Prólogo
Ele
será conhecido como Hissar Zul num futuro não muito distante dos eventos
ocorridos em uma noite escura em Zamboula. Seu nome era Ahmed Rashih, cujo
significado popular era “A luz de Rashih”. De ascendência turaniana, Ahmed
Rashih era versado nas artes arcanas. Ele perscrutou todos os segredos da
feitiçaria que estavam ao seu alcance estudando em vários círculos profanos de
feiticeiros estígios e vendhyanos, até obter certos conhecimentos místicos que
o fizeram ambicionar ser mais do que um simples vizir no palácio real de
Zamboula. E, dentro do círculo da nobreza turaniana da qual fazia parte como um
dos conselheiros do sátrapa zamboulano, ele conspirou.
Hissar
Zul aprendeu a manipular as artes místicas conhecidas vulgarmente como
astromancia. Em outras palavras, ele era versado na necromancia que
utilizava-se do estudo dos astros para trabalhar os seus feitiços maléficos. Uma feitiçaria governada
por leis cósmicas onde a observação bem detalhada, ou melhor, o estudo da Lua
pressagiando o mal para alguma autoridade ou até mesmo para os reis e rainhas fatalmente
cumpriria seu propósito maléfico.
Quando a junção
da Lua, Sol, Estrelas e Planetas estivessem alinhados, os guardiões invisíveis
que protegiam o espírito de uma pessoa eram removidos de seu plano astral e a
pessoa ficava vulnerável aos ataques místicos que eram conjurados por certos
feitiços, levando a vítima a três situações possíveis: um completo estado de
loucura; a morte física ou o aprisionamento da sua alma em um espelho místico
quando um caminho astral era aberto para que monstruosidades e demônios de
reinos invisíveis fossem liberados para fazerem o trabalho sujo.
PREÂMBULO
Noite enluarada e quente do deserto de Kharamun...
O
palácio do sátrapa de Zamboula está cercado por tropas inimigas. Sentado em seu
trono, impávido e acuado, está ele, o sátrapa turaniano. Em sua mente, tudo está
claro agora. De dentro e fora do palácio a conspiração tomou forma. Seu
conselheiro real, o feiticeiro Hissar Zul, agora usando seu nome turariano, Ahmed
Rashih, pelo qual ele era tratado na
corte, faz parte da trama para derrubar o sátrapa do poder.
Como
se originou aquela ameaça dentro de seu próprio palácio, tão bem vigiado pelos
séquitos mais leais do governante zamboulano? Ah! Mesmo os mais leais se tornam
traidores quando o que está em jogo são as ambições pessoais pelo poder!
Que
“sombras” eram aquelas que agora pairavam sobre Zamboula, sobre o trono do
sátrapa, e sobre o poder do império turaniano representado pelo governo de um
lacaio controlado nesta cidade outrora
construída por conquistadores estígios?
Capítulo 1
Zamboula, a cidade maldita
Zamboula
era uma cidade heterogênea, com uma população diversificada, composta por:
zuagires; soldados turanianos; estígios; negros de Kush (escravos e servos);
negros de Darfar (também escravos); shemitas (muitos deles descendentes dos
escravos shemitas trazidos pelos estígios
quando eles conquistaram e construíram a cidade); mestiços; mercenários pelishtianos;
e muitos estrangeiros que chegavam de leste a oeste na cidade e ficavam de
passagem ou se estabeleciam nela.
Sobre
a população negra pairava um temor em relação aos escravos de Darfar. Até mesmo
pelas ruas, ruelas e becos eram sussurrados avisos de “cuidado com os
canibais”.
As
ruas de Zamboula eram intensamente populosa e agitada durante o dia, com transeuntes
passeando, conversando, se inteirando das notícias mais recentes e barganhando produtos nas
feiras, mercados, tavernas e templos. Entretanto, quando raiavam os primeiros
sinais da noite, essas mesmas ruas ficavam desertas, vazias. Até mesmo os
mendigos evitavam pernoitar nas ruas de Zamboula, procurando um lugar seguro
para dormir que fosse trancado entre quatro paredes e fortemente fechado com
trancas nas portas.
Tambores
soavam do outro lado da muralha da cidade e eram ouvidos pelas pessoas que
estavam dentro das tavernas fechadas com grossas trancas. Aquele rufar denotava
um aviso e um sinal de que, na calada da noite, algo tenebroso iria acontecer.
Era o prenúncio de um ritual macabro? Ou um prenúncio de que mais uma pessoa
desavisada despareceria misteriosamente nas
ruas escuras de Zamboula?
Zamboula
era uma cidade misteriosa. Cercada por desertos em seus quatro cantos, ela apresentava uma dezena de
templos no centro da cidade. Mas um que se destacava era o templo dedicado a
Hanuman. E seu sumo-sacerdote, chamado Totrasmek, era temido e odiado por
todos.
Dentro
do templo de Hanuman, na calada da noite, horrendos rituais eram praticados.
Rituais esses que somente os acólitos desta semi-dinvindade obscura sabiam o
que acontecia. Ninguém de fora do círculo de sacerdotes presenciara tais
horrores até então. Entretanto, diversos rumores foram se espalhando como vento
entre os ouvidos da população. Dizia-se que vítimas humanas, entre as quais
jovens donzelas virgens, eram estranguladas em oferenda àquela divindade
obscura chamada Hanuman.
Ninguém
falava abertamente sobre o assunto, com receio de que fossem acusados de
blasfêmia e traição ao culto profano, tamanho era o poder e a influência que o
sumo sacerdote Totrasmek possuía na cidade. Poder esse que alguns diziam era até mesmo
maior do que o do próprio sátrapa de Zamboula.
Circulavam
rumores de que o sumo sacerdote Totrasmek planejava uma revolta e desordens na
cidade usando seus seguidores mestiços. Entre eles estava o seu lacaio mais
poderoso: um gigante de ébano treinado nas artes do hipnotismo e também do estrangulamento desde criança. Diziam que
era um servo do culto de Yajur, uma divindade negra que era cultuada no mesmo
templo de Hanuman sobre os olhares de suspeita dos turanianos.
Que
horrores se escondiam naquelas salas do Templo de Hanuman na calada da noite?
De dia, os rituais consistiam apenas em oferendas de comidas entregues aos sacerdotes
que as depositava nas próprias mãos da estátua de Hanuman que curiosamente
foram projetadas com as palmas abertas, prontas para receberem a oferenda. Se
era apenas de comida ou a alma de alguma vítima sacrificada sobre aquelas
enormes mãos de ébano pétreas, ninguém havia sobrevivido para contar a
história.
Outro
ritual era o acendimento das velas e incensos oferecidos com uma oração ao
raiar do dia à imagem de ébano daquele deus profano. Tudo muito normal para um
culto dentro da Era Hiboriana. Quem via aquilo diria ser apenas um culto
bastante civilizado.
Mas,
durante a calada da noite, esse culto, aparentemente pacífico, transformava-se
num hediondo ritual que ceifava vidas humanas que eram depositadas sem vida nas
palmas da imensa estátua de ébano de Hanuman, atrás das cortinas do saguão
principal do templo.
Quantas
não foram as vítimas ceifadas pelas próprias mãos de Totrasmek e pelas mãos de
seu lacaio, o gigante de ébano chamado Baal-Pteor? Mas, em um belo dia, típico
dos ambientes desérticos, tanto Totrasmek quanto Baal-Pteor foram encontrados
mortos, cada um em seus aposentos, assassinados sem dó nem piedade em seus
próprios domínios.
A
notícia do assassinato dos dois percorreu, como vento, as ruas de Zamboula. Um
burburinho de alivio e vingança tomou conta do coração de muitos,
principalmente das pessoas mais humildes que, na calada da noite, viam os seus
filhos e filhas serem sequestrados, sem poderem fazer nada, pelos lacaios de
Totrasmek. Para essas pessoas, a justiça havia sido feita pelas mãos de um
estrangeiro que pernoitou na pousada de Aram Baksh.
Até
hoje, em Zamboula, ninguém soube quem, de fato, havia matado o sumo sacerdote
de Hanuman e seu gigantesco lacaio estrangulador. Um segredo que foi
presenciado apenas pela concubina do sátrapa de Zamboula. Mas ninguém poderia
provar isso, nem mesmo as suspeitas que recaiam sobre o sátrapa turaniano de
Zamboula.
Os
rumores que corriam eram de que o sátrapa turaniano estava cada vez mais acuado
com o poder que Totrasmek tinha na cidade. E tal rixa poderia um dia estourar
numa sublevação da população mestiça da cidade, controlada pelo sumo sacerdote
de Hanuman.
Com
o assassinado misterioso de Totrasmek no seu próprio aposento particular do odioso
templo de Hanuman, um problema a menos havia sido resolvido para o sátrapa
zamboulano. Naquela mesma noite, um influente dono de um conjunto de tavernas
localizadas na parte sul da cidade também havia desaparecido sem deixar
rastros. A única informação que circulava pelas ruas, mercados e tavernas da
cidade, era de que esse mesmo Aram Baksh vendia os estrangeiros que pernoitavam
em sua pousada para os escravos darfarianos.
Todos
os estrangeiros que se hospedavam na pousada de Aram Baksh desapareciam
misteriosamente na manhã seguinte sem deixarem rastros. Por fim, Aram teve o
mesmo destino de seus hospedes estrangeiros desaparecendo misteriosamente se
deixar rastros numa noite de lua cheia.
Zamboula
havia se tornado, fazia já algum tempo, numa rede de intrigas que, cedo ou
tarde, desembocaria numa sublevação da população contra o próprio sátrapa
turaniano que governava a cidade. E os acontecimentos da noite passada pareciam
que apressariam ainda mais aquilo que estava por vir.