agora, vou me recolher, pois Márcia me espera, em meu quarto.

Assim, Prospero conduz Valéria – esta sorridente e abraçada a Conan –, por um curto corredor, até o mais próximo dos luxuosos quartos vazios daquele castelo.

A porta daquele quarto é trancada pelo casal de guerreiros que o adentra, e eles se beijam vorazmente, suspirando e abraçando um ao outro. O hábito de Conan, de sempre tomar banho logo após as relações sexuais, elimina de seu corpo o cheiro do perfume de Márcia, a quem o bárbaro possuíra horas antes. Em poucos minutos, Conan e Valéria estão despidos e tomados de desejo, a ponto de quase morderem as bocas e pescoços um do outro. Então, o cimério apalpa a pele de Valéria, suas coxas e suas nádegas... lambe e suga vorazmente o suor morno, no firme busto volumoso e ventre esguio da ex-pirata, e lhe cheira o almiscarado aroma da feminilidade, entre as coxas grossas e bem-torneadas da guerreira loira.

Suspirando de prazer, a ex-pirata da Irmandade Vermelha puxa o corpo de Conan para perto do seu, e o bárbaro começa a arremeter vorazmente seu membro ereto dentro da vagina quente, úmida e acolhedora dela. Os suspiros da loira se transformam em gemidos, e os gemidos viram sussurros para o homem que a possui e cujo rosto moreno e cicatrizado está transfigurado de prazer. Mais uma vez – como há mais de três anos –, o desejo alcança seu auge no corpo e alma da guerreira montanhesa, fazendo-a cravar as unhas nas coxas musculosas do cimério, o qual, percebendo isso, se deixa invadir por vasta gama de emoções, dando vazão ao seu desejo. A visão dos bicos rosados dos seios de Valéria é o “golpe final” para que o sêmen de Conan escorra em jatos dentro da aquiloniana.

Após relaxar brevemente, com suas mentes clareadas e seus corpos aliviados, o casal de guerreiros tem mais duas relações sexuais, só indo dormir ao nascer do sol.


5)

Dias depois, o castelo do Conde Trocero se abre, dando caminho a um exército de centenas, aclamado pela população local como o Exército da Libertação, em cuja bandeira tremula o estandarte do Leão Dourado. Todos usam gorros de aço e longas cotas-de-malha, e se protegem com escudos – alguns com o emblema poitainaiano do leopardo vermelho, e a maioria com o mesmo emblema da bandeira soprada pelo vento. Esses emblemas também enfeitam as cotas-de-malha dos libertadores.

Ao longo dos dias e semanas seguintes, o exército vai recebendo adesões de inúmeros guerreiros, de outras regiões de Poitain e do reino aquiloniano, passando de centenas para milhares. Dentre as adesões, o cimério recebe a aliança de vários exércitos, vindos da Bossônia e da distante Gunderlândia. Dentre os exércitos de piqueiros e lanceiros gunderlandeses, Conan avista um, cujo líder lhe é vagamente familiar. Ao vê-lo chegar mais perto, o cimério o reconhece e sorri:

- Por Crom! Há quantos anos! Nestor!

O homem de rosto barbeado, cujos curtos cabelos loiros estão agora ficando brancos, devolve o sorriso. Eles se conheceram há mais de 20 anos em Zamora, quando o líder bárbaro era um jovem ladrão, e ele um oficial mercenário a serviço do rei da Cidade dos Ladrões. Ao se reconhecerem, os dois ex-ladrões trocam um forte abraço.

- Por Mitra e Bori, General! – sorri Nestor. – Depois de fugir de Zamora, tornei-me mercenário na Coríntia e Nemédia, até que resolvi voltar à minha Gunderlândia natal, onde fiz minha família e passei a fazer parte dos piqueiros gunderlandeses. Quando eu soube que “um cimério chamado Conan” estava mobilizando um exército contra Namedides, vim para cá o mais rápido que pude.

* * *

Enquanto isso, em Tarantia, Namedides continua seu governo opressor: qualquer um que clame pela supressão dos exorbitantes impostos reais é aleijado e cegado pelos carrascos do rei, e morre de fome nos cárceres do palácio; outros, mesmo que nada façam contra o jovem rei, têm suas esposas e filhas arrastadas para o harém de Namedides. Seus oficiais seguem o exemplo do rei e não hesitam em seduzir qualquer mulher que desejem – especialmente as de classe baixa –, nem em maltratar os súditos mais humildes da Aquilônia.

O reino geme sob os impostos altíssimos, as fazendas são espoliadas até os ossos e até os mercadores andam em farrapos, que é tudo o que lhes é deixado pelos coletores de impostos, gerando, deste modo, revoltas de camponeses, as quais são sempre reprimidas violentamente pelos exércitos de Namedides.

Mas em pleno fluxo da primavera, um súbito sussurro passa pelo reino que afunda, e acorda a terra para uma vida ansiosa. Ele vem como um vento sussurrante trazido do sul, despertando homens afundados na apatia do desespero. Mas como ele começou a chegar, ninguém sabe dizer de fato.

Entretanto, a notícia chegou, e a revolta corre como fogo ao longo das fronteiras. Distantes guarnições legalistas são assaltadas e massacradas; o oeste se arma, e há um ar diferente ao redor da revolta – uma resolução feroz e uma fúria inspirada, mais do que o frenético desespero que havia motivado revoltas precedentes. Não são apenas as pessoas comuns; os barões, agora unidos, estão fortificando seus castelos e desafiando os governadores das províncias. Tropas de bossonianos são vistas se movendo ao longo dos limites das fronteiras: homens atarracados e resolutos em gorros de aço e brigantinas, com longos arcos em suas mãos. Da inerte estagnação, dissolução e ruína, o reino está subitamente vivo, vibrante e perigoso.

Sussurram-se notícias de uma guerra civil, e de um lutador que se insurgiu para arrebatar o trono da antiga dinastia.



- Por que se reuniram, Deucalion, Aurelius e Ascalante? – pergunta Namedides, adentrando um luxuoso salão adjacente à sala do trono, para o qual ele fora chamado por aqueles três nobres. O rei se senta à cabeceira da mesa, a luz das tochas lhe tremeluzindo no rosto branco e no dos outros três ali presentes, e então, os nobres começam a lhe relatar o ocorrido.

- Os bossonianos se insurgiram no oeste, e os gunderlandeses ao norte – responde o Príncipe Deucalion, um homem moreno e forte, de rosto largo, cabeça raspada, barba pontiaguda e primo do rei. – Aqueles tolos crêem que Conan está vivo, vindo de Poitain e encabeçando um exército para tomar a Aquilônia. Eles até falam de uma ex-pirata loira, amante do cimério, a qual se juntou aos rebeldes e luta feito um demônio.

- Isto é, sem dúvida, um truque de Trocero e Prospero, que, com certeza, querem que Poitain fique independente da Aquilônia outra vez – interrompe o Conde Ascalante, um homem alto, moreno e esguio, com uma cicatriz perto da boca, a qual enfatiza o seu aspecto já sinistro. – Creio que eles trarão algum impostor, que clamará ser o ex-general Conan. A cabeça daquele cimério maldito, sem dúvida, já rolou há meses na Torre de Ferro.

- Cavalheiros, ele pode até ter desaparecido – responde calmamente o rei da Aquilônia –; mas está vivo.

- Como?! – exclama Aurelius, um homem musculoso, de estatura mediana, cabelos loiros e olhos azul-acinzentados.

- Na noite seguinte ao aprisionamento do bárbaro, a cela dele foi encontrada vazia, e Trocero não estava mais aqui em Tarantia – responde o rei. – Se forem verdadeiras as notícias de que esse maldito exército se multiplica, quero que vocês vão ao encontro deles. Quem falhar e não me trouxer a cabeça daquele maldito cimério, pagará com a própria cabeça! – ele acrescenta, desembainhando a espada, em demonstração de habilidade guerreira e capacidade de ele mesmo ser o carrasco, caso queira.

- Sim, Majestade! – respondem Ascalante e os demais, apressando-se.


6)

Dez mil guerreiros, o exército de Poitain, marcham para o norte, com suas flâmulas hasteadas – a dos leopardos vermelhos poitainianos e a do leão dourado sobre fundo negro, de Conan da Ciméria – e cintilando incontáveis reflexos de aço. Nos últimos meses, o conselheiro Publius, o menestrel Rinaldo, o conde e ex-mercenário Amalric – marido da bela Lissa de Gazal –, Gromel e o general Pallantides se uniram ao exército. Alguns bossonianos, liderados pelo gigantesco Gromel, também haviam erguido armas em revolta a Namedides. Outros bossonianos ali presentes, com outro líder, pediram a Conan que reconhecesse Brant, filho de Drago, como o governador de Thandara, a quem os thandarianos – os quais, em sua terra, também renunciaram à sua lealdade a Namedides – haviam eleito, tendo o cimério atendido imediatamente ao pedido. Ao mesmo tempo, o Barão Thasperas de Kormon, em Schohira, se pronunciou a favor de Conan e marchou para o sul, se juntando ao exército rebelde. Mas não pediu tropas do oeste, pois tanto ele quanto Conan sabem que a Fronteira Ocidental precisa de todos os homens que tem, para a guarnição fronteiriça.

Enquanto isso, gunderlandeses de cabelos dourados, olhos cinzas e lanças prontas, liderados por Aison e Nestor, fizeram – como o próprio Nestor contou a Conan, ao se reencontrarem – uma curva para oeste, adentraram a Fronteira Bossoniana, reunindo recrutas em seu caminho, até chegarem a Poitain, onde aderiram aos bossonianos e poitainianos, sob a liderança do cimério.

Batedores enviados por Namedides nunca mais retornaram. Inflamadas em saber que o herói bárbaro de Conajohara havia voltado, após quase seis anos ausente, todas as províncias rurais estão se insurgindo contra a velha dinastia. Suas táticas são típicas de camponeses: sorrateiras, selvagens, mortais...

Enquanto os legalistas acampam na planície, o exército rebelde acampa nos Montes Poitainianos.

* * *

No vale, tal qual um rio de aço derretido, os cavaleiros de Namedides se dirigem ao desfiladeiro com flâmulas e o estandarte da serpente dourada tremulando sob o vento, naquele vale entre dois montes na parte norte da cordilheira azul que separa Poitain do restante da Aquilônia.

Os exércitos param antes de adentrarem o vale, pois sabem que, além da privilegiada posição elevada, a facção de Conan se encontra dividida nos dois montes à sua frente, e seria suicídio passar por entre dois exércitos com milhares de poitainianos, bossonianos e gunderlandeses cada um. À direita dos legalistas de Namedides – sob a chefia do infame Príncipe Deucalion –, se encontra numa colina a parte do exército liderada por Conan da Ciméria e sua companheira aquiloniana, a ex-pirata Valéria da Irmandade Vermelha – agora uma mercenária aliada ao cimério, e amante deste nas raras noites calmas dos últimos meses. Na colina à esquerda, a outra metade do exército libertador se encontra liderada pelo general Pallantides e seu subordinado bossoniano Gromel.

A fim de evitarem a mortífera chuva de flechas e lanças que receberiam, caso passassem pelo vale, os aquilonianos de Namedides resolvem se dividir em duas metades e cada uma subir uma colina para atacarem o exército do Libertador. Ao se aproximar, contudo, a facção do rei é atingida por setas bossonianas, atiradas por arcos de qualidade bem superior aos deles, e tem suas fileiras frontais arrasadas.

Em seguida, os dois exércitos divididos se chocam, cada qual em sua colina. Os corcéis dos legalistas avançam pelas colinas acima, somente para serem repelidos e obrigados a recuar novamente – muitos deles com cavaleiros mortos em suas selas (abatidos por espadas poitainianas, flechas bossonianas e lanças gunderlandesas). A abalada linha de frente de Namedides começa a recuar cada vez mais. Enquanto isso, Gromel mata seus inimigos à sua maneira mais peculiar: de cabeça baixa como um touro ao ataque, e estripando-os com sua espada.

Cadáveres em armaduras se acumulam na parte inferior dos dois montes, e há muitos legalistas entre eles. Os guerreiros leais a Namedides lutam com toda a galantaria que suas tradições de coragem absoluta exigem. Mas não conseguem romper a formação cerrada dos inimigos... dentre os quais Pallantides – general imediatamente abaixo do também general Conan – mais parece um furacão aquiloniano. Brandindo freneticamente seu machado tingido de rubro, ele despedaça metais, carnes e ossos humanos. Ao mesmo tempo, o Conde Amalric corta os inimigos como trigo – capacetes, escudos e armaduras são impiedosamente despedaçados sob os golpes furiosos, os quais decepam cabeças e jugulares em jatos escarlates que o tingem de rubro, da cabeça loira aos pés.

Enquanto isso, outros guerreiros rebeldes também estão triunfando em seus respectivos combates: Servius Galannus – que abandonara sua propriedade, nas cercanias de Tarantia, para ajudar Conan –; o velho general Nestor que, com a típica ferocidade semi-bárbara dos gunderlandeses, mata diversos legalistas, um a um, com sua lança implacável; o Conde Thespius, o Lorde Thasperas de Kormon, o general Prospero, o Conde Trocero e a bela mercenária Valéria. Esta última, com os cabelos cobertos por um capacete, trajando uma longa cota-de-malha sobre o belo corpo voluptuoso e brandindo uma espada aquiloniana ao invés de um sabre pirata, faz o próprio furacão aquiloniano chamado Pallantides parecer uma brisa de primavera.



Ela luta sorrindo e com os olhos azuis flamejando. Mais forte e veloz que um homem comum, e muito mais impiedosa, a loira faz sua larga espada azulada parecer viva em suas mãos. Enquanto seu parceiro cimério desbarata os adversários com a força bruta e o vigor de seus golpes, quebrando lanças, rachando crânios e abrindo peitos, Valéria recorre à sua incrível finura no manejo da espada, que desconcerta e confunde o oponente antes mesmo de matá-lo. Mais de uma vez, um guerreiro que erguera a arma fica degolado pela lâmina dela, que lhe corta a jugular ou trespassa o coração sem ele perceber.

O líder rebelde Conan, um dos mais altos dentre todos os presentes, vibra a espada para todos os lados. Nem mesmo três aquilonianos juntos são páreos para o cimério que, apesar do tamanho, é mais rápido que qualquer um deles. O bárbaro de quase 40 anos movimenta-se na luta com a destruidora segurança de um lobo cinza, deixando cadáveres em seu rastro.

O conde legalista Aurelius enfia a espada três vezes no corpo de um jovem rebelde. Este, moribundo, puxa uma adaga, mas sua força diminui tão rápido que seu braço cai. Então, uma mão poderosa agarra-lhe o pulso e dirige a faca ao próprio peito do assassino do jovem, de modo que a lâmina afiada afunda no coração de Aurelius. O conde cai morto, e seu último olhar mostra a ele um homem alto, musculoso e bronzeado, de olhos azuis, avultando acima dele, o manto escarlate ondulando ao vento. Aquele mesmo homem retorna ao seu cavalo e ao combate.

Então, todos avistam, com suas armaduras brilhando ao sol como uma enorme onda de aço fundido, milhares de guerreiros em armaduras negras, vindos do norte. São homens nascidos na Aquilônia e em muitos outros países, mas sob a liderança de um aquiloniano, de nome Filonius – os Dragões Negros! A facção de Namedides se rejubila ao vê-los; mas quando avistam o estandarte do leão dourado, ao invés do da serpente dourada, os inimigos de Conan ficam em pânico. De repente, com um estrondo que lembra o rugido crescente de um tornado, os cavaleiros leais ao Libertador descem as montanhas. A violência da investida é devastadora.

Mas, mesmo assim, o líder dos legalistas dá ordens para seus homens avançarem, enquanto esporeia impetuosamente seu cavalo para a frente. Contudo, sua investida é interceptada pela espada de Conan que, cavalgando a toda velocidade em direção ao conde, lhe decepa a cabeça raspada num jato de sangue. Ao verem Deucalion morto, os poucos legalistas que conseguem sobreviver – apenas uma dúzia – fogem apavorados para Tarantia. O Conde Ascalante de Thune – que se manteve o tempo todo na retaguarda, sem ser visto por Conan e seus exércitos –, por sua vez, prefere fugir para o leste, a fim de manter sua cabeça sobre os ombros.

* * *

Naquela noite, o exército acampa numa floresta a meio caminho entre Poitain e Tarantia. Bossonianos haviam abatido javalis, patos e cervos para o jantar. As cabeças de Deucalion e Aurelius são fincadas em pontas de lanças, tendas são armadas, fogueiras são acesas; vinho, carne e frutas são consumidos pelos revolucionários, enquanto o alaúde de Rinaldo acompanha as canções do Exército da Libertação.

O bardo também havia fugido da tirania de Namedides e, naquele momento, o menestrel entretém a todos, com músicas louvando Conan e vilipendiando o rei da Aquilônia. Sopa de carne e verduras também é servida naquele acampamento. Após comer por três, Conan vai para sua tenda com Valéria.

* * *

No dia seguinte, um último grupo de batedores legalistas passa por ali perto, e é impiedosamente flechado por Conan e seus seguidores bossonianos. Os sobreviventes são mortos num breve combate de espadas e machados, entre aquilonianos da Gunderlândia, Poitain e Bossônia contra os legalistas das províncias centrais.

- A partir de agora, temos que tomar cuidado ainda mais redobrado! – sibila Conan a todos ali presentes. – Aquele cão loiro do Numedides deve estar entocado em Tarantia, e tentando ver se reduz nosso número antes de chegarmos lá.



Dias depois, a caminho de Tarantia, o Exército da Libertação é atacado, numa floresta próxima à capital, por outro grupo de soldados palacianos, enviados por Namedides. Num só golpe de sua larga espada azulada, o General Conan abre os ventres de dois legalistas e trespassa o coração de um terceiro. Valéria, por sua vez, esquiva-se do giro de espada de um quarto, e lhe decepa o braço e cabeça em dois arcos sangrentos. Ao mesmo tempo, Nestor e seu filho Aison estocam outros dois partidários do rei, com suas respectivas lanças. De espada na mão, outro legalista corre na direção de um jovem rebelde, cuja espada ficou presa no peito de um rival; mas o rapaz puxa um punhal, e o arremessa mortalmente no pescoço do partidário de Namedides que investia contra ele. Logo, uma chuva de flechas, lançadas pelos bossonianos com suas miras impecáveis, põe fim aos inimigos restantes. O único som que resta é o barulho, cada vez mais distante, dos pés do último soldado palaciano daquela emboscada, correndo para norte.

- Aquele suíno está desesperado – sorri Conan, limpando o sangue da espada com seu manto escarlate. – Tudo o que ele pode nos oferecer agora é uma resistência final.


7)

Na tarde do dia seguinte, como espuma soprada por uma tempestade, um regimento de cavalaria vindo do sul corre a toda velocidade em direção ao Rio Khorotas. Avançam até ficarem à vista – cavaleiros em armadura, com a grande bandeira do leão dourado flutuando acima deles. Do alto das muralhas de Tarantia, vestindo uma cota-de-malha sob suas ricas vestes reais, o rei Namedides consegue identificar, na vanguarda daquele exército, Trocero, Prospero e Pallantides, dentre outros. Mas, destacando-se entre todos eles, e com uma voluptuosa guerreira blindada ao lado, sobressai-se uma gigantesca figura vestida em armadura negra, montada num grande garanhão preto e galopando debaixo das dobras tremulantes de sua grande bandeira, bem como à sombra das cabeças empaladas de Deucalion e Aurelius.

- Conan... – sussurra Namedides, entre dentes, mal contendo seu ódio.

Trata-se, como já haviam dito ao jovem rei da Aquilônia, de um exército heterogêneo, composto por poitainianos, gunderlandeses, bossonianos e até aquilonianos das províncias centrais ao redor de Tarantia, e de cidades entre a capital e Poitain.

Um dos legalistas corre até o Rio Khorotas, para cortar a corda que une os barcos dali à margem; mas uma flecha certeira de Conan em sua testa (e outras, atiradas pelos bossonianos) o deixa emplumado, fazendo-o cair como um porco-espinho sobre o banco de areia do rio, do lado de Tarantia. Então, lanças gunderlandesas e flechas bossonianas atingem mortalmente os legalistas, ali postados em barcos que atravessam o rio de uma margem a outra. Os poucos que não morrem perfurados caem feridos dentro do Khorotas, e morrem afogados. Os legalistas e bossonianos começam a disparar de ambos os lados do rio, e as flechas voam como granizo, obscurecendo o sol. Os bossonianos, treinados por mil anos de um impiedoso estado de guerra contra os selvagens pictos, avançam impassíveis, fechando suas fileiras à medida que seus camaradas tombam. Seus arcos têm maior alcance que os dos legalistas, e suas armaduras são mais protetoras que as dos partidários de Namedides. Quando chegam ao alcance, soltam suas flechas e os arqueiros do rei caem em fileiras inteiras. Os arqueiros legalistas se dispersam, jogando fora seus arcos, e a fuga desordena as fileiras atrás deles. Namedides, apesar de ser um homem tão valente quanto qualquer guerreiro, estremece de medo e ódio. Isto nunca aconteceu antes, nem mesmo quando Trocero havia cercado a capital da Aquilônia há 13 anos. Desta vez, porém, os poitainianos não estão sozinhos.

Outros gunderlandeses vieram subitamente do norte, seguindo pela velha Estrada dos Reis, atravessando a Passagem dos Falcões e as Montanhas Goralianas, encontrando o exército de Conan durante aquela batalha e surpreendendo a facção de Namedides, ao aumentarem o número de rebeldes. A noite cai sobre Tarantia, mas a batalha continua, enquanto os legalistas finalmente fogem para dentro da cidade.

- Assumam suas posições e defendam-se contra esses baderneiros – grita Namedides, nas ameias da cidade, disparando flechas de arcos e balestras contra o Exército da Libertação. – Vamos mandá-los para o Inferno! E, quem me trouxer a cabeça daquele bárbaro, ganhará 10 mil lunas.

Então, das ameias da cidade, catapultas lançam pedras incendiárias, iluminando a noite, e flechas são atiradas do alto das muralhas de Tarantia. Uma delas atinge em cheio o veterano Filonius, à frente de seus Dragões Negros; mas, apesar das baixas causadas, elas não detêm o Exército da Libertação liderado por Conan – exército este que responde da mesma forma à tentativa de resistência por parte dos legalistas, também lançando pedras incendiárias e flechas aos soldados que defendem a capital da Aquilônia. Enquanto isso, Pallantides assume o lugar do falecido aliado na liderança dos Dragões Negros. Naquele momento, Gromel, comandante dos bossonianos e também da Legião Negra, fica ressentido por Conan ter permitido que Pallantides, e não ele, se tornasse líder dos Dragões no lugar de Filonius. Mas o calor da batalha o faz esquecer isso temporariamente.

Conan, Valéria e todos os que estavam montados descem de seus cavalos e se unem à infantaria. Sob a proteção de manteletes e com o uso de aríetes e catapultas, os partidários de Conan começam a arrombar os portões – mas não sem a ajuda da população da cidade, cujos moradores haviam matado os soldados que iam derramar piche sobre o Exército da Libertação – e, com sua formação em cunha, à cuja frente se encontram Conan e Valéria, eles se mostram inexpugnáveis.

Quando o exército do Libertador tenta arrombar os portões de Tarantia, mercadores, vendedoras, costureiras, lavadeiras, artesãos, e até prostitutas e mendigos, incitados pelo general bárbaro que adentrava a cidade, aderem à causa de Conan, ajudando-o a matar as sentinelas restantes do portão e descendo a ponte levadiça aos guerreiros rebeldes, além de os ajudarem a atacar as propriedades dos partidários de Namedides, matando os aliados do tirano loiro, com armas improvisadas ou tiradas de legalistas mortos, e prendendo os que se rendem à horda heterogênea de libertadores.

Com a cabeça e rosto protegidos por um gorro de aço e uma borguinhota, Valéria ataca o Palácio Real ao lado do General Conan – este, tão encouraçado quanto sua companheira aquiloniana, exceto pela cabeça desprotegida, devido à falta de tempo em arranjar um novo capacete em meio àquela batalha.

Com giros e estocadas precisos e fatais, Conan e Valéria distribuem morte e destruição aos legalistas que lhes opõem resistência. Os lanceiros da Gunderlândia, os quais desceram do norte do país a pedido de Conan, para ajudarem no ataque à cidade, continuam mantendo sua formação tão cerrada quanto a do restante do exército rebelde.

Valéria sorri, orgulhosa de saber que está ajudando a derrubar o tirano que governa sua própria terra natal. Com golpes de espada e escudo, e até chutes, a guerreira loira mata, um por um, os legalistas aquilonianos que ousam atacá-la. Quase tão ágil quanto o cimério ao seu lado, a loira consegue se esquivar – como havia feito a caminho de Tarantia – até mesmo das flechas disparadas pelos partidários de Namedides. As demais setas, ela detém com seu escudo; sem contar que sua longa armadura de cota-de-malha aquiloniana deixa a jovem praticamente invulnerável.

Em seguida, a ex-pirata, com um véu vermelho de fúria nos olhos, decepa pescoços, despedaça peitos, rasga entranhas e arranca membros, deixando atrás de si um rastro de sangue quase tão grande quanto o que fora feito por Conan e muitos dos rebeldes. Em seguida, Conan parte dois legalistas ao meio, na altura da cintura, e decepa a cabeça de um terceiro.

A população humilde de Tarantia é guiada por Valéria, a qual abre jugulares e decepa cabeças a cada giro sangrento de sua espada. Conan segue liderando o Exército da Libertação. Com suas armas improvisadas, o povo da cidade perfura intestinos, abre crânios e decepa membros dos soldados da nobreza que tentam matá-los.

- Abaixe-se, Trocero! – grita Conan ao Conde de Poitain. Este obedece ao cimério, o qual arremessa um punhal certeiro na testa do legalista que tentara decapitar o conde por trás.

Enquanto isso, as flechas bossonianas não param de chover sobre a facção legalista.

Com o apoio dos Dragões Negros, os partidários de Conan são tão numerosos que nem mesmo flechas cuspidas por balestras, nem o piche derramado dos portões do Palácio Real, consegue detê-los. Girando sua espada, Amalric decepa o pescoço de um legalista, enquanto Prospero abre os intestinos de outro e os bossonianos ali presentes agora dão cabo de qualquer arqueiro ou besteiro que lance, ou tente lançar, suas flechas no exército de Conan. Habilmente, o general Nestor empala, um a um, os legalistas que aparecem à sua frente – enquanto Pallantides abre o tórax de um e decepa o pescoço de outro em seu avanço para dentro do Palácio Real, acompanhado por Amalric e Nestor, e acompanhando Valéria e Conan.

As investidas deste último são tão ágeis e devastadoras quanto as de um furacão, deixando um rastro de cadáveres atrás de si. Um grunhido sedento de sangue sobe pelo pescoço taurino de Conan, quando ele salta. Sua espada sibilante desvia a do primeiro legalista que desce a escadaria, fazendo-o tombar com miolos jorrando de seu crânio rachado. Girando como um gato, o líder cimério vê um punho encouraçado descer com uma lâmina e faz a mão que segurava a espada voar, espalhando uma chuva de gotas vermelhas. O bárbaro não pára nem hesita. Uma torção felina e um salto evitam o ataque esmagador de dois espadachins reais, e a lâmina de um deles, errando seu alvo, é enfiada no peito do outro.

Gargalhando, Conan se desvia de um golpe sibilante e ataca por baixo da guarda de outro partidário de Namedides. Um longo jato escarlate cobre a lâmina cantante e o homem se dobra, gritando, com a cota-de-malha e os músculos do abdômen rasgados.

Apesar de bem-treinados para a batalha, os legalistas aquilonianos são lentos e desajeitados em relação ao felino bárbaro, cujos velocíssimos movimentos só são possíveis graças a músculos de aço combinados com um cérebro perfeitamente condicionado para a luta. Conan nunca fica imóvel. O líder rebelde das colinas cimérias muda de lugar a todo instante, com saltos, esquivas, giros e acrobacias, oferecendo um alvo em constante movimento para as espadas inimigas, enquanto sua lâmina entoa uma canção de morte para aqueles ouvidos.

Com um corte na pele de seu queixo, Valéria abre um espaço com uma devastadora varredura de sua espada gotejante e, com um salto felino, ela se dirige à escadaria que Conan acaba de subir, com a horda remanescente atacando atrás dela. Três homens a confrontam ao pé da escada de mármore, e são abatidos com um som ensurdecedor de aço contra aço. O grupo a seguir a ex-pirata tropeça nos três soldados recém-mortos por ela – um caído de bruços numa poça de sangue; outro, apoiado sobre as mãos, o sangue lhe escorrendo das veias cortadas de sua garganta, e o terceiro, uivando como um cão moribundo enquanto se agarra ao toco sangrento onde outrora havia um braço. Este último é facilmente morto pelo General Pallantides, o qual abre, em seguida, as gargantas de dois; trespassa um terceiro, num golpe que lhe perfura cota-de-malha, costelas, pulmão e coração, e abre um quarto legalista, da espinha até a virilha, rompendo-lhe o externo e fazendo-o rolar pelo piso ensangüentado, numa mistura de sangue com entranhas expelidas.

Agora o caminho para a sala do trono está praticamente livre.

Durante o percurso, eles cruzam câmaras voluptuosas, das quais pendem cortinas douradas a descerem ondulantes sobre as paredes; longos corredores sinuosos, em cujos nichos aparecem estátuas de alabastro e grandes urnas de jade, cheias de flores. O ar cheira a incenso, vindo dos turíbulos pendentes de prata. Agora, eles finalmente alcançam a sala do trono, onde o rei, cercado de guardas e de espada na mão, espera para enfrentar os rebeldes.

O salão é grande e bem decorado, com ricas tapeçarias enfeitando paredes forradas de painéis encerados, tapetes espessos no chão cor de marfim e o teto alto cheio de entalhes intrincados e arabescos de prata.

Valéria acerta o primeiro legalista ao seu alcance com um giro sangrento nas tripas, seguido de um golpe descendente que lhe rompe a clavícula. O guarda seguinte a investir contra ela tem mão e cabeça decepadas pela ex-pirata, em questão de segundos.

Enquanto o cimério racha o capacete e cabeça de mais um legalista, Valéria cruza espadas com mais outro, até lhe abrir a guarda, matando-o em seguida com uma estocada em seu diafragma. Mais dois morrem – um com clavícula, costelas e coração partidos por Conan, e outro com uma estocada precisa na jugular, dada pela loira em cota-de-malha. Agora, o único obstáculo para o trono da Aquilônia é o jovem rei loiro a sorrir zombeteiramente do cimério, e agora se erguendo com ar de confiança.

Namedides é o primeiro a investir, brandindo sua espada contra Conan. Este se esquiva e brande a espada em direção à cabeça do rei, o qual não consegue evitar totalmente a lâmina do cimério, resultando em um talho no couro cabeludo, pouco acima da coroa. Ao investir novamente contra Namedides, este faz o mesmo, de modo que as lâminas, por um instante, colidem e travam uma na outra. O rei da Aquilônia aproveita aquele breve momento, bem como a proximidade entre ele e Conan, para acertar uma violenta e inesperada joelhada na barriga do cimério.

- Nasci para o trono e morrerei nele! – diz Namedides, erguendo a própria espada, enquanto o bárbaro cai. Antes que o monarca possa golpear o cimério caído, este acerta um chute nos testículos do rei, fazendo-o grunhir como um suíno. No momento seguinte, Conan desarma Namedides com um golpe de sua espada contra a dele, atingindo-a com força tão espantosa que a lâmina do rei voa longe. Então, largando a própria arma, o cimério agarra, com ambas as mãos, o pescoço do rei e o empurra até o trono, onde o bárbaro estrangula Namedides, quebrando-lhe o pescoço num estalo seco.

- Seu pedido é uma ordem, “Majestade” – responde ironicamente o cimério ao homem que agora jaz sobre o próprio trono, com os olhos arregalados, a língua pendurada para fora da boca e seu corpo sem vida deslizando lentamente aos pés de Conan.

A um comando do líder cimério, Valéria decepa a cabeça loira do rei Namedides – agora um cadáver caído no chão cor de marfim. Naquele momento, Valéria relembra a frase que o cimério lhe dissera quase quatro anos antes, nas proximidades de Xuchotl: “Nunca fui rei de um reino hiboriano. Mas já sonhei até mesmo com isso. Talvez algum dia eu também seja. Por que não?”.



Enquanto o bárbaro sobe as escadarias em direção ao teto do palácio, ele relembra as palavras que lhe foram ditas por Amalric, em Khoraja, e que ele próprio comentou, anos depois a Balthus e a Valéria. Na sacada, Conan mostra a cabeça ensangüentada de Namedides para o povo ali aglomerado e se coroa rei. Todos gritam: “Salve o Rei Conan da Aquilônia!”.

Ainda ofegando do último duelo daquela noite, o recém-coroado Rei Conan abraça a ex-pirata loira, e um novo fogo volta a brilhar nos olhos azuis de ambos.

- Seja minha rainha, Valéria – propõe o cimério, com um sorriso nos lábios.

Ela sorri:

- Prefiro voltar a ser pirata, arriscando o meu pescoço, a lhe dividir com um harém...

Conan sorri de volta:

- Tenho uma terceira alternativa, se você quiser: um palácio nas montanhas ocidentais, próximo às terras do Conde Amalric. E comigo no poder, você não precisará temer qualquer represália por ter matado seu pai e seu ex-futuro marido... sem contar que, como você mesma já sabe, Amalric é meu amigo há muitos anos.

- Feito! – ela concorda, com um sorriso nos belos lábios.

Em tempos de tirania e injustiça, quando a lei oprime o povo, o bárbaro assume seu papel na história. Assim foi, dezenas de milênios antes, na desaparecida Valúsia, e assim o é agora, na Aquilônia.

Com a morte de Namedides, a bandeira da serpente dourada é queimada e substituída pela do leão dourado num fundo preto, e os parentes distantes do falecido rei – pois Namedides não tinha filhos – têm suas vidas poupadas por ordem do novo rei daquele país.

Márcia, dos olhos grandes e pestanas longas, deixara de ser concubina do solícito e amigo Conde Trocero, para se tornar, por vontade própria e com a permissão do conde, uma das mulheres do harém do Rei Conan. Junto com Márcia, entrou para o serralho do cimério uma amiga de Márcia, a também poitainiana Julia, dos meneios lascivos ao caminhar; Adriana de Poitain, das gargalhadas inesperadas, revelando os dentes perfeitos; Tshaya, Zurama, Dihya, Dasin e Meghida, de Zamora, das cabeleiras negras, esguios corpos morenos, das bocas carnudas, vermelhas, macias, ternas e vorazes; Zandera de Zingara, dos olhos castanhos cor-de-mel a contrastarem com a pele bem morena e os cabelos cor-de-ébano; Borte, da Hirkânia, dos lindos olhos rasgados e do negro cabelo, tão comprido que lhe chegava abaixo da cintura, além das britunianas Guina, Antônia, Sulla, Cláudia e Lúcia, com seus desgrenhados cabelos loiros.
E é com essas belas mulheres que o cimério toma um banho quente e perfumado, pouco depois de se tornar rei da Aquilônia. Mais tarde, outras hirkanianas entrariam para o harém do cimério, bem como a poitainiana Vestália e as zíngaras Andara, Klésia e Zarela.


FIM



Agradecimento especial: Aos howardmaníacos e amigos Miguel Martins (1973-2014) e Patrice Louinet, de Paris; Deuce Richardson, dos EUA, e Ricardo Highlander, de Brasília – DF.




A Seguir: A Cidadela Escarlate (sinopse) – por Robert E. Howard.




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