Am-ra (poemas e fragmentos)

(por Robert E. Howard)



Manhã de Verão

Am-ra estava no alto de uma montanha,
Ao romper de uma manhã de verão;
Ele observava, admirado, o cair da luz das estrelas
E o escarlate do leste reluzir e empalidecer,
Enquanto nascia a chama do dia.


Am-ra, o Ta-an

Da terra do sol da manhã,
Veio Am-ra, o Ta-an.
Banido pelos sacerdotes dos Ta-an,
Seu povo não falava seu nome.
Am-ra, o poderoso caçador,
Am-ra, filho da lança,
Forte e destemido como um leão,
Flexível e rápido como um cervo.
Para dentro da terra do tigre,
Veio Am-ra, o destemido, sozinho,
Com sua cesta de madeira flexível,
E sua lança com ponta de pedra.

Ele viu o cervo e o bisão,
O cavalo selvagem e o urso,
O elefante e o mamute,
Para ele, a terra parecia bela.
Face a face, ele encontrou o tigre,
E, agarrando o longo cabo de sua lança,
Olhou sem medo para o rosto que rosnava,
“Boa caçada!”, ele gritou e riu!
Ao bisão, ele abateu ao amanhecer,
Ao cervo, no calor do dia,
O cavalo selvagem caiu diante dele,
Ao urso da caverna, ele realmente matou!

Ele buscava uma caverna? Não Am-ra!
Ele vivia tão selvagem e livre
Quanto o lobo que percorre a floresta,
Seu único teto era uma árvore.
Quando ele desejava comer, matava,
Mas nunca matou desnecessariamente,
Pois se sentia um irmão do povo selvagem,
E isto o Povo Selvagem sabia.
Do cervo eles falavam para Am-ra,
Como parente do tigre morto,
Am-ra encontrou o tigre,
E o matou na planície!

Um jovem na terra dos Ta-an,
Um esguio guerreiro jovem, Gaur,
Havia seguido Am-ra na perseguição,
E lutado ao seu lado na guerra.
Ele sentia saudade do amigo Am-ra
E odiava o rosto do sumo-sacerdote,
Até que, finalmente, com uma lança ele o abateu,
E fugiu da terra onde nasceu.
Ele seguiu as pegadas de Am-ra,
E perambulou para bem longe,
Até chegar à terra do tigre,
Na entrada do dia.

Para dentro da terra do tigre,
Chegou uma raça estranha,
Atarracada, escura e selvagem,
Negra de corpo e rosto.
Para dentro do território de Am-ra,
Perambulou o bando selvagem,
Não levavam arcos, mas cada um carregava
Uma lança de ponta de pedra em sua mão.
Pararam no território de Am-ra,
E acamparam diante de sua fonte clara,
E mataram o cervo e o cavalo selvagem,
Mas fugiram do tigre e do urso.

Voltando de uma caçada, vinha Am-ra,
Com a pele de um urso pardo,
Ele foi para a fonte de água clara,
E encontrou os homens negros lá.
Mais pareciam macacos, aqueles homens,
Não conheciam o uso do arco,
Rasgavam a carne e a comiam crua,
Pois não conheciam o fogo.
Então, a fúria cresceu no destemido Am-ra,
Logo ele ficou furioso.
Pois ele não ia dividir seu território
Com um bando de homens-macacos negros.



A História de Am-ra


Quando os dias são curtos e as noites são longas na região do povo das cavernas, a neve cobre colina e vale, e é possível cruzar o Rio da Água Amena sobre o gelo, o povo das cavernas se reúne ao redor da fogueira do velho Gaur, para ouvir-lhe as lendas e folclore, e as histórias de sua juventude. O velho Gaur era sábio e astuto; habilidoso na arte da caça. Sua caverna tinha, como tapetes, peles de alce, urso, tigre e leão, engenhosa e habilidosamente curtidas e ornamentadas. Sobre as paredes pendiam, e contra as paredes se inclinavam galhadas de alces, chifres de búfalo e boi almiscarado, e presas de rinoceronte, mamute e morsa, o marfim belamente polido e quase sempre entalhado, descrevendo amor, guerra e perseguição, pois Gaur era habilidoso no mistério da pintura e astuto com as ferramentas das artes. Gaur também era habilidoso na guerra. Nas paredes de sua caverna havia armas penduradas, habilidosamente trabalhadas, troféus das guerras da juventude de Gaur, quando ele seguiu para lutar contra o povo negro, as tribos do mar, os peludos homens-macaco e os Filhos da Águia. Gaur era habilidoso em muitas coisas.




Fragmento sem Título e Inacabado


Uma terra de selvagem e fantástica beleza; de árvores enormes e grandes rios; de selvas emaranhadas e sufocantes, e pradarias imensas e ilimitadas; de penhascos elevados e terríveis, úmidos e sombrios pântanos febris, de fumegantes savanas extensas e grandes lagos. Uma terra de agradável verão, e inverno cruel e impiedoso. Uma terra de beleza e terror, uma terra de animais selvagens e homens mais selvagens ainda. Enormes feras percorriam as montanhas, planícies e selva. Através das noites, caminhava Na-go-sa-na, o castanho-amarelado, o Medo Que Anda Pela Noite, e Sa-go-na, o cruel dentes-de-sabre. Freqüentemente, sobre as planícies e por entre os matagais das savanas, pode ser vista a figura gigantesca de Ga-so-go, o mamute, a Colina Que Anda. Entre as savanas e na selva, Go-ha-la, a Besta Que Carrega Um Chifre Em Seu Nariz, lutava pela supremacia com o A-go-nun, o Vermelho, o monstro de outra era, com chifre em forma de cone. Nos pântanos e na selva fechada, vivam os Rastejantes; os portadores da Morte Que Queima. E, nos pântanos e no meio da savana mais profunda, reinava o E-ha-g-don, o monstro assustador de uma época anterior – os dinossauros. Assim era a terra onde morava meu povo, os Ta-an.

Através da planície e savana, e para dentro de um estuário, fluía um grande rio, o Rio da Água Azul. De um lado do rio, o lado azul, se erguiam penhascos moderadamente altos. Estes penhascos se erguiam abruptamente, alguns metros atrás da margem encharcada do rio. O topo era arredondado, se inclinando abruptamente para trás em direção à planície e terminando numa inclinação brusca, de algumas meias-dúzias de metros. No penhasco em frente ao rio, havia três fileiras de cavernas, uma sobre a outra; e, nestas cavernas, vivia a tribo. Os Ta-an eram umas 150 pessoas fortes. Muitas delas, é claro, eram mulheres e crianças, mas havia pelo menos 75 A-ga-nai, homens lutadores.

Ah, que vida era aquela! Uma vida de batalha; uma vida na qual o Medo espreitava feroz, da vida até a morte. Pois o homem era fraco e indefeso nestes dias, e o Medo sempre andava ao seu lado e, à noite, Ele dormia ao seu lado. Mesmo no sono, ele não o deixava, mas o acompanhava em seu descanso agitado e lhe perseguia os sonhos, de modo que, no meio da noite, ele subitamente acordava sobressaltado, agarrando suas armas rudes e com o suor lhe brotando da testa. Pois, quando os pensamentos de um homem acordado eram de Medo, seus sonhos também eram de Medo. Durante a vida, os homens seguiam, naqueles dias antigos, perscrutando, se movendo furtiva e cautelosamente, sempre prontos para fugirem ou lutarem como um rato encurralado. Passava seus dias com medo e vigilância, e suas noites em sono agitado e sonhos assustadores – sonhos nos quais o Medo espreitava pavoroso e horrível. Assim, ele ia pela vida e, finalmente, num momento de descuido, um movimento súbito nos longos capins, nos arbustos ou nos galhos altos, um corpo grande se lançando pelo ar, um instante de terrível agonia e medo horrível, e depois o som de ossos sendo mastigados por poderosas mandíbulas. Ou mais, o correr de uma forma pesada pelo chão, o rápido ataque-relâmpago de uma cobra, o espatifar de uma árvore caindo, o estalar que se segue ao partir de um galho podre, estas coisas anunciavam a Morte. Morte violenta e repentina.

No verão, a terra dos Ta-an era agradável, exceto pelo Medo. A maioria das frutas estava nas árvores, e as selvagens uvas-do-monte floresciam no limite dos pântanos. Riachos e rios abundavam em So-ga, assim como os peixes; e os homens das tribos os pegavam com lascas de ossos, amarradas às pontas de longas fibras, ou tiras de couro cru. Ba-a, o cervo, e O-ha, o Rápido, enegreciam a planície com sua quantidade e, entre a floresta em grandes manadas, perambulava Go-un, O Que Grunhe. Os matadores se fartavam com a carne dos comedores de capim, e seus ataques aos homens eram menos freqüentes. Os homens também se banqueteavam com os que tinham cascos, pois estes últimos eram bastante numerosos, e tão engordados pelo longo e exuberante capim, e as outras vegetações ricas, que eram descuidados do perigo e imprudentes, e a caça era boa. Os homens das tribos matavam e matavam, e não comiam no local; cortavam a carne em longas tiras, para secarem diante das fogueiras das cavernas para o inverno. As árvores, e a vegetação rasteira da selva e da floresta, eram verdes e aprazíveis. As colinas e penhascos eram cobertos por uma capa verde de vegetação, a qual lhes suavizava o contorno áspero e acidentado.




Fragmento sem Título e Inacabado


Assim me levantei e parti pela trilha na colina, e me deleitei ao notar que ela me seguia. Quando cheguei a um local menos amplo e escarpado no meio da colina, dei a volta ao redor de um enorme matacão, e depois voltei à trilha e esperei com certa alegria. Ah-lala ficou face a face comigo, antes de saber que eu estava perto. Eu a peguei pelos pulsos e a arrastei ao longo da vereda por alguma distância, antes que ela voltasse a si – de tão assombrada que estava –; e logo, ela lutava como um pequeno demônio.

Sorrindo, eu a subjuguei com facilidade, e logo ela parou de se debater e ficou me olhando ferozmente.

- Animal! – ela disse – Deixe-me ir!

- Zukor Na, pequena gata selvagem. – zombei dela.

Ela bateu furiosamente o pequeno pé.

- Não me chame assim! – ela disse, num arroubo de cólera.

Ri e olhei ao redor, sem achar o que eu queria.

- O que vai fazer comigo? – ela perguntou, um pouco assustada.

- O que eu deveria ter feito há muito tempo. – respondi – Bater em você.

- Você não vai! – ela gritou – Você não vai me bater.

- Você promete me deixar só? – perguntei a ela, esperando que ela me respondesse afirmativamente.

- Não! – respondeu de mau humor, como uma criança mimada.

Então, apesar dela se debater e defender, eu a enfiei sob um de meus braços e subi a trilha, desprezando a mim mesmo, mas ainda determinado.

Ao chegar a um local onde cresciam alguns arbustos ao lado da trilha, parei e deixei a garota cair. Agarrando-lhe os dois pulsos com uma de minhas mãos, arranquei vários galhos finos e longos. Senti que o que eu estava fazendo me degradava e rebaixava, e que eu nunca mais teria a mesma dignidade, mas me senti forçado a continuar aquilo que eu havia começado. Açoitar mulheres não era costume entre as tribos dos Magnard, embora fosse bastante comum. Isso sempre foi repulsivo para mim, embora ninguém da tribo achasse impróprio bater numa criança que merecesse, não importa a idade ou o sexo. Eu considerava Ah-lala não mais que uma criança travessa, e certamente eu havia sido bastante provocado.

Ela me observou sem se debater, até eu juntar os galhos finos e puxá-la à minha frente. Então, ela lutou com um desespero que me surpreendeu. Quando lhe subjuguei a revolta, ela arfou:

- Seu animal! Açoitar uma mulher!

Eu ri:

- Você falou em açoitar uma mulher? Qualquer um pode chicotear uma criança desobediente.

A raiva que resplandeceu de seu pequeno rosto foi tão furiosa e concentrada, que involuntariamente dei um passo para trás. Seus olhos ardiam completamente, e seus lindos lábios lhe recuavam dos pequenos dentes de uma forma surpreendente. Por um momento, ela me olhou furiosamente e depois se afastou tanto quanto meu aperto em seu braço permitiria, se recusando a olhar. Eu ficava cada vez mais desconcertado diante da garota surpreendente. Puxei-a em minha direção, e fui novamente surpreendido ao vê-la me observando com um olhar reprovador. Achei dificuldade em fazer frente àquele olhar direto, embora eu soubesse, e ela soubesse, que ela merecia ser açoitada. Mas seus olhos claros me fizeram sentir como se eu estivesse a ponto de matar um bebê inocente.

Esperava que ela começasse a lutar novamente, mas ela mudou completamente as maneiras.

- Por favor, não me açoite, Am-ra. – ela implorou, tentando timidamente soltar as mãos e depois desistindo – Por favor, não. Não me desonre assim, eu suplico.

Hesitei.

- Am-ra – ela disse, aparentemente abatida –, se me açoitar, lhe odiarei para sempre.

Que apelo ridículo! Mas, de alguma forma, aquilo me desonrou mais do que qualquer outra coisa que ela me disse.

Então, furioso comigo mesmo, e furioso com ela por ter me embaraçado daquele jeito, eu a girei sem muita gentileza e ergui as varas. Toda aquela fúria sobre o chicoteamento de uma jovem, mal saída da era do espancamento. Lembrem-se, antes de me condenarem, que, naquela época, tudo era primitivo e direto. Éramos animais robustos e, o que causaria horror a pessoas de uma época civilizada, era simplesmente algo comum naquela era.

Contudo, quando desci o olhar para a garota, à qual segurava tão indefesa, percebi que não conseguiria passar a vara por aquela figura esguia e encolhida. Com um rosnado de nojo diante de minha própria fraqueza, lancei as varas para longe.

- Não vou lhe chicotear, menina. – eu disse bondosamente, e Ah-lala abriu os olhos aos quais fechara tão firmemente quando me preparei para chicoteá-la.

Ela se debateu para se soltar.

- Então, por favor, deixe-me ir. – ela implorou.

- Espere. – eu falei – Primeiro, me conte por que me perseguiu tanto. Eu, com certeza, nunca lhe ofendi.

- Você o fez também. – ela respondeu, indignada.

- Mas como, em nome do Lobo Branco? – perguntei, desconcertado.

Ela pendeu a cabeça e ficou sem responder por algum tempo, e logo explodiu numa fala tão rápida e exasperada, que eu tive certa dificuldade em entender o que ela dizia.

- Você nunca me deu a menor atenção. – ela bramiu – Você seguia seu caminho e parecia não saber que eu estava no mundo! Você dedicava todo o seu tempo com




Tradução: Fernando Neeser de Aragão

Fonte: http://personas.egloos.com/3644369
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