Capítulo
1
Poucos lugares no Mundo Hiboriano
parecem serem mais sombrios do que a Ciméria. Um lugar frio onde apenas os mais
fortes sobrevivem numa região de florestas escuras cobertas de neve, gelo e
colinas sombrias, apinhadas de desfiladeiros que chegam até as melancólicas nuvens
cinzentas do céu.
As regiões que fazem fronteiras
com a Ciméria não são menos difíceis do que ela. Asgard, Vanaheim, Hiperborea,
Gunderlândia, Reino da Fronteira e os sertões pictos não são menos violentos e bárbaros
do que a própria região da Ciméria é.
Ciméria. Uma região onde os seus
próprios clãs guerreiam entre si por questões tribais. E por décadas as
disputas com os aesires e vanires têm feito dessa região um campo banhado de sangue
e violência. Da mesma forma, as disputas com os pictos tem feito a Ciméria ser um
local cada vez mais bárbaro e selvagem. E como se não bastassem tantas disputas
sangrentas entre si de todos esses povos do norte hiboriano, a ameaça da Aquilônia
pairava sobre a fronteira norte da Ciméria.
O mais poderoso império do oeste
hiboriano pretendia expandir seus domínios territoriais para o norte das
fronteiras cimérias. Nessa expansão, os aquilonianos ultrapassaram o reino da
Gunderlândia, que eram seus aliados, ameaçando literalmente as terras dos clãs
cimérios com uma fortaleza de madeira dentro do território. Mas esse avanço dos
aquilonianos no território cimério não foi bem sucedido. Em uma coalizão
inédita, os clãs da Ciméria se reuniram para expulsar os soldados aquilonianos.
Faz alguns meses atrás que os
ferozes cimérios atacaram o posto avançado aquiloniano em seus territórios,
massacrando-os e expulsando-os de suas terras. As crônicas escritas da Nemédia,
e nem mesmo os Anais Aquilonianos registraram essa derrota humilhante dos
aquilonianos para os bárbaros da Ciméria. Somente o relato oral, contado de
geração em geração diante das fogueiras das famílias dos guerreiros cimérios que
participaram desse ato heroico e brutal contra o invasor deixará vivo na
memória dos mais jovens a glória e a altivez de um povo bárbaro que não curvou
a cabeça para um império em expansão.
Conan participou desse massacre. Agora,
dormindo em sua tenda em uma noite fria, ele recorda as visões da batalha
travada nesse episódio. Com certeza algum dia ele contará com orgulho para o
seu filho que esteve nesse levante contra os aquilonianos.
Com a derrota e expulsão dos
aquilonianos da fronteira suas terras, as tribos cimérias voltaram às suas
antigas rotinas, permanecendo em seus próprios territórios e em seus isolados
povoados. Muitas vezes, a comunicação entre os diversos clãs era uma coisa rara
entre eles. Viviam em seus mundos caçando, plantando onde fosse possível
praticar uma agricultura incipiente, e criando seus filhos, ensinando-os a
serem guerreiros nessa dura e fria região cercada de inimigos pelas suas quatro
fronteiras.
Na aldeia em que Conan vivia, ele
vai ficando cada vez mais entediado durante os dias de paz. Algo em seu
interior bárbaro o impulsionava para novas aventuras e batalhas. Filho de um
ferreiro, o jovem Conan, apesar de não seguir a profissão do pai, sempre o
ajudava no trabalho de forjar espadas, machados e facas para os guerreiros de
seu clã. Todo jovem da aldeia de Conan tornava-se ou um caçador, tecelão ou
ferreiro. Mas todos tornavam-se guerreiros formidáveis no manejo da espada e
machado. Era essa a herança ciméria.
Aos seus 16 anos do convívio de
toda a sua vida até ali com os moradores da sua aldeia, o jovem Conan tenta
ocultar a inquietude que durante os últimos dias sentia. Porém não consegue esconder
essa inquietude do ancião da aldeia. A vida difícil, os rigorosos invernos, a
solidão nos bosques escuros quando ia caçar algum animal para a sua família e
as solitárias escaladas nos picos nevados assolados por ventos uivantes faziam-no
sentir a eterna monotonia que a Ciméria lhe
proporcionava.
- Quando irá nos deixar, jovem
Conan? – perguntou o ancião.
Surpreso, o jovem Conan encarou o
ancião. – O que querer dizer, Jungalt?
- Não é sempre que se aprende
apenas com o passar do tempo e dos anos, meu jovem guerreiro. A idade e a
sabedoria nem sempre andam lado a lado, de mãos dadas – disse o ancião –. Mas acredito
que com o tempo comecei a conhecer cada pessoa dessa aldeia mais profundamente.
Consigo perceber suas inquietações e ansiedades. O grande massacre em Venarium
despertou em você um desejo de mais aventuras em sua alma.
- Tens razão, ancião – disse o jovem cimério –. Ainda que tenhamos
lutado com os estrangeiros, sinto o desejo de conhecer outros lugares. E eu não
sei se meu destino está aqui ou ao sul.
- Teu destino? - disse o ancião –. Eu lhe mostrarei o seu
destino.
Ao dizer essas palavras, o ancião
apontou o dedo para uma jovem do clã que estava preparando uma caça para assar
na fogueira da aldeia.
- Veja! Ali... Veja a jovem que
brincava contigo quando vocês eram pequenos. Agora ela cresceu. Tornou-se uma
linda mulher. Forte como todas as mulheres cimérias do nosso clã. Se você
ficar, Conan, eu direi qual será o seu destino. Assim como foi o destino de seu
pai com sua mãe após eles selarem a união matrimonial de duas grandes famílias
cimérias. – disse o ancião.
- Ela é uma boa garota... Como uma
esposa, ela será dedicada ao seu marido. Mas...
– Conan interrompeu o final da frase, pensativo.
Após alguns minutos de indecisão,
o jovem cimério retomou aquilo que iria dizer:
- Um cego, em Venarium, me disse
que eu poderia cruzar com o meu destino sem reconhecê-lo. Não entendi o que
essas palavras significavam. Mas, durante esses meses... – o jovem cimério interrompeu
novamente a sua fala.
- Você se debate entre ir ou ficar
– disse o ancião.
- Não! Por Crom! Sei que devo
ir... e agora, antes que alguém me convença a ficar! – retrucou o jovem
cimério.
Assim, Conan se retirou da
presença do ancião com a intenção de preparar os seus poucos pertences para sua
nova jornada. Na mente dele, essa jornada seria sem volta. Ele não pretendia comunicar
sua decisão aos seus pais, sabendo que eles não aprovariam sua ida.
A partida de Conan seria feita ao
cair da noite, na calada da madrugada para não causar alarme, nem para os seus
pais, irmãos e irmãs, e nem para os outros moradores da sua aldeia. A direção
que ele pretendia tomar seria o leste. E, como um andarilho, ele percorreria
locais que não conhecia entre os reinos civilizados. E também novos perigos o aguardavam!
***