A Perigosa Helen Tavrel – Parte 3

(por Keith J. Taylor)



O janota da lancha estava diante de mim. Claro, era menor do que eu havia pensado, embora fosse flexível e esbelto. Ele usava botas de fino couro espanhol nas pernas adornadas, e acima delas, calças justas de pele de corça. Um fino cinto escarlate, com enfeites e brincos nas extremidades, estava amarrado à sua cintura delgada, e daquele cinto se sobressaíam as coronhas douradas de duas pistolas. Um casaco azul, com extremidades brilhantes, estava aberto para mostrar a camisa ornamentada de babados e rendas, sob ele”.

[...]

Agora, eu olhava pela primeira vez para seu rosto. Era um oval delicado, com lábios vermelhos que sorriam zombeteiros e grandes olhos cinzas que dançavam; e só então, eu percebi que estava olhando para uma mulher, e não para um homem”.
(Robert E. Howard – “A Ilha da Perdição Pirata”)


O ano era 1669. Port Royal, o refúgio bucaneiro da Jamaica, zumbia com as tagarelices sobre a filha adotiva de O’Farrel. Numa viagem com o Capitão Hilton, um dos mais impiedosos homens sobre as águas, ela havia mostrado sua semelhança com o temível O’Farrel, e no final partira rapidamente, pois não confiava nem um pouco em Hilton e achou que ele poderia entregá-la ao governador inglês. Este irritado Hilton, claro, quando ela escapou dele, ficou parecendo um imbecil. Henry Morgan gargalhou ruidosamente com aquela história, embora ele entregasse tanto Helen quanto O’Farrel ao seu amigo, o Governador Modyford, sem hesitação, se pudesse pôr as mãos neles. “Cão rebelde na cama com os duplamente malditos Dons”, Morgan havia dito sobre O’Farrel.

O’Farrel havia deixado Havana após uma rixa com seu desonesto Capitão Geral, e se estabeleceu em Santiago na costa sul, uma cidade com um Capitão Geral não menos incorreto. Os dois oficiais tinham aversão um pelo outro, mas o administrador de Santiago, pelo bem das aparências, teve que mandar de volta o navio com o qual O’Farrel havia fugido, e assegurou ao rival que o imprudente pirata irlandês seria preso e castigado, e depois mandado de volta a Havana para responder acusações. Estas garantias custaram apenas o fôlego sob eles.

O’Farrel era rápido para adquirir mais habilidade pirata, começando por um par de pirogas de cedro, capazes de carregar 50 homens cada, e depois uma chalupa veloz como a Serpe de Hilton. Helen trabalhava com o amado pai adotivo, enquanto ele contrabandeava e negociava com fazendeiros dentro do sul de Cuba, e se empenhava em outros tipos de comércio ilícito, mas ele havia abandonado quase totalmente a pirataria, e talvez Helen o visse como envelhecendo e querendo mudar de vida; ele estava se aproximando dos 50 anos. Jovem, selvagem como o mar e inquieta, Helen navegava com outros capitães além de O’Farrel – “Hilton, Hansen e le Ban nesse meio tempo”, como ela dissera a Harmer mais tarde, e acrescentou: “Gower é o primeiro capitão a me insultar”. Eu imagino o Capitão (Arnaud?) le Ban como um garanhão espalhafatoso e extravagante de Provença, num casaco azul com enfeites prateados nas mangas, rendas e um esplêndido chapéu de aba erguida, com um sabre pronto. Seu antro preferido pode ter sido Tortuga; seu navio favorito, um pesadamente armado de velas quadradas. Quanto a Hansen – Troels Hansen, talvez –, ele pode ter sido dinamarquês, um patife caprichoso e beberrão que preferia aquavita destilada com âmbar e alcaravia do que rum, duro como o anterior teria sido para entrar no Caribe. Ele também não era sutil. Suspeito que ele despedaçasse suas vítimas com um machado, ou os partisse ao meio com um bacamarte.

Beberrões, assassinos, ladrões, gente que merece a forca”, Helen disse sobre eles para Stephen Harmer, “todos, exceto o Capitão Roger O’Farrel”.

Além dos piratas acima e de alguns historicamente conhecidos, como Roche Brasiliano e Henry Morgan, houveram outros piratas fictícios de Robert E. Howard aparentemente pilhando naquela década. Black Terence Vulmea devia ter em torno de 22 anos em 1669, e havia apenas recentemente se tornado pirata, após um par de viagens à Costa dos escravos e África Ocidental.  Na verdade, creio que ele estava navegando com o pirata holandês Laurens de Graaf. Outro pirata holandês mencionado por Vulmea e Wentyard, em “A Vingança de Black Vulmea”, foi van Raven, uma “ave de passagem”. Também havia Harston de Bristol, e “Tranicos” (L. Sprague de Camp trouxe um “Tranicos Sanguinário”, mas aquilo foi o tipo de reciclagem que o próprio Howard fazia freqüentemente). Suponho que o “Tranicos” mencionado em “A Vingança...” fosse um grego, que viu pela primeira vez a luz do dia na baía de Pireu, chamado Gregor Tranicos, e antes de alcançar o Caribe, havia servido na marinha de guerra otomana durante o reinado do Sultão Mehmed IV (“o caçador”). Em 1669, ele se aproximava dos 35. Guillaume Villiers aparece em “Espadas da Irmandade Vermelha”, que se passa cronologicamente (eu acho) em torno de quatro anos antes de “A Vingança...”. Mas Villiers ainda não era um pirata em 1669. Presumo que ele fosse um oficial júnior na marinha de guerra francesa.

Dick Harston de Bristol, da mesma idade de Vulmea, era um jovem pirata, com anos à frente antes de chegar a capitão, e pode ter navegado com Hilton, le Ban ou Hansen numa das mesmas viagens, como Helen. Havia os irmãos John e Tobias Gower, brutais mesmo entre os bucaneiros, que haviam estado com l’Ollonais em sua última viagem, mas desertaram antes do desastre final. Pierre le Picard havia feito o mesmo. Outro bucaneiro francês, de Romber, cujo nome aparece em “A Ilha da Perdição Pirata”, pode também ter estado em cena nas Índias Ocidentais, ou pode ter perecido.

Certamente foi enquanto se misturava com tais homens, e com os piratas de O’Farrel também, que Helen ouviu pela primeira vez a lenda de Mogar. É um nome curioso que soa diferente de qualquer palavra galibi ou arauaque, e pode ser uma corruptela que se tornou comum entre os piratas, mas, como Helen diz: “quando os espanhóis navegaram pela primeira vez em alto-mar, encontraram uma ilha na qual havia um império em decadência... Os nobres espanhóis destruíram esses nativos...”. Naturalmente, surgiu a história de um vasto tesouro, o tipo de história na qual caçadores de fortuna sempre querem acreditar. John Gower finalmente chegou à ilha e procurou por ele, em “A Ilha...”.

Sua suspeita, se ela realmente considerou uma, de que O’Farrel estava passando da idade de pintar o sete, se provou incorreta. O irlandês levou sua chalupa ao longo das ilhotas meridionais de Cuba, às quais conhecia profundamente, e emboscou um pirata que querenava seu próprio navio, o Jezebel. O’Farrel o pegou e adicionou à sua chalupa e par de pirogas. Com sua pequena frota, ele estava pronto para abandonar suas associações espanholas, antes que o Capitão Geral de Santiago também o enganasse – um evento provável – e cumprisse um grande golpe final ao partir. Durante algum tempo, ele havia mantido Tortuga em mente como seu próximo refúgio, caso precisasse.

Seu alvo era a esquadra de tesouro Tierra Firme, que ia de Cartagena para Havana. Helen o acompanhou na aventura, à qual ela não perderia por nada. O’Farrel preparou sua cilada com cuidado, esperando por uma presa que estivesse perdida ou separada do corpo principal de navios por causa do mau tempo, e suas esperanças se realizaram. Capturou um navio de tesouro e um comboio de navios de guerra. Então, ele e Helen partiram para Tortuga.

Aquela famosa base pirata havia sido governada por uma gangorra incerta entre franceses e ingleses no passado, além de ter sido retomada pelos espanhóis ocasionalmente; mas, em 1669, era francesa. O Governador Bertrand d’Oregon presidia lá para Luis XIV. O navio de comboio que O’Farrel derrotara afundou no caminho, bombardeado por um tiro de canhão, e ele vendeu o navio de tesouro em Tortuga após dividir o saque. Hilton Sanguinário aconteceu de estar em porto Tortuga na ocasião, e Helen, inquieta, juntou-se novamente a ele como capitão. Hilton capturou um navio mercante da Inglaterra, o qual estava a caminho da Jamaica com colonizadores a bordo, e seria queimado até a linha da água após ser saqueado. Helen o contestou e insistiu para que os colonizadores e tripulação fossem postos ao mar em botes com água e comida. Hilton gargalhou e recusou.

Helen pôs uma das mãos no seu florete e a outra numa pistola. Ela disse gentilmente:

- Então, desembarquemos num baixio e vamos discutir o assunto. Quem retornar vivo, decidirá o destino desta gente e será capitão também. – Ela então acrescentou, em voz suficientemente baixa para que somente Hilton ouvisse: – Lembre-se que os rapazes aqui me conhecem agora, e me consideram sortuda. Eles podem preferir a mim.

 O manês também conhecia Helen àquela altura, e sabia que ela não estava brincando quando falou de morte num baixio. Ele recuou. As pessoas foram mais tarde levadas a bordo de um navio honesto, com Stephen Harmer casualmente como um dos membros da tripulação. Ele ouviu uma mulher entre os sobreviventes testemunhar que Helen havia salvado suas vidas, e se lembraria disso mais tarde. Quanto a Helen, ela decidiu que já estava cansada de Hilton e não navegaria mais com ele. Havia outros capitães.

Henry Morgan levou a cabo sua expedição em grande escala, com centenas de bucaneiros, para atacar Cartagena e Macaraibo em 1669, mas Helen nunca procurou participar dela. Assim como O’Farrel, ela não confiava nem um pouco em Morgan. Além disso, ela sabia do descuido de Morgan em outubro de 1668, quando ele e sua tripulação haviam conseguido explodir sua própria nau capitânea, a fragata Oxford de 34 canhões, após uma longa noite de bebedeira de rum. Tanto o rudemente magnífico Capitão le Ban quanto o taciturno dinamarquês, Hansen, foram mais cuidadosos que isso.

Helen zarpou de Provença com o homem e sua tripulação. Arnaud le Ban se dirigiu rapidamente às Ilhas Virgens e Leeward, onde interceptou vários prêmios – dentre eles, navios mercantes da Europa, com bens manufaturados do tipo que não são produzidos no Caribe. Eram geralmente trocados por açúcar e escravos. Houve lucro, mas não muita luta, pois os mercadores se renderam assim que le Ban os alcançou, e ele os deixou partir, exceto por sua carga, para roubá-los novamente em algum outro dia, o que ele considerava uma política melhor que o terror e matança indiscriminados de Hilton. Aquilo estava mais ao gosto de Helen, mas o inesperado ocorreu, como sempre acontece na vida pirata.

Um navio de guerra inglês pairava à vista – parte da Esquadra Jamaicana. Era apenas uma leve fragata, carregando 25 canhões; dois na proa, três na popa e dez de cada lado – nenhum de seus canhões era pesado demais. O navio de três velas de le Ban tinha 20 canhões leves, embora pudesse levar mais; mas a pólvora era cara e seus canhoneiros não tinham a habilidade e disciplina dos homens da marinha de guerra. Além disso, exceto pelo próprio navio, não havia nada na fragata que a fizesse um prêmio digno dos riscos e perdas envolvidos. Le Ban mostrou as cores francesas e fingiu ser um navio honesto. O truque não funcionou, no entanto, pois o capitão da fragata tinha uma descrição do navio atual de le Ban. Ele ordenou que le Ban se rendesse. A resposta do corsário provençal foi: “Venez au diable!”.

O resultado foi uma luta no mar.

Helen já se envolvera em tal ação antes – com seu pai adotivo O’Farrel. Aquela embarcação inglesa era normalmente grande e bem-armada para a mal-financiada Esquadra Jamaicana, embora fosse uma fragata de 40 canhões. Os navios menores e mais ágeis de O’Farrel só tinham sucesso em fazer a fragata recuar, parcialmente inutilizada, até a Jamaica. Neste caso, a leve fragata inglesa, recentemente inclinada naquela ocasião, estava firme e bolineira, ajustada em muitos aspectos para ultrapassar le Ban. Entretanto, seu casco de três mastros estava desobstruído o bastante e, apesar de seu desgrenho espalhafatoso, le Ban era um ótimo marinheiro.

Ele tinha o melhor da fragata, em certo ponto, em substituição ao fogo dos canhões. Após lançar uma bordada, le Ban apareceu dentro do vento, recuando até a popa e enchendo suas velas, ficando, desse modo, capaz de seguir rapidamente sua primeira bordada com uma segunda. Ele não atingiu os conveses da fragata, recentemente querenada para isso, mas ao invés disso enviou suas bordadas através dos cordames, rasgando-os em pedaços e derrubando o mastro de proa. Após isso, ele evitou dar mais tiros de canhão; como muitos piratas, não tinha enormes reservas de pólvora, e os longos mosquetes de seus bucaneiros eram mais econômicos. Eram especialistas e peritos com aquelas armas de fogo também, tendo caçado gado selvagem com elas como meio de vida, antes de se tornarem piratas – a origem do nome bucaneiro.

Abateram muitos da tripulação da fragata antes de abordá-la e, como sempre, Helen estava entre os primeiros sobre o parapeito. Sua risada era perversa, seu florete brilhava e estocava; e ela se movia no convés esfumaçado e alastrado de obstáculos como se tivesse olhos nos pés. Homens morriam ao confrontá-la. Como Jack London, cujo trabalho Robert E. Howard amava, escreveu em “The Star Rover”: “É fácil, muito mais fácil, matar um homem vivo, forte e respirando com uma arma tão crua quanto um pedaço de aço. Ora, homens são como caranguejos de casco mole, de tão delicados, frágeis e vulneráveis que são”.

Mas o mesmo se aplicava a Helen, e ela poderia ser morta tanto quanto qualquer um de seus adversários, se a sorte ficasse contra ela por um instante. Lembrava-se disso sempre que sua consciência ficava contra ela, como às vezes fazia, em momentos tranqüilos quando seu sangue selvagem não corria. Em sua visão, os marinheiros da Esquadra Jamaicana eram pouco melhores que piratas em geral, e freqüentemente aliados a eles – com Henry Morgan e seus iguais. Quando os ingleses sobreviventes largaram as armas, le Ban os colocou numa lancha com suprimentos, disse a eles para irem aonde quisessem e se apoderou de sua fragata – um comportamento, de qualquer modo, melhor que as ações típicas de Hilton Sanguinário. Ele substituiu o mastro destruído, e navegou com sua própria embarcação e a fragata capturada em direção às Bahamas, onde pretendia recrutar mais homens.

A ilha de Nova Providência era então pouco habitada, e o distrito que mais tarde se chamaria Nassau era conhecido como Charles Town. Sua população em 1670 era de pouco mais de 500 almas, de todas as probabilidades, incluindo os escravos. Corsários e piratas usavam-na como base para saquear navios espanhóis. Seu porto era excelente, cheio de recifes rasos, ajustados para navios. O comércio honesto era limitado, mas os navios eram freqüentemente destruídos naquelas águas e cargas valiosas flutuavam à praia.

Os habitantes de Charles Town se cansavam de esperar por destruições causadas pela Natureza. Eles foram levados a pôr falsas luzes de recifes no largo, para atrair os navios à destruição. O Capitão le Ban sabia disto; estava entre as poucas práticas marinhas ilícitas que o ofendiam, vez que um navio pirata – como o dele – estava tão propenso a se tornar vítima disso quanto uma embarcação honesta. Ao invés de ser enganado pelas luzes no largo, ele usou a brisa terrestre para se manter livre do perigo. Então retornou pela manhã. Com Charles Town sob suas armas, ele desembarcou com 50 demônios bucaneiros – o suficiente para intimidar todo o povoado.

Le Ban saqueou cada pedaço de pilhagem que ele continha.  Então queimou Charles Town até virar cinzas – não que fosse muita coisa, senão cabanas esquálidas e um ou dois armazéns. “Dêem-se por felizes, por eu deixá-los viver”, ele disse à população, e foi-se embora em seu navio. Uns 15 anos mais tarde, Charles Town seria novamente queimada, desta vez por espanhóis. Dez anos depois, seria reconstruída e rebatizada de Nassau.

Surgiu uma tempestade, forçando os piratas a se abrigarem em Andros, de longe a maior ilha do grupo, margeada por palmeiras e bela ao lado de águas primitivas, com a grande vala da Língua do Oceano, “mais profunda que qualquer som de chumbada”, imediatamente ao leste. A praia era cheia de grutas marinhas azuis. Apesar de seu tamanho, era raramente visitada, exceto por piratas e pescadores. Helen e le Ban, entretanto, foram pegos pelo vento e pelo tempo quando um grande bando de índios do sul da Flórida chegou em suas longas canoas de casco duplo, expulsos talvez pelos mais poderosos Calusas. A qual povo pertenciam, não se sabe. Eram excelentes navegantes, que, por suas próprias tradições, haviam outrora dominado o mar desde a Flórida, atravessando as Bahamas, até as costas setentrionais de Hispaniola. Dois homens, irmãos, de sua raça, que pertenciam à tripulação de O’Farrel e lutavam como tigres, tinham piques e machetes como armas preferidas. Seu antigo poder desaparecera e sua tribo agora era uma mera remanescente, devido a carnificinas espanholas e doenças européias. Mas os sobreviventes não eram menos ferozes que seus antepassados, e as mulheres lutavam ao lado dos homens. Quando encontraram os piratas de le Ban, seguiu-se uma batalha pesada, a qual os piratas não teriam ganhado sem seus mosquetes nem suas armas de aço (os índios eram em número de quase trezentos). Mas os piratas sofreram perdas, enquanto ganhavam o dia contra os homens vermelhos.

Le Ban navegou de volta a Tortuga, para recrutar mais cães-do-mar gatunos. Ele chegou a tempo de testemunhar o aparecimento do pirata holandês Jacob van Raven, e vê-lo queimar o navio de O’Farrel em seus ancoradouros. Van Raven culpava O’Farrel pela morte de seu mentor Blauvelt. Helen Tavrel, enfurecida, jurou perseguir van Raven e lhe ensinar uma lição, mas ela não tinha navio, nem O’Farrel tinha. Quanto a le Ban, estava pouco disposto a perseguir o holandês como favor a O’Farrel e, quando Helen teve condições de procurá-lo, ele provou ser difícil de achar. Como Black Vulmea disse mais tarde sobre o homem: “Ele é uma ave de passagem. Quem sabe por onde ele navega?”.

O dinamarquês Troels Hansen se mostrou mais disposto a se aventurar em fazer uma longa perseguição a van Raven, pois tinha uma dívida a pagar com aquele patife enorme e jovial. Um primo de Hansen, recém-chegado da Escandinávia às Índias, havia visto o navio de van Raven na ilha de Curaçao, e ouviu uma história de que ele estava indo para a Holanda. Hansen aceitou o pedido insistente de Helen, e atravessou o Atlântico na esperança de pegar van Raven, embora ele também tivesse outros planos.

Eles nunca encontraram van Raven. Ou ele mudou de idéia, ou os rumores em Curaçao haviam sido falsos. Onde quer que o holandês estivesse naquele momento, não era nos Países Baixos.

Hansen não estava tão irritado por van Raven tê-lo iludido. Ele tinha seus próprios planos, e grandes planos, de aparelhar o recém-adquirido navio. Um radiante navio mercante que parecia honesto, e ele o havia tripulado com mais de 200 homens, vasculhando desde Port Royal até Tortuga. Hansen tinha bastante espaço no porão de seu navio. Além disso, não era reconhecível de longe como um pirata – uma vantagem nos portos da Europa setentrional.

Helen Tavrel provou seu valor para qualquer um que duvidasse, enquanto cruzavam o Atlântico. Ágil como um macaco na aparelhagem do navio, ela nunca fugia de qualquer tarefa de marinheiro que estivesse ao alcance de sua força, e havia sido ensinada pelo pai adotivo sobre como navegar. Ele também a instruíra nas habilidades médicas (ele estudara medicina na juventude). Helen era competente no tratamento de muitos ferimentos comuns, e muito raramente havia homens na “conta vermelha” atendidos por uma jovem que se parecesse com um anjo – sendo ou não, ela se comportava como um. Não houve lutas naquela viagem, mas um pouco de mau-tempo e muitos dos ferimentos normais agüentados por homens do mar. Muitos da tripulação de Hansen, quando chegassem a Amsterdã, teriam de lutar contra qualquer marinheiro que dissesse uma só palavra contra a garota Tavrel.

Não encontraram sinal algum de Jacob van Raven em Amsterdã, nem ouviram qualquer notícia sobre seu navio, embora o primo de Hansen tivesse muitas fontes lá. Mas descobriram dois navios mercantes suecos, carregados de armas para a Rússia. Amsterdã era um importante centro de manufatura de armas, e naquela época a Rússia enfrentava a maior revolta de camponeses do século 17, ainda não reprimida com sucesso. O grande líder cossaco Stenka Razin havia se tornado uma séria ameaça no Volga. O czar russo precisava de armas. Os navios suecos estavam abarrotados de pólvora, balas, espingardas de pederneira, piques e espadas. Para os bucaneiros, aquilo era mais do que apenas interessante.

Esconderam-se à espera dos navios com armas, entre as ilhas frísias. Hansen, com seu longo rosto lúgubre implacável, disse rudemente aos seus homens:

- Aqui não é o Caribe. Os mares são estreitos, as esquadras estão por toda a parte, e há muitos patíbulos esperando por um pirata. Além disso, este navio não é muito rápido! Não deixaremos ninguém vivo para contar histórias. – Dando aos seus ouvintes tempo suficiente para entenderem, ele acrescentou: – Não se contenham! Certifiquem-se de matarem cada um dos homens.

Helen, aos 18 anos, já havia matado e matado novamente, mas esta perspectiva lhe arrepiou um pouco o coração. Embora percebesse o sentido do que Hansen estava dizendo, e houvesse se endurecido para lhe seguir as instruções, algo dentro dela recuou. Olhou para suas pistolas – um par feito por um especialista, acurado como qualquer arma de fogo daquela época – e treinou com seu florete, para deixar de pensar tão profundamente. E então a sentinela gritou as notícias de dois navios hasteando a bandeira sueca.

Hansen navegou para encontrá-los, hasteando as mesmas cores. Eles estavam pesadamente carregados, enquanto seu navio se movia levemente. Saudando-os em amizade fingida, perguntou por notícias – um truque tão comum no Mar Espanhol, que não enganaria ninguém, mas aqui o outro capitão se considerava seguro (exceto, talvez, dos ingleses). Então os piratas abriram fogo, e seguiu-se sua rajada de mosquetes, deitados lado a lado. Hansen saltou sobre o parapeito deles, disparou seu bacamarte com efeitos sangrentos, e pisou nos mortos e moribundos enquanto girava o sabre de abordagem. Helen, usando camisa de malha e elmo com aba, estava instantaneamente ao seu lado, seu florete uma ofuscante tira de luz em sua mão. Suas dúvidas foram rapidamente dissipadas na batalha. Perguntar o quão pessoalmente errada um homem a havia tornado era dificilmente uma reflexão, quando ele tentava enfiar um pique em seu fígado. Marujo após marujo sueco, e soldado também – pois alguns desses estavam a bordo –, ela transpassou quando a enfrentaram, e usou as pistolas quando necessário. Um homem caiu diante dela, com os miolos estourados, e outro recebeu uma bala no pulmão. A tripulação do outro navio estava muito mal-avisada para ir ajudar seus companheiros, achando que a quantidade de piratas era menor do que realmente era – e outros 100 demônios selvagens saíram do porão onde estiveram escondidos. Os suecos não tiveram chance. Cobraram um preço, até pesado, antes que o último deles morresse, mas aquilo era tudo no trabalho diário ao gosto da tripulação de Hansen.

Ao invés de se arriscarem em descer os Mares Estreitos, eles seguiram para o norte e percorreram ao redor da Escócia e Irlanda. Tanto Hansen quanto Helen sabiam o quão penosamente a Armada Espanhola fracassara em fazer o mesmo, mas sua sorte com o tempo foi melhor. Eles e seus prêmios chegaram novamente a Tortuga. Hansen e seus companheiros lucraram nobremente ao venderem armas aos bandidos da Ilha da Tartaruga, e Hansen havia inclusive obtido um bom suprimento de sua bebida alcoólica favorita, o akvavit, enquanto esteve na Holanda.

Helen, no entanto, meditava consideravelmente e bebia mais que o seu normal – puro rum escuro, em terra firme, em seus aposentos e sozinha.



Tradução: Fernando Neeser de Aragão.



A Seguir: A Perigosa Helen Tavrel – Parte 4




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