em 07/10/2004
INTRODUÇÃO
Muito já se contou sobre o nascimento de Conan, que teria sido em "um campo de batalha, na Ciméria, durante uma escaramuça entre sua tribo e uma horda de saqueadores vanires". Entretanto, a editora norte-americana Marvel Comics, que lançou Conan nos quadrinhos mundiais, nunca transportou esse acontecimento para uma história em quadrinhos, apenas como flash-backs nas histórias de Conan. Talvez considerassem isso sem importância suficiente para ocupar mais do que alguns quadros, ao invés de 22 páginas, como é o caso de uma história simples. Desta forma, senti-me à vontade para escrever sobre isso, procurando, é claro, manter-me fiel ao que consta nos contos e quadrinhos de Conan, adaptados ou criados. Um fato curioso em tudo isso, diz respeito aos nomes dos parentes de Conan, como o avô, por exemplo.
Embora na Cronologia de Conan, compilada por Roy Thomas (e apresentada na extinta revista Conan, o Bárbaro, e também no site Crônicas da Ciméria), apareça o nome do avô de Conan como Corum, algumas divergências já surgiram em outras histórias.
Em Conan Cores nº 12, por exemplo, na história "A Voz de Alguém Há Muito Perdido", o roteirista J. M. de Matteis mostra o avô de Conan como sendo Drogin, mas não especifica se é materno ou paterno, apenas que trouxe o segredo do aço, junto consigo, do sul. Já na ESC 112, na história "O Coração do Velho Garrad", Roy Thomas evidencia que o nome do avô de Conan é Corum, mas também não especifica se é avô materno ou paterno. Na ESC 130, na história "Dia da Maturidade", também de Roy Thomas, em um dos recordatórios está escrito: "Corin (o pai de Conan) sente-se orgulhoso por ter dado ao filho o nome do seu pai, que pereceu no dia do nascimento do bebê". Surge daí mais uma dúvida sobre o nome do avô de Conan.
Quanto ao nome de seu pai, há um consenso: chama-se Corin. Já sua mãe, citada na Cronologia como Gresham, também já foi chamada de Gudrun, como visto em ESC 101. Ao que parece, ela tinha cabelos castanhos, como visto em ESC 130 (Dia da Maturidade). Segundo Howard, Conan era fruto de cruzamento sanguíneo, mas foi criado como um cimério puro. Desta forma, porque sua mãe não poderia ser descendente de alguma outra raça do norte, como os aesires, por exemplo? Conan ainda teve uma irmã chamada Siobhan; e também um suposto irmão, apresentado em Conan Saga 9 (Laço de Sangue), que se chamava Aniki.
Como nem a Marvel Comics, nem Roy Thomas, decidiram-se como chamar os parentes próximos de Conan, tomei a liberdade de chamar o avô paterno de Drogin e o materno de Corum.
Agradecimentos especiais aos meus amigos conanmaníacos Fernando Neeser de Aragão e Dionísio Pedro de Alcântara Lisboa, ambos de Salvador-BA, que me auxiliaram em muitos detalhes neste conto.
O NASCIMENTO DE CONAN
(por Osvaldo Magalhães)
CORIN, O FERREIRO
CORIN, O FERREIRO DA TRIBO DOS FALCÕES DA NEVE, voltava mais cedo para sua aldeia, saindo próximo do fim do dia de sua oficina de ferreiro, dentro de uma caverna, em uma das montanhas próximas. Segurando em sua mão esquerda um saco de peles, com as ferramentas de seu ofício, e na direita uma grande espada de ferro azul, que foi o resultado de um dia de trabalho, ele seguia a passos largos e felinos.
A cada passo, seu gigantesco e hercúleo corpo moreno fazia ranger o fino cascalho sob os pés, e os seus olhos cinzentos, encimados por uma cabeleira negra, moviam-se alertas de um lado para o outro. Sua barba negra escondia um rosto carrancudo e severo; um rosto marcado de cicatrizes adquiridas em constantes batalhas e pelejas renhidas.
Ele descia por uma trilha precária, de terra negra salpicada de neve; ladeada por grandes abetos negros que se antecipavam à densa floresta que precedia a aldeia, à sua direita. À sua esquerda ele podia ver um enorme penhasco, depois do qual havia inúmeras montanhas de picos gelados, cobertos de neve, que mal se podiam ver, escondidos que estavam pelas cinzentas nuvens da Ciméria. O céu, escuro e nublado, era triste e monótono. Sim, a Ciméria era a sua terra natal, uma nação setentrional e montanhosa, disputada por clãs de nativos furiosos e, mesmo assim, ainda ferozmente defendida. Havia, é claro, muitos inimigos além de suas fronteiras: os odiados pictos mais ao sul e os vanires ao norte. Também tinha os aesires, mas esses não eram inimigos jurados dos cimérios, às vezes até amigos.
Corin não se importava muito com os inimigos desde que eles se mantivessem longe de sua aldeia e de sua família. Sua mulher, Gresham, estava grávida havia alguns ciclos, e por esse motivo Corin passou a ir mais cedo para sua aldeia. Ele ficava preocupado com sua companheira, que agora passara a sentir constantes dores e já não podia ajudá-lo mais na oficina. Era ela quem fazia o acabamento nas espadas de ferro, enfaixando os cabos com couro cru e lapidando os enfeites; além de afiar a lâmina.
Ao pensar na esposa o rosto duro de Corin se consternava e adquiria uma expressão de admiração. Gresham foi uma grande conquista, a mais bela mulher da aldeia, que aceitara os gracejos de um ferreiro em detrimento dos elogios dos poderosos guerreiros da tribo. Gresham, dos olhos azuis que, como dizem os antigos, é a cor do desconhecido mar. Gresham, dos cabelos castanhos e do corpo esguio e bem feito, dos seios firmes e cintura delgada. Embora as mulheres cimérias sejam belas, sua esposa se destaca na aldeia como uma pantera se destaca das lobas. Sim, e Gresham lhe daria um belo e forte filho, que seria educado como os demais garotos cimérios: como um guerreiro; e aprenderia o ofício de ferreiro também, assim como lhe foi ensinado por seu pai, Drogin.
De repente, ao sair de uma estreita garganta, Corin estancou como uma estátua de bronze e seus olhos cinzentos estreitaram-se sob as espessas sobrancelhas negras. Ele avistou uma enorme coluna de fumaça, negra e densa, aparentemente vinda de sua aldeia.
- Crom! - a interjeição veio como um estalo, um reflexo involuntário, porque Corin sabe que invocar Crom, o deus sombrio dos cimérios, não ajuda mais do que se jogar em um abisso.
Largando o saco de couro, ele empunhou firmemente a espada que trazia na mão direita e começou a correr desesperadamente pela trilha. Arranhando seus braços e pernas nos galhos baixos de algumas plantas e árvores, ele pulava e se agachava como um puma sem diminuir a velocidade de suas passadas. Seu rosto, que há poucos instantes estava plácido de admiração pela esposa, se tornara um esgar de aflição e desespero. Na corrida, sua túnica de pele de urso enganchou-se em um galho seco e Corin nem percebeu que rasgara a vestimenta por completo, mal parando para isso.
Aproximando-se da aldeia o bárbaro já ouvia o clangor de aço contra aço; o grito frenético de guerreiros; o choro de crianças e o lamento de mulheres; o latido de cães e o crepitar do fogo que tomava as choupanas.
O vento gélido trazia o cheiro de medo, de suor e de fumaça; misturado ao fedor de carne queimada e de sangue fresco.
Corin adentrou a aldeia como um relâmpago, deparando-se com inúmeros guerreiros vanires e cimérios, que engalfinhavam-se e separavam-se numa alternância confusa e barulhenta, em meio a gritos de guerra e ruidosas gargalhadas. Mulheres e crianças corriam de um lado a outro, perseguidas por vanires ou defendendo-se como feras acuadas. Algumas choupanas da aldeia já ardiam sob chamas vermelhas, mas os homens não se preocupavam em apagá-las.
Apesar de ferreiro, Corin era um excelente guerreiro e ao girar sua espada, duas cabeças ruivas rolaram de seus respectivos pescoços e uma mão solitária, que empunhava um machado de duas lâminas, caiu na neve manchada de vermelho.
Em seguida, Corin se dirigiu para sua choupana.
GRESHAM, A BELA
GRESHAM, FILHA DE CORUM, o ancião, estava deitada em seu catre, sentindo fortes dores e rodeada de mulheres mais velhas, que lavavam adagas e panos com água quente. Seus longos cabelos castanhos estavam empastados em suas costas e sua rústica vestimenta de pele de lobo estava encharcada de suor frio. Em sua boca havia um grosso pano enrolado entre os dentes. Ela estava assustada. Seus radiantes olhos azuis refletiam as chamas alaranjadas que brotavam da pequena fogueira a um canto da choupana e das tochas encaixadas nas paredes. Ela pensava em seu marido, Corin, que deveria estar ansioso em sua oficina, pensando no eminente nascimento de seu primeiro filho com ela - embora nenhum dos dois soubesse ao certo o sexo do bebê, mesmo com os insistentes palpites das anciãs da aldeia, que diziam ser um menino e não uma menina, como esperava Gresham.
Elas estavam na choupana de Corin e Gresham. As paredes eram feitas de finos troncos de madeira e vedadas com uma massa de barro e folhas; o telhado, um pouco alto, era de colmo; no centro da cabana havia um grosso tronco que servia de base de sustentação para os galhos sob o telhado. Era uma choupana quadrada, assim como as outras da aldeia.
Agora, numa sucessão de pontadas doloridas vindas de sua barriga, a garota ciméria aguarda, apreensiva, o momento decisivo, arqueando e respirando sofregamente, emitindo grunhidos agudos e espaçados.
As mulheres ao seu redor conversavam muito, gesticulando entre si. A mais velha era Gendha, a mãe de Gresham, uma parteira experiente e responsável pelo nascimento de vários bebês nos últimos períodos lunares; ofício aprendido em sua terra natal Aesgaard. Gendha fora raptada por Corum em sua juventude, durante uma incursão ciméria a Aesgaard em perseguição a um grupo vanir. Ela ainda era uma mulher atraente, embora já denotasse sinais de idade que dobravam a de Gresham.
As auxiliares da parteira, todas parentes de Gresham, também tinham certa experiência no assunto, assim como ela própria, que já ajudara a mãe em alguns partos.
Subitamente, um som mais alto do que os suspiros de Gresham invadiu o recinto. Um som que as mulheres conheciam bem: o encontro de espadas de ferro; o som de ferro trespassando carne e quebrando ossos; o latido de cães assustados e furiosos! O horrendo e assustador grito de guerra cimério e gargalhadas desafiantes que só poderiam vir de uma garganta vanir!
ESCARAMUÇA VANIR
BULYWOLF, DO MACHADO, ERA O LÍDER DE UM BANDO RENEGADO DE VANIRES. Alto e forte, com os cabelos vermelhos presos em uma trança, a barba rubra como uma máscara escarlate lhe cobrindo metade do rosto cheio de cicatrizes e o corpo protegido do gélido frio nórdico por grossas peles de ursos.
Seu bando era composto de homens rudes e bravos, todos filhos de Vanaheim. Envergavam trajes de batalha que consistiam de botas e perneiras de lã grossa, pesados casacos de pele que chegavam até a cintura e, por cima dos casacos, vestiam cotas de malha. Eles portavam, também, escudos brancos de couro e lanças, além de capacetes de couro duro ou de bronze, com chifres nas laterais.
Eles caminhavam por uma imensidão gelada ladeada por montanhas cobertas de neve. Seus corpos eram castigados pelo cortante vento da Ciméria, a região que ora atravessavam e invadiam.
Andavam atentos, com seus machados de duas lâminas encaixados sob os cintos de couro, as espadas embainhadas e as lanças firmemente seguras; andavam como sombras gigantescas através de uma caótica e atávica escuridão, porque o sol não sorria naquela triste nação.
Eles olhavam para o alto apenas para contemplar as nuvens cinzentas e a neve que caia lentamente, cobrindo com seus flocos brancos aquela terra negra e basáltica. Pareciam estar em nenhures, perdidos numa terra cinzenta e lúgubre.
A Ciméria era a terra do inimigo; a terra dos frenéticos e severos cimérios. E o motivo pelo qual ali estavam não era outro senão a vingança. Um sentimento que os impelia para frente com uma força maior que a de um braço de Ymir, o deus do gelo e da neve. Vingança! Clamada pelas recentes viúvas vanires; chorada pelas crianças; ordenada pelos anciãos e desejada pelos guerreiros!
Um grupo de cimérios havia sido emboscado, na fronteira de Vanaheim com a Ciméria, por um outro grupo vanir que rechaçou os cimérios para o interior de Vanaheim. Na fuga, os cimérios devastaram uma aldeia e desapareceram como fantasmas, deixando um rastro de destruição e morte.
O bando de Bulywolf, famoso por provocar o terror entre os inimigos, foi incumbido da vingança e, neste momento, é o que estão buscando.
Eles haviam cruzado as Montanhas Eiglophianas há dois dias e, enfim, chegaram à região das escuras florestas, onde os ursos brancos, os lobos e as panteras rondavam. Os vanires não gostavam das florestas cimérias, tanto porque em sua terra não havia muitas florestas, quanto pelo silêncio sepulcral. Aquele silêncio quase palpável, quebrado apenas pela respiração ofegante dos guerreiros e, vez ou outra, pelo assobio ocasional do vento. A escuridão estendia-se à frente e aos lados como uma teia de alguma aranha dos abismos negros. As árvores eram negras e grossas, com folhagens de um verde-escuro. Um vento gélido penetrava em suas roupas enquanto penachos brancos de respiração saiam de suas bocas e narinas. A névoa pairava sobre a terra, densa, à altura dos seus joelhos. Mas os homens continuavam inabaláveis. Não haviam se deparado com nenhum indício de aldeia ou acampamento cimérios, mas estavam prontos para dizimar qualquer grupo ou vila que encontrassem em seu caminho. De qualquer forma, eles não estavam em uma missão suicida. Não, não o grupo de Bulywolf... Iriam pilhar, matar, violentar e destruir tudo o que pudessem e, então, dirigir-se-iam novamente para o norte, de volta à suas geleiras.
De repente, um vulto silencioso como uma sombra pareceu fundir-se com a escuridão à frente, e os vanires estancaram. Com certeza havia uma aldeia mais à frente e aquele vulto deveria ser alguma sentinela. Eram seus instintos que diziam isso, mais do que qualquer comprovação. Avançavam devagar, mas não por cautela; nenhum deles sacou sua arma; em vez disso havia algum temor, uma apreensão. Ao poucos, o grupo foi se desfazendo e se espalhando como um leque vermelho. Alguns metros adiante chegaram a uma clareira, no centro da qual havia uma aldeia ciméria. Mas não viram movimentos de habitantes, nem mesmo fogo ou fumaça de alguma choupana.
Então, gritos arrepiantes explodiram na semi-escuridão da clareira e os selvagens de cabelos negros surgiram de todos os lados! Pulando de sobre as árvores, saltando de algum esconderijo ou surgindo da própria aldeia, envolvendo os surpresos vanires!
ESPADAS E MACHADOS
A BATALHA JÁ HAVIA SE INICIADO HÁ ALGUNS INSTANTES quando Bulywolf, de soslaio, vislumbrou um cimério adentrando a aldeia com uma enorme espada de ferro, e viu quando ele decepou dois de seus homens, deixando um terceiro desmembrado.
O gigante de cabelos negros olhou à sua volta e se dirigiu para os fundos da aldeia, matando mais dois vanires que lhe atravessaram a frente.
Bulywolf seguiu então o guerreiro.
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Gresham sentiu as dores de seu parto cada vez mais fortes, um sinal bastante evidente de que a criança estava por nascer.
As mulheres a sua volta ficaram agitadas. O som da batalha no centro da aldeia se tornava cada vez mais alto.
Nesse instante, um gigante entrou de chofre na choupana e sua gargalhada à visão de mulheres foi estarrecedora.
Era um vanir, coberto de sangue e com intenções assassinas e voluptuosas nos olhos injetados. Ele avançou para a garota mais próxima, gargalhando como um louco, um possesso em vermelho, com seu machado de guerra respingando sangue e a mão esquerda estendida na direção da menina.
Então ele caiu, com o capacete e o crânio fendidos ao meio!
Em pé, atrás do vanir estendido, estava Corin, com sua espada erguida à frente do corpo segura com as duas mãos, as pernas separadas e firmes, olhando à sua volta e esquadrinhando cada canto da cabana. Seus olhos estavam espremidos sob as grossas sobrancelhas e dos lábios, num ricto neurótico, escapavam grunhidos bestiais.
Gresham, que não emitira um gemido - mesmo com suas dores -, durante aqueles segundos alucinantes, gritou o nome do marido e ele a atendeu, saltando em sua direção e a afagando carinhosamente - a espada ainda na mão direita.
Eles não trocaram palavras, mas seus olhos ardentes se encontraram e pareceram soltar faíscas semelhantes às da bigorna de Corin, em sua oficina de ferreiro, sob pesadas marteladas.
Então, Corin levantou-se para se entregar ao calor da batalha próxima, deixando que as mulheres cuidassem de sua mulher. E ele viu, quando saía, que a garota ameaçada pelo vanir chutava a cabeça ruiva enquanto abaixava para pegar o machado do morto. Então teve certeza de que as mulheres estavam seguras na choupana, porque elas também sabiam lutar. Não como os homens, claro, mas sabiam.
Ele avançou com passadas largas, distanciando-se de sua choupana, a mais distante do centro da batalha. Não haviam se passado mais do que alguns instantes do momento em que ele matou o vanir e saiu da cabana, quando avistou um gigante vermelho vindo em sua direção, com o machado erguido acima da cabeça.
Era Bulywolf, mas Corin não sabia ser ele o líder vanir, tampouco se importava. Apenas parou, segurou sua espada com ambas as mãos, separou as pernas numa posição de defesa e aguardou.
O choque dos gigantes contrastantes ribombou como trovões. A espada de ferro azul contra o machado rubro de sangue.
Corin era um guerreiro experiente e o mais forte entre os homens de sua tribo. Mas, quando teve seu primeiro embate com o vanir, teve certeza de que tinha um oponente à altura. Ele rodou sua espada num golpe decepante, mas Bulywolf esquivou-se ao tempo em que deu um contra-golpe ascendente, que arranhou o peito nu de Corin, arrancando um filete de sangue.
Bulywolf gargalhou e gritou injúrias em sua língua gutural. Corin permaneceu em silêncio. De que adianta gritar impropérios? Ele prefere poupar suas energias e se concentrar no combate.
Depois do primeiro encontro, os guerreiros se reconheceram como oponentes respeitáveis e, então, os únicos sons - além do da batalha à distância - eram o pisar de suas botas de pele no chão duro e coalhado de neve; as respirações ofegantes e o barulho do aço e das fagulhas que saltavam no ar.
Eles se atacavam simultaneamente, golpe após golpe, rápidos como relâmpagos. A espada de Corin era como uma parte de seu corpo; um apêndice só usado para a batalha. Enquanto que o pesado machado de Bulywolf assemelhava-se a uma grotesca extensão de seu braço, uma garra disforme de um demônio enlouquecido.
Os dois guerreiros não davam trégua. Saltavam como tigres, avançando e recuando num grotesco balé. Viravam, abaixavam, esquivavam, arrancavam sangue, mas não emitiam um gemido sequer.
Aos poucos, o braço de Bulywolf ia-se tornando mais pesado e os seus olhos já não irradiavam mais desafio ou triunfo, mas desespero e a certeza de que a morte se aproximava. Mas o que era a morte para um vanir, senão o paraíso beligerante de Valhalla para onde os guerreiros iam após a morte?
Ainda assim, a força ia-lhe escapando, tornando pesado como um bloco de gelo o seu poderoso braço direito.
Corin, ao contrário, não parecia estar cansado. Seu braço direito levantava e descia, às vezes auxiliado pelo esquerdo quando de um golpe horizontal. O vanir, entretanto, não sabia ser seu oponente um ferreiro, acostumado ao uso de martelos pesados para moldar lâminas. Sim, ele era extremamente forte, e seus olhos cinzentos emitiam um frio glacial, como pedras de gelo envoltas em chamas, que não se podia derreter! Ardentes como lava de vulcão! E seu sorriso, sob a barba negra e cerrada, era um sorriso confiante. O sorriso de um tigre!
Então, Corin parou com os dois pés firmes no solo enquanto o adversário escolheu este momento para cair sobre ele. Corin então deu uma finta, como o agitar das asas de um pássaro, e Bulywolf acertou seu machado no vazio. Em seguida, Corin jogou sua própria espada de uma mão para outra - pois ele lutava bem com ambas as mãos e com a mesma força - e rapidamente voltou-se e decepou a cabeça de Bulywolf por trás, com um único golpe de sua espada.
O sangue esguichou do pescoço do vanir e a cabeça voou pelo ar até bater no solo com um baque surdo, antes mesmo que o próprio corpo caísse por terra.
O ferreiro cimério pegou, então, a cabeça do inimigo, que agora estava ainda mais vermelha, e seguiu para o combate, rugindo como um tigre possesso.
NASCIDO EM UM CAMPO DE BATALHA!
GRESHAM GRITOU! Seus espasmos e contrações cada vez mais fortes. As mulheres a seguravam enquanto a parteira se posicionava à sua frente, entre suas pernas abertas, segurando seus tecidos molhados e uma afiada adaga de parto. O suor escorria como um rio por sobre a testa de Gresham, empastando seus cabelos e encharcando suas vestes.
Então ela ouviu quando a criança chorou e viu quando foi erguida no ar.
Um trovão ecoou nas montanhas e um raio atingiu uma árvore próxima.
O som da batalha estava mais alto e os gritos dos guerreiros mais estridentes.
Gendha entregou a criança à mãe. Era um menino. Forte e sadio, que emitia um choro forte e alto. Gresham comentou que ele chorava porque queria participar da batalha e não por medo. As mulheres assentiram numa vênia.
O garoto foi retirado da mãe para ser limpo. Tinha os cabelos negros. Seus arregalados olhos eram azuis como os da mãe e sua aparência era a de um pequeno tigre. Quando as mulheres terminaram de limpá-lo, elas o colocaram no colo da mãe, para que fosse alimentado.
Gresham chorou.
MORTE VERMELHA
CORIN SE JOGOU POR TRÁS DE CINCO VANIRES que encurralavam três cimérios num semicírculo e abriu as costas dos dois que estavam ao centro. Quando os três surpresos vanires se viraram para ver o que ocorria, foram estripados pelos outros cimérios. Corin, ainda segurando a cabeça de Bulywolf, gritou alucinado e ergueu seu macabro troféu para que todos pudessem ver.
Ao perceber que seu líder havia sucumbido, os vanires ficaram desorganizados, lutando apenas pela fúria da rivalidade, esquecendo-se da própria sobrevivência ou de tentativas de fuga. Queriam enviar o máximo de cimérios que pudessem para o abismo cinzento do limbo.
Os sons da batalha eram apocalípticos. Os cimérios uivavam como lobos famintos e emitiam seu horrendo grito de guerra. O combate tinha se tornado uma carnificina. Não havia piedade nem pedidos de clemência. Os cimérios aglutinavam-se sobre vanires isolados e, quando se retiravam, o que deixavam não se assemelhava mais a um homem, mas apenas a um monte de pele e carne remoída, cortada e fatiada.
A tribo dos Falcões da Neve transformou-se num pandemônio, com as chamas consumindo as cabanas próximas. Os gritos de dor e de fúria ecoavam e os corpos contorcidos, dilacerados e desmembrados espalhavam-se pelos lados e eram pisados por aqueles que ainda lutavam.
As espadas, as lanças e os machados mergulhavam em corpos ou decepavam membros inteiros ou partes deles.
Mulheres cimérias empunhavam espadas e avançavam contra qualquer vanir - que estivesse mais distante de um grupo -, auxiliadas pelas crianças maiores que caiam sobre o inimigo como pequenos lobos sobre um alce.
O fedor de carne queimada e de fumaça impregnava o ar, já carregado do cheiro de suor rançoso dos guerreiros e de sangue fresco derramado sobre a neve. O chão da aldeia estava coberto de neve vermelha, mosqueado aqui e ali por tripas e pedaços de corpos, ossos de crânios esfacelados e substâncias gelatinosas.
Corin, banhado de sangue, sentiu que não havia mais nada a fazer, a não ser seguir para sua cabana, porque sabia que seu filho já devia ter nascido. No caminho, atravessando corpos estendidos, ele foi surpreendido por um vanir agonizante que se levantou repentinamente e agarrou-se à perna do cimério, ferindo-o com um punhal na panturrilha. Corin arrebentou o crânio do infeliz com um só golpe de sua espada e então seguiu em frente, claudicando, até que ouviu o choro estridente de um bebê e apressou seu passo.
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Corin adentrou a choupana e correu para sua mulher, recostada no catre e segurando um pequeno embrulho nos braços. Ele se aproximou, como um espectro, ferido, sangrando... Apanhou a criança, os dedos tenteantes sobre o embrulho, a ergueu e disse:
- Seu nome será Conan, porque nasceu ouvindo o som da batalha! Crom! - ele continuou - Eu Te invoco, para que dê a esse varão a força no braço necessária para matar e trucidar os inimigos! Dê a ele a agilidade de uma pantera e a força de um urso! E dê a ele, Crom, a coragem peculiar de seus filhos!
Então, ao longe, uma tempestade começou e os trovões ribombaram. Mas a claridade do falso dia ainda iria demorar um pouco mais.
APÊNDICE
CIMÉRIA
NAÇÃO DE TRIBOS BÁRBARAS situada ao norte da Aquilônia e separada dela pelos Pântanos Bossonianos e por Gunderlândia. Os Sertões Pictos estão a oeste da Ciméria, e, ao norte, seu acesso para Vanaheim e Aesgaard está bloqueado pelos Montes Eiglophianos.
Terra natal de Conan, a Ciméria era uma região perenemente sombria, com "todas as colinas, recobertas de bosques negros, sob céus quase sempre cinzentos, e açoitadas pelo lamento de ventos que inundavam seus vales". O povo tinha descendência direta dos atlantes desaparecidos. Eram altos e fortes, com cabelos negros e olhos azuis ou acinzentados.
Está registrado que as tribos cimérias já existiam na época da Atlântida, e que seus membros se casaram com colonos atlantes do Continente Thuriano antes do cataclismo. Cimérios contemporâneos a Conan encontravam-se, ainda, no estágio da caça e coleta, vivendo em aldeias mergulhadas no interior de florestas úmidas. O povo usava armas de ferro, e emprestava do sul outros metais de culturas mais elevadas.
O principal deus dos cimérios era Crom, que pouco se interessava pelas questões humanas. Conan foi um cimério ousado, um dos poucos que se aventurou a deixar as terras encharcadas, e, segundo a saga, nenhum outro membro de sua raça viveu entre as nações avançadas.
Quinhentos anos após a Era de Conan, os cimérios ainda se encontravam isolados em sua antiga terra, e lá permaneceram, mesmo quando as ondas invasoras hyrkanianas contra os reinos hiborianos não conseguiram subjugar os ferozes defensores das planícies cimérias. Somente a grande avalanche de Nordheim (Aesgaard e Vanaheim), decorrente das glaciações, terminou deslocando os bárbaros de cabelos negros para o leste, rumo aos litorais sudoestes do Vilayet.
Algumas referências a geografia, situações climáticas e vestimentas, citadas neste conto, foram embasadas em informações e citações dos contos de Robert E. Howard e, também, do livro Devoradores de Mortos, de Michael Crichton, 2ª edição, Ed. Rocco, Rio de Janeiro, 1998 (aliás, o filme O Décimo-Terceiro Guerreiro, com Antonio Bandeiras, teve o roteiro adaptado desse livro).