(por Fernando N. de Aragão e Osvaldo Magalhães)
O dia amanheceu turbulento no Mar Ocidental. A Costa Picta, a Baía de
Korvela, os selvagens pintados que destruíram o castelo do falecido Conde
Valenso, e o horror, que ameaçara as jovens Belesa de Zingara e Tina de Ophir,
haviam há muito ficado para trás. Como planejado, Conan havia deixado Tina e
Belesa na costa zíngara com rubis que, por si só, valiam uma fortuna, e
navegado para as Ilhas Barachas, a fim de aumentar a tripulação do Mão Vermelha; e de lá, fora saquear os mares
do sul.
E naquele momento, no mar tempestuoso, a galé jogava e girava. Um
vendaval começara a soprar e a fúria do mar redobrara. A embarcação agora
corcoveava. O céu se tornara da cor do chumbo; torrentes lançadas pela
tempestade fustigavam o convés. A vela foi carregada até a quarta parte, depois
até a oitava. Enrolada, ela agora não era maior do que um pegador de panela, e
conduzia a embarcação como um corcel. Os céus ficaram negros, o frio subiu das
profundezas. A tempestade avançara rápido! Apenas alguns momentos antes, a galé
seguia em linha reta; agora, mergulhava em valas e desfiladeiros. Cumes de sal
se erguiam em todas as direções, como montanhas da cor do ferro.
Conan segurou com as duas mãos a madeira da mezena e se firmou contra
a força da ondulação do mar. Ele se perguntava como é que aquele caixote de
vergas conseguia suportar tantas pancadas, quando um homem da tripulação veio
cambaleando pelo convés.
- Mitra todo-poderoso – Conan podia ouvi-lo –, poupe-me, para a minha
noiva e o meu bebê!
Naquele instante, um terrível som agudo ecoou pelo convés. Eram os
estais do traquete zumbindo no vendaval. Subitamente, estalaram como se fossem
um açoite; a vela rasgou, soltando-se e desaparecendo junto com a verga em meio
à tempestade.
Enquanto a galé mergulhava em mais uma depressão entre duas ondas,
Conan segurou o homem e o levou até ao banco dos remadores, gritando na cara do
sujeito com uma raiva inimaginável para aquela situação. Conan empurrou o homem
para baixo e colocou um remo em suas mãos.
A galé avançava rapidamente, sem controle algum agora, não apenas à
proa e à popa, mas para cima e para baixo, e de um lado para o outro. Dois
homens agarraram o leme, inútil agora, em mares tão revoltos.
O universo se contraíra num disco de profundezas cor de ferro, não
maior do que o alcance de uma flechada. De um lado, o mar se erguia; do outro,
caía com estrondo e recuava. As ondas subiam uma de cada vez, sua massa toldando
a visão e o som de suas sucessoras, e com cada uma a galé precisava duelar
corpo-a-corpo, valendo-se de toda a sua perícia e coragem, como um ser vivo,
enquanto se preparava para a próxima e para a próxima depois daquela. As ondas
se sucediam, cada uma delas retumbando com malevolência, cada uma delas
diferente da anterior. Ali, era possível tornar-se um perito em ondas. Aquelas
que se erguiam gradualmente, sólidas na crista, eram as mais fáceis. Diante
delas, a galé se movia com a proa na dianteira, alinhando sua quilha com o eixo
da onda que avança. As ondas com ombros podiam ser vencidas em seu ponto mais
baixo, mas invariavelmente às suas costas se erguiam ondas maiores e mais
altas, que avançavam na transversal, de modo que a crista se tornava ombro e o
ombro se tornava crista, alternando-se tão depressa que os homens nos remos
precisavam freqüentemente fazer a galé avançar e remar a ré em movimentos
sucessivos, num trabalho diabólico pela pressão da galé, que serpenteava e
retorcia sob suas pás, tentando arrancá-las de suas mãos.
As ondas se elevavam sem parar. Por fim, elevou-se uma que Conan pôde
ver se aproximar nitidamente. Subia e subia e, quando achou que não podia subir
mais, continuou subindo. Ele não podia acreditar que uma onda pudesse ser tão
alta. Com o dobro da altura de um mastro e tão grande quanto um castelo, ela
assomou como uma fortaleza e quebrou como uma construção de pedra. Os bancos
dos remadores romperam-se de repente, ao longo da galé; os homens foram
varridos dali como bonecos. O mar salgado espumava na amurada; o peso empurrou
a galé para baixo. Os homens estavam gritando, sem que se ouvisse o som em meio
aos trovões.
A galé adernou, e tão perto da superfície, na vertical, que um homem
poderia esticar o dedo e escrever seu nome na parede de água. Então se ergueu.
Toneladas de água escorreram por sobre a amurada; a galé se endireitou,
guinando violentamente na direção oposta. Conan viu dois de seus homens serem
cuspidos pela amurada, de maneira tão casual quanto um favo de mel da borda de
uma gamela de vinho. Os homens nem sequer chegaram a boiar, mergulhando como se
fossem pedaços de chumbo. Os piratas que viram essa cena ficaram boquiabertos,
e brancos como fantasmas.
A embarcação se aprumou. Os homens se agarravam nas laterais e nadavam
de volta aos seus lugares. Tantos bancos tinham sido destroçados, que metade
dos remadores não tinha onde se sentar. Pior ainda, seus destroços tinham
rompido o casco. Conan ouviu um som espantoso, e se deu conta de que eram as
balizas se vergando. Era possível espiar pela amurada e ver a galé se curvar
como um talo de aipo. Os cinturões de cânhamo, que atavam o exterior do casco,
eram agora tudo o que impedia que a galé se desintegrasse. Conan não podia
acreditar no barulho quando eles se arquearam e retorceram. Pedaços das balizas
começaram a se soltar do casco. Tábuas e carlingas passavam, quebradas,
trazidas pelo vendaval. Conan viu uma delas atingir um homem, enquanto ele
tentava pôr no lugar uma viga; o golpe arrancou sua orelha e metade de seu
couro cabeludo, como se fosse um cutelo de açougueiro. O homem nem notou, até
que o sangue, correndo na horizontal devido à ventania, pintou uma faixa diante
de seus olhos.
Conan não podia ajudá-lo. Examinou, então, os rostos dos homens que
remavam. Rios de água salgada corriam de suas barbas. Seus longos cabelos caíam
para o lado, rígidos. Num cavado, a galé mergulhava; durante o intervalo de uma
pulsação, o cosmo se tornava pacífico. Então se elevava aquele som e a galé,
subindo, se lançava novamente naquele turbilhão que nem todos os uivos do inferno
eram capazes de reproduzir.
Quanto tempo durou aquela prova de fogo, Conan não sabia dizer, exceto
que no fim, os homens ainda se mantinham resolutos, até que, a fúria da tempestade
por fim abrandando, a galé vislumbrou um porto e se apressou naquela direção,
sentindo que sua pena tinha sido suspensa.
Naquele porto, Conan e seus piratas avistaram uma bela cidade murada,
com portões prateados, muros e ameias brancas, e torres azul-safira.
Do porto, era possível ver as velas do Mão Vermelha caídas e esticadas em suas carregadeiras e escotas. Havia
semanas que aquele navio saíra, das Barachas para Messantia e a casa do
mercador Publio, nas praias desta última. De lá, Conan havia resolvido navegar
para atacar de surpresa as costas da Stygia e Kush, quando aquela tempestade os
pegara de surpresa. Após todo aquele tormento, o cimério deduziu estar num
local ainda mais distante a oeste do que a ilha maldita para a qual navegara
com Zaporavo no navio Esbanjador,
anos antes.
Conan deu uma
olhada geral nos estragos do Mão Vermelha,
e percebeu que estes não haviam sido tão terríveis a ponto de não poderem ser
consertados. A sorte dos barachos é que a tempestade não fora ainda mais longa
– do contrário, o navio estaria condenado e eles ficariam eternamente na ilha que
avistaram.
Então, Cipius
apontou para o porto e as muralhas da cidade:
- Desculpe falar
o óbvio para você, capitão, mas parece que a cidade não é desabitada. Note que,
apesar de incrivelmente antiga, não há nenhum sinal de desgaste provocado pelas
agruras do tempo.
Conan grunhiu,
mas nada respondeu. Ele já tinha visitado, certa ocasião em Atlaia, a cidade
perdida de Negari, ao lado de Bêlit, os corsários negros e Sakumbe – uma cidade
colossal, mas sem nenhuma rota para outras cidades. Agora, ele via outra, com
torres imensas e longe de qualquer rota marítima que conhecesse. Por um
instante, ele se perguntou se aquela cidade, apesar de não ser verde, seria
habitada por seres pré-humanos, como os que matara ao lado dos bucaneiros
zíngaros, anos atrás, no comando do Esbanjador.
Logo, Conan
deu ordens para que parte da tripulação consertasse as avarias sofridas pelo Mão Vermelha. Então, botes a remo saíram do navio e, ao pisarem na areia branca
da praia, nenhum baracho tinha mais quaisquer dúvidas sobre aquela cidade ser
real, ao invés de uma miragem.
Os pilares do
portão prateado eram de bronze, esculpidos com serpentes emplumadas, e, diante
daquela visão, Conan e seus barachos estremeceram por um instante. Logo, aquele
portão se abriu. Todos desembainharam suas espadas, mas relaxaram – ainda que
de leve – a guarda logo depois. Os piratas das Barachas olhavam para um cortejo
de esplendor bárbaro. Uma multidão de homens altos, imberbes e esguios, de pele
marrom, se encontrava nos portões. Suas únicas vestes eram tangas de seda, cujo
refinado trabalho contrastava estranhamente com a quase nudez daqueles que as
vestiam. Altas e ondulantes plumas enfeitavam suas cabeças, e braceletes e
tornozeleiras de ouro e prata, incrustados com brilhantes pedras preciosas,
completavam-lhes a ornamentação. Não vestiam armadura alguma, mas cada um
carregava um leve escudo no braço esquerdo, feito de madeira dura, bem polida e
reforçada com prata. Suas armas eram lanças de pontas delgadas, leves
machadinhas e finas adagas, tudo com lâminas de aço refinado. Evidentemente, aqueles
guerreiros confiavam mais na rapidez e habilidade do que na força bruta.
- Bem que
poderíamos saquear toda esta riqueza, hein, capitão? Mas infelizmente não
podemos fugir com o navio em estado de conserto – disse o único zíngaro do
navio, com um sorriso sinistro nos lábios.
- Silêncio,
Zillio! – rosnou Conan. – Eles não estão sendo hostis conosco, e não tem nada a
ver agirmos com ingratidão.
O único homem
marrom com barba, ali presente, era um sacerdote magro e idoso, vestido com um
manto de penas de papagaio, e cuja barba branca lhe cobria o peito. Ele sorria
para os barachos, enquanto gesticulava para alguém que estava dentro da cidade,
chamando quem quer que fosse.
Súbito, uma
belíssima jovem, muito diferente daquele povo, apareceu nos portões da cidade.
Ela vestia apenas uma curta túnica sem mangas e com gola baixa, de seda azul,
que chegava a uma mão acima dos joelhos, e nos pés usava sandálias macias de
couro verde. Tinha olhos azuis, grandes e tranqüilos; a pele clara como o leite
mais branco, e sua cabeleira capturava o sol num ondulante brilho vermelho –
uma vanir! Mas havia uma suavidade em sua forma esbelta, que jamais Conan tinha
visto em mulher alguma dos vanires. Havia uma feroz beleza nas mulheres
cimérias e nordheimeres, mas esta moça era bastante formosa e sem essa
ferocidade. Não crescera numa terra desolada, como elas, onde a vida era uma
batalha implacável pela existência, tanto para o homem quanto para a mulher.
Por um
instante, a ruiva se sobressaltou ao ver aqueles marujos na praia. Suas
cotas-de-malha, apesar de muito longas, a faziam lembrar das usadas pelos
homens da tribo onde nascera; e o líder daqueles homens – quase um gigante em
tamanho e com vulcânicos olhos azuis – era quem mais lembrava à jovem seus
conterrâneos – embora nenhum daqueles recém-chegados fosse ruivo, como o povo
no qual ela nascera.
Embora
desconhecesse as línguas ciméria e argoseana, a jovem vanir, a qual se identificara
pelo nome de Thonyra, atuou como intermediária entre os homens marrons e os barachos,
falando na língua vanir, a qual Conan entendia e traduzia para seus piratas.
Segundo Thonyra, aquela era a Ilha de Mogar. Ela então disse que, se eles
pretendiam tomar a ilha, os mestres da jovem lutariam até a morte. Mas, se
aqueles piratas concordassem em poupá-la, receberiam dádivas como poucas vezes
já haviam visto.
Falando na
língua vanir, Conan sorriu para a jovem – cuja beleza fazia o sangue do cimério
latejar nas veias – e respondeu a ela que estava interessado em ver as dádivas.
Pouco depois, chegaram os presentes: comidas exóticas, ouro, jóias e trajes
resplandecentes – trazidos por mulheres marrons, vestidas apenas com seus
ornamentos de ouro. Mas a visão de Conan e de seus barachos não se concentrava,
obviamente, nos presentes que aquelas belas mogares desnudas traziam.
Então,
erguendo novamente a voz, Conan perguntou a Thonyra o que o povo de Mogar
queria em troca. Ela respondeu que eles só queriam proteção contra piratas de
Bal-Sagoth, os quais, de vez em quando, atacavam a ilha. Conan assentiu, e o
velho sacerdote gesticulou para o cimério e seus barachos.
Do lado de fora de Mogar, borboletas de cores brilhantes voavam ao
redor dos barachos; e, no alto dos galhos entrelaçados, cantavam pássaros de
plumagem vívida. Árvores altas, coroadas com lustrosas videiras verdes e
enfeitadas com pequenos pássaros de cores exóticas a voarem por entre os
galhos, se erguiam ao seu redor. O almíscar de vegetações tropicais enchia o
ar.
Do lado de
dentro, Conan e parte da tripulação era escoltada pelo sacerdote, enquanto a
outra parte havia ficado do lado de fora, consertando as avarias sofridas pelo Mão Vermelha. A seguir, no meio da cidade, eles viram que o chão possuía pavimentos
e ladrilhos. Numa rua ampla – a que levava ao palácio – o chão era pavimentado
com lajes arrumadas uniformemente. Próximo ao palácio e cercado por um anel de água,
havia um templo retangular, construído com grandes blocos de pedra. Degraus largos
levavam até o chão dele. Em três lados, era murado por paredes, sem janelas nem
portas; no quarto, por enormes colunas atarracadas, as quais formavam a frente
do edifício.
Dentro do
palácio, encarando-os, sobre um estrado erguido, num trono de marfim abarrotado
de peles, reclinava-se um homem alto, magro e forte, com uma testa alta e um
rosto estreito, agudo e aquilino. Não havia piedade naquele rosto – apenas uma
arrogância cruel e um cinismo zombeteiro. Era o rosto de um homem que se sentia
acima das paixões humanas da ira, piedade ou amor. Usava um estranho manto
brilhante de penas com cores ricas ao seu redor e, sobre sua cabeleira negra,
uma faixa em forma de serpente dourada, cuja cabeça se erguia acima da testa.
Era, como ele próprio se apresentou aos barachos, o Rei Zotan de Mogar.
No trono ao
lado, também de marfim abarrotado de peles, sentava-se uma jovem seminua, de
beleza sinistra e usando um diadema semelhante ao do rei – era Netikerty,
esposa de Zotan e rainha da ilha, cuja única roupa consistia numa tanga de
penas de papagaio, presa à cintura por uma faixa dourada e incrustada de jóias,
bem como um par de sandálias douradas. Próximo ao rei e rainha, se erguia o
mesmo homem idoso que recebera os piratas na praia – o sacerdote Khari-Apopi.
O bárbaro e os
barachos foram recebidos pelo rei com um maravilhoso almoço, rico em milho,
uvas, frutas vermelhas, nozes, melões e carnes de aves exóticas. Durante a
refeição, os barachos sorriam, contavam piadas e proezas de piratas, e
gargalhavam.
Em suas breves
conversas com Thonyra, durante a tarde que se seguira ao almoço, o cimério teve
conhecimento de sua chegada a Mogar, e sua saga era deveras estranha. Sua infância
havia sido muito longe ao leste, cruzando o mar. Thonyra lembrava-se de uma
costa desolada, açoitada pelas ondas, das cabanas de pele de cavalo, barro e
caniço, e de pessoas de cabeleira ruiva, como ela. Assim, Conan percebeu que
ela especificamente provinha de um ramo dos vanires que indicava a migração
mais ocidental da raça dela. A jovem tinha nove anos quando fora capturada,
numa incursão à aldeia por pictos... O líder baracho já ouvira histórias sobre
ataques esporádicos daqueles demônios pintados à costa vanir
Levaram-na, e
uma tormenta empurrou-lhes em direção ao oeste e sul durante muitos dias, até
que sua galera encalhou nos recifes de uma ilha estranha, onde homens pintados
correram até a praia e mataram os sobreviventes para seus caldeirões de
cozinha. Por algum capricho, pouparam a garota de cabelos vermelhos e,
colocando-a numa grande canoa com balouçantes crânios ao longo das bordas,
remaram até avistar as águas de Mogar.
Ali,
venderam-na aos sacerdotes de Mogar para que fosse donzela do deus mogar
Golgor-oth. O verme da suspeita removeu-se na alma de Conan contra os mogares,
ao dar-se conta, em suas palavras, do cruel e amargo desprezo que eles tinham
por pessoas de outras raças mais jovens. A posição da vanir no templo não era
honrosa nem digna e, embora servisse ao deus, não tinha honras, exceto a de que
nenhum homem, exceto os sacerdotes, podia tocá-la. Era, de fato, uma simples criada,
sujeita à fria crueldade dos sacerdotes aquilinos. Para eles, não era bela;
para eles, sua alva pele e sua brilhante cabeleira cor de fogo não eram mais
que as marcas de uma raça inferior. Embora seu povo fosse inimigo hereditário
dos vanires, Conan não admitia ver uma jovem tão bela quanto Thonyra servindo a
um povo tão maligno.
A noite caíra na
antiga cidade de Mogar. Conan, seus barachos e o Rei Zotan estavam sentados,
numa enorme sala do palácio interno, adjacente à enorme sala do trono. O rei, meio
reclinado num leito de seda, enquanto os barachos se sentavam em cadeiras de
mogno, empenhados na comida que jovens servas – mulheres marrons de pés
felinos, beleza sinistra e vestidas apenas com seus ornamentos de ouro, iguais
às que apareceram na praia – lhes serviam em pratos dourados. As paredes deste salão,
como todas do palácio, eram de mármore, com grandes arabescos dourados. O teto
era de lápis-lazúli, e o chão, de ladrilhos de mármore marchetados com prata e
coberto por um tapete felpudo. Pesadas cortinas de veludo decoravam as paredes
e as almofadas de seda; divãs ricamente trabalhados, e cadeiras e mesas de
mogno se alastravam pelo chão em descuidada abundância.
As belas mulheres
daquela cidade dançavam com abandono selvagem para os piratas, enquanto o vinho
fluía ainda mais livremente do que a camaradagem. Dali a pouco, um mogar entrou
no círculo de dança, agarrou uma dançarina pelo braço, lançou-a no chão e
copulou com ela ali mesmo, como um garanhão faria com uma égua. Um segundo
guerreiro marrom avançou, e um terceiro. Logo, dois homens daquela ilha agarravam
a mesma mulher. Houve um grito, um empurrão e, num piscar de olhos, foram empunhadas
espadas. Começou um dança de morte, e os guerreiros andaram em círculos, dando
golpes, saltando um sobre o outro, fazendo rodopiar as lâminas sobre as cabeças
e guinchando insultos a cada entrechocar de metal. Ninguém fez um gesto para
interferir. O rei e a rainha assistiam a tudo com fria indiferença.
Tudo acabou
tão rápido como começou. As espadas estremeceram velozmente uma contra a outra,
um dos homens falhou um passo e o outro brandiu a lâmina num arco horizontal. O
aço atingiu a pele acima da cintura do mogar e o abriu da espinha ao umbigo,
derramando sangue e entranhas sobre o piso da sala do trono. Em seus
respectivos tronos, Zotan e Netikerty vibraram de alegria. Enquanto o perdedor
morria, o vencedor se agarrou à mulher mais próxima – nem sequer àquela por
quem lutou – e a possuiu ali mesmo. Escravos levaram o corpo para longe da sala
do trono, limparam o chão e a dança recomeçou.
Aquele
realmente não era o estilo de Conan praticar sexo – nem dos barachos. Apesar do
cimério já ter possuído, diversas vezes, a pirata Bêlit no convés do Tigresa sob os olhares não-constrangedores
dos corsários negros, ele preferia, na maioria dos casos – como agora – a
intimidade de um quarto.
O líder
bárbaro não deixava de notar uma grande semelhança, entre aquela ilha e povo, e
os negaris e stígios. Ele também estranhava novamente o fato de Yag-Kosha ter
lhe dito, anos antes, que os cimérios descendiam dos atlantes, enquanto em
Negari, um povo de pele tão marrom, e tão semelhante aos stígios quanto os
mogares, alegava descendência do mesmo povo que, segundo o homem-elefante,
originara os bárbaros entre os quais o líder baracho nascera. Naquele momento,
Conan se lembrou de ter ouvido, anos antes, o falecido Rei Karawan de Negari
falar em “atlantes de Mogar”, bem como de Bal-Sagoth, da qual Khari-Apopi
também falara. Outra semelhança, percebida pelo bárbaro, era entre o nome
Golgor-oth e o deus Golgor, também mencionado há anos por Karawan, em Negari. O
pouco tempo em que Conan estava naquela ilha o fez notar semelhanças entre a
língua mogar, a stígia e a negari, de modo que ele – um lingüista nato, como
todos de seu povo – conseguia entender o suficiente do idioma deles. Mas ele também
pensava em Thonyra. Ela era chamada A Donzela de Golgor-oth, mas seus deveres
eram cumprir os caprichos dos sacerdotes de rosto aquilino e das mulheres nuas
de olhos malignos, que os serviam e que deslizavam como sombras escuras entre
as trevas purpúreas das colunas.
Então,
enquanto terminava de comer um enorme pernil e beber uma jarra de vinho, o
líder bárbaro se deparou com uma cena que o deixou indignado. Naquele mesmo salão,
Thonyra encolhia-se no chão, com sua curta túnica revolta, diante de um
sacerdote de rosto afilado que, com fria maldade, açoitava-a com um cruel
chicote que deixava vergões vermelhos em sua carne nua. E as jovens escravas
riam dela – uma risada doce, suave e maligna, peçonhenta como mel envenenado. Quando
Conan se aproximou, com o fogo do Inferno lhe queimando nos olhos, o sacerdote
virou-se e seu rosto ficou pálido. Antes que ele pudesse mover-se, o cimério
cerrou o punho e lhe deu tal golpe que esmagou o crânio do sacerdote como uma
casca de ovo, além de quebrar-lhe o pescoço.
O palácio
inteiro ondulava avermelhado diante de seus olhos enlouquecidos. Talvez não
fosse nem tanto a dor que o sacerdote causara a Thonyra – pois a dor era a
coisa mais comum em sua vida feroz –, mas o modo de proprietário como havia
infligido-a... o saber que os sacerdotes haviam-na possuído... todos eles,
talvez. E ele não descartava a possibilidade de certas escravas também a terem
usado para propósitos libidinosos – uma escrava entre escravas, como Natala
havia quase se tornado anos atrás, quando o cimério a conhecera em Shem...
Em seguida, o
sacerdote Khari-Apopi apareceu sorridente, prometendo a Conan que a jovem
escrava vanir não sofreria mais dano algum, e a levou soluçante para um dos
aposentos adjacentes. Logo depois, o rei também abriu um sorriso e mandou que a
festa continuasse.
No instante
seguinte, o sorriso libidinoso de uma serva de pele marrom – uma das poucas que
não rira de Thonyra – atraiu a atenção e interesse de Conan. Esta lhe serviu
mais uma jarra de vinho e ele, com um brilho de desejo nos olhos ao fitar o
corpo da mogar, a esvaziou em grandes goles.
Súbito, ao
tentar se erguer para levar a jovem morena para um dos aposentos, as pernas
musculosas de Conan – que já haviam destroçado crânios humanos num só chute e
deslocado blocos de granito – se dobraram como as de um bezerro recém-nascido.
Sua cabeça doía intensamente, como se houvesse sido golpeada por uma maça, e
todos os seus pensamentos se dissiparam e caíram num vazio imensurável. Pouco
antes de desmaiar, uma das últimas cenas, vistas pelo cimério, foi a de seus
barachos bocejando e caindo, como trigo maduro, ao chão.
* *
*
O vinho estava
drogado, e todos os convidados haviam desmaiado e acordado na prisão, onde seriam
sacrificados a Golgor-oth, segundo foram informados por um carcereiro que ali
passava, logo após acordarem.
Um cerrado
punho bronzeado se espatifou violentamente contra uma parede de pedra, numa
sala mal-iluminada.
- Que Crom
amaldiçoe minha burrice! – gritou Conan, com a cabeça levemente dolorida. – Os
malditos mogares nos serviram vinho drogado, e eu bebi feito uma criança
mamando nas tetas da mãe! Eu mereço estar nesta maldita prisão, a incontáveis
léguas das Ilhas Barachas!
- Se você
merece, capitão, não se esqueça de que não está só – respondeu o primeiro-imediato.
– Então, por que esse acesso de fúria? Não é do seu feitio se deixar levar pelo
desespero.
- Silêncio,
Galtus! – rosnou o cimério, falando baixo, para que apenas ele e o argoseano
pudessem ouvir. – Estou ouvindo aquele imundo do Zotan se aproximar aí fora...
e quero exatamente que ele pense que estamos desesperados. E prefiro morrer, no
dia em que eu for civilizado o bastante para me desesperar por causa disso.
- Como sabe
que ele está vindo, capitão? – perguntou Galtus, sussurrando como seu líder
bárbaro. – Não estou ouvindo nada.
Então,
apareceu na entrada da cela o Rei Zotan – alto, caminhando a passos largos como
um deus, com seu estranho manto de penas brilhantes ao redor de si e acompanhado
por outras duas figuras sinistras. Não havia piedade em seu rosto – apenas uma
arrogância cruel e um cinismo zombeteiro.
- Ora, ora,
meus caros prisioneiros... então é a isto que se reduziram os piratas do Mão Vermelha e seu temível líder? Não se
preocupem... em breve vocês se reunirão no Inferno, junto com a cadela ruiva a
quem o líder bárbaro de vocês tentou defender. Thonyra será a primeira a ser
imolada ao nosso deus Golgor-oth – disse o rei de Mogar aos prisioneiros, na
entrada da cela, acompanhado pelo musculoso general Baraka e o emplumado sacerdote
Khari-Apopi. – E vocês, barachos, serão os próximos. A propósito, o povo de
Bal-Sagoth tem péssimos navios e eles são sempre derrotados por nós, quando
tentam invadir esta ilha, de modo que não precisamos de vocês para nada, exceto
o sacrifício.
Mesmo depois
que o rei, sacerdote e general se afastaram da masmorra, a gargalhada dos três
continuou ecoando pelo calabouço sombrio.
Ao mesmo
tempo, com o Mão Vermelha já
consertado, os piratas que ficaram na praia foram informados, por um de seus
espiões, da traição. Com um plano em mente, os barachos levantaram âncora e
partiram daquela praia, antes que os atlantes os capturassem também.
Enquanto isso,
na prisão, foi a voz do jovem Cipius que rompeu o silêncio:
- Capitão
Conan! – comentou o rapaz, agachado diante da parede oposta à entrada da cela.
– Este bloco de pedra no fundo da cela... parece estar solto. Mas... é muito pesado.
Não consigo movê-lo...
- Então se
afaste, homem, porque eu consigo – respondeu o cimério.
Agachando-se
onde Cipius se encontrava, Conan puxou o enorme bloco para dentro, com pouco
esforço e usando as pontas dos dedos.
- Pronto –
disse o líder baracho. – Enquanto enganávamos Zotan, Cipius encontrou uma
escapatória. A partir de hoje, você será meu segundo-imediato – ele
acrescentou, sorrindo para o jovem.
O
recém-nomeado segundo-imediato também sorriu, mas comentou:
- Mas isto
parece conveniente demais. Será que é algum tipo de armadilha?
- Por Crom,
rapaz! – respondeu o cimério, adentrando o túnel estreito que se abria e
rastejando com seus homens, até avistar uma luz no final daquele corredor baixo
e estreito. – Não viu o esqueleto ao lado do bloco?
Naquele
instante, o jovem Cipius entendeu. Sem dúvida, os ossos eram de um prisioneiro
que teve forças para tirar a argamassa do bloco de pedra, mas não para
afastá-lo. Zotan não se daria a tanto trabalho, se já não os tivesse capturado.
Pouco depois,
o líder baracho e a tripulação do Mão Vermelha
saíram num rochedo ao ar livre. Os barachos começaram a sorrir, mas Conan
mandou que eles voltassem à cela e fingissem ainda serem prisioneiros, com um
deles sentado no chão do calabouço e recostado na parede, a fim de disfarçar o
túnel secreto por onde saíram – afinal, estavam todos desarmados e, se uma
patrulha de mogares os encontrasse, estariam perdidos. Apesar das pragas e
muxoxos em voz baixa de seus piratas, eles obedeceram, e Conan, saindo pelo
rochedo com Cipius e Galtus, prometeu voltar com todas as armas dos seus
comandados, bem como sua espada.
Enquanto os
barachos do Mão Vermelha
transformavam a cela em esconderijo, Conan e os dois imediatos se esgueiraram
pelas ruas noturnas de Mogar, até finalmente se depararem com duas sentinelas
guardando as armas da tripulação. Não havia mais soldados ali, porque estavam
todos seguros de que o cimério e seus comandados estavam indefesos, e não
passariam do dia seguinte. Surpresos ao verem os três piratas, os guardas marrons
desembainharam suas espadas, mas foram rápida e silenciosamente mortos por
Conan que, de um salto, investiu contra ambos e os estrangulou, um em cada mão
bronzeada, quebrando-lhes os pescoços.
Amarrando à
armadura o cinto com sua espada embainhada, o líder cimério mandou Cipius e
Galtus voltarem ao rochedo com as armas, e discretamente devolverem-nas logo
aos barachos que se fingiam de prisioneiros. Conan, por sua vez, adentrou o Templo
de Golgor-oth, cujo fosso estava com a ponte levadiça abaixada – pois os mogares
ainda pensavam que os barachos estivessem presos, e eles seriam os próximos a
serem sacrificados.
Nenhum entalhe
decorava a parede, teto ou colunas. Ao contrário do que ocorria com o restante
da cidade de Mogar, o traço que predominava em todo o templo era uma sombria
simplicidade, uma espécie de terrível desprezo pelos esforços humanos de embelezamento
e adorno. Ladrilhos planos constituíam o chão e, no meio da grande sala,
começava uma série de degraus estreitos que levavam a uma espécie de altar.
Este se encontrava numa espécie de plataforma solidamente construída no chão.
Uma coluna se erguia desta plataforma até o teto, e o altar parecia ser parte
desta coluna. Naquele altar manchado de vermelho, se erguia a imagem colossal
do principal deus do povo daquela ilha chamada Mogar – uma enorme forma,
sinistra e odiosa; uma escultura grotesca, ao mesmo tempo humana e bestial; um
deus negro e gigantesco: Golgor-oth!
O teto parecia
ser constituído por longas e notáveis lajes de pedra, exceto pelo espaço logo
acima do altar. Lá, descansava um único e enorme bloco, uma pedra de natureza
diferente daquelas do restante do templo. Era de uma cor sombria e amarelada,
varada por fendas vermelhas, e de um tamanho monstruoso. Devia pesar várias
toneladas, e Conan ficou perplexo sobre como ela era mantida naquele lugar. Por
fim, o cimério decidiu que a coluna que se erguia da plataforma a sustentava de
algum modo, pois esta adentrava o teto ao lado do grande bloco. Do teto até a
plataforma, havia uns quatro metros e meio, e da plataforma até o chão, três.
Próximos à
imagem pavorosa de Golgor-oth, sacerdotes menores e mulheres nuas cercavam o
altar em posição de adoração, entoando um cântico. Dentre eles, com os braços
abertos, o rosto voltado para o ídolo e uma adaga numa das mãos, estava o sacerdote
Khari-Apopi. Tudo aquilo – o cenário e a cena –, o cimério absorvera em questão
de segundos, pouco antes de reconhecer, sobre o altar, uma forma esguia, branca
e ruiva, com os olhos azuis arregalados de terror, soluçando e se contorcendo
sob as mãos que a seguravam sobre o altar, pelos pés e mãos.
Com um grito
inumano que ressoou até o teto, Conan se lançou para a frente e crânios se
partiram sob os golpes precisos de sua espada. Houve o redemoinhar de aço, o
ruído dos cortes, o choque dos golpes assassinos, o estalar dos ossos e o
respingar do sangue. Khari-Apopi estava tão imobilizado de terror, que até
esqueceu que tinha uma adaga na mão. Quando se lembrou e a brandiu, já era
tarde demais: o líder baracho o pegou com a mão esquerda e estatelou o sumo
sacerdote de Golgor-oth contra os degraus do altar, com tamanha fúria que
despedaçou os ossos do quase-assassino de Thonyra.
Somente uma
uivante e esbelta mulher nua, de pele marrom, conseguiu escapar da fúria do
bárbaro. No instante seguinte, a forma branca, delgada e soluçante de Thonyra agarrou-se
desesperadamente ao musculoso torso encouraçado de Conan, ao mesmo tempo aterrorizada
e aliviada. Com um sorriso, o cimério ergueu a jovem pela cintura e desceu até
a porta do templo.
- Vamos embora
desta ilha maldita! – ele disse, saindo dali e juntando-se novamente aos seus
piratas, com a ensangüentada espada erguida e pronta para qualquer perigo.
A seguir, eles
se defrontaram com um exército de atlantes duas vezes maior. Gritos de
selvageria e morte invadiram o local, bem como rosnados de ódio bruto e sem
adereços, e uivos de lancinante agonia de ambos os lados. Conan, Cipius e
Galtus eram os que mais matavam guerreiros marrons. Mas, apesar das longas cotas-de-malha
e do intenso treino dado a eles por Conan ao longo de meses, os barachos
começaram a ser engolfados pelos mogares, e Zillio de Zingara foi morto com um
golpe de uma espada mogar, que lhe abriu o crânio. Miolos espirravam das
cabeças de guerreiros mogares, bem como de piratas barachos – mas a vantagem
pendia para os descendentes marrons dos atlantes, graças à sua superioridade
numérica.
Quando tudo
parecia perdido, os barachos que aparentemente deixaram a ilha retornaram, e
ajudaram o cimério e seus camaradas a enfrentarem aquele exército. A surpresa
causada pela inesperada chegada de mais piratas, causou uma onda de medo nos mogares,
a qual percorreu a todos eles como um vagalhão destruidor. Agora, sangue esguichava
dos pescoços de mogares e barachos, mas, desta vez, a vantagem era dos piratas,
não só devido às suas armaduras, mas ao seu número recém-aumentado. Conan
partiu a cabeça de um homem em duas, livrou-se de um machado rasgando o ar e
desentranhou o atacante, nocauteou um homem com o punho esquerdo e transpassou
outro na barriga. Em pouco tempo, só restavam barachos vivos naquele local. Então,
a fuga foi retomada.
A vegetação
rasteira se escasseava, à medida que avançavam pela terra inclinada para o
alto, finalmente indo parar num grupo de ravinas e penhascos. Finalmente chegaram
a um penhasco baixo, que ficava de frente para o sul. Aos pés dele, corria um pequeno
regato de água límpida, ladeado por areia branca e sombreado por ondulantes
folhas de palmeiras e vegetação alta, que crescia até o limite da areia. Mais
além, através desta estreita extensão exuberante, se erguiam outros penhascos,
mais altos, fazendo frente para o norte e completando um desfiladeiro.
Aos pés
destes, havia uma longa extensão de pedra sólida. Seguiram ao longo da linha do
penhasco, e logo chegaram a uma pequena catarata, onde um curso d’água caía
sobre a beirada dos penhascos, para se juntar ao que havia no desfiladeiro.
Era realmente
uma visão estranha e fantástica. Os penhascos se erguiam duros e negros em
ambos os lados, e entre eles sussurravam e farfalhavam as sombras espessas das
folhas de palmeiras. O riacho, que deslizava sobre o penhasco diante deles,
reluzia como prata derretida ao luar, e a lagoa, para a qual ele deslizava,
tremeluzia com longas ondulações brilhantes. A lua pairava sobre tudo isso,
como um largo escudo de ouro branco.
O primeiro
cinza do amanhecer estava clareando, e o leste estava ficando mais brilhante e
rosado, à medida que seguiam ao longo dos penhascos, e eles finalmente subiram
uma larga ravina, para entrar na parte mais densa das árvores que seguia para
leste.
Logo, só havia
um obstáculo entre os barachos e o Mão
Vermelha: uma patrulha de atlantes em busca deles, na mata próxima à praia.
- Quando esses
cães de pele marrom passarem perto de nós, vamos surpreendê-los – disse o
cimério.
O ataque foi
quase à queima-roupa. A espada de Conan atravessou de lado a lado o corpo do
mogar mais próximo. A surpresa dispersou os atlantes. O combate corpo-a-corpo
se estabeleceu. Quase não havia espaço para se mover. Os corpos se chocavam, se
engalfinhavam, caíam e eram pisados. Espadas trespassavam carne. Os grandes
braços de Conan derrubavam mogares como trigo. O combate começou a se espalhar.
Havia uma brecha nítida nas linhas do general Baraka. Muitos fugiam ao
redemoinho mortal.
A praia
inteira era um campo de batalha. Os barachos seguiam em formação compacta até o
Mão Vermelha. Apesar de menos ágeis
que os mogares, os piratas das Ilhas Barachas tinham a força bruta,
superioridade numérica e suas cotas-de-malha a seu favor. E, como vantagem
adicional, contavam com a liderança de um pirata experiente, de força e
agilidade muito superiores às de qualquer um naquela ilha, e que lutava como um
demônio, assustando até o guerreiro mais experimentado daquele povo marrom. Uma
flecha raspara a coxa do líder cimério, e outra lhe perfurara o ombro, mas ele
nada parecia sentir, exceto a compulsão vertiginosa de continuar golpeando sem
parar, destroçando, abrindo corpos, pisando membros, avançando e gritando rouco
contra seus atacantes.
Havia loucas
explosões redemoinhantes de ferocidade, semeando a praia de corpos mutilados,
tornado-a uma confusão de poças, manchas e regos de sangue, e fragmentos
humanos e de armas quebradas pelo solo.
Por ter
crescido longe de sua Vanaheim natal, Thonyra – protegida por um escudo que
Conan acabara de pegar ali – arregalou os belos olhos azuis, aterrorizada com
tanto sangue e matança ao seu redor. O combate desesperado, bem como a morte do
general – decapitado por um dos barachos em duelo –, fez os atlantes de Mogar
recuarem, enquanto os barachos, avançando com mais vigor, finalmente alcançavam
o Mão Vermelha.
Retornando ao navio,
eles conseguiram fugir dali – pois as embarcações de lá não eram páreo para a
deles.
- Içar velas,
cães! – gritou Conan, enquanto se juntava aos remadores.
Estavam todos
suados, com as malhas e roupas em tiras e quase todos à beira da exaustão total
– exceto o líder cimério. Mas agora os barachos estavam finalmente fora de
perigo, cuidando de manter a embarcação no rumo leste, enquanto Conan, bradando
ordens aos seus homens, abraçava a bela vanir pela cintura. Então, voltando sua
atenção para a ex-escrava ruiva, o cimério sorriu e beijou-lhe os lábios com
apetitosa volúpia.
FIM
Agradecimentos especiais: Aos amigos e howardmaníacos Dale Rippke
(EUA), Deuce Richardson (idem) e Ricardo Medeiros, de Brasília (DF).
A Seguir: Vingança em Valadelad.