CORMAC FITZGEOFFREY:
QUANDO ROBERT E. HOWARD COMEÇOU A ESCREVER HISTÓRIAS SOBRE AS
CRUZADAS EUROPEIAS NA PALESTINA.
Por Marcelo Alves
Então... preparados para conhecerem mais
um personagem de Robert E. Howard ? Pois falaremos do cruzado (sim, isso
mesmo, um cavaleiro howardiano que participou das Cruzadas europeias contra os
muçulmanos na conquista dos reinos cristaõs de Jerusalém) Cormac FitzGeoffrey.
Quem foi Cormac
FitzGeoffrey ? Vamos fazer uma breve descrição sobre ele feita pelo próprio
Howard :
« Filho de uma mulher do clã dos
O’Brien e de Geoffrey, o Bastardo, Cormac FitzGeoffrey foi um cavaleiro
normando renegado, em cujas veias – segundo dizem – corria o sangue de
Guilherme I, o Conquistador. Cormac raras vezes havia conhecido uma hora
de paz ou tranquilidade ao longo de seus trinta anos de violenta vida. Nascido
em uma terra desgarrada pelo ódio e regada com sangue, foi criado rodeado por
um legado de ódio e selvageria. A antiga cultura de Erin[1]
havia sido destroçada diante das repetidas matanças dos noruegueses e dos
dinamarqueses. Encurralado em qualquer lugar por cruéis inimigos, a crescente
civilização dos celtas havia sido desvanecida diante da feroz necessidade de um
conflito incessante e a cruel luta pela sobrevivencia converteu os gaélicos em
uns seres tão selvagens, igual àqueles que eles enfretavam » (Robert E. Howard, Falcões de Ultramar).
Segundo o escritor
francês François Truchaud, Cormac FitzGeoffrey é, dentre todos os
personagens de Howard, o mais selvagem ! Não é a toa que a concepção desse
personagem ao publico leitor o conceitue como o perdonsgem mais selvagem
do escritor texano, pois a própria origem de Cormac FitzGeoffrey está repleta
da « barbárie » conceitual que Howard atribuiu aos seus personagens descendentes
de irlandeses.
Interessante também é
notarmos que Cormac faz parte de duas linhagens distinta de clãs que viviam em
constante disputas entre eles na distante Irlanda idealizada por Robert E.
Howard. O próprio nome de Cormac FitzGeoffrey já sinaliza que o personagem tem
dupla origem : normanda (por parte de pai) ; e irlandesa (por parte
de mãe). Patrice Louinet, especialista nas obras Howard, irá fazer uma
comparação entre ambas a linhagem da própria genealogia paterna e materna do
texano nas seguintes palavras que o próprio Howard escreveu em uma carta para
Lovecraft : “Meu ramo da família Howard chegou à América em 1733, e o
primeiro a chegar em solo americano se casou com uma irlandesa. Uma regra que
nenhum dos meus ancestrais Howard se desviaram desde então, pelo que eu sei.
Por trás do meu nome em inglês estão linhagens puramente gaélicas: Eiarbhin,
O’Tyrrell, Colquhoun, MacEnry ou Norman-Irish: Martuin, De Collier, FitzHenry,
etc’.
Louinet
continua sua análise da seguinte maneira : « A questão da genealogia de Howard é extremamente complexa, mas
acontece que o texano fantasiou sobre suas origens muito mais do que qualquer
outra coisa, a fim de se tornar o que sonhava ser naquela época: um homem com
muita ancestralidade, em grande parte irlandês e mais precisamente Gaélica.
Claramente, Howard rejeitou a parte anglo-saxônica de sua herança familiar em
favor da parte irlandesa, mesmo que isso signifique reinventar sua genealogia.
Simplificando, Robert estava se tornando muito mais um Ervin, o nome de
solteira exclusivamente irlandês de sua mãe, do que um Howard, o sobrenome
puramente anglo-saxão que seu pai havia legado a ele. Essa negação do pai é
obviamente encontrada nos contos de Cormac FitzGeoffrey nos quais ele - o pai -
é chamado de "Geoffrey o Bastardo".
Parece soar bem biográfico isso do
Howard em conceber ao seu personagem essas duas caracteristicas, normanda e
irlandesa, dando maior predileção para a sua ancestralidade irlandesa. O
escritor texano parece ter uma certa rejeição à sua origem anglo-saxônica. O
próprio personagem de Cormac FitzGeoffrey sofrerá uma rejeição, só que de ambas
as suas linhagens de origem. Rejeitado e hostilizado por ambos os clãs
(normando e irlandês) de sua descendência, Cormac FitzGeoffrey partirá para
terras desconhecidas à procura de aventura, chegando a ingressar num batalhão
de mercenários que lutariam na Terceira Cruzada.
Podemos fazer uma
paralelo entre Cormac FitzGeoffrey e a própria cultura feudal europeia em que
muitos europeus saiam de sua casa paterna, e de sua parentela em busca de
aventuras nas terras da Palestina. Pois numa casa de nobreza feudal, o direito
de herança dos bens da família, e até mesmo o direito de herança de uma coroa
real, cabia sempre ao filho primogênito. Ao segundo filho caberia apenas dois
destinos: torna-se um religioso ingressando num monastério, ou ser um
aventureiro em terras distante, principalmente em Jerusalém. Nesse contexto,
Jerusalém se tornaria para o segundo filho de um nobre feudal, ou até mesmo
para o filho bastardo, a expiação dos pecados do mesmo e também a possibilidade de conquistar terras e
tornar-se o senhor de sua própria casa feudal.
Pois bem. Todos nós
sabemos que as Cruzadas foram o palco de uma disputa sangrenta pelas terras da
Palestina por parte dos europeus contra os muçulmanos pelo dominio da Terra
Santa. Portanto, não é preciso nos determos nos detalhes históricos das
Cruzadas em si, mas sim neste cenário histórico em que elas foram travadas com
o avanço das forças bélicas dos islâmicos em direção das terras do reino de
Jerusalém no seu espansionismo de uma « guerra santa » (jihad) em
direção às terras européias.
Nesse sentido, a
concepção howardiana de aventuras épicas ganhará espaço nos dois contos que
Howard escreveu para o seu personagem Cormac FitzGeoffrey : Falcões de Ultramar
e O Sangue de Bel-Shazzar. Ambos os contos foram publicados na revista Oriental
Stories em 1931. Uma terceira história envolvendo o personagem ficaria
incompleta posteriormente chamada de « A Princesa Escrava ».
Originalmente Howard
começaria a escrever a primeira história de Cormac a partir de setembro de
1929. Louinet nos diz que foi nesse ano que Robert E. Howard começou a ter um
interesse maior pela origem dos irlandeses e, consequentemente, de sua própria
origem materna. Em outubro de 1930 ele escreveria uma carta ao seu Harold
Preece relatando a criação desse seu novo personagem, um guerreiro « mais
sombrio de sua carreira ».
Prontamente Farnsworth Wright comprou o
conto de Cormac FitzGeoffrey, e Howard começou a escrever imediatamente um novo
conto desse personagem cujo titulo se chamaria ‘The Blood of Bel-Shazzar’. Após
a venda desse novo conto para a Oriental Stories, Howard começaria a escrever
mais uma história de Cormac também neste mesmo ano de 1930, mas que logo
deixaria de lado sem tê-la concluido. Segundo Patrice Louinet, possivelmente o
editor Farnsworth Wright tenha pedido para que Howard não continuasse a
escrever novas histórias de FitzGeoffrey para serem publicadas, pois a revista
havia mudado sua publicação de bimestral para trimestal e, um mesmo personagem
recorrente possivelmente não atrairia um publico leitor que estivesse
interessado em novas histórias com novos personagens. Então, dessa forma Howard abandonaria a
terceira história de Cormac FitzGeoffrey pela metade e começaria a escrever
sobre novas histórias orientais com novos personagens encomendados para serem
publicados na Oriental Stories. Mas isso é uma outra história!
[1] Antigo nome usado por poetas
e irlandeses nacionalistas do século XIX para designar o
país da Irlanda.