Um Novíssimo Recomeço... O Fim de Uma Dinastia


 

Um Novíssimo Recomeço... O Fim de Uma Dinastia

(por Fernando Neeser de Aragão)



1) “Eis que o povo se levantará como leoa e se exalçará como leão; não se deitará até que coma a presa e beba o sangue dos mortos.

(Números 21:24).


Conan bebia, jogava, comia e gargalhava com seus amigos mercenários e com prostitutas de vestidos vermelhos, numa taverna não muito longe de Tarantia, quando um grupo de soldados encouraçados adentrou aquele local, liderados por um homem que, apesar de gordo, tinha aspecto guerreiro e andava tão blindado quanto eles. Nem mesmo a cintura larga, a barba grisalha e o suntuoso e brilhante aro em sua testa lhe atenuavam as linhas do antebraço musculoso e suas feições duras. Era o Rei Namedides I, da Casa de Namedes, soberano da Aquilônia.

Os guardas pararam na entrada do recinto, e Namedides sorriu para todos ali presentes, dizendo:

- Paz, pessoal! Gostaria de falar com o herói de Velitrium.

- O que deseja? – perguntou Conan, com ar desconfiado e erguendo-se do banco no qual se sentava a uma das mesas.

O sorriso do rei se alargou:

- É uma honra conhecer pessoalmente o herói de Conajohara, cujos grandes feitos chegaram até a capital, há quase seis anos – disse o Rei Namedides, vendo em Conan um guerreiro tão poderoso quanto ele próprio. – Precisamos de você para deter uma invasão zíngara em Poitain, segundo fui informado por Prospero e pelo Conde Trocero, para que aldeias poitainianas não se percam, nem aquilonianos inocentes sejam mortos. Somos o reino hiboriano mais fértil e próspero de todos. Eu lhe pagarei bem: o seu peso, e o de cada um de seus amigos, em ouro.

- Feito – respondeu Conan.


Contratado para servir o exército mercenário aquiloniano, Conan se dirigiu à cidade de Tarantia (ou Tamar), capital daquele reino, na companhia dos amigos que fizera entre mercenários da fronteira leste da Aquilônia. Lá chegando, Conan viu uma muralha de pedra de seis metros de altura que circundava a cidade de Tamar. As pedras eram de um cinza escuro e gasto pelo tempo. Num determinado trecho, a muralha estava sendo consertada; as pedras novas eram de cor mais clara, um cinza amarelado. Havia pedreiros trabalhando ali, trabalhando com rapidez. Por cima da muralha em si, guardas com cotas de malha andavam de um lado para o outro, às vezes parando para lançar um olhar nervoso à distância.

E elevando-se acima de todo o resto, o castelo real, com suas torres circulares, azuis e douradas. Bandeiras ondulavam nos torreões. Todas as bandeiras exibiam o emblema real: uma serpente dourada sobre um fundo preto.

Todas as casas tinham telhados lauzes, feitos de pedras pretas empilhadas. Tais telhados de pedra eram incrivelmente pesados e exigiam um madeirame interno muito forte.

Havia um grande número de cavalos; um número realmente maior que os cavalos nos campos. Havia uma centena de cavalos à vista só naquele momento. Tudo que é tipo de cavalo, desde belos e musculosos corcéis até matungos escanifrados pelos campos.

Naquele desfile, o cimério não havia deixado de notar – como já vira em outras cidades – homens caindo e morrendo de fome, encostados nas paredes das lojas, e armazéns abarrotados de comida...



Após uma marcha de vários quilômetros para sudoeste, com o emblema do leão dourado sobre fundo preto, dos mercenários aquilonianos, Conan e seu exército atravessaram enormes montanhas azuis e chegaram à bela região de Poitain, onde foram saudados por Trocero, o conde daquela província aquiloniana, cuja população, de cabelos negros e olhos castanhos, era quase tão uniformemente morena quanto seus vizinhos zíngaros.

O Conde Trocero, o qual recebeu amigavelmente aqueles que lhe defenderiam a província, era um homem magro e inquieto, com cintura esguia e ombros de espadachim, o qual carregava seus anos com leveza; seus cabelos negros eram curtos e seu rosto, coroado por uma barba bem-aparada, com alguns fios grisalhos. O exército mercenário acampou a certa distância do castelo do conde.


As forças mercenárias aquilonianas estavam posicionadas, formando longas linhas de lanceiros e cavaleiros em aço brilhante. Ao verem a figura agigantada de Conan – um homem de 1,90 m de altura e 96 kg, em armadura negra –, subir na sela do cavalo, com a bandeira dos mercenários – um leão dourado sobre fundo preto – e a de Poitain – um leopardo escarlate – ondulando acima dele, um clamor de estremecer o solo emergiu do exército. A hoste aquiloniana havia assumido a formação costumeira: a parte mais forte era o centro, inteiramente composto por cavaleiros pesadamente armados; as alas eram compostas por grupos menores de cavaleiros e por soldados fortemente armados, quase todos, sustentados por piqueiros e arqueiros. Estes últimos eram bossonianos das fronteiras ocidentais, homens fortemente constituídos, de estatura mediana e usando jaquetas de couro e proteções de ferro para as cabeças.

O exército zíngaro, encabeçado pelo Rei Andalzo avançava em formação similar, e as duas hostes se moviam em direção ao Rio Alimane, as alas à frente dos centros. No meio do exército de Zingara, esvoaçava a bandeira dourada daquele país, enquanto, no centro do exército aquiloniano, a grande bandeira do leão desdobrava suas ondulantes pregas negras sobre a figura vestida de aço que montava no garanhão negro. Os exércitos marcharam ao mesmo tempo. Soaram as trombetas. O amanhecer resplandeceu como fogo sobre capacetes, morions e armas pontiagudas – e faria com que o rio se tornasse verdadeiramente escarlate antes do dia terminar.

O inimigo alcançou o rio. Agora as flechas voavam entre as hostes, como nuvens de ferrões que escondem o sol. Acima do estrondo das trombetas e do tinido do aço, chegou o grito intenso e feroz dos bossonianos, enquanto eles puxavam e atiravam em perfeita harmonia.

Os arqueiros inimigos tentavam manter os bossonianos ocupados, enquanto seus cavaleiros avançavam para o rio. As margens não eram íngremes; elas se inclinavam até a margem da água. Os cavaleiros se aproximaram, movendo-se violentamente através dos salgueiros. As flechas de quase um metro encontravam todas as fendas nas couraças zíngaras! Cavalos e homens caíam, se debatendo na água. Ela não era funda, nem a correnteza era rápida, mas os homens estavam se afogando lá, afundados por suas armaduras e atropelados por cavalos desvairados. Agora, Conan, Trocero e os cavaleiros da Aquilônia avançavam. Cavalgaram em direção à água e enfrentaram os cavaleiros de Zingara. A água rodopiava ao redor das barrigas de seus cavalos, e o clangor de espada contra espada era ensurdecedor.

As asas se fecharam, os lanceiros e espadachins lutavam na correnteza, e, atrás deles, os arqueiros continuavam seus disparos, curvando seus arcos para derrubarem as fileiras da retaguarda. O pelotão central zíngaro não conseguia avançar nem a pé, e suas asas estavam sendo empurradas para fora do rio.

Então, enquanto seguia à frente do exército mercenário, avançando contra os zíngaros, o líder cimério arremessou uma lança e acertou a garganta do Rei Andalzo; e, ao cair, o rei de Zingara teve o crânio esmagado pelos cascos de seu cavalo moribundo – o animal, por sua vez, morto por uma flecha bossoniana de quase um metro de comprimento.

Ao verem seu rei morto, as hostes zíngaras hesitaram, recuaram aturdidas e fugiram aos gritos para além do Rio Alimane, fustigadas por flechas bossonianas e lanças gunderlandesas. As águas do Alimane ficaram tingidas de vermelho e foram pouquíssimos os que viveram para alcançarem a distante Kordava, capital de Zingara.



2)


Após ter recebido as devidas honras do Rei Namedides, em Tarantia, Trocero havia cavalgado de volta a Poitain, enquanto Prospero ficou na capital, como representante do Conde de Poitain e da própria Poitain, ao comparecer à festa que o rei organizou em honra ao agora recém-nomeado General Conan.

Quase todos dançavam alegremente ao som de flautas e alaúdes – um destes últimos tocados pelo menestrel loiro Rinaldo –, enquanto o cimério, servido por uma linda e sedutora dançarina sorridente de cabelos negros e olhos castanhos, bebia cada vez mais vinho, após ter comido bastante carne de boi e de porco. Agora devidamente banhado e perfumado, Conan se sentia tranqüilo, vez que o próprio Rei Namedides havia provado uma taça inteira, antes de servi-lo.

Então, aquela mesma dançarina poitainiana, de nome Virgília, que servia o bárbaro, o beijou ali mesmo, no salão de festas. Excitado, o cimério a ergueu nos braços e, apesar de meio ébrio, a levou a um dos quartos do palácio, com a permissão e a ajuda de Namedides, o qual indicou onde eles poderiam entrar.

Após adentrarem o quarto, Virgília abraçou Conan e beijou-lhe ardorosamente os lábios, para em seguida deitar o agigantado bárbaro seminu sobre o divã e abaixar a parte superior do vestido de seda, desnudando os seios morenos para o general cimério.

- Me ame, homem vigoroso da Ciméria! – sussurrou Virgília, montada sobre Conan, pouco antes deste lhe sugar o busto moreno e firme.

Em seguida, sentando Conan na beirada da cama, Virgília se curvou diante do bárbaro, tirando-lhe as roupas e englobando-lhe o membro viril com a boca úmida, e pondo-se a descer e subir continuamente a cabeça sobre o excitado cimério, arrancando-lhe grunhidos cada vez mais roucos de prazer.

Então, despindo-se totalmente do vestido de seda, ela montou sobre Conan, enquanto este, embalado pelo subir e descer – desta vez do corpo – da dançarina (a qual, como a maioria das cortesãs aquilonianas, soltava palavrões durante o ato sexual), voltou a lhe sugar os seios, até a mulher gritar de prazer, num tremendo êxtase de desejo a lhe explodir em cada fibra latejante de seu ser.

Conan ficou ainda mais excitado quando, após atingir o orgasmo e antes dele próprio chegar ao clímax do prazer, Virgília desmontou do membro ereto do bárbaro e, ajoelhada, o pôs dentro da boca, onde o gigante bronzeado ejaculou abundantemente e a dançarina lhe engoliu todo o esperma.

Há muito tempo, Conan não via uma mulher fazer aquilo com ele. Com um sorriso malicioso nos lábios e um olhar travesso dirigido a Conan, Virgília beijou os testículos e a glande do cimério. O bárbaro se sentiu pronto para outra relação, de tão extasiado que ficara.

Tomado de desejo outra vez, Conan se levantou subitamente e voltou a abraçar e beijar aquela morena. Após o segundo enlace amoroso com aquela mulher, Conan pegou, não a taça dourada de vinho, mas o jarro da bebida, ingerindo uma quantidade ainda maior que a anterior à primeira relação sexual com Virgília. Tarde demais, o general cimério percebeu que o vinho estava drogado.


* * *


Ao contrário da maioria das vezes, o despertar de Conan agora não era abrupto. Sua mente estava tão letárgica quanto no momento em que desmaiara. Então, com um esforço selvagem, o cimério rompeu os laços invisíveis que o mantinham preso à inconsciência. Ele percebia estar num calabouço úmido e escuro, preso à parede de pedra por correntes que nem mesmo seus músculos de bárbaro eram capazes de quebrar. Uma onda de fúria toma contou do cimério, ao se lembrar dos acontecimentos que precederam – e causaram – seu desmaio. Aquele maldito rei... Em seu íntimo, o bárbaro jurou que isso não ficaria assim.

O cimério imaginou estar na sinistra Torre de Ferro, a julgar pelos blocos de ferro negro, intercalados com os de pedra, aos quais ele sentia pelo contato de suas costas nuas com a parede. E, com um grunhido de ódio, Conan se lembrou de rumores, ouvidos ao redor das fogueiras dos mercenários que comandara dias atrás, de que, quem era aprisionado nela, só saía de lá morto.

O sucesso de Conan lhe valera inimigos poderosos entre a nobreza aquiloniana e seus companheiros oficiais. Ao mesmo tempo, Conan havia se tornado um herói popular, e o Rei Namedides vira o cimério como uma ameaça ao seu governo – uma opinião à qual inimigos de Conan, como o Conde Ascalante de Thune e outros, se encarregaram de encorajar. Assim, vítima deles e de generais invejosos, Conan fora dopado durante aquele festejo no Palácio Real e aprisionado na Torre de Ferro.



3)


A sombria Torre de Ferro se erguia afastada da cidadela, no meio de um labirinto de ruas estreitas e casas aglomeradas, onde as estruturas mais humildes, ocupando um espaço em desordem, haviam invadido uma porção da cidade que lhes era habitualmente estranha. A Torre era na verdade um castelo; uma antiga e tremenda pilha de pedra compacta e ferro negro, a qual havia servido como fortaleza, num século mais antigo e mais rude.

Não muito longe dela, perdida numa confusão de casas e armazéns parcialmente abandonados, havia uma antiga torre de vigia, tão velha e esquecida que não aparecia nos mapas da cidade há quase 100 anos. Sua função original havia sido esquecida; e ninguém, dentre os que a tinham visto, notava que a tranca, aparentemente antiga, a qual a impedia de ser usada como quarto de dormir por mendigos e ladrões, era na verdade comparativamente nova e extremamente forte, habilmente disfarçada numa aparência de rústica antiguidade. Menos de meia-dúzia de homens no reino sequer conhecia o segredo daquela torre.

Não se via nenhum buraco de fechadura na pesada tranca incrustada de verde. Mas os dedos experientes de um poitainiano esguio e encapuzado, se movendo furtivamente sobre ela, pressionavam aqui e ali maçanetas invisíveis ao observador ocasional. A porta se abriu silenciosamente para dentro, e ele entrou numa escuridão compacta, empurrando a porta e fechando-a atrás de si. Uma luz mostraria que a torre estava vazia; uma desnuda e cilíndrica seta de pedra maciça.

Tateando num canto com a certeza da familiaridade, ele encontrou as saliências pelas quais procurava, numa laje de pedra que compunha o chão. Rapidamente, ele a ergueu e, sem hesitar, desceu para dentro da abertura sob ela. Seus pés sentiram uns degraus de pedra levando para baixo, para dentro do que ele sabia ser um túnel estreito, o qual corria diretamente para os alicerces da Torre de Ferro, a três ruas de distância.

Numa sala fracamente iluminada da Torre de Ferro, uma porta se abriu e uma figura surgiu dentro de um corredor. O interior da Torre era tão desagradável quanto sua aparência externa. Suas paredes de pedra maciça eram ásperas e sem adorno. As lajes do chão eram profundamente gastas por gerações de pés vacilantes, e a abóbada do teto era sombria na luz fraca das tochas postadas em nichos.

O homem mascarado se dirigiu até a cela de Conan, abrindo-a. O cimério o examinou com interesse, pensando ser ele o executor enviado para despachá-lo. Então, o homem tirou a máscara e capuz, e sorriu para o bárbaro.

- Prospero! – Conan exclamou surpreso. Ainda bem que aquele poitainiano não voltara à sua província natal.

O cavaleiro de Poitain sorriu, balançou um molho de chaves, libertou Conan das correntes e, juntos, saíram da torre pelo mesmo caminho secreto por onde Prospero havia entrado. Saltando um muro próximo à Torre de Ferro – um dos poucos não-guarnecidos de Tarantia –, o cimério e o poitainiano montaram em dois cavalos que os aguardavam próximos à margem do Rio Khorotas.


* * *


- M-Majestade! – gaguejou Virgília, ajoelhada entre dois soldados, a apenas dois metros de distância do corpulento rei que se sentava no trono diante dela. – Eu dei ao cimério vinho suficiente para ele desmaiar, como Sua Alteza mesmo viu! Não tive culpa se Conan fugiu através de um ponto desguarnecido da Torre de Ferro. Eu te imploro, por favor, não me mande àquela torre! – ela acrescentou, esticando os braços brancos em direção a Namedides, num pedido desesperado por misericórdia e perdão.

O Rei Namedides sorriu e se levantou do trono, caminhando até ela.

- Não se preocupe, minha linda Virgília – ele disse. – Você me deu muito prazer nos leitos do meu serralho. Eu jamais lhe mandaria à Torre de Ferro.

Inesperadamente, Namedides sacou sua espada e agarrou os cabelos da belíssima dançarina de seu harém.

- Mas Vossa Majestade m-me prometeu... – ela gaguejou desesperada e com lágrimas lhe brotando dos lindos olhos castanhos.

- Eu só prometi não lhe enviar à Torre de Ferro. – E, de um só golpe, decepou a cabeça morena de Virgília num giro sangrento de sua lâmina, para horror de todos os cortesãos ali presentes na sala do trono. – Guardas! – ele ordenou, limpando o sangue que lhe espirrara no rosto. – Levem a cabeça desta vadia ao Campo do Traidor. E executem um dos vigias da Torre de Ferro, e outro das muralhas da cidade, também no Campo do Traidor, para servirem de exemplo, como essa vagabunda serviu!

Sabendo que Prospero havia sumido de Tarantia na mesma noite em que Conan, e também sabendo que seus guardas não conseguiriam localizar o cimério – nem o fariam a tempo de alcançar Poitain, para onde ele e o cavaleiro talvez tenham fugido –, Namedides descarregou seu ódio e frustração na primeira pessoa que vira à sua frente.


***


Usando armaduras de Companheiros Livres e capacetes que lhes cobriam parcialmente os rostos, Conan e Prospero cavalgaram por cidades que pulsavam em vida noturna, diante de miríades de luzes, casas de senhores próximas ao Rio Khorotas e pomares férteis.

A caminho de Poitain, numa pequena estalagem afastada das cidades, Conan e Prospero foram comer, beber e se reabastecer, pois o estoque de mantimentos da fuga já havia terminado. Eles não haviam tirado seus capacetes nem enquanto comiam e bebiam, sentados a uma mesa. Súbito, o cimério notou que uma das mulheres que os serviam era uma morena cor-de-oliva, de baixa estatura e corpo esguio, que falava com sotaque zíngaro. Ao lhe ver melhor o rosto, ele descobriu o porquê da familiaridade que sentira ao vê-la.

- Sancha!

Ao ver que fora reconhecida, Sancha pensou que aquele homem alto e musculoso fosse um dos muitos clientes a quem ela servira ao longo de seus oito anos trabalhando como prostituta naquela estalagem. Então, o homem sorriu e acrescentou, em voz baixa:

- Sancha de Kordava, ex-mulher de Zaporavo, do navio Esbanjador.

Ela se sobressaltou. Como aquele mercenário conhecia seu passado? O sorriso de Conan se alargou, e ele ergueu seu capacete para que somente ela visse. Ela sorriu largamente, mas ele levou o indicador aos próprios lábios, e a convidou para se sentar ao lado dele. Durante a conversa que se seguiu, o cimério perguntou a Sancha como ela, a filha do Duque de Kordava, a quem ele devolvera à terra natal, havia parado ali.

- Quando meu pai soube que eu não era mais virgem, ele me deserdou – disse a zíngara, irrompendo subitamente em prantos.

O cimério, por sua vez, explicou a ela que havia sido preso injustamente na Torre de Ferro, estava fugindo para Poitain e desejava uma boa companhia durante e após a fuga. Assim, após uma noite de prazer com Sancha (devidamente paga com o ouro de Prospero), Conan tirou a zíngara daquela vida – também com uma boa quantia paga ao cafetão da zíngara – e a levou consigo, no caminho para o castelo do Conde Trocero.

Finalmente, após vários dias de cavalgada, as montanhas azuladas de Poitain se ergueram diante da dupla, uma após a outra, como baluartes dos deuses, em penhascos que pareciam torres. Próximos à margem do Rio Khorotas, abetos cresciam num anel simétrico, o qual parecia modelado ao redor de uma pedra cinzenta.

Conan, o cavaleiro e a ex-futura condessa e ex-prostituta seguiram galopando durante o dia pelas longas encostas íngremes. Conforme subiam e ganhavam altitude na montanha, o campo se espalhava como um enorme manto púrpura, granulado pelo reflexo de rios e lagos, junto ao brilho amarelado de grandes pradarias e o reluzir das torres distantes. À frente num ponto bem mais no alto, eles vislumbraram a primeira fortaleza poitainiana – um sítio poderoso, dominando uma estreita passagem, com a bandeira do leopardo escarlate de Poitain tremulando no céu; a mesma fortaleza próxima à qual o cimério havia acampado, semanas atrás com seu exército, quando lutara contra os zíngaros.

- Estamos em casa – sorriu Prospero para Conan.

O sol de início de inverno estava baixo, pois era fim de tarde. Ainda assim, o Astro-Rei continuava tão radiante quanto ao nascer naquele claro céu azul, banhando os já brilhantes rios e lagos, bem como os vastos campos amarelos daquela província de belas e ricas planícies, separada do restante da Aquilônia pelas enormes e já transpostas montanhas azuis. E assim o era, pois a região de Poitain, no sudoeste daquele país, era a mais bela província da Aquilônia, famosa pelas planícies extensas, pelos jardins de rosas, e onde até mesmo os pântanos eram banhados pelo sol.



4)


- Você pode salvar o povo – disse Trocero, sentado à mesa da sala de jantar, após Conan ter saído do quarto onde tivera relações sexuais com agora adormecida Sancha.

- O povo não é meu problema – respondeu o bárbaro. – Namedides é o meu problema

- Você e o povo da Aquilônia têm o mesmo problema – acrescentou Prospero. – O Rei Namedides.

- Além disso, Conan – disse o barbudo Conde de Poitain, erguendo uma das sobrancelhas e sorrindo –, um poitainiano jamais seria aceito como novo Rei da Aquilônia.

- Por que não seria aceito? – indagou o cimério. – Aliás, qual o seu interesse em me tornar Rei da Aquilônia?

- A Aquilônia jamais aceitaria um homem que sitiou a capital há 13 anos – respondeu o conde. – Mas você, Conan... A sua fama como o Herói de Schohira; os relatos heróicos que chegaram até nós, de seus grandes feitos, não apenas como mercenário e pirata, mas também como líder, não somente de saqueadores, mas também de tribos e até como rei de uma cidade no deserto... qual era mesmo o nome dela?

- Tombalku – respondeu Conan.

- Obrigado, general. Pois bem, tudo isso, toda essa fama, fez de você um homem querido e amado, não apenas por todo o povo humilde da Aquilônia, mas por parte dos barões deste país. Precisamos de um líder de verdade! De alguém que governe com mão firme, porém tolerante; que saiba, como ninguém, liderar uma nação sem oprimi-la. Não é um rei-fantoche que eu quero, nem é disso que o povo precisa. A Aquilônia precisa de um rei em quem confiar, e eu confio em você! – o poitainiano disse, com um sorriso da mais sincera admiração no rosto. – E sua vitória contra os zíngaros, e a subseqüente maneira como o povo lhe aclamou, mostram o quanto você é querido e admirado na Aquilônia – ele concluiu.

Conan parou e pensou. Como o próprio Trocero lhe havia dito, naquela mesma fortaleza, antes da batalha contra os zíngaros, a Aquilônia estava dividida por causa da guerra de barões, e o povo gritava de dor sob impostos e opressão. Qualquer cidadão aquiloniano que se rebelasse era aleijado e cegado pelos carrascos do Rei Namedides. Homens tinham seus filhos morrendo em seus cárceres, só por roubarem um pedaço de pão seco, para matarem suas fomes e as de suas famílias; filhas e esposas de cidadãos humildes eram arrastadas, aos gritos, para o harém do Rei da Aquilônia. Apesar de ter dito que o povo não era seu problema, Conan não havia ficado indiferente às informações que ouvira serem sussurradas durante o banquete na corte do Rei Namedides, bem como ditas antes e agora, na fortaleza do Conde Trocero. Na Ciméria, às vezes, havia fome; mas isso só ocorria quando não havia absolutamente nenhuma comida – diferente dos muitos países civilizados que Conan visitara desde adolescente, onde ele já vira, inúmeras vezes, pessoas fartas de gula, enquanto outras passavam fome... O bárbaro só não imaginava ter lutado por um traidor.


* * *


- Escutem, cães! – gritou o General Conan aos aquilonianos ali presentes; tanto poitainianos quanto os recém-chegados gunderlandeses e bossonianos. – Nasci num campo de batalha! A guerra foi minha parteira e ela nunca falhou comigo! Logo irão saber por que o povo da Costa Negra me chama de Amra, O Leão! As brasas em seus corações devem se tornar chamas! Eu serei a espada de todos vocês, forjada no fogo que sei existir em seus corações! É melhor morrer em batalha, do que viver mais um dia desta morte! Esta morte em vida, de serem escravos submissos a um rei que não vale o chão que pisa! Lutem pela Aquilônia, por seus lares, suas famílias... e pela próxima refeição quente, um corpo quente em suas camas e a chance de serem livres! – ele concluiu, erguendo a bandeira do leão dourado sobre fundo preto.

E, após aclamar o bárbaro cimério num brado em uníssono, aquele grupo acompanhou o líder bárbaro, partindo de Poitain em direção às montanhas azuis que separavam aquela província do restante da Aquilônia.

No caminho até Tarantia, nobres e generais descontentes com a política de Namedides se encontravam com o Exército da Libertação e se juntavam ao mesmo, enquanto camponeses eram treinados por Conan e seus seguidores.

- Na guerra, somente uma coisa é mais importante do que matar – disse o General Conan a um grupo de cem campônios, ali reunidos e de pé. – É sobreviver. Os meus companheiros e eu mostraremos como ficarem vivos, para depois poderem voltar às suas fazendas.

Os generais Pallantides e Conan os ensinaram a formarem fortes paredes de escudos, com os pés devidamente plantados no chão; e, depois, a formação de cunha, e como trabalharem juntos para que a união fizesse a força.

Foi com esta forma de lutar, que Conan e seus partidários venceram um grupo de 200 soldados, enviados por Namedides, para testar o inimigo que marchava até Tarantia e ver até que ponto a capital corria perigo. Ao final, o general cimério derrotou sozinho o líder daquele pequeno destacamento, num duelo acirrado. A formação de escudos em quadrado havia sido suficiente, não precisando da formação em cunha. Ao longo dos dias seguintes, fagulhas daquela revolução se espalharam, de Poitain, Gunderlândia e Bossônia, por toda a Aquilônia, colocando (como havia feito na Fronteira Ocidental) irmão contra irmão e vizinho contra vizinho. Batedores de Namedides foram encontrados e mortos, graças aos sentidos aguçados de Conan, impossibilitando o rei de saber se saber o que exatamente acontecera com o exército rebelde. Mas os boatos, gerados por moradores de algumas aldeias por onde o Exército da Libertação passava, aliados ao fato de seus 200 legalistas não terem voltado, deixaram Namedides apreensivo e alerta.


5)


No acampamento rebelde, a caminho de Tarantia, todos cantavam e dançavam ao som das canções animadas do menestrel Rinaldo – o qual abandonara o Rei Namedides para se juntar à causa de Conan. Este, por sua vez, após ter se banhado e jantado carne, frutas, vinho e queijo com Sancha, levou a ex-futura duquesa de Kordava para sua tenda. Lá dentro, o cimério a beijou, sugou-lhe os seios morenos e, poucos minutos depois, o casal se contorcia de êxtase, enquanto Conan, feroz mas prazerosamente – como todos os cimérios –, tinha relações sexuais com ela. Após um intenso orgasmo, ambos rolaram para os lados e se deitaram um ao lado do outro, poucos minutos antes de uma nova relação, desta vez com penetrações anais e ejaculação facial em Sancha.


A batalha da semana seguinte, contra 500 legalistas, liderados pelo Conde Enarus, foi mais difícil, exigindo a formação de cunha. Conan, Prospero, Trocero e Pallantides abriam gargantas, e decepavam membros e cabeças em giros sangrentos, partiam crânios e abriam entranhas, regando a grama verde e viçosa com o sangue, miolos e vísceras de seus inimigos. Lanças gunderlandesas, trabalhando em conjunto com algumas flechas bossonianas, encontravam gargantas, testas, peitos e barrigas para serem perfurados mortalmente. Os legalistas que haviam escapado dos machados, espadas, lanças e flechas, colidiram contra a cunha de guerreiros do general bárbaro – cunha esta que, graças a Trocero, Prospero, Conan e Pallantides, não recuou um centímetro.

Dez rebeldes perderam a vida naquela batalha, mas nenhum legalista sobreviveu. O Conde Enarus agora jazia na grama, com a garganta aberta pelo golpe da espada de um dos rebeldes. Os camponeses treinados por Conan haviam aprendido bem com o cimério, provando seu valor. E a cada dia, mais camponeses e soldados (além de ninguém menos que o bossoniano Gromel, o Conde Thespius, o Barão de Schohira e até os Dragões Negros!) se juntavam à causa de Conan. Os Dragões Negros consistiam em soldados e oficiais bem-treinados, vindos de diversas nações e que constituíam a guarda pessoal do rei.

E, em toda a Aquilônia, o povo se rebelava, queimando as casas senhoriais e massacrando os representantes da autoridade de Namedides. Os poucos fazendeiros ricos a escaparem disso foram aqueles que, fartos da tirania do rei, se rebelaram contra ele, como Servius Gallanus e Emilius Scavonus – ambos pessoas honestas e desprovidas de tirania, as quais também se juntaram ao Exército da Libertação. As chamas da revolta se propagavam pelo reino. Como um furioso enxame que afugenta um falcão, os rebeldes assolavam as hordas de Namedides. A cada província, as espadas dos exércitos de Conan arrasavam e rechaçavam tropas legalistas. Quando havia mercenários, mensageiros e cobradores de impostos a serviço do rei, estes eram esquartejados; e, a cada inimigo morto, o Exército da Libertação ganhava vida. Ganhando o coração e a mente do povo da Aquilônia, Conan provava, cada vez mais, ser digno do trono e conseguiu ainda mais adesões ao seu Exército da Libertação.


* * *


A cavalaria legalista, liderada pelo Conde Ascalante – este último, um homem alto, moreno e esguio, cuja armadura lhe cobria tanto as vestes de veludo quanto o rosto –, era formidável. Os cavaleiros estavam sobre excelentes montarias. Usavam capacetes e elmos de aço e protetores metálicos para o pescoço. Eram homens altos, dotados de músculos poderosos. O vento soprava seus trajes de linho e as crinas de seus cavalos.

Atrás deles estava a infantaria com seus homens agrupados. Escudos, elmos e pontas de lança haviam sido polidos de tal forma que brilhavam como um espelho; cintilavam ao sol, conferindo à formação a aparência de uma fresa colossal, composta de mais ferro e aço do que de homens.

Então, os soldados rebeldes se posicionaram na linha. Primeiro os cavaleiros na ponta da cunha, o proeminente General Conan à frente eles, trinta cabeças por cinco de profundidade; à esquerda, os lanceiros, quarenta e oito lanças ao largo por oito de fundo; depois um regimento de mil mercenários que lutavam com fúria incontida. À direita, dispondo a tropa, todo o restante de soldados profissionais, com cento e quarenta escudos de largo por dez de fundo. 

Somando-se esta força o resultado chegava a pouco mais de três mil homens. Uma desvantagem em relação aos cerca de quatro mil legalistas que os aguardavam mais adiante. Do outro lado, os legalistas reunidos somavam a mesma largura dos aliados, mais seis ou mais escudos de profundidade. Em suas linhas, a floresta laminada de ferro das lanças de dois metros destacava-se sólida como uma cerca de pregos grandes, as lanças alinhadas na posição vertical, retas como a linha de um geômetra, completamente imóveis.

Então o clamor teve início.

Nas fileiras legalistas, os mais valentes começaram a bater com as hastes de suas lanças sobre o bojo de seus escudos, gerando um tumulto que reverberou por toda a planície gramada. Outros reforçaram a barulheira, impelindo as pontas de suas lanças e espadas para o céu, emitindo súplicas aos deuses e gritos de ameaça e raiva. A gritaria triplicou, aumentou cinco, dez vezes, enquanto a retaguarda e o flanco captavam o clamor e contribuíam com os seus próprios brados e batidas nos escudos. Em breve, todos os quatro mil estavam bradando o grito de guerra. Seu comandante impeliu sua lança à frente e a massa surgiu atrás dele, no movimento de avançar.

Os rebeldes não tinham se movido nem feito qualquer som.

Aguardavam pacientemente em sua formação de cunha, nem sombrios nem rígidos, apenas trocando, calmamente, palavras de encorajamento e estímulo, nos preparativos finais para a ação pela qual atravessaram o sul da Aquilônia, em direção à parte central daquele país poderoso.

Ali vinha o inimigo, acelerando o passo de seu avanço. A cavalaria com largas passadas rítmicas. A linha estendeu-se mil metros da esquerda à direita; os mais valentes precipitando-se à frente e os hesitantes se retraindo.

A planície começou, então, a ribombar com o bater dos pés do exército mandado por Namedides, e o ar começou a ressoar com os seus gritos inspirados pela raiva.

Então os aliados avançaram. Rítmicos. As lanças com suas pontas afiadas cintilando verticalmente ao sol. Então irromperam em ataque a toda carga. Cavalaria contra cavalaria. Infantaria contra infantaria. Flechas atacaram com uma velocidade mortífera as linhas, tanto de um lado quanto de outro. Flechas com cabeça de ferro ricochetearam nas faces dos escudos ressoando como um martelo numa bigorna. Como uma onda que assalta as areias de uma praia, com o seu fluxo e refluxo contínuo, os exércitos se encontraram. O clangor do aço contra o aço, do ferro contra o ferro, ecoou como o ribombar de trovões.

As forças confundiam-se num turbilhão indefinível e a maré se alternava de cada lado.

Assim como um leão, acuado por hienas desesperadas, gira em sua fúria, arrepiando o pêlo e mostrando suas presas, enraivecido, e se firma no poder e destemor de sua força, Conan da Ciméria se movia como um animal preparado para matar.

O braço que guiava sua espada movia-se à guisa de um relâmpago. Decepava aqui, estripava ali, degolava acolá; cada movimento seu deixava sob seus pés um cadáver ou um moribundo. Ele já não pisava sobre a terra, mas sim sobre os corpos lacerados de seus inimigos. Conan matou seis homens do inimigo tão rápido que os dois últimos estavam mortos antes que o primeiro par chegasse ao chão. Quantos o general cimério matou naquele dia? Cinqüenta? Cem? Seria preciso mais do que isso para derrubá-lo. Não somente por sua força e perícia, mas por que ele lutava como um animal selvagem. Entre os cimérios, era um axioma a coragem e a loucura na batalha. Somente um homem sem temor consegue sobrepujar seus próprios demônios em uma luta. Nada se iguala ao êxtase da vitória ou ao prazer da matança em um combate.

Os mercenários lutavam como homens possessos. Após o que pareceram horas lutando, avançando, recuando, saltando e matando, e apesar de serem inferiores numericamente, os rebeldes conseguiram destruir totalmente aquele enorme exército legalista. O único legalista que escapou com vida – mais por sorte que por habilidade (e por se encontrar na retaguarda, relativamente longe do alcance dos exércitos de Conan) – havia sido seu derrotado líder, o Conde Ascalante de Thune. Sabendo que seria morto por Namedides, caso retornasse a Tarantia, o agora ex-conde fugiu para leste em seu cavalo.

Agora, a estrada para Tarantia estava livre.



6)


- Hoje à noite, comemoraremos antecipadamente nossa vitória contra os rebeldes – anunciou Namedides, no salão de banquetes. – Depois os expulsaremos até Argos... com a cabeça do rebelde cimério na ponta de uma lança! – ele acrescentou, com um sorriso por entre as barbas grisalhas.

E foi iniciado um grande banquete, regado a mulheres e vinho, onde escravos e escravas seminus serviam comida e bebida.


Enquanto isso, um dos guardas dos muros de Tarantia viu um gancho se encaixar numa das ameias. De balestra na mão, ele foi investigar do que se tratava, pronto para matar o intruso que estaria subindo. Tarde demais: o líder cimério encouraçado, de cabeleira negra, rosto bem barbeado e olhos azuis, lhe decepou a cabeça de um só golpe e pulou o muro, matando, com sua espada de um metro de lâmina, outros guardas, enquanto os rebeldes iam adentrando furtivamente a cidade com a ajuda de outros partidários anti-Namedides, já infiltrados em Tarantia.


- A festa acabou! – anunciou Namedides, após três nobres terem caído bêbados, com as roupas manchadas de vinho. – Vão dormir. Amanhã iremos à luta.

Enquanto todos se recolhiam, o rei ordenou a um de seus generais que reforçasse a guarda do palácio. Enquanto isso, do lado de fora da cidade, Sancha havia ficado dentro de sua tenda, a uma distância segura dos muros de Tarantia e protegida por quatro sentinelas de Conan. Naquele meio tempo, dentro da cidade, o cimério e sua facção se depararam com vários guardas legalistas e, de espada em punho, Conan sorriu para eles e perguntou:

- Quem morrerá primeiro?

Os guardas investiram contra o líder rebelde, e este aparou o giro descendente da espada do primeiro, abrindo-lhe o ventre encouraçado num derramar de sangue e tripas sobre o chão. O legalista seguinte teve seu rosto fatalmente atravessado por uma estocada da espada do General Pallantides, ao passo que um terceiro, investindo de braços erguidos contra Conan, caiu com os dois braços e a cabeça decepados. Em seguida, num turbilhão sangrento de lanças, espadas, crânios partidos, peitos esquartejados e cabeças decepadas, aqueles soldados foram todos mortos, às custas da vida de apenas um dos revolucionários.

Pouco depois, após uma árdua batalha, os portões de Tarantia foram abertos por rebeldes do lado de dentro – não apenas o exército de Conan, mas toda a plebe da capital da Aquilônia, incluindo mendigos e prostitutas –, enquanto a formação em cunha, usada dessa vez por Pallantides, permitiu a entrada do grosso do exército do líder rebelde cimério, resistindo a todo e qualquer ataque dos exércitos de Namedides.

Como furacões tempestuosos, o General Pallantides, o Conde Thespius, o Lorde Thasperas de Kormon, o cavaleiro Prospero, Servius Gallanus, Emilius Scavonus e o Conde Trocero continuavam distribuindo morte e destruição entre os exércitos reais, com a ajuda dos lanceiros gunderlandeses, dos aquilonianos rebeldes de dentro e de fora de Tarantia; de um pequeno, porém eficaz, grupo de arqueiros bossonianos, dos Dragões Negros, e, é claro, dos cavaleiros de Poitain.

A caminho do Palácio Real, Conan semeava vários cadáveres a cada passo. Seu escudo lhe protegia das flechas – ainda que sua esquiva já fosse suficiente para isso. Num momento, já no portão do palácio, três guardas reais jaziam desmembrados aos pés do cimério, encharcados de sangue e vísceras. A espada de Conan tinha atravessado as costelas de um deles no momento em que o legalista levantou a própria arma para atacar. O corte lhe abrira completamente o peito encouraçado. O braço e a cabeça de outro haviam sido decepados, e o corpo acéfalo e sem braço jazia no chão ainda em convulsões, sangrando abundantemente antes de ficar imóvel. O terceiro, ao recuar, não fora suficientemente rápido para evitar o cortante fio de aço do cimério, que havia lhe cortado a jugular. Assim, o exército rebelde, com a ajuda do povo, adentrou o palácio.

Dois guardas reais, que vigiavam um portão dentro do Palácio Real, foram mortos por duas flechas certeiras, atiradas por dois bossonianos que ali se esgueiravam. Seguidos por gunderlandeses, alguns Dragões Negros e cavaleiros poitainianos, eles se dirigiram até a sala do trono, mas foram barrados por outros soldados legalistas. Apesar de cercados, eles reagiram, com suas lanças, flechas e espadas mortíferas, semeando o chão com cadáveres ensangüentados de homens da facção do Rei Namedides. Logo, Conan apareceu ali, com outros rebeldes. O caminho para o rei da Aquilônia estava finalmente livre.

- Chegou a hora, cão! – gritou Conan, investindo contra o tirano.

Conan e Namedides atacaram um ao outro com a ferocidade de lobos. Mas, ao se chocarem, as espadas de ambos os guerreiros se quebraram até a empunhadura. No instante seguinte, Conan acertou o cabo de sua espada na têmpora do rei. Este cambaleou, com um relativamente leve sangramento sobre a coroa, mas reagiu com um soco no queixo do líder rebelde. Recuperando-se rapidamente do golpe recebido, o cimério se aproveitou disso, e lhe agarrou o braço e o puxou para si, agarrando-lhe o pescoço grosso e empurrando o corpulento e musculoso Namedides até o trono, sobre o qual o bárbaro o estrangulou até lhe quebrar o pescoço com um estalo. No fim das contas, Conan não era igual a ele em combate, como havia afirmado, naquela taverna, o último soberano da Casa de Namedes – e muito menos inferior, como o falecido rei imaginara... Pois a melhor esgrima da civilização não é párea para a forma de luta de um cimério, tão instintiva e natural quanto um lobo da floresta.

Os últimos sons de batalha arrefeceram, até que todos os sobreviventes ali – tanto os aliados quanto os inimigos – viram o cimério se coroando e gritaram, em retumbante coro:

- Viva o Rei Conan!!!


Graças ao apoio do General Pallantides, do conselheiro Publius, da Condessa Albiona, e de Rinaldo e suas canções anti-Namedides e a favor de Conan, o cimério foi facilmente aceito como rei daquele país. Após ganhar a coroa da Aquilônia, o Rei Conan libertou as mulheres do harém de Namedides, dando a elas a liberdade de voltarem aos seus lares, pais e maridos, e irem para onde quisessem. A única que preferiu permanecer no harém real foi ninguém menos que Natala, a brituniana a quem o cimério conhecera há quinze anos numa cidade shemita em seus tempos de mercenário, e com a qual se aventurara na cidade perdida de Xuthal.

Sabendo que teria muito mais prazer na cama com Conan, do que tivera com o infame Namedides, a loira da Britúnia sorriu em antecipação às deliciosas relações sexuais que teria com o novo monarca da Aquilônia – e, como sempre, o monarca cimério não a decepcionou nem um pouco. Nas semanas seguintes, enquanto começava a assumir as responsabilidades como rei, Conan também acrescentou sua velha conhecida Sancha, bem como outras britunianas e zíngaras, além de poitainianas, zamorianas e hirkanianas ao seu serralho. Com quase quarenta anos de vida, o cimério finalmente transformara seus sonhos de realeza em realidade!

E, em suas primeiras semanas de governo, ele também reduziu os impostos exorbitantes que oprimiam o povo – principalmente o povo humilde –, tornando-os mais leves que em qualquer parte do ocidente – talvez do mundo –; além de libertar os cidadãos que haviam sido falsamente acusados de roubo ou homicídio. O Rei Conan da Aquilônia também indenizou aqueles que haviam sido cegados e mutilados pelos carrascos de Namedides, bem como aqueles cujos filhos morreram em masmorras por culpa do rei anterior. A confiança na excelência e eficiência de seu governo, aliada à admiração pelo seu heroísmo e esplendor, fez de Conan um rei admirado pelo povo da Aquilônia, com suas legiões em armaduras, suas largas planícies férteis; suas montanhas, rios e cidades brilhantes, sua riqueza, seu aço, seu ouro e sua supremacia.



FIM


 


Agradecimento especial: Aos howardmaníacos e amigos Károly Mazak, Osvaldo Magalhães de Oliveira e Marco Antonio Collares.

 


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