Intrigas em Zamboula (Capítulo 1)


Intrigas em Zamboula

Por Marcelo Alves


Prólogo

 

Ele será conhecido como Hissar Zul num futuro não muito distante dos eventos ocorridos em uma noite escura em Zamboula. Seu nome era Ahmed Rashih, cujo significado popular era “A luz de Rashih”. De ascendência turaniana, Ahmed Rashih era versado nas artes arcanas. Ele perscrutou todos os segredos da feitiçaria que estavam ao seu alcance estudando em vários círculos profanos de feiticeiros estígios e vendhyanos, até obter certos conhecimentos místicos que o fizeram ambicionar ser mais do que um simples vizir no palácio real de Zamboula. E, dentro do círculo da nobreza turaniana da qual fazia parte como um dos conselheiros do sátrapa zamboulano, ele conspirou.

Hissar Zul aprendeu a manipular as artes místicas conhecidas vulgarmente como astromancia. Em outras palavras, ele era versado na necromancia que utilizava-se do estudo dos astros para trabalhar os seus  feitiços maléficos. Uma feitiçaria governada por leis cósmicas onde a observação bem detalhada, ou melhor, o estudo da Lua pressagiando o mal para alguma autoridade ou até mesmo para os reis e rainhas fatalmente cumpriria seu propósito maléfico.

Quando a junção da Lua, Sol, Estrelas e Planetas estivessem alinhados, os guardiões invisíveis que protegiam o espírito de uma pessoa eram removidos de seu plano astral e a pessoa ficava vulnerável aos ataques místicos que eram conjurados por certos feitiços, levando a vítima a três situações possíveis: um completo estado de loucura; a morte física ou o aprisionamento da sua alma em um espelho místico quando um caminho astral era aberto para que monstruosidades e demônios de reinos invisíveis fossem liberados para fazerem o trabalho sujo.

 

PREÂMBULO

         Noite enluarada e quente do deserto de Kharamun...

O palácio do sátrapa de Zamboula está cercado por tropas inimigas. Sentado em seu trono, impávido e acuado, está ele, o sátrapa turaniano. Em sua mente, tudo está claro agora. De dentro e fora do palácio a conspiração tomou forma. Seu conselheiro real, o feiticeiro Hissar Zul, agora usando seu nome turariano, Ahmed Rashih,  pelo qual ele era tratado na corte, faz parte da trama para derrubar o sátrapa do poder.

Como se originou aquela ameaça dentro de seu próprio palácio, tão bem vigiado pelos séquitos mais leais do governante zamboulano? Ah! Mesmo os mais leais se tornam traidores quando o que está em jogo são as ambições pessoais pelo poder!

Que “sombras” eram aquelas que agora pairavam sobre Zamboula, sobre o trono do sátrapa, e sobre o poder do império turaniano representado pelo governo de um lacaio controlado  nesta cidade outrora construída por conquistadores estígios?

 

 

Capítulo 1

Zamboula, a cidade maldita

 

Zamboula era uma cidade heterogênea, com uma população diversificada, composta por: zuagires; soldados turanianos; estígios; negros de Kush (escravos e servos); negros de Darfar (também escravos); shemitas (muitos deles descendentes dos escravos shemitas trazidos pelos  estígios quando eles conquistaram e construíram a cidade); mestiços; mercenários pelishtianos; e muitos estrangeiros que chegavam de leste a oeste na cidade e ficavam de passagem ou se estabeleciam nela.

Sobre a população negra pairava um temor em relação aos escravos de Darfar. Até mesmo pelas ruas, ruelas e becos eram sussurrados avisos de “cuidado com os canibais”.

As ruas de Zamboula eram intensamente populosa e agitada durante o dia, com transeuntes passeando, conversando, se inteirando das notícias  mais recentes e barganhando produtos nas feiras, mercados, tavernas e templos. Entretanto, quando raiavam os primeiros sinais da noite, essas mesmas ruas ficavam desertas, vazias. Até mesmo os mendigos evitavam pernoitar nas ruas de Zamboula, procurando um lugar seguro para dormir que fosse trancado entre quatro paredes e fortemente fechado com trancas nas portas.

Tambores soavam do outro lado da muralha da cidade e eram ouvidos pelas pessoas que estavam dentro das tavernas fechadas com grossas trancas. Aquele rufar denotava um aviso e um sinal de que, na calada da noite, algo tenebroso iria acontecer. Era o prenúncio de um ritual macabro? Ou um prenúncio de que mais uma pessoa desavisada  despareceria misteriosamente nas ruas escuras de Zamboula?

Zamboula era uma cidade misteriosa. Cercada por desertos em seus  quatro cantos, ela apresentava uma dezena de templos no centro da cidade. Mas um que se destacava era o templo dedicado a Hanuman. E seu sumo-sacerdote, chamado Totrasmek, era temido e odiado por todos.

Dentro do templo de Hanuman, na calada da noite, horrendos rituais eram praticados. Rituais esses que somente os acólitos desta semi-dinvindade obscura sabiam o que acontecia. Ninguém de fora do círculo de sacerdotes presenciara tais horrores até então. Entretanto, diversos rumores foram se espalhando como vento entre os ouvidos da população. Dizia-se que vítimas humanas, entre as quais jovens donzelas virgens, eram estranguladas em oferenda àquela divindade obscura chamada Hanuman.

Ninguém falava abertamente sobre o assunto, com receio de que fossem acusados de blasfêmia e traição ao culto profano, tamanho era o poder e a influência que o sumo sacerdote Totrasmek possuía na cidade.  Poder esse que alguns diziam era até mesmo maior do que o do próprio sátrapa de Zamboula.  

Circulavam rumores de que o sumo sacerdote Totrasmek planejava uma revolta e desordens na cidade usando seus seguidores mestiços. Entre eles estava o seu lacaio mais poderoso: um gigante de ébano treinado nas artes do hipnotismo e também  do estrangulamento desde criança. Diziam que era um servo do culto de Yajur, uma divindade negra que era cultuada no mesmo templo de Hanuman sobre os olhares de suspeita dos turanianos.

Que horrores se escondiam naquelas salas do Templo de Hanuman na calada da noite? De dia, os rituais consistiam apenas em oferendas de comidas entregues aos sacerdotes que as depositava nas próprias mãos da estátua de Hanuman que curiosamente foram projetadas com as palmas abertas, prontas para receberem a oferenda. Se era apenas de comida ou a alma de alguma vítima sacrificada sobre aquelas enormes mãos de ébano pétreas, ninguém havia sobrevivido para contar a história.

Outro ritual era o acendimento das velas e incensos oferecidos com uma oração ao raiar do dia à imagem de ébano daquele deus profano. Tudo muito normal para um culto dentro da Era Hiboriana. Quem via aquilo diria ser apenas um culto bastante civilizado.

Mas, durante a calada da noite, esse culto, aparentemente pacífico, transformava-se num hediondo ritual que ceifava vidas humanas que eram depositadas sem vida nas palmas da imensa estátua de ébano de Hanuman, atrás das cortinas do saguão principal do templo.

Quantas não foram as vítimas ceifadas pelas próprias mãos de Totrasmek e pelas mãos de seu lacaio, o gigante de ébano chamado Baal-Pteor? Mas, em um belo dia, típico dos ambientes desérticos, tanto Totrasmek quanto Baal-Pteor foram encontrados mortos, cada um em seus aposentos, assassinados sem dó nem piedade em seus próprios domínios.

A notícia do assassinato dos dois percorreu, como vento, as ruas de Zamboula. Um burburinho de alivio e vingança tomou conta do coração de muitos, principalmente das pessoas mais humildes que, na calada da noite, viam os seus filhos e filhas serem sequestrados, sem poderem fazer nada, pelos lacaios de Totrasmek. Para essas pessoas, a justiça havia sido feita pelas mãos de um estrangeiro que pernoitou na pousada de Aram Baksh.

Até hoje, em Zamboula, ninguém soube quem, de fato, havia matado o sumo sacerdote de Hanuman e seu gigantesco lacaio estrangulador. Um segredo que foi presenciado apenas pela concubina do sátrapa de Zamboula. Mas ninguém poderia provar isso, nem mesmo as suspeitas que recaiam sobre o sátrapa turaniano de Zamboula.

Os rumores que corriam eram de que o sátrapa turaniano estava cada vez mais acuado com o poder que Totrasmek tinha na cidade. E tal rixa poderia um dia estourar numa sublevação da população mestiça da cidade, controlada pelo sumo sacerdote de Hanuman.

Com o assassinado misterioso de Totrasmek no seu próprio aposento particular do odioso templo de Hanuman, um problema a menos havia sido resolvido para o sátrapa zamboulano. Naquela mesma noite, um influente dono de um conjunto de tavernas localizadas na parte sul da cidade também havia desaparecido sem deixar rastros. A única informação que circulava pelas ruas, mercados e tavernas da cidade, era de que esse mesmo Aram Baksh vendia os estrangeiros que pernoitavam em sua pousada para os escravos darfarianos.

Todos os estrangeiros que se hospedavam na pousada de Aram Baksh desapareciam misteriosamente na manhã seguinte sem deixarem rastros. Por fim, Aram teve o mesmo destino de seus hospedes estrangeiros desaparecendo misteriosamente se deixar rastros numa noite de lua cheia.

Zamboula havia se tornado, fazia já algum tempo, numa rede de intrigas que, cedo ou tarde, desembocaria numa sublevação da população contra o próprio sátrapa turaniano que governava a cidade. E os acontecimentos da noite passada pareciam que apressariam ainda mais aquilo que estava por vir. 


 

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