Carta de Robert E. Howard a P. Schuyler Miller

Lock Box 313
Cross Plains, Texas.
10 de março de 1936


Caro Sr. Miller:

Sinto-me verdadeiramente honrado com o fato de que o senhor e o Dr. Clark estejam tão interessados em Conan, a ponto de elaborar um esquema de sua carreira e um mapa de seu ambiente. Ambos são surpreendentemente precisos, considerando os dados imprecisos com os quais tiveram que trabalhar. O mapa original – aquele que eu desenhei quando comecei a escrever sobre Conan – deve estar aqui em algum lugar, e vou tentar encontrá-lo para mostrar-lhes. Esse mapa inclui somente os países a oeste de Vilayet e ao norte de Kush. Jamais tentei mapear os reinos do sul e do leste, embora tenha na minha imaginação um esboço razoavelmente nítido da geografia desses lugares. Entretanto, sinto uma certa liberdade ao escrever sobre eles, já que os habitantes das nações hiborianas do oeste ignoravam os povos e os países do sul e leste, assim como os povos da Europa medieval ignoravam a África e a Ásia. Ao escrever sobre as nações hiborianas do oeste, eu me sinto confinado aos limites das fronteiras inflexíveis e dos territórios conhecidos, mas ao inventar o resto do mundo, sinto-me capaz de dar asas à minha imaginação. Isto é, tendo adotado uma determinada concepção de geografia e de etnologia, sinto-me compelido a me ater a isso, pelo bem da consistência. Minha concepção do leste e sul não é tão definida nem tão arbitrária.

Tratando-se de Kush, porém, este é um dos reinos negros ao sul da Stygia – o mais setentrional, na verdade –, e emprestou seu nome a toda a costa do sul. Assim, quando um hiboriano fala de Kush, geralmente não está falando do próprio reino, nem de um dos muitos reinos semelhantes, mas da Costa Negra em geral. E é provável que fale de qualquer homem negro como sendo um kushita, seja ele um keshani, um darfari, um puntan ou o próprio kushita. Isto é natural, pois os kushitas foram os primeiros homens negros com os quais os hiborianos tiveram contato – piratas barachos que traficavam com eles e os atacavam.

Quanto ao destino final de Conan, francamente não posso prevê-lo. Ao escrever estas histórias, sempre senti que não as estava criando, e sim como se estivesse simplesmente relatando as aventuras que ele me ia contando. É por isso que elas saltam de um acontecimento a outro, sem seguir uma ordem regular. O aventureiro médio, contando ao acaso as histórias de uma vida selvagem, raramente segue um plano ordenado, mas narra episódios bem separados em termos de espaço e de tempo, na medida em que ele vai se lembrando deles.

O esboço que vocês fizeram segue bem de perto sua carreira como eu a visualizei. As diferenças são insignificantes. Como vocês deduzem, Conan tinha cerca de dezessete anos de idade quando foi apresentado ao público em A Torre do Elefante. Embora não totalmente adulto, ele era mais maduro do que um jovem médio civilizado nessa idade. Ele nasceu num campo de batalha, durante uma luta entre sua tribo e uma horda de invasores vanires. O país que seu clã considerava seu, e por onde vagueava, ficava a noroeste da Ciméria, mas Conan era de sangue misturado, embora fosse um cimério puro. Seu avô foi membro de uma tribo do sul que havia fugido de seu próprio povo, por causa de um feudo de sangue, e, depois de longas andanças, finalmente abrigou-se entre os povos do norte. Na juventude, antes de sua fuga, o avô havia tomado parte em muitos assaltos dentro das nações hiborianas, e talvez fossem as histórias que contava a Conan menino sobre aquelas terras mais suaves que despertaram nele um desejo de vê-las. Existem muitas coisas em relação à vida de Conan das quais eu mesmo não tenho muita certeza. Por exemplo, não sei quando foi seu primeiro contato com povos civilizados. Poderia ter sido em Vanarium, ou ele pode ter feito uma visita pacífica a alguma cidade fronteiriça antes disso. Em Vanarium ele já era um adversário formidável. Embora tivesse apenas quinze anos de idade, Conan tinha a altura de 1,83 m e pesava 81 kg, embora ainda faltasse muito para alcançar o tamanho de adulto. Houve um intervalo de cerca de um ano entre Vanarium e sua entrada na cidade de ladrões de Zamora. Durante este tempo, ele voltou aos territórios do norte pertencentes à sua tribo, e fez sua primeira viagem para além das fronteiras da Ciméria. Isto, por mais estranho que pareça, ficava ao norte e não ao sul. Porque ou como, não tenho certeza, mas ele passou alguns meses com uma tribo de aesires, lutando com os vanires e os hiperbóreos, desenvolvendo um ódio pelos últimos que durou toda a sua vida e mais tarde afetou sua política quando rei da Aquilônia. Capturado por eles, ele fugiu para o sul e veio para Zamora a tempo de fazer sua apresentação ao público.

Não tenho certeza se a aventura relatada em Inimigos em Casa ocorreu em Zamora. A presença de facções políticas oponentes indicaria o contrário, já que Zamora estava sob um despotismo absoluto, onde opiniões políticas divergentes não eram toleradas. Sou da opinião de que a cidade era uma das pequenas cidades-estado logo a oeste de Zamora, para onde Conan foi depois de deixar Zamora. Em seguida, ele voltou para a Ciméria por uma breve temporada e, de tempos em tempos, retornava ao seu país natal. A ordem cronológica de suas aventuras é próxima da que vocês elaboraram, com exceção de que elas abrangem um período um pouco maior. Conan tinha cerca de quarenta anos de idade quando se apoderou da coroa da Aquilônia, e cerca de quarenta e quatro ou quarenta e cinco na época de A Hora do Dragão. Naquela época, ele não tinha um herdeiro masculino, porque jamais se importara em formalmente tornar rainha uma mulher, e os filhos das concubinas, dos quais ele tinha uma boa quantidade, não eram reconhecidos como herdeiros do trono.

Ele foi rei da Aquilônia, penso eu, durante muitos anos, num reinado turbulento e inquieto, quando a civilização hiboriana alcançou o mais magnífico ápice e todos os reis tinham ambições imperiais. Primeiro ele lutou na defensiva, mas sou da opinião de que, no final, foi forçado a guerras de agressão, no mínimo por auto-preservação. Se ele obteve sucesso em conquistar um amplo império ou se pereceu tentando, eu não sei.

Ele viajou bastante, não só antes de ser rei, mas também depois. Ele viajou para Khitai e Hirkânia, e mesmo às regiões menos conhecidas ao norte da Hirkânia e ao sul de Khitai. Ele até visitou um continente sem nome, no hemisfério oeste, e vagueou entre as ilhas adjacentes. Quanto dessas andanças será impresso, ainda não posso prever com exatidão. Fiquei muito interessado em suas observações sobre as descobertas na Península Yamal; foi a primeira vez que ouvi qualquer coisa sobre o assunto. Sem dúvida, Conan tinha conhecimento de primeira mão sobre as pessoas que desenvolveram a cultura descrita, ou pelo menos sobre seus ancestrais.

Espero que vocês achem interessante A Era Hiboriana. Em anexo, mando uma cópia do mapa original que fiz. Sim, Napoli tratou Conan muito bem, embora às vezes pareça lhe emprestar traços latinos que não combinam com o tipo que imaginei dele. Entretanto, não vale a pena reclamar por tão pouco.

Espero que os dados que estou mandando respondam às suas perguntas de maneira satisfatória; terei enorme prazer em discutir qualquer outra fase que vocês quiserem, ou detalhar mais qualquer ponto da carreira de Conan, da história ou da geografia hiboriana que vocês desejem. Agradeço novamente pelo seu interesse, e minhas estimas para você e para o Dr. Clark.

Cordialmente,
Robert E. Howard.


P.S.: Você não mencionou se queria de volta o mapa e a cronologia, então tomo a liberdade de conservá-los comigo para mostrá-los a alguns amigos; se os quiser de volta, por favor, me avise.





Fontes: Conan – Espada e Magia #1 e http://www.vb-tech.co.za/ebooks/Howard%20Robert%20E%20-%20Conan%2003%20-%20The%20Conquering%20Sword%20of%20Conan%20-%20FF.txt

Agradecimento especial: Ao howardmaníaco e amigo Rogério Silvério.
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