Um Novíssimo Recomeço... A Presa de Set



Um Novíssimo Recomeço... A Presa de Set

(por Fernando Neeser de Aragão)

 

Prólogo:


Nehebkau, um príncipe exilado da Stygia, fez um pacto com Yog, deus dos sabateanos e Senhor das Moradias Desertas, para criar uma espada tão poderosa que, quem a possuísse, governaria o mundo. Alimentada pelas almas capturadas de seus inimigos, a espada foi forjada no fogo do inferno por ninguém menos que os próprios deuses Yog e Set, que deram àquela arma o nome de A Presa de Set.

Os nomes dos que foram mortos pela espada foram gravados para sempre, numa versão stígio-shemita do Livro de Skelos, onde foram mantidos prisioneiros pela eternidade e condenados ao fogo eterno. Mesmo se os relatos sobre o poderoso artefato fossem inventados, sabe-se ao certo que muitas cabeças foram cortadas em nome da espada e todos aqueles que um dia disseram possuir a poderosa lâmina, se tornaram senhores temidos por milhares. Pois é o destino dos homens, muitas vezes, sucumbirem diante dos brinquedos dos deuses.



1)


Um cavaleiro solitário percorria lentamente o Deserto Kharamun, vestido em túnica branca e turbante da mesma cor, andando sem pressa pela vastidão erma de areia seca. Ele não se preocupou em poupar a água de seus cantis, pois um enorme oásis o aguardava logo adiante. Há algumas semanas, aquele homem ajudara tribos da agora distante Hirkânia a resistirem ao avanço turaniano, e agora retornava à sua terra adotiva – a ainda distante Aquilônia, no oeste sonhador.

Notando a presença de centenas de nômades do deserto e seus cavalos no oásis, o cavaleiro alto, meio musculoso e bronzeado, de cabelos grisalhos e vulcânicos olhos azuis, procurou se aproximar pacificamente, saudando de forma amigável aqueles homens morenos, de barbas negras e narizes aduncos. Mesmo assim, todos ficaram em alerta e lhe apontaram lanças e flechas, em estado tenso e de espera.

- Esperem – gritou subitamente uma voz feminina, vinda de dentro do oásis. – Ele vem em paz.

A mulher saiu e se dirigiu ao idoso guerreiro a cavalo. E, embora ela cobrisse o rosto com véu e turbante tão negros quanto sua longa túnica e lindas mãos, aquele ocidental lhe notou algo vagamente familiar naquela voz. A mulher tirou o véu e sorriu, e o cavaleiro imediatamente lhe viu o rosto de ébano, pintado com linhas pretas na testa e linhas brancas no nariz, e uma linha vertical igualmente branca, logo abaixo dos lindos e carnudos lábios pintados de verde – e a reconheceu instantaneamente.

- Por Crom! – ele exclamou. – Pebatjma? Viva?!!

- Sim, Conan – ela respondeu, alargando o sorriso. – Eu não morri em Koth, naquele dia em que salvei sua vida, há quase 40 anos. Estou viva e precisando muito de sua ajuda. E, graças a Julah, você apareceu inesperadamente, como uma benção dos deuses.

Por um instante, o rei cimério da Aquilônia ficou boquiaberto, observando-a. A kushita, além de continuar linda, não envelhecera nada. Nem parecia que haviam se passado 38 anos, desde que ela ressuscitara o bárbaro do norte, após ele ter morrido afogado nos subterrâneos da cidade kothiana de Khorsus.

- Mas em que posso ajudá-la? – Conan perguntou bruscamente.

- Com uma espada, por nome A Presa de Set, sob seu comando – ela respondeu –, um príncipe exilado da Stygia, por nome Nehebkau, invadiu toda a região de Saa’bah e a unificou sob seu comando, criando um poderoso exército. Mas, graças a mim e à minha magia, os zuagires sob meu comando e eu escapamos; e aqui estamos.

“Com aquela maldita espada, forjada no próprio Inferno por Set e Yog, ele até ressuscitou uma rainha sabateana de puro sangue stígio, chamada Serket, morta há três mil anos por hiborianos”, prosseguiu Pebatjma. “Somente o Livro de Skelos poderá derrotá-los – tanto a Rainha Serket quanto o tal do Nehebkau, que foi banido da Stygia por ser filho do Rei Ctesphon com uma plebéia shemita –, e somente aquele livro poderá libertar as almas daqueles que foram mortos pela maldita Presa de Set, e dar a elas o descanso merecido. Ele pretende reconquistar a Stygia com suas hordas de Saa’bah. Mas pouco me importo com os malditos adoradores de serpentes. Importo-me, sim, com meus leais zuagires.” Ela apontou, com o queixo, para as fileiras de nômades do deserto que, havia muitos anos, pertenceram ao cimério. “Se alcançarmos o livro a tempo, não só deteremos aquele maldito imperialista, como também evitaremos que meus fiéis nômades shemitas sejam vítimas de uma nova praga, como a que os vitimou quando você foi o líder deles”.

Súbito, uma águia apareceu ali, com uma correia amarrada a uma das patas.

- Abdul! – disse Pebatjma, em tom de comando.

Automaticamente, o velho zuagir, a quem sua líder kushita chamara, apontou sua flecha para o alto, acertando fatalmente a ave, a qual teve morte instantânea.

- Precisamos fugir daqui imediatamente – disse a linda líder cor-de-ébano. – Zuagires! Levantar acampamento!

- O que houve? – Conan quis saber.

- Fomos localizados! Aquela águia pertencia à maldita Serket. A ave funcionava como os “olhos” da rainha morta-viva.

- E para onde vamos agora? – perguntou o cimério.

- Atrás do livro de Skelos. Não podemos fugir para sempre de quem pretende acabar com os zuagires, além de contarem com uma enorme vantagem numérica e com uma magia ainda mais poderosa que a minha própria.

Havia poucas coisas nas quais Conan confiava, além de uma espada forte, resistente e bem-forjada. Mas ele também havia feito vários amigos, no decorrer de 44 anos vagando pelo mundo civilizado – vinte dos quais, como Rei da Aquilônia, cercado de amigos e tendo precisado da ajuda de feiticeiros amigos, como Pelias, Zelata e Hadrathus. Sem contar que o cimério devia sua vida a Pebatjma.

Certamente que aquele pedido não poderia ser recusado. Havia sangue quente correndo nas veias daquele rei bárbaro, e uma rainha e uma espada profana não tirariam a vontade de Conan em, mais uma vez, singrar os recantos dos desertos ao lado dos selvagens zuagires.



2)


Enquanto isso, no acampamento de Nehebkau, seus guerreiros – milhares deles – treinavam para aprimorar ainda mais suas habilidades de luta e guerra. O príncipe comia sofregamente alguns cachos de uvas e beijava sua companheira Serket, ao mesmo tempo em que ambos assistiam ao treinamento daquele exército de sabateanos. Horríveis eram os costumes e rituais dos sabateus – e agora, ainda piores, com a chegada de Serket. 

Mulheres de pele alva ou escura eram chicoteadas até a morte, e homens, fossem eles valentes guerreiros ou miseráveis, eram crucificados pela mais leve das faltas. O culto dos sabateus era obscuro e sombrio. No grande altar do templo de Yog, a cada semana, uma vítima uivante morria sob a adaga da perversa consorte de Nehebkau – comumente o sacrifício de um escravo jovem e forte, ou de uma escrava virgem. 

Aquilo nem era o pior: antes da adaga aliviar o sofrimento, a vítima era aleijada de formas horrendas demais para se mencionar. A arte de tortura dos corpos propiciada pelos sabateanos era tão infernal, que a criatura sem língua, decepada, cega e esfolada vivia até a estocada final da adaga mandá-lo – ou mandá-la – para além do alcance dos demônios torturantes. Súbito, Serket arregalou os olhos, abriu a boca e ofegou, em expressão de espanto.

- O que houve? – perguntou Nehebkau.

- Pebatjma foi localizada. Ela se encontra no oásis de Akhrel, com seus zuagires!

- Então, vamos até lá imediatamente – disse o príncipe, de forma exultante e altiva.

- Um daqueles malditos nômades matou minha águia. A vadia da Pebatjma deve tê-la reconhecido e partido com eles para outro lugar, só Set sabe onde. Só sei que havia um recém-chegado entre eles, que não era stígio, shemita nem negro; e parecia estar do lado daqueles chacais.

- O que faremos, então? Sacrificaremos um dos escravos a Yog?

- Não se preocupe, meu príncipe – sorriu a Rainha Serket. – Tenho outros meios de localizá-los.

Ela se ergueu, desenhou um pentagrama invertido na areia e, no pentágono central da imagem profana, desenhou hieróglifos que já eram antigos quando Tuthamon – o primeiro rei da Stygia – ainda era uma criança. Ao mesmo tempo em que executava tal arte ancestral a rainha revirava e fechava os olhos, recitando encantamentos de quando a Atlântida Imperial ainda se erguia acima das ondas. Abrindo os olhos, ela, por fim, falou:

- Eles estão indo atrás do Livro de Skelos!

- O quê?! – ele exclamou, arregalando os olhos. Com esta exclamação de espanto, o príncipe alto e musculoso, de longa barba encaracolada e preto-azulada (as mesmas características físicas de seus seguidores, que também eram stígio-shemitas como ele), voltou-se para seus homens: – Levantar acampamento, cães! Vamos pegar a tal da Pebatjma, antes de invadirmos a Stygia! – A voz de Nehebkau se ergueu numa gargalhada de frenesi sangrento, assassinato, rapina, morte, pilhagem, derramamento de sangue, invasão, conquista e apropriação de terras alheias.

Em pouco tempo, os milhares de sabateanos liderados por Nehebkau e Serket marchavam para oeste, em busca das centenas de zuagires comandados pela kushita. Com o Livro de Skelos em posse de seus inimigos, a Presa de Set perderia o poder, o stígio perderia o comando dos sabateanos e, conseqüentemente, o sonho de governar tanto Saa’bah quanto a Stygia.

Além de quê, somente com aquele livro em mãos, ele e Serket poderiam lançar, sobre os zuagires, a mesma praga lançada há muitos anos sobre os mesmos, pelo falecido Radamés. O objetivo estava traçado e a guerra de conquista era o imperativo inconteste dos conquistadores.



3)


O sol nascente encontrou os zuagires cavalgando firmemente para oeste, parando apenas para breves e leves refeições. Aqueles homens duros eram acostumados às agruras dos desertos e das longas cavalgadas, possuindo não apenas a capacidade de montar sem sentir sede por longos períodos, como também a arte do arco e flecha como poucos membros das ditas raças civilizadas.

- O Livro de Skelos será encontrado num portal a oeste, num vale a meio dia de viagem daqui – explicou Pebatjma a Conan. – Hoje é o último dia da ascensão lunar, e o portal só abre uma vez a cada 36 luas.

Horas depois, o cimério, a kushita e os shemitas avistaram um portão de pedra, de feitio stígio, como atestava seu formato quadrado e suas inscrições profanas, provavelmente dos tempos do antigo império daquela raça misteriosa. Ao seu redor, somente areia; nenhuma ruína do restante daquela construção, e muito menos de outras.

O sol já tinha se posto, quando Pebatjma explicou que, dentro daquele portal, existia o Templo dos Pergaminhos, no qual a versão stígio-shemita do Livro de Skelos seria encontrada. Aos olhos mundanos, parecia um portal no meio do nada e que levava a lugar nenhum.

Ao nascer da lua, os zuagires chamaram sua líder e mostraram a ela algo que se assemelhava a uma tampa metálica redonda, em meio às areias do deserto, a qual media cerca de um metro e meio de diâmetro. O cimério se prontificou a abrir aquela tampa, ao saber, pela boca da kushita, que ela ajudaria a chegar ao Templo dos Pergaminhos. Pebatjma o alertou, no entanto, de somente a lua cheia no céu negro conseguiria fazê-los chegar ao Templo. Logo, a lua surgiu no alto, sua luz refletiu na tampa metálica e iluminou o portal. Dentro deste, apareceu uma luz azul que, embora diáfana, lembrava metal fundido borbulhando.

- Vamos – disse Pebatjma a Conan. – Não ficará aberto por muito tempo. Abdul e nossos zuagires ficarão de prontidão, caso as hordas de Nehebkau apareçam.

- Mas eles não serão páreos para milhares de guerreiros – retrucou o cimério, falando em Kushita, para que os shemitas não entendessem.

- Se chegarmos a tempo, conseguiremos quebrar o poder da Presa de Set, e nesse caso, será a horda do stígio que perderá para nós – ela respondeu, também em Kushita. – Agora vamos!

Pebatjma foi à frente, e Conan a seguiu. Assim que atravessaram o portal, os dois desembainharam suas lâminas e se viram dentro de um corredor com teto arcado. Seguindo-o, o casal logo chegou a uma enorme câmara com uma mesa redonda iluminada no centro. Faltava pouco para ela achar o livro em meio àqueles vários pergaminhos, quando um urro bestial invadiu aquele lugar e um golem de pedra, com mais de dois metros de altura, investiu contra Conan, brandindo uma enorme maça. Esquivando-se de um poderoso golpe daquela criatura – o qual destruiu uma mesa de pedra, cheia de pergaminhos –, o cimério se esquivou de mais outro golpe, que derrubou uma coluna, e investiu contra a criatura. Sua espada quase se quebrou quando o bárbaro do norte golpeou o gigante de pedra. Súbito, Pebatjma lançou um raio azul com as mãos, despedaçando a cabeça do monstro e, em seguida seu corpo.

- Por Crom! – disse Conan. – Eu te devo mais uma.

- Fique tranqüilo, Conan – a kushita respondeu. – Mais tarde, se escaparmos dessa, você pagará seu débito – ela acrescentou, com um sorriso nos lábios e uma piscadela maliciosa e inconfundível.

Então, o cimério viu, no centro da mesa redonda, uma placa idêntica à que vira no deserto, minutos atrás. Ele preferia ações mais práticas do que contar com a ajuda de rituais e conhecimentos profanos e místicos, mas nunca fora tolo em se negar a aproveitar-se desses expedientes para eliminar problemas e fortalecer seu braço contra seus muitos inimigos. Astúcia, pragmatismo e barbarismo faziam parte de seu ser.

- Rápido, Conan! Nosso tempo está acabando. Pegue o pergaminho cor de alabastro!

Então, pegando um pergaminho branco como alabastro sobre a placa no centro da mesa, o cimério a entregou a Pebatjma e ela o expôs à luz da lua – a qual se infiltrava pelo teto, iluminando a redonda placa metálica no centro da mesa. Logo, ela recitou alguns encantamentos e o casal de bárbaros viu inúmeras letras e frases em Stígio, todas flutuando e girando dentro da luz que se infiltrava do alto.

Foi assim que eles perceberam que aquele era o próprio Livro de Skelos, em sua versão stígio-shemita, escrita há milhares de anos pelos sabateus. Sem perder tempo, Pebatjma começou a pronunciar os diversos nomes que ela via flutuando e girando magicamente no ar. 

Eram os nomes das almas torturadas de todos aqueles que haviam sido mortos pela Presa de Set. Gritos humanos começavam a invadir a câmara, e o cimério automaticamente percebia que eles, não apenas eram na língua shemita daqueles a quem Nehebkau assassinara, como também cessavam a cada vez que Pebatjma os pronunciava, libertando, uma por uma, as almas de seus tormentos pós-vida. A mágica de anulação da maldição de tormentos das vítimas da espada tinha sido executada a contendo, e o tabuleiro tinha mudado suas peças, pendendo o jogo agora para o lado dos dois bárbaros que ora lideravam a turba dos zuagires.


* * *


Enquanto isso, do lado de fora do portal, os zuagires haviam se escondido sob elevações em ambos os lados do portal. Ao avistarem a horda de milhares que se aproximavam do local onde Conan e Pebatjma haviam estado, eles começaram a disparar suas flechas contra os exércitos do Rei Nehebkau de Saa’bah e da Rainha Serket. A aglomeração era tão grande, que nenhuma seta disparada pelos lobos do deserto errava o alvo, sempre derrubando um sabateano de sua montaria. Os guerreiros de Saa’bah dispararam de volta, mas não conseguiam acertar aquilo que não viam.

- Não desperdicem flechas, cães! – gritou Nehebkau. – Vamos recuar!

Ao recuarem, porém, os milhares de sabateanos se depararam com mil asshuris, em coletes de escamas e elmos, atacando-lhes pela retaguarda. Mais da metade daqueles guerreiros de Shumir havia sido massacrada, semanas atrás, pelas hordas do ex-nobre stígio e agora buscavam vingança. Ambos os exércitos disparavam seus arcos e nuvens de flechas escureciam o luar. Embora os asshuris, por serem todos shemitas sem sangue stígio, tivessem um alcance mais longo com seus disparos, as hordas de Nehebkau e Serket contavam com a vantagem numérica e logo começaram a massacrar os shemitas não-miscigenados, com suas lanças atiradas à distância e – ao alcançarem os quinhentos asshuris restantes – com suas espadas.

Vendo seus irmãos shemitas não-mestiços serem massacrados às centenas por um povo hostil, sanguinário e imperialista – e, para eles, traidor da própria raça pelo simples fato de terem sangue stígio nas veias –, os zuagires soltaram alaridos de guerra e desceram a cavalo das elevações, atacando os sabateanos que haviam lhes dado as costas. Normalmente, asshuris e zuagires eram inimigos mortais, mas eles agora tinham um rival em comum. Além disso, o parentesco genético entre aqueles dois povos de culturas diferentes falava mais alto, fazendo com que eles dividissem os sabateanos entre dois fogos.

Esquivando-se do giro de uma espada sabateana, um dos asshuris contra-atacou com um chute no ventre do seu adversário e lhe enfiou a lança no pescoço, atravessando-lhe o pomo-de-adão até as vértebras cervicais. Enquanto isso, um zuagir salvava a vida de um asshuri, decepando a cabeça de um yoguita, enquanto mais um sabateano, o qual tentava matar um lobo-do-deserto era morto por outro asshuri, o qual lhe abria a garganta por trás com sua espada.

Mas, mesmo assim, os exércitos de Nehebkau e Serket estavam em vantagem suficiente para massacrarem tanto zuagires de um lado, quanto asshuris do outro. Agora, cada vez mais confiante, o ex-príncipe Nehebkau – que ainda não havia utilizado sua espada durante aquela batalha – sorriu, vislumbrando a si mesmo e à Rainha Serket depondo e matando seu ingrato pai Ctesphon, assumindo o trono da Stygia e mantendo o poder, tanto com seus sabateanos quanto com a magia da sua espada e da sua esposa, governando uma região unificada que ia de Shem Oriental até as fronteiras meridionais da Stygia. E, quem sabe, até desafiando e derrotando o próprio Thoth-Amon!

Com seu cavalo morto por uma seta sabateana, o zuagir Abdul derrubava vários cavaleiros de suas selas, com golpes ágeis e mortíferos de sua cimitarra. Embora tão idoso quanto Conan – e não sendo um cimério –, o segundo-em-comando dos zuagires lutava melhor que a maioria dos seus rivais.

Outro sabateano conseguiu derrubar Abdul, ao saltar da sela de sua montaria; agarrou o pescoço do velho zuagir com uma das mãos e lhe segurou o outro pulso, ao mesmo tempo em que punha o joelho no ventre do vice-líder dos lobos-do-deserto e, tirando a mão de seu pescoço, desembainhava a espada. O seguidor de Nehebkau ergueu sua lâmina que reluziu ao luar, mas foi morto por uma lança atirada em suas costas, e seu gorgolejo de morte foi seguido por um selvagem grito feminino.

- Por Ishtar! – Abdul exclamou feliz. – Pebatjma!

- Sim, Abdul – ela respondeu, sorrindo para o idoso guerreiro. – Mas agora, temos uma luta a vencer – ela acrescentou, arrancando a lança do cadáver sabateano.

Erguendo-se de um pulo, Abdul derrubou um dos cavaleiros num só golpe de sua cimitarra, enquanto Pebatjma cravava sua lança no peito de um dos guerreiros da agora imperial Saa’bah e, no movimento seguinte, arrancava a lança que enfiara no yoguita para abrir a garganta de outro rival a cavalo, que investia contra ela. Desembainhando sua cimitarra, ela cravou sua lança no abdômen de outro sabateano, de modo que a ponta da mesma se lhe sobressaiu pelas costas, para, em seguida, abrir as tripas de um yoguita que investia a pé contra ela e cravar, logo depois, sua espada no peito de mais um antagonista.

Ao mesmo tempo, cruzando espadas com um yoguita, Pebatjma teve sua espada chutada por aquele sabateano, mas, dando duas cambalhotas para trás, a kushita se esquivou do seu rival, recuperou a arma caída na areia e voltou a enfrentar aquele espadachim yoguita. Ele acertou um chute no rosto da linda negra, mas, para sua surpresa, a mulher nem sequer ficou zonza. Com um golpe de sua cimitarra, a kushita decepou a mão do stígio-shemita de Saa’bah e, no giro seguinte, o decapitou num grande jato sangrento a regar o solo árido do deserto. Embora ela não fosse uma ciméria, a líder dos zuagires era, graças à sua magia, capaz, não apenas de suportar tremendas dores, como também de causá-las.

Outro yoguita, que tentou se aproximar de Pebatjma por trás, teve sua boca destruída por um soco da kushita e, em seguida, os intestinos abertos pela lâmina dela. No momento seguinte, agachando-se como uma pantera na areia, a linda líder zuagir engatinhou alguns passos e, inesperadamente, saltou como uma felina sobre o pescoço de outro sabateano – o qual estava prestes a matar um asshuri –, agarrou-lhe a garganta com a mão esquerda e, num giro descendente da espada ensangüentada, abriu-lhe elmo e crânio numa explosão de faíscas, miolos e sangue sobre as areias.

Enquanto isso, aparando o golpe de espada de um sabateano, Conan lhe acertou uma joelhada nos testículos. Enfraquecido pelo golpe entre as pernas, o homem teve sua cabeça aberta até o pescoço por um giro descendente da espada aquiloniana do cimério. Em giros e esquivas impressionantes – principalmente para um homem de 60 anos –, o bárbaro do norte abria crânios e peitos, decepava cabeças e aleijava seus antagonistas, numa agilidade e força de darem inveja aos guerreiros mais jovens e bem-treinados ali presentes. Ensangüentado e de espada na mão, o cimério tinha uma aparência muito mais régia do que se estivesse sentado no trono, com a coroa aquiloniana na cabeça.

O Rei da Aquilônia nunca ficava imóvel. Mudava de lugar a todo instante, com saltos, esquivas, giros e acrobacias, oferecendo um alvo em constante movimento para as espadas inimigas, enquanto sua espada cantava uma canção de morte para aqueles ouvidos, tal como um felino diante de caças numerosas. A forma de Conan lutar era hetorodoxa e sem floreios, porém tão instintiva a e natural quanto a de um lobo da floresta. As complexidades de esgrima dos yoguitas eram tão inúteis contra a fúria primitiva do cimério, quanto a habilidade de um boxeador humano contra as investidas de uma pantera. Conan não era um lutador defensivo; mesmo sob o peso de desvantagens insuperáveis, ele sempre levava a guerra até o inimigo. Se ele não fosse um bárbaro da Ciméria, já teria morrido ali, e o próprio Conan não tinha esperança de sobreviver por muito mais tempo; mas sua ferocidade queria infligir o máximo de danos possível, antes de tombar e vagar ao esquecimento das névoas da morte. Sua alma de bárbaro estava em chamas, e canções de antigos heróis lhe ecoavam na mente.

Em seguida, Conan abriu a jugular de mais um yoguita, aparou o golpe de outro que, com duas lâminas, tentara lhe decepar; chutou-lhe o ventre e lhe decepou a cabeça. Sempre um alvo móvel, o cimério de bronze era arranhado e ferido, mas nunca morto, nem gravemente ferido, por aqueles adoradores de Set e Yog. Ao se deparar com Abdul, finalmente morto pela lança de um yoguita, o bárbaro do norte arremessou um punhal certeiro no pescoço do assassino do velho zuagir, enquanto abria caminho até o Rei Nehebkau de Saa’bah. Ele conhecia muito bem a trilha a ser seguida, para resolver aquela contenda.

Ao ver Abdul morto – e vários dos seus zuagires também –, Pebatjma também se enfureceu e finalmente usou seus poderes em batalha; seus olhos negros se acenderam e cada pupila se dividiu em duas, suas mãos adquiriram um brilho azul e, com os braços esguios estirados, ela lançou raios sobre o exército de milhares de sabateanos, fulminando e reduzindo todos a cinzas, deixando apenas o Príncipe Nehebkau e a Rainha Serket vivos – além, claro, dos poucos zuagires e asshuri restantes. Sua indignação fora tão grande, que ela não esperou que os guerreiros de Saa’bah abandonassem seus mentores. Era o momento final da batalha campal que havia transformado as areias em sangue escarlate.

Igualmente furioso ficou Nehebkau, que, agora desprovido de seus guerreiros, investiu contra Conan, cavalgando a toda velocidade em direção ao cimério. Mas uma flecha asshuri – uma das poucas restantes entre os agora feridos e esfarrapados shemitas – lhe atingiu o ombro esquerdo, derrubando-o de seu cavalo. O cimério continuou correndo e alcançou o ex-príncipe, quando este mal acabara de se levantar. O aço azul aquiloniano encontrou o aço cinzento dos infernos stígios, quando Conan e Nehebkau começaram a cruzar espadas. Frente a frente, o rei stígio de Saa’bah e o rei cimério da Aquilônia eram um quadro impressionante de força primitiva. Nehebkau era tão alto quanto Conan e mais musculoso. Mas havia algo repulsivo no stígio; algo abismal e monstruoso, que contrastava desfavoravelmente com o poder bárbaro do cimério – um poder que nunca conhecera a decadência e que não dependia de magia negra.

A princípio, o duelo estava equilibrado. Aproveitando-se disso, Nehebkau sorriu confiante e invocou Set e Yog, recitando brevemente preces mais antigas que a própria Stygia – preces que garantiam sua vitória sobre os rivais e o aprisionamento de suas almas em sua espada mágica. Entretanto, os olhos negros do gigante stígio se arregalaram, ao perceber que suas preces não surtiram efeito algum. Aproveitando-se daquele breve instante de hesitação, Conan despedaçou a Presa de Set num só giro de sua espada e, no golpe seguinte, enfiou a lâmina no peito taurino de Nehebkau, até atingir o coração perverso do ex-príncipe, enquanto os olhos deste ainda refletiam a surpresa. Ele, por fim, caiu morto na areia, com a longa barba negra manchada do sangue a lhe escorrer, tanto do coração quanto da boca.

Ao mesmo tempo, Serket começou a usar seus poderes, para lançar sobre os guerreiros shemitas uma praga, similar à que matara milhares de zuagires há quase quatro décadas. Mas, antes que a stígia o fizesse, Pebatjma entrou em ação. As duas se encararam. As flamas que haviam queimado corpos sabateanos, bem como a luz da lua túrgida no alto, iluminavam seus rostos. Seus olhos se encontraram e se chocaram. Forças aterrorizantes pareciam irradiar de cada uma daquelas mulheres; poderes invisíveis de luta se agitavam ao redor delas. Atrás da bruxa, se escondiam milhares de anos de segredos obscuros, mistérios sinistros, terríveis formas nebulosas e monstros semi-ocultos entre as névoas da antiguidade. Atrás da líder dos zuagires, a clara e forte luz do dia que se aproximava; a limpa fortaleza de uma mulher nova, com uma poderosa missão.

Agora Pebatjma, apesar de possuir os poderes da falecida Nekhbet, conseguira, alguns anos atrás, sobrepujar e destruir o espírito maligno da princesa stígia que dela havia se apossado – por conta de sua natureza benigna sempre ter sido mais forte que a de Nekhbet, mesmo tendo sido possuída no passado. Serket e a kushita pareciam realizar um aterrorizante esforço. As veias se sobressaíam da testa da líder negra. Os olhos de ambas ardiam e faiscavam. Então, Serket resfolegou. Com um uivo, ela tapou os olhos e caiu como se tivesse sido derrubada por um relâmpago; e, antes que tocasse o chão, já estava terrivelmente alterada. Sobre as areias de Shem Oriental, não havia mais um cadáver de carne e osso, mas uma múmia enrugada, pardacenta e seca – uma carcaça irreconhecível e coberta de pó.



4)


Sem seu líder, parte dos asshuri ali presentes voltou aos seus lares e famílias em Shumir, enquanto os demais se juntaram aos zuagires. Após chegarem a um oásis, no dia seguinte, Conan, Pebatjma e os lobos do deserto descansaram e dormiram durante a manhã, e, durante a tarde, festejaram sua vitória com suas danças e seus rituais a Ishtar e Jhil (este último, uma divindade adorada desde as Terras Pictas até Tombalku). Após o cair da noite, na tenda de sua líder, ela e o rei cimério da Aquilônia se deitavam no leito, beijando-se vorazmente, Conan pressionando seus finos lábios fortes contra a boca úmida e quente da kushita – macia e carnuda, como a de todas as suas conterrâneas, e ao mesmo tempo terna e voraz.

Na mesa, havia uma jarra de vinho, tâmaras e carne. E o cimério, deitado de lado assim como a atual líder dos zuagires, lhe arremetia vigorosamente o falo vagina adentro, ao mesmo tempo em que sugava ardentemente os enormes seios trêmulos e suados de Pebatjma. Após o orgasmo, a líder kushita – cujo vigor sexual ficara tão grande quanto o de Conan, após ela ter adquirido os poderes de Nekhbet – virou-se para cima e, ficando de quatro, introduziu o pênis do cimério no próprio e apertado ânus, onde Conan a penetrou com mais excitação que na vagina.

Após ter mais um intenso, vibrante e mútuo clímax de prazer – e pressentindo o orgasmo do bárbaro do norte que se erguia sobre ela –, a kushita tirou o falo de Conan do ânus dela e fez com que ele lhe ejaculasse no rosto de ébano, quase o embranquecendo. Excitado com aquela bela visão, do rosto de Pebatjma manchado de sêmen dos curtos cabelos crespos até o queixo – bem como da kushita lhe beijando sorridente a ainda gotejante glande –, o cimério a adentrou novamente, sugando-lhe outra vez as mamas lindas e pendentes, enquanto a maioria do acampamento dormia.

Em sua intimidade com as mulheres, aquele bárbaro do norte se deixava levar pelo prazer, com a mesma paixão com a qual era levado pela fúria das batalhas. Vagina, ânus, boca... dentro de todos eles, o cimério penetrava e ejaculava sofregamente, gemendo de prazer com sua companheira.



* * *


No dia seguinte, Conan se despediu amigavelmente dos zuagires, e ardentemente de Pebatjma. A kushita se mostrara tão maravilhosa na cama quanto as poitainianas, britunianas, zamorianas, hirkanianas e zíngaras a quem o bárbaro do norte possuíra ao longo de sua vida – e que, por serem boas de cama, compunham o serralho do rei cimério. Mas ele sabia que, por mais solícita que fosse, a mulher jamais aceitaria fazer parte de seu harém. Conan tinha seu reino na fértil Aquilônia, enquanto Pebatjma, ele sabia, tinha seu próprio reino nas areias escaldantes do Deserto Kharamun, agora livre da ameaça dos falecidos Nehebkau e Serket, cujos sonhos imperiais se dissiparam como pegadas nas areias dos desertos, por onde os bandoleiros shemitas e sua líder kushita agora perambulavam livremente.



FIM


 


Agradecimentos especiais: Ao howardmaníaco e amigo Marco Antonio Collares.

 


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