Conan, O Vingador – trechos

(por Björn Nyberg e L. Sprague DeCamp)



Introdução:


Em um baile de estado em Tarântia, pouco depois de se casar com Conan, a Rainha Zenóbia é levada por um monstro alado. Recusando qualquer ajuda, Conan parte sozinho à procura dela. Em Khoraja, o feiticeiro Pelias, que ele outrora salvou da Cidadela Escarlate, diz a Conan que o raptor de Zenóbia é Yah Chieng, de Khitai. Pelias dá a ele um anel mágico (Rei Conan 1). No deserto, Conan se envolve em uma trama para capturar Thanara, uma cortesã de seu velho inimigo, o Rei Yezdigerd de Turan. Mas logo há uma virada de mesa, e Conan é capturado por Thanara com a ajuda do lótus amarelo, e levado para Aghrapur (A Vingança do Deserto/ Rei Conan 2). Conan se recusa a se curvar quando trazido diante de Yezdigerd em seu trono, e consegue escapar mergulhando de uma alta janela no Mar Vilayet. Retomando a capitania sobre alguns piratas que conheceu tempos atrás, ele planeja uma emboscada para Yezdigerd, que não resistiu à tentação de persegui-lo pessoalmente. Conan mata Yezdigerd, pondo fim a uma inimizade que começou no Vilayet durante o Cerco de Makkalet, mais de duas décadas atrás. Thanara é carregada por um demônio alado de forma idêntica ao que levou Zenóbia. Conan e sua tripulação se separam, e o Cimério parte sozinho para Vendhya (Conflito de Titãs/RC 2).


Traição no Oriente


- E como governa sua Alteza Real, a Devi? – perguntou Conan ao corpulento taberneiro, enquanto saboreava o aromático vinho de Vendhya.

Confiado em seu disfarce de kshatriya, ele havia se aventurado a entrar na taberna, não só para acalmar a sede, mas também para obter alguma informação sobre a encantadora mulher, cujo império ele havia salvado tempos atrás. Antigas lembranças lhe vinham à memória. No olhar do atento cimério, havia uma expressão de nostalgia. Embora a taberna estivesse quase vazia, o taberneiro assumiu um ar cauteloso e se aproximou dele, para poder falar discretamente.

- Ah, a Devi Yasmina governa com sabedoria e mão firme, apesar de não ter um consorte que a apóie. Mas a nobreza assegura que o trono necessita da presença de um espírito guerreiro. Correm boatos de que o primo dela, Chengir Khan, está de olho no poder supremo, e também na Devi. Até agora, no entanto, ela rechaçou suas propostas, mas a opinião do povo não demorará em obrigá-la a dar esse passo. A dinastia tem que perdurar: Yasmina terá que cumprir com seus deveres para com o trono e o país.

O roliço verdugo deu uma rápida olhada em direção à porta, que estava aberta. Ouviram-se passos pesados e ruído de armas, e um grupo de soldados parou em frente ao estabelecimento. Usavam escudos e espadas sobre as cotas-de-malha. Com disciplina profissional, pararam ante a ordem de seu comandante. O oficial veterano entrou na taberna e, depois de dar uma rápida olhada nos que estavam dentro, pousou o olhar na figura de Conan e se dirigiu para onde estava o taberneiro. Falou com este em voz muito baixa. Um par de garrafas empoeiradas passou por cima do balcão. O oficial guardou-as numa bolsa de seda que trazia na mão e, cumprida a sua missão, saiu com duas passadas largas e deu uma ordem taxativa. O destacamento se afastou com passo regular por onde havia chegado. Conan lançou um olhar indiferente à tropa, quando esta partiu. Só pensava em Yasmina, sozinha em seu palácio, governando o reino sem a ajuda de um consorte real. Mas logo encolheu os ombros e disse a si mesmo que os problemas internos de Vendhya não eram de sua incumbência naquele momento. Pelo contrário, ele deveria se preocupar com seus próprios assuntos. No dia seguinte, viajaria para o Oriente, em direção às bases mais próximas dos Montes Himelianos, e, para tão longa jornada, teria que estar bem descansado. Seu organismo colossal poderia agüentar sofrimentos inconcebíveis para um homem civilizado, mas apesar disso, quando se tratava de missões perigosas, o instinto do cimério o impelia a descansar o máximo que pudesse, como um predador antes de uma longa caçada.

- Taberneiro! – chamou Conan – Você tem um quarto para passar a noite? Estou exausto. Estas viagens pelo deserto esgotam qualquer um.


A noite do Oriente cobria a cidade de Ayodhya como um manto morno e acariciante. As estrelas brilhavam, esplendorosas como diamantes, contra a negritude do firmamento, e a lua minguante se recortava na direção oeste. Tochas e fogaréus iluminavam as ruas da cidade. Dos palácios vinham risadas, sons musicais e o sussurro de passos de dança, enquanto dos templos chegava aos ouvidos o som austero dos tambores e as vozes dos coros dos fiéis.

Conan acordou de repente, com os músculos tensos, dispostos a entrar em ação. Havia escutado um ruído na porta de seu quarto. Estava deitado em sua cama, vestido apenas com as calças de seda. Então, se levantou sem fazer o menor ruído, como um lobo alerta, e desembainhou a espada. Alguém girava lentamente a maçaneta. Quando a porta começou a se abrir, Conan se escondeu atrás dela. Então, apareceu uma figura pequena e coberta por mantos, que entrou com ar furtivo. O desconhecido parou, como que surpreso em encontrar o quarto vazio. Conan escutou com atenção. Não conseguia perceber nenhum ruído no corredor: era evidente que o misterioso visitante havia chegado só. Mas o propósito que o guiava era uma incógnita para o cimério. Qualquer vendhiano que reconhecesse Conan levaria consigo todos os sentinelas da cidade. Eram muitos os kshatriyas que não haviam esquecido o chefe dos bandidos de Ghor, embora houvesse passado muitos anos. O bárbaro não queria que a incógnita se prolongasse por mais tempo. Logo, saiu subitamente de trás da porta e, com a rapidez de um relâmpago, tapou com a mão direita a boca do desconhecido, que, pouco depois, jazia sobre a cama como um menino, apesar de sua desesperada resistência.

- O que lhe trouxe a este quarto? – perguntou Conan ao desconhecido, cujos olhos miraram-no assustados – Fale de uma vez, mas em voz baixa!

Ele tirou a mão da boca do cativo e afastou-lhe o véu do rosto. Tinha diante dele os lábios cheios, e o nariz reto e fino de uma mulher vendhiana. Com uma voz que lembrava as sinetas prateadas dos templos do país, a mulher respondeu:

- Vim lhe buscar para te levar ante minha ama. Ela soube de sua chegada e deseja falar contigo. Vista-se e me acompanhe. Depressa!

O cimério semicerrou os olhos com desconfiança.

- Por que vem com tanta pressa, garota? Sua ama não pode me deixar dormir em paz e mandar me chamar pela manhã?

- Durante o dia, muitas pessoas do palácio de minha senhora reconheceriam Conan de Ghor. E ela não quer lhe ver esquartejado entre dois elefantes selvagens.

Ao ouvir isto, o cimério ficou alerta e perguntou:

-Conan de Ghor, hein? Como você sabe quem sou? O que sua ama deseja, e quem é ela?

-Não posso lhe revelar, mas quando saí do palácio, ela me disse: “Se ele duvidar, diga-lhe que a moça galzai do Monte Yimsha deseja pagar-lhe as roupas que ele uma vez a ofereceu”.

Yimsha! Os pensamentos de Conan recuaram treze anos atrás, aos dias terríveis em que havia atacado os bruxos malignos do Círculo Negro, e fornecido a uma garota as roupas que comprara (com a ajuda de sua espada, mas pagando pelas peças) de uma moça galzai que ia buscar água num poço. A jovem a quem ele vestira era a própria Yasmina!

- Quer dizer que sua ama é a Devi? – ele perguntou, com um grunhido – Por que não me disse logo?

- De fato, é a Devi, e ela deseja vê-lo. Vamos logo!

Com a rapidez adquirida pela prática, o cimério se vestiu e se armou sem ajuda. A moça abriu silenciosamente a porta e olhou para fora. Logo, fez um gesto para Conan, e ambos desceram furtivamente as escadas e saíram na quente noite estival. O caminho era sinuoso; avançavam com toda a cautela. Não havia dúvidas de que eram certos os rumores sobre intrigas, que Conan escutara na taberna, já que a jovem parava freqüentemente para olhar rapidamente por cima do ombro. Por várias vezes, se desviou por estreitas ruelas, mais escuras que a própria noite, com o evidente propósito de confundir possíveis perseguidores.

Numa dessas ruelas, um enorme mastim de olhos brilhantes avançou sobre eles, com as mandíbulas babando, vindo de uma porta entreaberta. Uma rápida facada do cimério deixou o cão sem vida sobre o chão de pedra. Depois, apareceu um grupo de homens esfarrapados no final da rua, obstruindo-lhes a passagem. O sorriso branco de Conan, e o ar decidido como agarrou sua espada, fizeram os vagabundos – sem dúvida, ladrões ocasionais – saírem a toda pressa. Nenhum outro perigo voltou a ameaçá-los pelo caminho.

Logo, concluíram o trajeto. Encontravam-se diante da elevada muralha que cercava o palácio real, cujas altas torres se destacavam contra o céu. O cimério sentiu o aroma das flores e dos frutos exóticos que haviam nos jardins internos. A moça examinou a superfície do muro, e finalmente pressionou duas saliências ao mesmo tempo. Sem fazer o menor ruído, uma parte da parede se abriu para dentro, deixando à mostra uma passagem tenuemente iluminada. A moça passou à frente, enquanto, levando o indicador aos lábios, impunha silêncio a Conan. A porta secreta voltou a se fechar às suas costas, e Conan seguiu sua guia com a mão direita apoiada no cabo da espada. Estava certo de que Yasmina não pretendia lhe fazer mal algum, pois, neste caso, não o teria chamado daquele modo. De qualquer forma, o cimério estava alerta, como de costume. Subiram uma escada de pedra, passaram por corredores escuros e finalmente pararam diante de uma porta. A moça observou através de um olho-mágico que havia à altura dos olhos; logo, empurrou uma alavanca, e a porta se abriu. Ao entrar, a moça lhe falou:

- Espere aqui, meu senhor, e direi a minha ama que chegaste.

A jovem saiu da câmara com o passo apressado, enquanto Conan encolhia os ombros e olhava distraidamente o quarto no qual se encontrava. Este estava repleto dos ricos objetos, típicos de um monarca oriental. Havia belos tapetes de seda, taças e frascos incrustados de pedras preciosas, e móveis de madeiras ricas. Mas um estilo delicado realçava todo aquele luxo. Conan percebeu que se tratava do quarto de uma mulher, já que, a um lado, se via uma penteadeira com seu caro espelho turaniano. Em cima desta, estavam dispostos alguns frascos de jade, prata e ouro, que certamente continham valiosos ungüentos do Oriente. A presença feminina também era percebida no esplendor de uma grande cama com suas cortinas de seda, que pendiam de um dossel de rico tecido shemita.

Conan assentiu com a cabeça, como que aprovando a qualidade e o gosto do que observava. Embora fosse um curtido guerreiro, seus dias como rei haviam lhe ensinado a se cercar de um ambiente cômodo, embora não excessivamente opulento.

Seus pensamentos foram interrompidos quando ele ouviu um ruído às suas costas. Virou-se rapidamente, com a mão no cabo da espada, mas parou imediatamente. Quem acabava de entrar era Yasmina. Quando a viu pela primeira vez, ela estava em sua tenra juventude: tinha apenas vinte anos. Treze anos depois, era uma linda mulher madura. A sabedoria com a qual governava seu país se refletia no olhar, mas o vestido justo de seda que usava revelava que a figura juvenil de outrora havia se transformado no corpo desejável de uma mulher na plenitude. Era tal a beleza das formas daquele corpo, que muitos poetas ficaram famosos descrevendo-o. Se fosse vendida no mercado de escravas de Sultanapur, sem dúvida dariam por ela mil moedas de ouro. O belo rosto de Yasmina se encheu de alegria; ela parou a dois passos do cimério, e murmurou, com os braços entreabertos:

- Meu caudilho das montanhas, você voltou!

Conan sentiu o sangue latejar nas têmporas, quando avançou e tomou a mulher em seus braços. Enquanto apertava o corpo ardente e esbelto de Yasmina contra o seu, ela acrescentou:

- Ninguém nos perturbará. Ordenei aos sentinelas que se retirem esta noite. O acesso a este quarto está bloqueado por fortes trancas. Me ame! Durante treze anos, desejei sentir seu braço em minha cintura. Não voltei a ser feliz desde que nos separamos, depois da batalha do vale de Femesh. Me tome em seus braços, e faça com que esta seja uma noite que nenhum de nós dois jamais possa esquecer!


Em outro lugar do palácio, havia cinco homens, sentados numa câmara ricamente mobiliada. De vez em quando, tomavam goles de umas jarras de ouro, enquanto escutavam um deles, um indivíduo alto e de pele morena.

- Agora é o momento! – dizia este – Esta noite! Acabo de saber que Yasmina mandou retirar os vinte sentinelas que sempre protegem seus aposentos. Certamente, terá sido o capricho feminino, mas servirá perfeitamente para nossos fins.

- Milorde Chengir. – disse outro dos presentes – É realmente necessário matar a Devi? Já combati tropas turanianas na fronteira, e abri caminho entre as ciladas que os montanheses armaram para nós, mas não me agrada a idéia de matar uma mulher a sangue frio.

O homem alto sorriu, e logo disse com firmeza:

- Tampouco me atrai o assunto, Ghemur, mas é indispensável para os interesses de Vendhya. O país precisa de novos ares, novas conquistas que aumentem nosso poder. A Devi debilitou a fibra de nossa nação com seu governo pacífico. Nós, que sempre fomos uma raça de guerreiros, agora perdemos tempo supervisionando a construção de estradas e diques para benefício das sujas castas inferiores. É necessário que ela morra. Logo, eu, como herdeiro da coroa, guiarei os kshatriyas para novas conquistas. Forjaremos um grande império na costa de Khitai, de Uttara Kuru e de Turan. O sangue escorrerá, e varreremos os ariscos montanheses dos Montes Himelianos. Todo o Oriente estremecerá ante o impulso de nossa investida! Dia e noite, as caravanas, de camelos carregados com ricos saques, chegarão a Ayodhya. Estão dispostos a me seguirem?

Quatro espadas curvas saíram parcialmente de suas bainhas douradas, e um murmúrio de concordância geral se ouviu na câmara. O príncipe lhes fez sinal para que guardassem silêncio.

- Não tão alto, meus amigos. – ele disse – Lembrem que quase todo mundo é leal a Yasmina. São poucos os que têm nossa visão de futuro. Se iniciarmos uma revolta abertamente, as tropas e o povo nos farão em pedaços. Mas, se ela morrer assassinada secretamente... É claro que eu, seu primo e herdeiro, me esforçarei cuidadosamente para procurar os malvados criminosos. Talvez eu mande executar um par de vítimas adequadas... depois de ter ordenado que lhes cortem as línguas. Após um adequado período de luto, reunirei meus exércitos e atacarei nas direções norte e leste. Meu nome aparecerá na história, junto ao dos grandes conquistadores da antiguidade!

Os olhos do príncipe brilharam intensamente. Ele se ergueu com atitude imperiosa, e acrescentou:

- E agora, amigos, empunhem suas espadas e cubram-se com as máscaras. Vamos até os aposentos de Yasmina por uma passagem secreta. Nosso dever para com o reino estará cumprido em menos de uma hora!

Após ele dizer isto, cinco nobres mascarados saíram da câmara, dispostos a degolar uma mulher indefesa.


A tênue luz das estrelas se infiltrava no interior do quarto da rainha, quando Conan despertou pela segunda vez naquela noite. Seus ouvidos sensíveis haviam captado um ruído suave, quase inaudível. Qualquer homem comum que o escutasse iria atribuí-lo às ratazanas, ou ao vento, e, depois de se virar no leito, voltaria a dormir.

Mas Conan não era um desses. Despertou imediatamente, e decidiu investigar. Seu instinto de bárbaro estava exacerbado. Enquanto, com a mão direita, procurava a espada e a desembainhava, com a esquerda afastava um pouco as cortinas do dossel da cama e dava uma olhada no quarto. Yasmina dormia com um suave sorriso nos lábios.

O cimério não precisou sequer ver o aço nas mãos das cinco figuras sombrias, levemente destacadas contra as grandes janelas, para saber que se encontrava diante de um perigo mortal. Homens mascarados não costumam adentrar furtivamente o quarto de sua rainha, a menos que tenham intenções sinistras. Conan se encolheu como um felino, com a espada em punho e a ira no coração. Os assassinos se aproximaram mais ainda e levantaram as adagas, dispostos a darem as navalhadas que elevariam um novo monarca ao trono de Vendhya.

Quando um deles ia afastar as cortinas do leito, o cimério entrou em ação com a rapidez do pensamento. Deu um salto felino, e o homem que estava mais próximo caiu gravemente ferido, antes que os demais houvessem se recuperado da surpresa. Sua espada atacou com a rapidez de uma cobra. Com um estalo metálico, afundou o capacete e a cabeça de outro atacante. O cimério empurrou o corpo inerte contra os que vinham atrás, detendo-lhes a investida. Logo depois, ele deteve com a espada um golpe, dirigido às suas pernas por um dos que haviam evitado o cadáver de seu companheiro. Com um terrível golpe, o bárbaro deixou fora de combate o primeiro atacante, que caiu ao chão enquanto o assassino desabava feito um novilho.

Conan avançou sobre os dois atacantes, e estes se defenderam com seus sabres, certos de que suas vidas estavam neles. Uma ira insana brilhava nos olhos do bárbaro; fazia chover poderosos golpes e saltava de um lado a outro, para evitar que o surpreendessem de direções distintas.

- Tentando matar uma mulher em sua cama, hein, chacais? Covardes! Cães! Qualquer traidor stígio é um lutador valente ao lado de vocês. Mas esta noite, não se derramará mais sangue que o de vocês, malditos!

A lâmina de Conan brilhava como um facho de luz mortal. Um terrível golpe acabou com um dos adversários mascarados. O único que restava recuou até uma parede. Yasmina, naquele momento completamente desperta, ficou de pé junto à cama, observando a luta com a respiração presa. De repente, ela gritou de terror, ao ver que Conan escorregava no sangue que havia no chão, e caía de bruços sobre um dos cadáveres. O inimigo saltou para a frente, com um brilho maligno em seus olhos escuros. Levantou a espada, enquanto Conan se virava para levantar-se e se encontrava à mercê de seu atacante. De repente, o conspirador abriu a boca, lançou um gemido e, depois de gaguejar, despencou ao mesmo tempo em que lançava um sinistro gargarejo. Atrás dele, se via a figura esbelta de Yasmina. Das costas do kshatriya morto, se sobressaía o cabo da adaga que ela lhe havia cravado, bem a tempo de salvar a vida do amante.

Conan se livrou da capa onde havia se emaranhado, e ficou de pé. Estava coberto de sangue da cabeça aos pés, mas seus olhos azuis brilhavam com o fogo indomável de sempre.

- Tive sorte de você ter sido rápida com o punhal, garota. – disse o cimério – Se não fosse por você, a esta hora eu estaria fazendo companhia a estes fidalgos. Por Crom, que foi uma luta e tanto!

A resposta de Yasmina estava cheia de inquietação feminina.

- Você está sangrando! – ela exclamou – Vem comigo, e curarei seus ferimentos.

- Não são mais que arranhões. – respondeu Conan, limpando-se do sangue com o turbante de um dos assassinos mortos – A derrota destes velhacos tinha que ter algum preço.

- Eu também devo agradecer aos deuses por estar comigo. Se não fosse por isso, eles teriam alcançado o objetivo que perseguiam. – disse a Devi, com a voz vibrando de emoção, e acrescentou: – Jamais pensei que planejavam me assassinar! O povo considera meu governo justo, e tenho o respaldo das tropas da maior parte da nobreza. Talvez Yezdigerd de Turan tenha enviado alguns assassinos mascarados aos meus aposentos para me matarem.

- Yezdigerd não voltará a incomodá-la. – assegurou o cimério – Ele está morto. Eu o matei em seu próprio barco. Mas, vamos ver quem são estes. Tire suas máscaras.

A Devi arrancou o véu que cobria o rosto do homem a quem ela havia apunhalado, e recuou, cheia de assombro e espanto.

- Chengir, meu primo! – exclamou – Ah, negra traição que enlouquece os homens! Amanhã, cabeças rolarão por isto!

Yasmina agitou suas tranças escuras, como as plumas de um corvo, e seus olhos se voltaram para o rosto inescrutável do cimério.

- Sei que preciso de um homem ao meu lado. – ela disse – Governe Vendhya comigo, como consorte, Conan! Amanhã, anunciaremos o nosso noivado, e dentro de um mês se celebrará um casamento, com cerimônias e festividades, como o país não vê há um século. Eu te amo. Compartilhe da minha sorte!

Ela o abraçou apaixonadamente, apertando seu corpo esbelto e jovem contra o vigoroso corpo do cimério, enquanto lhe cobria os lábios de beijos. O bárbaro sentiu que sua razão vacilava, mas finalmente sacudiu a cabeça e afastou suavemente a mulher, mantendo-a distante.

- Bem sabe Crom, garota, que você me faz uma oferta tentadora. – ele disse – Eu vi poucas mulheres tão belas quanto você, e tão sensatas. Qualquer homem abençoado com sua mão em casamento pode se considerar o favorito de cem deuses. Há dez anos, quando eu era um soldado errante, sem dúvida teria aceitado. Mas agora não posso fazê-lo. Agora, tenho meu próprio reino, o da Aquilônia, no Ocidente, que é a nação mais poderosa do mundo. Também estou casado, mas um feiticeiro maligno de Khitai raptou a minha esposa, e jurei não descansar até resgatá-la. Eu não seria um homem, se não mantivesse esse juramento. Case-se com algum de seus súditos. Todos eles se sentirão mais satisfeitos, governados por um rei de sua própria raça. Eu devo partir amanhã para os Montes Himelianos.

Os olhos de Yasmina se cobriram com um véu brilhante, quando ela, cheia de amor, olhou para o cimério.

- Os deuses dão a felicidade, mas logo tiram-na. – ela disse, com resignação – Talvez deva ser assim, pois, do contrário, a fortuna seria contínua e deixaríamos de apreciá-la em todo o seu valor.

Logo, seus olhos clarearam, e um sorriso travesso aflorou em seus lábios.

- Você irá amanhã, sim – ela acrescentou –, mas ainda faltam várias horas para o amanhecer. Vamos passá-las de forma mais proveitosa que uma ociosa conversa sem importância!

Eles voltaram a se unir num intenso abraço, enquanto as estrelas resplandeciam, com brilho gelado, nos olhos dos assassinos frustrados.


Conan parte, e cruza a vastidão gelada das Montanhas Himelianas, enfrentando leopardos da neve e abomináveis homens da neve. Chegando às selvas a oeste de Khitai, ele salva uma jovem mulher chamada Kang Lou-Dze de soldados e de um enorme dragão. Ele fica sabendo que Yah Chieng e suas hordas bárbaras conquistaram Khitai. Por Conan preencher os requisitos da profecia de que um rei salvaria o povo conquistado, muitos guerreiros khitaianos o seguem até a capital, Paikang. Ele mata Yah Chieng e o demônio alado, e salva Zenóbia - com uma pequena ajuda providencial, apesar de incomum, de Crom, deus chefe dos cimérios (O Resgate da Rainha/ Conan Rei 6/ Rei Conan 3).


Epílogo:


Dois montadores pararam seus cavalos, na interminável e árida estepe. Um deles era um gigante usando cota-de-malha e capacete, e armado com uma grande espada reta que lhe pendia do cinto. O outro era uma mulher esbelta, usando a roupa de equitação dos nômades orientais. Com a mão direita, ela empunhava um arco khitaiano bicurvo. No solo, diante deles, jaziam duas figuras inertes, em torno das quais cresciam poças de sangue carmesins. Usavam capacetes pontudos, e os turbantes que os cobriam estavam cheios de poeira. Uma poeirada que se erguia para leste indicava o lugar por onde fugiam loucamente seus cavalos sem montadores.

- Batedores de uma tropa turaniana, Zenóbia. – disse o gigante de cota-de-malha – A má sorte os levou a se cruzarem conosco, quando nossos cavalos estão fatigados e ainda temos de percorrer muitas milhas para estarmos a salvo. Também foi azar um deles ter escapado.

- Não percamos mais tempo. – disse a mulher, com voz harmoniosa – Devemos cavalgar tão longe quanto possível para oeste. Quem sabe? Talvez ainda possamos escapar.

Conan encolheu os ombros e fez seu cavalo dar meia-volta. O curto descanso havia reanimado os animais, que iniciaram o galope para o horizonte ocidental, de onde as montanhas eram mal visíveis, apesar do ar claro e do sol brilhante.

- Nota-se que você não conhece os hirkanianos. – grunhiu Conan – São como um bando de cães selvagens. Nunca abandonam sua presa, a menos que um acabe com todo o grupo.

- Talvez seu contingente principal esteja distante. Temos que chegar aos bosques, antes que nos alcancem.

- Duvido. Os batedores turanianos não costumam se afastar muito da coluna principal. Aprendi seus costumes, quando servi em suas fileiras. Costumam cavalgar em coluna pelas estepes. Quando se aproximam de sua presa, formam uma linha e, após apressarem seus cavalos, que são muito resistentes, aceleram as alas e capturam suas vítimas após cercarem-nas. Maldito azar! Havíamos viajado sem nenhum inconveniente até agora, e eles vêm nos surpreender justo quando estávamos prestes a alcançar a liberdade!

Os cavalos começaram a respirar com dificuldade. Conan puxou as rédeas para manter no alto a cabeça de seu corcel. Logo, voltou a puxar as rédeas e, quando o animal parou, ele protegeu os olhos com a mão e olhou para o leste. Uma grande nuvem de poeira cobria o horizonte. No meio dela, se destacava de vez em quando algum brilho metálico, e a terra ressoava com um rumor distante sob os cascos dos cavalos. Conan apertou os dentes e empunhou sua espada, que assobiou no ar. Um sorriso belicoso aflorou em seus lábios, e Zenóbia olhou para ele com amor e devoção. “Se este tiver que ser o último combate – pensou Conan –, que seja”. Lutaria até envergonhar a mais de um heróico semideus. Seus olhos azuis brilharam com o desejo de batalha, e sua mão agarrou o cabo da espada com tremenda força. A extensa nuvem de poeira se aproximava cada vez mais. Já podiam avistar a larga linha de cavaleiros que se estendia à direita e à esquerda. No centro, cavalgava um homem com chamativa roupa vermelha e dourada, e próxima a ele, uma figura menor, vestida com roupas de seda. Ao ver esta, Conan sentiu um leve estremecimento e procurou aguçar sua visão de águia. Logo, resmungou uma terrível praga. Zenóbia já havia preparado uma flecha em seu arco, e interrogou o cimério com o olhar.

- Aquela infernal Thanara! – exclamou o rei da Aquilônia – Nosso amigo de asas de morcego salvou-a das Zhurazi, e agora ela volta novamente para me capturar!

Os cavaleiros estavam tão próximos, que já se podiam ouvir seus prolongados gritos de guerra. As pontas das lanças já estavam baixas, como uma onda reluzente; o solo se estremeceu sob os trovejantes cascos dos cavalos. Conan contraiu os músculos e, com ar sombrio, se preparou para lutar com os atacantes.

De repente, os inimigos diminuíram o passo. Alguns cavalos deram meia-volta, e a ordem da linha de ataque se quebrou. Conan se ergueu sobre sua sela para ver se descobria o que havia causado aquela mudança repentina. O sol brilhava ofuscante sobre as armaduras polidas, os elmos, as lanças afiadas e as espadas de um forte contingente, que havia aparecido pelo lado oposto. Num ataque irresistível, uns quatro mil cavaleiros aquilonianos se lançaram contra os turanianos, com sua bandeira flutuando ao vento.

As fileiras hiborianas se dividiram ao alcançarem Conan e sua rainha, para deixá-los no meio, e logo atacaram os turanianos com a força cegante de um raio. Inflamado pela ânsia de batalha, Conan também se lançou sobre o inimigo. Sua espada se abateu sobre o capacete de um corpulento lanceiro turaniano e o derrubou da sela. O rei da Aquilônia abandonou rapidamente seu cavalo, que estava exausto, e montou no corcel do turaniano. Logo, avançou diretamente ao núcleo central de seus adversários, abrindo um caminho sangrento em sua passagem. Depois, Conan acertou um poderoso golpe na lateral de um arqueiro que lhe apontava quase a queima-roupa, e levou o homem ao solo, como se fosse um boneco. Logo, se defrontou com o chefe das tropas inimigas, que não era outro senão Ardashir.

- Voltamos a nos encontrar, cão bárbaro! – exclamou o homem alto, vestido de vermelho e dourado – Sua cabeça apodrecerá sobre as muralhas do castelo de Lady Thanara!

- Vejo que você perdeu o juízo. – rugiu o cimério, trocando golpes com a ferocidade controlada do lutador nato – Isso se deve, certamente, ao fato de você ter se tornado o sicário dessa cadela traiçoeira. Não serei eu, mas você, quem cairá. Apodreça no inferno!

Redobrou a força e rapidez dos ataques de sua brilhante espada. Os movimentos defensivos de Ardashir finalmente falharam, e a lâmina implacável cortou a malha de aço, a carne e os ossos. O turaniano caiu morto ao chão.

Conan fez uma pausa e olhou os arredores. O solo estava semeado de cadáveres que usavam capacetes pontiagudos e calças largas. Os aquilonianos haviam sofrido poucas baixas, mas a maior parte dos cinco mil turanianos jazia sem vida sobre a estepe. As linhas brilhantes dos cavaleiros ocidentais convergiam para os pontos onde a luta ainda continuava.

Então, o restante dos turanianos largou as armas e pediu trégua. Uns poucos fugiam para o horizonte, perseguidos pelos vencedores. Conan sorriu sombriamente, e olhou ao seu redor, em busca de Zenóbia. Apenas os extraordinários reflexos do bárbaro lhe salvaram a vida. Uma flecha veio assobiando. Um segundo antes, ele tinha visto, pelo rabo do olho, o movimento ameaçador de um arqueiro, e por isso se abaixou a tempo. A pouco mais de seis metros de distância, Thanara – pois ela era o arqueiro a quem o cimério tinha visto – colocou outra flecha no arco, com o rosto contraído de raiva. Ela puxou a corda e, naquele exato momento, uma flecha se cravou em seu peito. A mulher despencou sobre o solo de areia. Próxima a Conan, Zenóbia contemplava, de seu cavalo, o resultado de sua perícia no manejo do arco.

- Nenhum homem teve uma esposa melhor, e nenhum rei uma rainha melhor! – exclamou o bárbaro, ao mesmo tempo em que erguia Zenóbia do cavalo e montava-a sobre sua própria sela – Prospero! Trocero! – gritou o cimério, e ergueu-se uma pequena nuvem de poeira quando o punho de Conan golpeou carinhosamente os ombros de seus fiéis seguidores – Se não chegassem na hora exata, como fizeram, esses cães teriam acabado conosco. Como chegaram até aqui? Mal posso acreditar!

Prospero, esbelto, ereto e de olhar vivaz, respondeu:

- Pelias nos guiou. Desde que foste embora, eu o visitei freqüentemente. Através das artes ocultas, ele predisse o sucesso de tua tarefa, e teu regresso. Previu que serias atacado aqui, na fronteira, e nos colocamos a caminho para evitá-lo. Entretanto, nos perdemos pelos Montes Coríntios e tivemos a sorte de não chegar tarde demais.

- E como vai nosso reino, Trocero?

- Milorde, o povo anseia por teu regresso. Quando nos afastávamos de Tarantia, eles nos dirigiam tantas bênçãos quanto poucos poitainianos sonhariam receber. Estamos em paz, e ninguém tem ousado nos atacar. As colheitas frutificam, e o país nunca conheceu tanta prosperidade. Só nos faltava a presença de nosso querido rei e de sua rainha, para transbordar a taça de nossa felicidade e fortuna.

- Muito bem dito, amigo! – disse Conan, com ar satisfeito – Mas, quem vem lá? Que me condenem, se não for Pelias!

De fato, era o feiticeiro. Alto, delgado e de cabelos brancos, vinha com suas amplas roupagens ondulando ao vento, e um sorriso nos lábios.

- Bem vindo, rei Conan. – ele disse, cheio de sinceridade – Transcorreram muitas luas, desde que nos vimos pela última vez em minha torre. Livraste o mundo de um monstro insaciável, e, diante de nós, apresenta-se um futuro promissor.

- E devo lhe agradecer, Pelias, tanto por esta ajuda oportuna, quanto por ter me dado o anel que agora lhe devolvo.

Dizendo isto, o cimério tirou de sua bolsa o Anel de Rakhamon.

- Deve ficar com ele. – acrescentou – Ele me serviu maravilhosamente em duas ocasiões, mas eu espero jamais necessitá-lo por motivos similares.

Conan deu uma última olhada ao sangrento campo de batalha. Logo, ele esporeou o cavalo e se dirigiu para oeste, à frente de seus cavaleiros. Então, disse em voz baixa a Prospero, que cavalgava a seu lado:

- Por Crom, depois de toda esta conversa fiada, estou com a garganta mais seca que os desertos stígios. Acaso tem algum odre de vinho em sua sela?




Tradução: Fernando Neeser de Aragão (fernando_arag@yahoo.com.br / fernando.neeser2@bol.com.br).


Fonte: http://members.fortunecity.es/umla1/escritores/howard/10.conan_el_vengador.htm
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