Ciméria (Um conto do jovem Conan)

 


Ciméria
Um conto do jovem Conan

Por Marcelo Alves


Capítulo 1

 

Poucos lugares no Mundo Hiboriano parecem serem mais sombrios do que a Ciméria. Um lugar frio onde apenas os mais fortes sobrevivem numa região de florestas escuras cobertas de neve, gelo e colinas sombrias, apinhadas de desfiladeiros que chegam até as melancólicas nuvens cinzentas do céu.

As regiões que fazem fronteiras com a Ciméria não são menos difíceis do que ela. Asgard, Vanaheim, Hiperborea, Gunderlândia, Reino da Fronteira e os sertões pictos não são menos violentos e bárbaros do que a própria região da Ciméria é.

Ciméria. Uma região onde os seus próprios clãs guerreiam entre si por questões tribais. E por décadas as disputas com os aesires e vanires têm feito dessa região um campo banhado de sangue e violência. Da mesma forma, as disputas com os pictos tem feito a Ciméria ser um local cada vez mais bárbaro e selvagem. E como se não bastassem tantas disputas sangrentas entre si de todos esses povos do norte hiboriano, a ameaça da Aquilônia pairava sobre a fronteira norte da Ciméria.

O mais poderoso império do oeste hiboriano pretendia expandir seus domínios territoriais para o norte das fronteiras cimérias. Nessa expansão, os aquilonianos ultrapassaram o reino da Gunderlândia, que eram seus aliados, ameaçando literalmente as terras dos clãs cimérios com uma fortaleza de madeira dentro do território. Mas esse avanço dos aquilonianos no território cimério não foi bem sucedido. Em uma coalizão inédita, os clãs da Ciméria se reuniram para expulsar os soldados aquilonianos.

Faz alguns meses atrás que os ferozes cimérios atacaram o posto avançado aquiloniano em seus territórios, massacrando-os e expulsando-os de suas terras. As crônicas escritas da Nemédia, e nem mesmo os Anais Aquilonianos registraram essa derrota humilhante dos aquilonianos para os bárbaros da Ciméria. Somente o relato oral, contado de geração em geração diante das fogueiras das famílias dos guerreiros cimérios que participaram desse ato heroico e brutal contra o invasor deixará vivo na memória dos mais jovens a glória e a altivez de um povo bárbaro que não curvou a cabeça para um império em expansão.

Conan participou desse massacre. Agora, dormindo em sua tenda em uma noite fria, ele recorda as visões da batalha travada nesse episódio. Com certeza algum dia ele contará com orgulho para o seu filho que esteve nesse levante contra os aquilonianos.

Com a derrota e expulsão dos aquilonianos da fronteira suas terras, as tribos cimérias voltaram às suas antigas rotinas, permanecendo em seus próprios territórios e em seus isolados povoados. Muitas vezes, a comunicação entre os diversos clãs era uma coisa rara entre eles. Viviam em seus mundos caçando, plantando onde fosse possível praticar uma agricultura incipiente, e criando seus filhos, ensinando-os a serem guerreiros nessa dura e fria região cercada de inimigos pelas suas quatro fronteiras.

Na aldeia em que Conan vivia, ele vai ficando cada vez mais entediado durante os dias de paz. Algo em seu interior bárbaro o impulsionava para novas aventuras e batalhas. Filho de um ferreiro, o jovem Conan, apesar de não seguir a profissão do pai, sempre o ajudava no trabalho de forjar espadas, machados e facas para os guerreiros de seu clã. Todo jovem da aldeia de Conan tornava-se ou um caçador, tecelão ou ferreiro. Mas todos tornavam-se guerreiros formidáveis no manejo da espada e machado. Era essa a herança ciméria.

Aos seus 16 anos do convívio de toda a sua vida até ali com os moradores da sua aldeia, o jovem Conan tenta ocultar a inquietude que durante os últimos dias sentia. Porém não consegue esconder essa inquietude do ancião da aldeia. A vida difícil, os rigorosos invernos, a solidão nos bosques escuros quando ia caçar algum animal para a sua família e as solitárias escaladas nos picos nevados assolados por ventos uivantes faziam-no sentir a eterna monotonia que a Ciméria  lhe proporcionava.

- Quando irá nos deixar, jovem Conan? – perguntou o ancião.

Surpreso, o jovem Conan encarou o ancião. – O que querer dizer, Jungalt?

- Não é sempre que se aprende apenas com o passar do tempo e dos anos, meu jovem guerreiro. A idade e a sabedoria nem sempre andam lado a lado, de mãos dadas – disse o ancião –. Mas acredito que com o tempo comecei a conhecer cada pessoa dessa aldeia mais profundamente. Consigo perceber suas inquietações e ansiedades. O grande massacre em Venarium despertou em você um desejo de mais aventuras em sua alma.

- Tens razão, ancião  – disse o jovem cimério –. Ainda que tenhamos lutado com os estrangeiros, sinto o desejo de conhecer outros lugares. E eu não sei se meu destino está aqui ou ao sul.

- Teu destino?    - disse o ancião –. Eu lhe mostrarei o seu destino.

Ao dizer essas palavras, o ancião apontou o dedo para uma jovem do clã que estava preparando uma caça para assar na fogueira da aldeia.

- Veja! Ali... Veja a jovem que brincava contigo quando vocês eram pequenos. Agora ela cresceu. Tornou-se uma linda mulher. Forte como todas as mulheres cimérias do nosso clã. Se você ficar, Conan, eu direi qual será o seu destino. Assim como foi o destino de seu pai com sua mãe após eles selarem a união matrimonial de duas grandes famílias cimérias. – disse o ancião.

- Ela é uma boa garota... Como uma esposa, ela será dedicada ao seu marido. Mas...  – Conan interrompeu o final da frase, pensativo.

Após alguns minutos de indecisão, o jovem cimério retomou aquilo que iria dizer:

- Um cego, em Venarium, me disse que eu poderia cruzar com o meu destino sem reconhecê-lo. Não entendi o que essas palavras significavam. Mas, durante esses meses... – o jovem cimério interrompeu novamente a sua fala.

- Você se debate entre ir ou ficar – disse o ancião.

- Não! Por Crom! Sei que devo ir... e agora, antes que alguém me convença a ficar! – retrucou o jovem cimério.

Assim, Conan se retirou da presença do ancião com a intenção de preparar os seus poucos pertences para sua nova jornada. Na mente dele, essa jornada seria sem volta. Ele não pretendia comunicar sua decisão aos seus pais, sabendo que eles não aprovariam sua ida.

A partida de Conan seria feita ao cair da noite, na calada da madrugada para não causar alarme, nem para os seus pais, irmãos e irmãs, e nem para os outros moradores da sua aldeia. A direção que ele pretendia tomar seria o leste. E, como um andarilho, ele percorreria locais que não conhecia entre os reinos civilizados. E também novos perigos o aguardavam!

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