(por Fernando Neeser
e Osvaldo Magalhães)
1) Valéria
Na taberna
Âncora Dourada, em Tortage, homens bebiam, comiam e se divertiam com mulheres,
enquanto prostitutas brigavam por causa de clientes e vice-versa. Naquele
cenário, um homem alto e musculoso se destacava entre os atarracados
argoseanos, juntamente com uma bela jovem alta, de pele leitosa, cabelos ruivos
e olhos azuis, à qual ele abraçava, ao mesmo tempo em que admirava
discretamente a beleza de outra jovem branca à sua frente – de forma discreta o
bastante para que a ruiva não percebesse, mas não tão discreto para a loira não
notar a luz, inequívoca para qualquer mulher, a qual brilhava nos olhos azuis
do chefe pirata bárbaro. Para a incomodada loira, um garanhão não teria sido
tão claro quanto aquele homem, em demonstrar seu desejo por ela.
Esta também
era alta, mas de busto volumoso e membros grandes, com ombros sólidos que
indicavam uma força incomum, sem tirar nada de sua feminilidade. Apesar da roupa
e dos modos, ela era completamente mulher. Seu vestuário consistia num folgado
calção de seda, que ia até uma mão acima dos joelhos e era preso por uma larga
faixa na cintura. As brilhantes botas altas, de couro macio, lhe chegavam quase
aos joelhos. Uma camisa de seda, de gola baixa e larga, e mangas largas –
típica dos piratas locais –, lançada à toa sobre o busto da mulher, completava
seus trajes. Num dos quadris bem-torneados pendia uma espada reta, de dois
gumes, e no outro, um longo punhal. Seus rebeldes e cacheados cabelos dourados
chegavam-lhe à altura dos ombros, e estavam presos por uma faixa também dourada.
Usava também grandes brincos dourados nas orelhas.
O nome da
loira era Valéria, e não era apenas o seu olhar carrancudo que afastava
eventuais pretendentes, mas sim a temível espada que a bela mulher não hesitava
em sacar. Filha de um pequeno nobre das colinas ocidentais da Aquilônia,
Valéria era bem-tratada pelo pai, o qual a permitia treinar tanto esgrima
quanto equitação. Mas, quando seu genitor havia tentado forçá-la a casar-se com
um homem a quem ela não amava – e cuja união só traria lucro ao pai dela –,
Valéria matara tanto o noivo quanto o pai no dia do casamento, fugindo logo
depois para as Ilhas Barachas.
A partir
daquele dia, a ex-pequena nobre jurara viver “uma vida de homem”. A fama
daquela guerreira quase sempre bastava para manter os marmanjos do mar
afastados, como era o caso de um bando pirata de outra ilha, inimigos de seu
capitão, que a observavam de um canto, sequiosos pelo seu belo corpo e por suas
argolas douradas nas orelhas, que eram jóias bastante valiosas para estarem com
uma mulher sozinha.
Além dos
olhares dos piratas inimigos, Valéria já estava bastante irritada com os olhares
cobiçosos que o líder bárbaro, de nome Conan, lhe lançava insistentemente,
quando um pirata baracho da tripulação de Conan lhe abordou no balcão.
O bafo de alho
do biltre lhe atacou as narinas quando o homem se dirigiu a ela, elogiando suas
belas pernas e o volume de seus seios. Valéria ignorou o homem e levou sua
caneca de cerveja aos lábios, mas seu trago foi interrompido quando o pirata
derrubou sua caneca com um tapa insolente.
Valéria sentiu
o arder do fogo em seu sangue e a lâmina de sua espada reluziu à luz das tochas
da taberna, assobiando uma canção sangrenta no peito do infeliz baracho que a
importunara.
Aquilo foi o
suficiente para instaurar o caos na taberna, e subitamente Valéria se viu
cercada pelos piratas seus inimigos. Mas a loira não hesitou, pois sabia que
aquele grupo, ainda que volumoso, não seria páreo para a agilidade e vigor
felino de sua estrutura voluptuosa, maleável e endurecida por batalhas.
Enquanto a
maioria dos piratas, que nada tinha a ver com a contenda, saía discretamente do
estabelecimento, Conan, o cimério, afastou sua companheira ruiva para um lado e
se dirigiu ao centro da briga, onde a guerreira loira girava sua espada em
arcos longos que deixavam um borrão vermelho à sua passagem.
Agarrando um
dos piratas pelo pescoço e uma das pernas, Conan ergueu o homem sobre os ombros
e o lançou com violência contra o grupo ululante que atacava Valéria, abrindo
uma brecha para que a guerreira ganhasse espaço, ficando de costas para uma das
paredes.
Outros dois
barachos – que eram amigos do falecido Strom e não admitiam aquele cimério como
novo comandante do Mão Vermelha, além
de desejarem a bela ruiva ao lado do líder bárbaro (e que, sem sombra de
dúvida, ignoravam a força e agilidade do pirata que substituíra Strom há um
ano) – tiveram que enfrentar, por sua vez, aquele homem agigantado e musculoso,
de perigosos olhos azuis e juba negra, o qual protegia a jovem vanir, que eles
também cobiçavam.
Nascido e criado nas colinas sombrias da Ciméria, capaz de matar um
novilho com um soco e de quebrar o pescoço de um touro selvagem – como ele
havia feito aos 14 anos –, Conan defendeu a honra de Thonyra, quebrando, com um
único murro, o braço do primeiro argoseano que a assediava.
No momento seguinte, outro baracho investiu contra o cimério, ao mesmo
tempo em que os outros três tentaram atacar Valéria, imaginando-a mais
vulnerável por estar desacompanhada. O antagonista de Conan esfaqueou o bárbaro
no ombro, mas também teve seu braço quebrado por uma violenta torção do
cimério. Este lhe puxou a adaga e esfaqueou a barriga, peito, costas e pescoço
do baracho, fazendo-o cair moribundo ao chão da taverna, tossindo e vomitando
sangue até seu último suspiro, no qual o pirata jazeu contorcido e imóvel sobre
uma poça escarlate.
Valéria, por sua vez, matou o primeiro a alcançá-la; antes mesmo que o
pirata conseguisse dar o primeiro golpe, ela lhe rachou o crânio com a longa
espada, assim que o homem ergueu a dele. Ela tinha uma luz especial nos olhos
azuis, e um sorriso impiedoso nos lábios. Para os ouvidos daquela jovem loira,
o assobio do aço era como um canto nupcial.
Em seguida, sua espada dobrou a lâmina do segundo homem que a atacou, o
qual procurava lhe deter a estocada, e penetrou de ponta na cota-de-malha
deste. O argoseano, com o sangue escorrendo do peito vazado e boca aberta, caiu
moribundo de joelhos. O terceiro, no entanto, era bastante alto para um
argoseano, e partiu ao ataque em feroz silêncio, martelando com golpes tão
furiosos que Valéria não teve tempo de revidar. Ela, então, recuou friamente. A
testa do homem foi ficando molhada de suor, e seus olhos pareciam dois tições
ardentes. Ele podia dar os golpes que bem entendesse, mas não conseguia superar
a guarda da loira, nem atingi-la. O braço do homem começou a ficar cansado,
seus ataques foram ficando ineficazes e suas forças começaram a lhe faltar.
Um instante de hesitação, e a lâmina de Valéria lhe atravessou o
coração. Com um gorgolejo em seus estertores, numa breve agonia, o homem
desabou para a frente.
Temporariamente desarmada – pois sua espada ficara presa no osso
esterno do homem –, Valéria se esquivou da lâmina brandida contra ela por um último homem e, agarrando o agressor pelo braço, acertou-lhe uma joelhada nos
testículos e arrebentou o crânio do argoseano numa das vigas da taberna. No
instante seguinte, a loira já estava novamente armada.
- Mais algum bastardo está disposto a me desafiar? – gritou a mulher de
rebeldes cachos dourados, após um breve silêncio.
Todos retornaram às suas respectivas bebidas e ocupações, enquanto a
bela e voluptuosa mulher pediu um garrafão de vinho ao taberneiro e o bebeu
diretamente do gargalo. Logo, um argoseano alto e moreno adentrou o recinto,
chamando Valéria. Era Ortho Vermelho, primeiro imediato do navio onde a loira
navegava. Ela terminou a bebida e se retirou. Enquanto isso, o cimério retornou
à sua bebida e voltou sua atenção para sua companheira.
Os longos anos
de cativeiro entre um povo civilizado haviam tornado Thonyra delicada demais
para que pudesse voltar à sua inóspita terra natal. A única solução, pensava o
cimério – que, como sempre, já estava começando a se cansar da companhia da
bela vanir –, seria dar a ela algum trabalho remunerado nas Barachas, como
babá. Embora a ruiva tivesse aprendido consideravelmente a arte da esgrima com
o cimério naqueles meses, o pouco contato de Thonyra com a civilização hiboriana
não a tornara capaz de ser grande líder pirata.
Por fim, Conan
da Ciméria resolveu torná-la empregada de seu amigo Servio, em Messantia.
Graças àquele amigo argoseano, dois amigos de Conan haviam conseguido se
esconder e fugir das autoridades messântias anos atrás; Thonyra, por sua vez,
passou rapidamente de empregada a guarda-costas de Servio – anos mais tarde, a
jovem ruiva de olhos azuis se tornaria uma mercenária (tão habilidosa na espada
quanto um guerreiro hiboriano) em outros reinos.
2) Para
Valadelad
Chovia em Tortage. O verão estava acabando. O vulto enrolado na capa,
vergado ao peso do aguaceiro, aproximou-se do Mão Vermelha. Eram seis horas. A noite se aproximava com rapidez. O
vulto se inclinou para dentro do navio, preso ao cais, e colocou as mãos em
forma de concha ao redor da boca:
- Conan! Galtus!
Um homem abriu a porta da cabine. Era o primeiro-imediato Galtus.
- Quem é? – perguntou Galtus.
- Sou eu; Cipius.
Cipius saltou para o convés e entrou rapidamente na cabine.
- Onde está Conan?
- Na taverna Âncora Dourada. Quais as novidades?
- Uma informação muito importante – respondeu o segundo-imediato
Cipius. – Acabei de saber onde estão presos alguns ex-corsários negros que
Conan liderava. Estão na cidade zíngara de Valadelad!
Os olhos de Galtus se acenderam como vagalumes. Era um homem tão alto e
musculoso quanto o atual comandante do Mão
Vermelha, com uma barba negra e selvagem. Tinha uma cicatriz na testa e
usava um grande brinco dourado na orelha esquerda.
- Conan precisa saber. Vamos!
O primeiro-imediato saltou para o cais e, juntamente com Cipius,
atravessou as ruas enlameadas pela chuva. Percorreram becos e ruelas, e
entraram naquele antro esfumaçado, o qual transbordava de risadas, deboches e
gritos. A freguesia se amontoava nas mesas: eram piratas, soldados e
prostitutas. Flutuava cheiro de comida assada, temperos, vinho, suor e cerveja.
Conan estava sentado a uma mesa, cercado de mulheres e marinheiros. Era um
homem cuja risada era tempestuosa e imediata, que bradava canções vulgares em
várias línguas, tomava cerveja como um beberrão e, aparentemente, não pensava
no amanhã. Doze meses navegando e saqueando com os barachos o haviam tornado um
dos piratas mais ricos das Ilhas Barachas. Apesar de tudo, ele não era menos bárbaro
por causa disso. Sua preocupação era apenas com os fundamentos desnudos da
vida. As intimidades aconchegantes de pequenas coisas; os sentimentos e
deliciosas trivialidades, que compõem uma parte tão grande da vida dos homens
civilizados, não tinham sentido para ele. Um lobo não era menos lobo, porque um
capricho circunstancial o fizera correr entre um grupo de cães de caça.
Derramamento de sangue, violência e selvageria eram os elementos naturais da
vida que Conan conhecia; ele não podia, e jamais entenderia, as coisas pequenas
que são caras aos homens e mulheres civilizados.
Aquele bárbaro de olhos azuis só queria viver intensamente enquanto
pudesse. Queria experimentar os ricos sucos da carne vermelha e o vinho picante
no seu paladar, o aperto quente de braços femininos e a loucura do triunfo da
batalha, quando as lâminas azuladas queimavam e eram tingidas de vermelho. Isso
era o suficiente para alegrá-lo. Ele vivia, estava pleno de vida, amava e
matava; e era feliz assim. Galtus lhe tocou o enorme ombro musculoso e sussurrou:
- Venha conosco, capitão!
Os três se dirigiram para o fundo da taverna. Havia uma sala isolada,
longe dos ruídos e da fumaça. Apenas uma mesa. Sentaram-se ao redor dela. O
taverneiro se aproximou, limpando as mãos no avental.
- Vinho – comandou Galtus. E, quando o homem começou a se afastar, o
primeiro-imediato do Mão Vermelha
contou ao cimério tudo o que Cipius lhe havia dito. Conan abriu um sorriso
sinistro e contagiante.
Os três lobos-do-mar ainda sorriam, quando o taverneiro retornou,
trazendo copos e um garrafão de vinho. Ele tirou a rolha e encheu os copos.
Cada um pegou o seu. O líder cimério ergueu seu copo para os dois homens.
- Vamos brindar!
- Ao resgate! – disse Cipius.
- Ao saque! – disse Galtus.
- À vingança! – disse Conan, com um brilho de alegria sinistra nos
ardentes olhos azuis.
Os três copos se chocaram no ar.
Pouco depois, o Mão Vermelha
estava pronto para partir. Os únicos
não-argoseanos naquele navio eram um zíngaro, um ex-escravo kushita, um
gunderlandês e, é claro, o líder cimério. As velas foram desdobradas e os remos
puxados, para que o navio zarpasse.
* * *
Caiu a noite no litoral de Zingara. A
essa hora, havia muito poucas luzes nas casas da cidade zíngara de Valadelad,
situada na margem do Mar Ocidental. Densas nuvens ocultavam a lua e cruzavam o
céu, como fantasmas. Tudo estava às escuras; era uma noite propícia para a
conspiração e para o assassinato.
Furtivamente, um navio não-zíngaro, com acabamento em
latão e cuja bandeira tinha o desenho de uma caveira vermelha, desembarcou num
ponto desabitado e desguarnecido da praia daquela cidade, e vários piratas
atarracados, liderados por um homem alto – quase um gigante em tamanho, como o
primeiro-imediato –, desceram daquela sinistra nau, com sabres de abordagem nas
mãos, e pensamentos de saque e matança em suas mentes sanguinárias.
As ondas batiam preguiçosamente nas laterais dos
botes que levaram os barachos até a praia. Lá, eles desceram dos botes e Conan
seguiu à frente de seus piratas, espada na mão e punhal na outra, movendo-se
com a desenvoltura e o silêncio de um felino.
Segundo as informações obtidas por Cipius, os corsários
negros estavam trancafiados na casa de Karolio, um degenerado capitão da guarda
de Valadelad, que pretendia vender os corsários como escravos para alguma galé
zíngara.
Não foi difícil encontrar a casa de Karolio. Algumas
moedas para um dos mendigos que infestavam as imediações do porto foram
suficientes para obter a informação.
Ao se aproximarem da portentosa construção, que, evidentemente,
não era compatível com o salário de um capitão da guarda, os barachos evitaram
a entrada principal e se dirigiram furtivamente para os fundos do imóvel. Das
sombras, avistaram duas sentinelas guardando a entrada dos fundos.
Conan se esgueirou por alguns arbustos,
aproximando-se das sentinelas, enquanto seus piratas aguardavam na escuridão às
suas costas.
Com uma leve torção das mãos calejadas, Conan matou a primeira
sentinela, quebrando-lhe facilmente o pescoço; o segundo guarda, antes que percebesse
o que estava acontecendo, caiu com uma faca no coração, arremessada pelo
bárbaro.
Em silêncio, o bando pirata adentrou a casa, atravessando cautelosos
alguns corredores, como fantasmas em busca de vítimas para assustar.
De repente, Conan e seus barachos foram surpreendidos por um punhal que
voou até o ventre de um dos argoseanos ali presentes. Sem aviso, os piratas investiram
impiedosamente contra aqueles guardas armados que ali apareceram.
Num só giro de sua espada, o líder cimério abriu a barriga de um
antagonista e o peito de outro, enquanto Cipius trespassava o estômago de
outro, e Galtus decepava a cabeça de mais outro, transformando o local num
matadouro, enquanto o bárbaro investia contra o líder deles.
Lançaram-se como feras um contra o outro. Com os rostos contorcidos de
ódio e reluzentes de suor, os dentes à mostra e a respiração ofegante, quase
transformada num estertor de fera moribunda, os dois antagonistas cruzavam
lâminas, avançavam e recuavam, brandindo as espadas. Conan tinha na testa um
ferimento de onde o suor e o sangue brotavam, escorrendo-lhe pelo rosto e
entrando-lhe pelos olhos e pela boca.
Súbito, o Capitão Karolio, com a pele morena agora empalidecida,
apertou o peito com a mão esquerda. Seu coração fora mortalmente estocado por
um golpe da espada do líder baracho, e o zíngaro caía de joelhos, com o sangue
a lhe escorrer pelos dedos e a lhe escapar em golfadas pela boca, à medida que
se estrebuchava no chão.
Após a morte de Karolio, Conan e seus barachos adentraram um cômodo da casa
do capitão zíngaro e, no andar subterrâneo, o cimério encontrou a quem
procurava, preso em celas com seus companheiros. Com as chaves do falecido
Karolio em mãos, o líder bárbaro começou a soltar os prisioneiros, cujas peles
de ébano reluziam à parca luz local.
O cimério sorriu ao reconhecer o líder dos corsários aos quais
libertava. Com os quase dois metros que Conan media, N’Onga das ilhas do sul
era magro, porém forte. Sua constituição delgada era tão musculosa, que ele
pesava pouco mais de 90 kg. Seu peso parecia incrível, quando se olhava para
sua constituição magricela, mas ele era puro músculo – um gigante esguio. Como
todos do seu povo, ele tinha traços mais retilíneos que a maioria dos negros,
cabelos mais lisos, e membros mais longos e bem-proporcionados.
Uma vez desacorrentados e armados, N’Onga e seus corsários fizeram por
merecer o trabalho dos barachos em soltá-los, abrindo crânios e barrigas
zíngaras com as armas que lhes foram dadas.
Lá fora, a chuva de flechas incendiárias era incessante, pois, para
cada baracho que tirava sua flecha da aljava, havia dois disparando.
3) Massacre
A batalha em Valadelad havia sido intensa. Os
zíngaros eram homens bravos, indiferentes a quaisquer ferimentos que não lhes
fossem imediatamente fatais – quase como os cimérios, nordheimeres e pictos.
Mas a vitória fora dos barachos, graças ao fator surpresa, à ajuda de N’Onga e
seus corsários negros – agora a bordo do navio –, e ao alcance superior das
flechas barachas. E, para completar a derrota dos zíngaros, o cimério, com a
ajuda dos corsários negros e parte dos barachos, ainda derrubara uma enorme
estátua de Mitra sobre os zíngaros, esmagando o velho e encouraçado rei da
cidade como se fosse um escaravelho, e destruindo parte da cidade. A poeira,
causada pelo desmoronamento da imagem, havia coberto a fuga dos piratas. Como
havia sido feito em Khemi anos atrás, o cimério e seus barachos atearam fogo
aos navios ali ancorados, para que as autoridades locais não os seguissem. O
incêndio fora passando dos navios para as muralhas, e destas para as casas e
edificações da cidade.
Poucos haviam ficado em Valadelad. A maioria dos
moradores daquela cidade costeira fugira ao incêndio que se espalhava de casa
em casa, até o Palácio Real, causado tanto por tochas barachas quanto por
braseiros entornados pelos piratas de Argos. Como sempre o fazia ao liderar
seus próprios homens, Conan ordenara aos seus barachos que só matassem os
zíngaros que lhes oferecessem resistência.
Uma cena, há muito esquecida, lampejou subitamente no pensamento de um
dos seus barachos: pessoas num bote, saindo do porto de Messantia e trazendo a
bordo... as palavras de uma das mulheres: “E é a Conan que devemos agradecer;
Mitra o abençoe! Pois ela fez a tripulação do Esbanjador colocar todos nós no bote com água e comida, ao invés de
queimar a nós todos com nosso navio. Ele pode ser um pirata, mas teve um
coração bondoso, apesar de tudo”. Contudo, nem todos sabiam desses princípios
do líder bárbaro – e este fora o principal motivo para que os civis de Valadelad
houvessem fugido da cidade. Agora a tripulação do Mão Vermelha erguia os punhos no ar e rugia pela alegria da
vitória, com seus rostos suados e corpos cobertos de sangue zíngaro, enquanto
quase toda a cidade portuária de Valadelad pegava fogo.
Conan agora tinha um corte enfaixado no braço – apenas mais uma marca,
como os furos há muito cicatrizados de pregos nas palmas das suas mãos, a
orelha direita sem a metade superior; a profunda cicatriz na coxa, adquirida
perto de Yaralet, bem como muitas outras cicatrizes pelo rosto e corpo.
Agora o cimério dirigia o leme do navio para o sul, onde irá trocar
parte das riquezas saqueadas em Valadelad por moedas de ouro argoseano, na casa
do mercador Publio – o qual, o bárbaro sabia, não morava mais numa cabana de
porto, mas numa mansão luxuosa em Messantia.
***
Era noite, quando o vigia avistou um galeão zíngaro de guerra no
horizonte. Ele gritou, anunciando o perigo, e Conan e todos os barachos
acordaram e se prepararam para lutar.
Outros três galeões zíngaros apareceram, para ajudar o primeiro a
atacar o Mão Vermelha. Nenhum dos
barachos precisava ser um pirata experiente, para saber que os fugitivos de
Valadelad haviam contado tudo às autoridades zíngaras. A perseguição durou
dias. Conan pretendia cansar os zíngaros, dirigindo seu navio para Shem, de
onde pretendia voltar às Ilhas Barachas. Contudo, a vantagem zíngara aumentava
dia após dia, de modo que, chegando ao litoral shemita, flechas incendiárias
foram disparadas contra o navio de Conan, queimando-lhe as velas e
impossibilitando o navio de fugir. Mesmo que continuassem remando, aqueles hiborianos
seriam rápida e facilmente alcançados pela esquadra zíngara.
Logo, numa chuva infernal que quase obscurecia a lua, outras flechas zíngaras
– agora sem pontas incendiárias – atingiram o navio baracho, mas os piratas de
Conan devolveram a saraivada, com a superioridade dos piratas argoseanos no
arco – e com a superioridade ainda maior do cimério, capaz de lançar suas setas
certeiras a centenas de metros.
- Preparar para abordagem! – gritou Conan.
Os ganchos foram lançados sobre a amurada do Mão Vermelha. Lâminas entraram em ação. Os marujos de ambos
os lados já olhavam uns aos outros, já sentiam o cheiro uns dos outros, já
estavam ao alcance dos fios duros e cortantes.
Com gritos ululantes, o corpo-a-corpo começou. Corpos engalfinhados de
barachos e bucaneiros despencavam na água. Espadas trespassavam corpos,
machados decepavam braços e o sangue jorrava pelo tombadilho, infiltrando-se
pelas frestas e escorrendo pelo casco até a água. O tumulto parecia um grande
novelo vivo.
Um dos barachos cruzava espadas com um zíngaro de estatura abaixo da
média – inegavelmente com maior quantidade de sangue picto que a maioria do seu
povo mestiço –, e recebeu um golpe do cabo da espada zíngara na cabeça; mas, no
instante seguinte, o argoseano acertou um chute nos testículos do rival e o
lançou na água.
O tombadilho era um matadouro. Já eram dezenas de corpos horrivelmente
mutilados pelo chão. Pisava-se em membros partidos, mãos e cabeças.
A um comando de Conan, os ganchos de abordagem do Mão Vermelha foram lançados ao navio zíngaro mais próximo daquela
frota.
- Se tivermos que afundar – bramiu o cimério –, levaremos alguns desses
cães de Zingara conosco!
- É isso aí, capitão Conan! – gritou um dos barachos. – Hoje,
morreremos, mas levaremos muitos destes vermes do Rei Zancho conosco para o
inferno!
Instalado sobre o elevado tombadilho, Conan estava no mesmo nível do
convés dos bucaneiros. Um enorme zíngaro lançou-se sobre o parapeito do Mão Vermelha, e foi atingido em pleno ar
pela grande espada do cimério, que cortou seu corpo ao meio, de modo que o
tronco caiu para um lado, e as pernas para outro. Então, com uma explosão de
fúria que deixou um rastro de corpos dilacerados ao longo do convés, Conan
saltou sobre o parapeito e chegou ao convés do navio zíngaro mais próximo,
seguido por Cipius, Galtus e pela maioria dos barachos.
Num instante, o cimério se tornou o centro de um furacão de golpes de
lâminas cortantes. Mas o líder bárbaro se movia rápido, como o ofuscante brilho
de sua espada. Ele era tão difícil de ser agarrado ou atingido quanto uma
pantera enlouquecida e, a cada virada ou lampejo de sua lâmina, o sangue
esguichava. Ele já havia recebido castigo o bastante para matar três homens
normais, mas sua vitalidade de touro permanecia intacta. As espadas zíngaras
quebravam na armadura de Conan, ou assobiavam no ar vazio, enquanto sua espada
entoava seu canto de morte. Sobre ele, pairava a loucura combativa da sua raça
e, com uma cortina insensata lhe cobrindo os ardentes olhos azuis, arrebentava
crânios, despedaçava peitos encouraçados, arrancava membros e rasgava
entranhas, transformando o convés num depósito de miolos, tripas e sangue.
Quase invulnerável em sua armadura, ele ia amontoando corpos mutilados
aos seus pés e, em seguida, saltou para o meio dos zíngaros. Conan não era um
lutador defensivo – sempre partia para o ataque, mesmo quando nas garras de uma
desvantagem devastadora. Quase todos os barachos haviam sido mortos naquela
batalha desigual, e o próprio Conan não esperava sobreviver, mas desejava
violentamente infligir tanto estrago quanto pudesse, antes de cair morto.
Logo, o cimério – seguido novamente por seus dois imediatos – abriu um
caminho sangrento de volta ao Mão
Vermelha, a fim de ajudar os piratas negros que ali ficaram, mas já era
tarde demais.
N’Onga – o último corsário negro vivo daquele navio – enfiou sua lança
certeira no pescoço de um zíngaro, mas foi morto por outro bucaneiro, que
cravou profundamente a espada nas costas do guerreiro de ébano.
Enquanto isso, Galtus enfrentava um zíngaro tão alto quanto Conan, e
quase tão musculoso e forte quanto o cimério. Após cruzarem espadas várias
vezes, num duelo acirrado, o bucaneiro finalmente atingiu o baracho, cortando-lhe
o encouraçado ombro direito até o osso, cravando-lhe a espada no coração e
decepando a cabeça do segundo imediato do Mão
Vermelha.
Ao ver que Cipius, um de seus últimos argoseanos, recebeu uma flecha
fatal endereçada a ele próprio, o cimério vingou o segundo imediato e amigo,
arremessando, na testa do zíngaro que disparara, uma adaga encontrada a esmo no
convés. Antes que pudesse sacar o próprio punhal, Conan foi derrubado do Mão Vermelha por meia-dúzia de zíngaros,
que correram em direção ao bárbaro, segurando-lhe os braços e pernas, e fazendo-o
cair da amurada para as águas do Mar Ocidental, banhadas pelo sol poente.
O vento soprava as ondas do mar, sobre a praia shemita onde se erguia a
cidade de Toragis, quando, de suas marés, se ergueu uma forma agigantada,
bronzeada e cambaleante. Conan, o cimério, avançava a passos largos em direção
à areia. Após cair nas águas do mar com os zíngaros que o atacaram, o bárbaro
os havia matado com sua larga espada, e se despira da cota-de-malha para melhor
nadar.
Quando o Esbanjador afundara,
quatro anos antes, Conan e seu amigo Ragazo haviam sido bem-recebidos na cidade
que avultava à sua frente. Assim, a dor pela perda de seus comandados foi
aliviada pela certeza de uma boa recepção na cidade, diante da qual o exausto
cimério desmaiou.
4) Sukhmet
Na primeira troca de tiros de flechas, a superioridade dos arcos
stígios se impôs contra os dos nativos de uivos guturais. Os cabelos crespos
daqueles selvagens eram cheios de espinhos, pequenos ramos e barro, o que lhes
dava a aparência de chifres; e suas bocas de dentes afiados exalavam o hálito
de carne humana assada. O canibalismo era algo mais do que um apetite bestial
para os negros de Darfar. Era parte integral de seu terrível culto. Deste modo,
era preferível ser morto por um darfari a ser capturado por eles.
O primeiro darfari a saltar contra os incursores stígios foi empalado
pela lança do líder do acampamento. O escudo de Conan arrebentou o rosto do
canibal seguinte, ao mesmo tempo em que sua espada derramava as entranhas de
outro negro. A espada usada pelo cimério não era o típico kopesh stígio, com lâmina em forma de foice, mas uma arma de lâmina
reta e larga, com dois gumes.
Todos os mercenários formaram uma parede de escudos para proteger o
Comandante Narmer, o qual, contrariando os conselhos de Conan e Valéria, foi
àquela batalha em sua biga stígia. Antes de alcançarem a parede de escudos,
tiveram de enfrentar as flechas de Valéria, as quais liquidaram 20 deles,
enquanto os escudeiros – ali postos sob sugestão do cimério – resistiam
bravamente, formando uma cerca humana ao redor do comandante. Enquanto isso,
Valéria, desprovida de suas flechas, usou o enorme arco stígio em suas mãos
para destroçar o crânio de outro darfari, enquanto um mercenário e um canibal
se engalfinhavam até matarem um ao outro.
Ao mesmo tempo, um dos darfaris mordeu a jugular de um Companheiro
Livre, o qual sangrou até morrer, mas o canibal foi morto pela lança de outro
mercenário. Mas, com giros e estocadas precisos e fatais, os mercenários
encouraçados de Zarallo – cujas cotas-de-malha protegiam seus troncos, não só
dos golpes dos nativos, mas também de seus dentes afiados – se impunham lenta e
inexoravelmente sobre os porretes e punhais dos negros seminus de Darfar. A
parede de escudos estava enfraquecida, mas os poucos darfaris ali próximos haviam
sido mortos antes que pudessem alcançar Narmer.
Como o fazia nos navios piratas, Valéria, num só giro de sua espada –
também reta e de dois gumes –, decepou os pescoços de dois darfaris e estripou
um terceiro, estocando-lhe o coração de um quarto com um punhal. Atacada pelo
flanco, a pirata se esquivou e decepou o braço de mais outro, na altura do cotovelo,
e o matou, furando-lhe as tripas.
A loira continuava a fazer valer mais do que recebia como soldo,
decepando a mão armada de outro nativo num jato de sangue e abrindo-lhe o
crânio encarapinhado até os dentes, numa explosão de sangue e miolos. Conan
também continuava fazendo sua parte, decepando, num só giro, a mão de um
darfari e a cabeça de outro, para, em seguida, abrir o tronco de mais outro,
num único e vertical golpe sangrento, que rompeu clavícula, costelas, pulmão
direito e intestinos do guerreiro cor-de-ébano, até o quadril.
Com o escudo destroçado pelos golpes dos porretes e punhais darfaris,
Conan passou a usar seu punhal na mão esquerda, para matar os outros rivais. Súbito,
um darfari alto e musculoso se arremessou sobre o bárbaro do norte, com um urro
bestial e um estrondo de ferro, lançando-lhe a espada para longe no ataque
inesperado. O cimério, bloqueando-lhe a arma com o punhal, sentiu seu agressor
encurtar a distância, ficando peito a peito com ele. Braços tão musculosos
quanto os dele o engalfinharam. Dentes afiados rangiam à sua volta, mas Conan
encontrou a mão inimiga que segurava um punhal, detendo-a, e usou seu próprio
punhal, evitando ser esfaqueado no pescoço.
Então, o bárbaro do norte empregou todos os músculos férreos num único
movimento. No corpo a corpo, ambos giraram e se contorceram naquela mata, cada
um para mergulhar sua lâmina na carne do outro. Quando a força superior do
cimério começou a ficar evidente, o canibal uivou como um cão raivoso, mordeu e
lacerou.
Uma guinada de esforço convulsivo fez a dupla rodar em meio à clareira
onde outros mercenários enfrentavam, matavam e eram mortos por darfaris, e na
qual, além do anel de marfim no nariz, Conan viu os dentes pontudos como os de
uma fera se fecharem em seu pescoço taurino. Ao mesmo tempo em que forçava para
trás e para baixo a mão que lhe segurava o punho, Conan afundou o punhal no
selvagem. O guerreiro gritou, o odor cru e acre de sangue invadiu o ar e, após
estremecer convulsivamente, mais um canibal de Darfar caiu morto ao solo.
Recuperando sua espada caída, o cimério – sempre um lutador mais de ofensiva
que de defensiva – correu para matar outros invasores darfaris.
Enquanto isso, como uma demônia recém-saída do serralho do Inferno,
Valéria decepava mãos armadas e pescoços fortes, abria peitos; cortava corpos
negros ao meio, derramando intestinos, e rompia diafragmas em jatos de sangue,
até ela, Conan – de longe, os dois melhores lutadores dali – e os outros
mercenários finalmente expulsarem os darfaris para dentro da selva.
- Por Mitra! – ofegou finalmente a guerreira loira ao comandante. – Eu
e Conan lhe dissemos que era perigoso vir para cá numa biga. Isto é trabalho
para ser feito a pé.
Narmer não gostou muito do comentário, mas a contragosto deu razão a
ela.
A seguir, os mercenários dirigiram seus passos para norte, dobrando e
despistando suas pegadas, até chegarem ao acampamento. Contra a própria
vontade, Narmer teve de abandonar a biga e os cavalos, para que os darfaris não
ouvissem sua fuga.
* * *
Caiu a noite sobre o acampamento mercenário, do lado de fora dos muros de
Sukhmet. Mesmo agora, uma débil brisa trazia o pulsar fraco de tambores
selvagens que murmuravam uma narrativa obscena de ódio, voracidade e sede de
sangue por milhas de selva e grama. Por serem xenófobos, os stígios não
permitiam a entrada de estrangeiros em suas cidades. O pagamento aos
mercenários em Sukhmet era tão irrisório, que só servia para algumas canecas de
vinho azedo e alguns pratos da carne cozida nas panelas. Conan preferia gastar
seu pouco dinheiro com a cerveja dos barris, do que com o péssimo vinho que lhe
era oferecido. E, mesmo ele que não estivesse interessado na fria e inacessível
Valéria, as prostitutas do acampamento – mulheres raptadas pelos stígios, em
incursões a Darfar, as quais acenderam as escaramuças das quais os Companheiros
Livres agora participavam – não o interessavam, por usarem argolas nos narizes
e terem dentes afiados. Único homem a bordo do Mão Vermelha que escapou com vida, ele havia se juntado, em
Toragis, aos Companheiros Livres de Zarallo. Mas viu seu erro, quando marcharam
para a fronteira de Darfar. Valéria, por sua vez, encontrara em Kush um
mercador shemita, o qual havia lhe contado que Zarallo trouxera seus
Companheiros Livres até o sul, para, sob as ordens do comandante stígio Narmer,
guardarem a fronteira darfari. Não havia opção melhor. Ela se juntara a uma
caravana que ia para leste, e finalmente havia chegado a Sukhmet. Naquele
momento, os mercenários tiravam suas cotas-de-malha, comiam e bebiam, sentados
diante das fogueiras.
- Uma mulher branca! – exclamou repentinamente um stígio que ali
passava, vestido com a cota-de-malha de um militar, ao ver Valéria sentada próxima
a uma das fogueiras, bebendo cerveja e comendo carne. A pirata olhou para cima.
- Sim. Nunca viu uma? – ela perguntou ironicamente, mas com olhar
sério.
- Uma mulher
branca! – repetiu o stígio, pasmo. – E vestida como um homem! Tire essas roupas
de pirata, moça; quero te ver melhor! Por Set, você é uma vadia linda e alta,
de cabelos dourados! Venha, tire sua roupa!
- Pare com
isso, cão! – a loira o advertiu asperamente. – Não sou nenhuma vagabunda
chorona para sua diversão.
- Quem, então?
– ele a devorava com os olhos.
- Valéria, da
Irmandade Vermelha – ela respondeu. – Se você fosse um Companheiro Livre,
saberia a meu respeito.
Ele sacudiu a
cabeça:
- Não, eu sou
irmão do Comandante Narmer. Sou o Capitão Kheneth. Mas não importa. Venha cá,
Valéria, e me dê um beijo.
- Idiota! –
ela gritou, com sua raiva sempre pronta, a qual estava começando a arder às
ocultas. – Será que devo matar metade dos homens da fronteira, para ensiná-los
respeito? Veja! Visto estas roupas, mas como vestimentas e instrumentos de
minha profissão, e não para chamar a atenção dos homens. Eu bebo, luto e vivo
como um homem...
- Mas amará
como uma mulher! – ele disse e, pulando subitamente em sua direção como um
grande urso, tentou arrastá-la para seu abraço, mas recuou de uma bofetada que
lhe partiu os lábios e fez correr um fio de sangue por seu queixo marrom.
- Cadela! – o
capitão rugiu em breve fúria, seus olhos queimando. – Vou lhe aleijar por isso!
Kheneth
avançou novamente em direção à mercenária, com suas grandes mãos se fechando,
mas, quando ela se levantou e desembainhou a espada, ele subitamente pareceu
sóbrio pelo que viu nos olhos dela e, como se finalmente percebesse que aquilo
não era brincadeira, recuou e puxou sua própria lâmina, lançando o manto para
longe.
As lâminas se
encontraram com um estrondo que ecoou pelo acampamento, e Valéria quase o matou
no primeiro golpe. Foi mais por sorte que ele deteve parcialmente a estocada
feroz, e a ponta da espada da hiboriana lhe atravessou toda a pele da mandíbula,
de modo que o sangue lhe jorrou na parte da armadura que lhe protegia o peito.
Ele gritou feito um cão louco, mas o ferimento lhe deu juízo e o fez perceber
que não estava diante de uma brincadeira de criança.
Ele brandiu
sua lâmina com toda a força e habilidade, e não era um espadachim médio. Aquele
patife era forte, habilidoso, e cheio de truques sujos e subterfúgios assassinos.
Mas Valéria
não era inocente naquele jogo, e sua velocidade de olhos, mãos e pés era tal,
que nenhum homem poderia igualar. Falhando em todos os truques e estratégias, o
stígio tentou derrubá-la com pura força bruta, despejando golpes trovejantes
sobre sua guarda com toda a sua força. Mas isto não lhe foi de melhor
serventia, porque, apesar de ela ser mulher, seu corpo era como se fosse de molas
de aço e ossos de baleia, e tinha a arte de desviar seus golpes antes que eles
fossem bem começados e, deste modo, evitar sua fúria total. Dentro em pouco, a
respiração de Kheneth começou a assobiar através de seus dentes expostos, a
espuma começou a se misturar com o sangue em seu queixo, e seu peito a ofegar
sob a couraça.
Então, quando
sua força e fúria começaram a falhar, Valéria atacou implacavelmente e, rápida
e feroz como um tigre, ela abriu sua guarda, e enfiou a ponta de sua recém-desembainhada
adaga no seu pescoço, acima da armadura, cortando jugular, traquéia e espinha
numa só estocada, de modo que ele morreu enquanto caía.
Em seguida,
ela foi atacada por um dos guerreiros do Conde Zarallo, mas deteve o golpe com
a própria lâmina, fazendo voar a espada de seu antagonista juntamente com o
punho que a segurava, num jato de sangue. No instante seguinte, numa explosão
de sangue e miolos, ela partiu ao meio o crânio do mercenário que tentara
matá-la. Em questão de segundos, a loira já estava montando seu cavalo e fugindo,
diante dos olhos atônitos de todos ali presentes.
- Maldita
seja, demônia do harém do Inferno! – foi o último grito que Valéria ouviu de
seu ex-líder zíngaro.
Zarallo foi
até a tenda de Conan, chamá-lo para ajudar o irmão do oficial morto a encontrar
Valéria, mas o cimério e seu cavalo já não estavam mais lá.
Epílogo: Valéria é perseguida pelo irmão do oficial morto, mas
nem fica sabendo, pois Conan mata o homem antes que esse encontre a loira. O
cimério acaba alcançando Valéria na floresta próxima a Xuchotl, uma misteriosa
cidadela, onde os dois adentram após Conan matar um
dragão que rondava a floresta. Dentro da cidadela, a dupla se envolve numa rixa
de décadas entre os xotalancas e os tecuhltlis, duas facções que habitavam Xuchotl.
Quando Conan e Valéria deixam a cidadela, seus habitantes já estão extintos (Pregos
Vermelhos/ http://cronicasdacimeria.blogspot.com.br/2013/04/pregos-vermelhos-versao-completa.html).
Agradecimentos especiais: Ao howardmaníacos e amigos Deuce
Richardson, dos EUA, e Ricardo Tavares Medeiros, de Brasília – DF.
A Seguir: Conan, O Bamula.