Um Focinho na Escuridão (fragmento/ sinopse)

por Robert E. Howard



1)


Amboola acordou lentamente, com seus sentidos ainda entorpecidos pelo vinho que bebera excessivamente na noite anterior. Por um instante confuso, ele não conseguiu se lembrar onde estava: o luar, atravessando a janela gradeada, brilhava em arredores pouco conhecidos. Então, ele se lembrou que estava estendido na cela mais alta da torre, onde a cólera de Tananda, irmã do rei de Kush, o havia mandado. Não era uma cela comum, pois nem mesmo Tananda ousaria ir tão longe em sua punição ao comandante dos lanceiros negros, que eram o poder do exército de Kush. Havia carpetes, tapeçarias, leitos forrados com seda, e jarros de vinho. Ele se lembrou que havia sido acordado, e se perguntou por quê.

Seu olhar perambulou para o luar quadrado com barras, que era a janela, e viu algo que o deixou parcialmente sóbrio e clareou-lhe a visão turva. As grades daquela janela estavam dobradas, entortadas e torcidas para trás. Deve ter sido o barulho do dilaceramento delas que o acordara. Mas, o que poderia torcê-las? E onde estava o que quer que as havia dobrado? De repente, ele ficou totalmente sóbrio e uma sensação gelada lhe subiu pela espinha. Alguma coisa havia entrado por aquela janela; alguma coisa estava na sala com ele.

Com uma exclamação baixa, ele se ergueu em seu leito e olhou ao redor; e ele gelou, ao ver a figura, imóvel como uma estátua, que se erguia junto à cabeceira de sua cama. O coração de Amboola, que nunca conhecera o medo, sentiu um aperto gelado. Aquela forma silenciosa e acinzentada não se mexia nem falava: permanecia lá, no luar sombrio, desfigurada e disforme, com seu contorno além dos limites da sanidade. Arregalando selvagemente os olhos, Amboola contemplou uma cabeça de porco com focinho, coberta por cerdas ásperas – mas a coisa estava ereta, e seus grossos braços peludos terminavam em mãos rudimentares. Amboola gritou e deu um pulo pra cima – e então, a coisa imóvel se mexeu, com a velocidade paralisante de um monstro num pesadelo. O negro teve uma visão desesperada de mandíbulas triturando e espumando, de presas em forma de cinzel reluzindo ao luar... logo, o luar caiu sobre um vulto negro, esparramado entre os cobertores salpicados do leito sobre o chão. Uma forma acinzentada e cambaleante se movia silenciosamente pelo quarto, em direção à janela, cujas grades quebradas se inclinavam para o alto, em direção às estrelas.



2)


- Tuthmes! – A voz era insistente; tão insistente quanto o punho que batia na porta de teca do aposento onde dormia o nobre mais ambicioso de Shumballa – Tuthmes! Deixe-me entrar! O demônio está solto em Shumballa!

A porta foi aberta, e o mensageiro irrompeu sala adentro. Era um homem magro e nervoso, vestido com um djebber branco; sua pele era escura e o branco de seus olhos brilhava. Ele foi recebido por Tuthmes, um homem alto, esguio, de pele escura e com os traços retilíneos de sua classe social.

- O que está dizendo, Afari?

Afari fechou a porta antes de responder. Estava ofegante, como se tivesse corrido muito. Ele era mais baixo que Tuthmes, e os traços negróides lhe eram mais predominantes.

- Amboola! Ele está morto! Na Torre Vermelha!

- O quê? – exclamou Tuthmes – Tananda ousou executá-lo?

- Não! Não, não! Ela certamente não seria tão tola. Ele não foi executado, mas assassinado. Alguma coisa quebrou as grades da sua cela, dilacerou sua garganta, esmagou suas costelas e quebrou seu crânio. Por Set, eu já vi muitos homens mortos, mas nenhum tão impiedosamente quanto Amboola! Tuthmes, isso é trabalho de algum demônio! Sua garganta foi mordida, e as marcas dos dentes não eram como as de um leão ou um macaco. Parecia que elas foram feitas por cinzéis, tão afiados quanto navalhas!

- Quando foi que isso aconteceu?

- Algo em torno de meia-noite. Os guardas na parte mais baixa da torre, que estavam vigiando a escada que leva para a cela onde ele estava preso, ouviram-no gritar e, subindo rapidamente os degraus, arrombaram a cela e o encontraram no chão, da forma como eu disse. Eu estava dormindo na parte mais baixa da torre, como você me ordenou, e ao ver aquilo, vim diretamente pra cá, mandando os guardas não contarem nada a ninguém.

Tuthmes sorriu, e seu sorriso não era agradável de se ver.

- Deuses e demônios trabalham para um homem audacioso. – ele disse – Eu não acho que Tananda fosse tola a ponto de ter assassinado Amboola, embora ela muito desejasse. Os negros ficaram aborrecidos, depois que ela o jogou na prisão. Ela não poderia mantê-lo preso por muito mais tempo.

“Mas este assunto põe uma nova arma em nossas mãos. Se os gallahs pensarem que ela o fez, tanto melhor. Cada ressentimento contra a dinastia é uma arma para nós. Agora vá, e aja antes que o rei fique sabendo. Primeiro, leve um destacamento de lanceiros negros para a Torre Vermelha e execute os guardas por dormirem em serviço. Não esqueça de deixar claro que você cuidou de fazê-lo sob minhas ordens. Isso irá mostrar aos gallahs que eu vinguei o comandante deles, além de remover uma arma das mãos de Tananda. Mate-os, antes que ela o faça.

“Então, vá para Punt e encontre o velho Ageera, o identificador de bruxas. Não diga a ele exatamente que Tananda praticou esta ação, mas sugira”.

Afari estremeceu visivelmente.

- Como pode um homem comum mentir para aquele demônio negro? Seus olhos são como brasas de fogo vermelho, que olham para dentro de profundezas inomináveis. Eu já o vi fazer cadáveres se erguerem e caminharem, e caveiras rangerem suas mandíbulas nuas.

- Não minta. – respondeu Tuthmes – Simplesmente insinue para ele suas próprias suspeitas. Afinal de contas, se um demônio realmente matou Amboola, é porque algum humano o invocou dentro da noite. Talvez Tananda esteja por trás disso, afinal!

Quando Afari partiu, refletindo intensamente sobre o que seu patrão dissera, Tuthmes puxou um manto de seda ao redor dos membros nus e, subindo uma larga e curta escada de mogno polido, ele chegou ao alto do teto plano de seu palácio.

Olhando por sobre o parapeito, ele viu lá embaixo as ruas silenciosas da cidade interna de Shumballa, os palácios, jardins e a grande praça para a qual mil cavaleiros negros poderiam convergir num instante, vindos dos pátios dos quartéis vizinhos.

Olhando mais além, ele viu os grandes portões de bronze, e além deles, a cidade externa que os homens chamavam de Punt, para diferenciá-la de El Shebbeh, a cidade interna. Shumballa estava localizada no meio de uma grande planície, de capim ondulante, que se estendia até o horizonte, interrompida apenas por pequenas colinas ocasionais. Um rio estreito e profundo, que serpenteava pela grama, tocava as bordas irregulares da cidade. El Shebbeh estava separada de Punt por um muro alto e maciço, que cercava os palácios da classe dominante, descendente daqueles stígios que, séculos antes, chegaram ao sul para entalhar um império negro, e misturar seu orgulhoso sangue com o de seus súditos negros. El Shebbeh era bem traçada, com ruas e praças regulares, construções de pedra e jardins; Punt era uma confusão de cabanas de lama, e as ruas se espalhavam em praças que só eram praças no nome. O povo negro de Kush, os gallahs, habitantes originais do país, vivia em Punt; ninguém, a não ser a classe dominante, os chagas, morava em El Shebbeh, com exceção de seus criados e dos cavaleiros negros que os serviam como guardas.

Tuthmes olhou para a vasta expansão de cabanas. Fogueiras ardiam nas praças irregulares, e tochas oscilavam pra lá e pra cá nas ruas sinuosas; e, de vez em quando, ele ouvia um breve trecho de música: um canto bárbaro e monótono, que soava com um meio-tom de ira e sede de sangue. Tuthmes puxou o manto pra mais perto de si e tremeu.

Avançando pelo teto, ele parou diante de uma figura que dormia à sombra de uma palmeira no jardim artificial. Ao ser cutucado pelo dedão de Tuthmes, este homem acordou e se ergueu em um pulo.

- Não precisa falar. – avisou Tuthmes – Está feito. Amboola está morto e, antes do amanhecer, toda Punt saberá que ele foi assassinado por Tananda.

- E o... o demônio? – sussurrou o homem, tremendo.

- Shhh! Voltou para a escuridão de onde foi invocado. Preste atenção, Shubba, é hora de você partir. Procure entre os shemitas, até encontrar uma mulher adequada, uma mulher branca. Traga-a imediatamente para cá. Se você voltar nesta lua, lhe darei seu peso em prata. Se falhar, pendurarei sua cabeça naquela palmeira.

Shubba se prostrou, encostando a cabeça na terra. Então, ele se levantou e saiu apressadamente do telhado. Tuthmes olhou novamente para Punt. As fogueiras, de alguma forma, ardiam mais ferozmente e um tambor havia começado a tocar de forma monótona e sinistra. Um súbito clamor de gritos brutais se ergueu até as estrelas.

- Eles já souberam que Amboola está morto. – ele murmurou, e mais uma vez foi sacudido por um forte estremecimento.



3)


A vida seguia seu curso habitual nas ruas sujas de Punt. Negros gigantescos se acocoravam nas entradas de suas cabanas cobertas de palha, ou se deitavam sobre o chão em suas sombras. Mulheres negras subiam e desciam as ruas, com cabaças de água ou cestas de comida nas cabeças. As crianças brincavam ou lutavam na poeira, rindo ou gritando de forma estridente. Nas praças, o povo negro zombava e negociava sobre cerveja, bananas e ornamentos de latão batido. Ferreiros se curvavam sobre pequenos carvões em brasa, batendo as lâminas das lanças. O sol quente ardia em tudo: no suor, na alegria, na raiva, nudez e miséria do povo negro.

De repente, veio uma mudança no padrão, uma nova nota no timbre. Com um barulho de cascos, um grupo de cavaleiros passeava – doze homens e uma mulher. Era a mulher quem dominava o grupo. Sua pele era escura e seu cabelo, uma espessa massa negra presa na nuca e amarrada por uma faixa dourada. Sua única roupa, além das sandálias nos pés, era uma curta saia de seda ao redor da cintura. Placas de ouro, incrustadas de jóias, lhe cobriam parcialmente os seios escuros. Seus traços eram retilíneos e seus ousados olhos cintilantes, cheios de desafio e convicção. Ela montava e manobrava seu cavalo, com facilidade e segurança – o magro cavalo kushita, com o freio enfeitado de jóias, e as rédeas, de couro escarlate, tão largas quanto a palma de uma mão humana e trabalhadas a ouro –, e seus pés, calçados em sandálias, dentro dos largos estribos de prata.

Enquanto ela passeava, o trabalho e as conversas pararam subitamente. Os rostos negros ficaram sombrios, e os olhos negros ganharam um brilho vermelho. Os negros viravam suas cabeças para sussurrarem nos ouvidos uns dos outros, e os sussurros se transformavam num murmúrio sombrio e audível.

O jovem, que cavalgava ao lado da mulher, ficou nervoso. Ele olhou para a frente, ao longo da rua sinuosa, medindo a distância até os portões de bronze, que ainda não estavam à vista por entre as casas de tetos planos, e sussurrou:

- O povo está ficando perigoso, Tananda. Foi tolice cavalgar em Punt.

- Nem mesmo todos os cães negros de Kush me impedirão de caçar. – respondeu a mulher – Se algum deles parecer ameaçador, atropele-o.

- É mais fácil falar do que fazer. – murmurou o jovem, olhando atentamente para a multidão silenciosa – Eles estão vindo de suas casas e se aglomerando ao longo da rua... Olhe pra lá!

Eles estavam entrando numa larga praça irregular, onde o povo negro se aglomerava. Em um lado desta praça, se erguia uma casa de lama, com vigas toscamente entalhadas, maior que suas vizinhas, e com um cacho de caveiras sobre a porta larga. Este era o Templo de Jullah, o deus a quem o povo negro cultuava em oposição a Set, o Deus-Serpente cultuado pelos chagas em imitação a seus ancestrais stígios. Os negros estavam apinhados nesta praça, olhando sombriamente para os cavaleiros. Havia uma clara ameaça na atitude deles, e Tananda, pela primeira vez sentindo um leve nervosismo, não percebeu outro cavaleiro se aproximar da praça através de outra rua. Este cavaleiro chamaria a atenção em circunstâncias normais, pois não era chaga nem gallah, mas um homem branco, uma figura poderosa usando cota-de-malha e capacete, com um manto escarlate cujas dobras batiam-lhe ao redor do corpo.

- Estes cães negros têm más intenções. – sussurrou o jovem ao lado de Tananda, meio desembainhando sua espada curva.

Os outros guardas, homens negros como o povo ao redor deles, formaram um círculo mais próximo dela, mas não puxaram suas lâminas. Um murmúrio baixo e sombrio ficou mais alto, embora nenhum movimento tenha sido feito.

- Cavalgue no meio deles. – ordenou Tananda, conduzindo seu cavalo para a frente.

Os negros viraram as costas sombriamente, antes dela avançar; e subitamente, da casa do demônio, saiu uma figura magra e negra. Era o velho Ageera, vestido apenas com uma tanga. Apontando o dedo para Tananda, ele gritou:

- Lá está ela, cavalgando: ela, cujas mãos estão mergulhadas em sangue! Aquela que assassinou Amboola!

Seu grito foi a faísca que causou a explosão. Um enorme rugido se ergueu da turba, e eles rolaram para a frente, gritando “Morte a Tananda!”. Num instante, uma centena de mãos negras estava arranhando as pernas dos cavaleiros. O jovem colocou seu cavalo entre Tananda e a turba, mas uma pedra, arremessada por uma mão negra, arrebentou-lhe o crânio. Os guardas, retalhando e cortando, foram violentamente arrancados de seus cavalos e espancados, pisados e apunhalados até a morte. Tananda, atacada por todos os lados e finalmente aterrorizada, gritou enquanto seu cavalo empinava. Um grupo de selvagens figuras negras – homens e mulheres – estava agarrando-a.

Um gigante agarrou-lhe a coxa e arrancou a mulher da sela, colocando-a nas mãos furiosas que a esperavam ansiosamente. Sua saia foi arrancada do corpo e voou acima dela, enquanto um berro de risada primitiva se erguia da multidão. Uma mulher cuspiu-lhe no rosto e arrancou-lhe as placas do peito, arranhando seus seios com as unhas enegrecidas. Uma pedra, atirada nela, arranhou sua cabeça. Ela gritou, num medo frenético; um grupo de mãos brutais estava puxando-a violentamente, ameaçando desmembrá-la. Ela viu uma pedra segura por uma mão negra, enquanto o dono tentava alcançá-la na multidão para arrebentar-lhe os miolos. Punhais reluziam. Somente a embaraçadora quantidade de pessoas daquela massa esmagadora os impediu de matá-la instantaneamente.

- Para a casa do demônio! – rugiu uma voz, respondida por um clamor, e Tananda se sentiu meio carregada, meio arrastada pela turba em movimento, agarrada pelo cabelo, braços, pernas e por onde quer que uma mão negra pudesse pegar.

Golpes dirigidos a ela na multidão foram detidos ou desviados pela massa. E então, veio um impacto sob o qual toda a multidão cambaleou, enquanto um cavaleiro num poderoso corcel se movia violentamente para dentro da turba.

Homens caíram, com gritos agudos, para serem pisados por cascos esmagadores; Tanada teve um vislumbre atordoado de uma figura se erguendo acima da multidão, de um escuro rosto cicatrizado sob um elmo de aço, de um manto escarlate desfraldando-se de poderosos ombros cobertos por cota-de-malha, e uma grande espada subindo e descendo, salpicando borrifos escarlates. Mas, de algum lugar da turba, uma lança golpeou para o alto, estripando o cavalo. Este relinchou, cambaleou e caiu, mas o cavaleiro caiu de pé, golpeando à esquerda e à direita. Lanças e punhais atirados a esmo resvalaram-lhe no capacete, ou no escudo em seu braço esquerdo, enquanto sua larga espada fendia carne e ossos, espalhava miolos e derramava entranhas na poeira sangrenta.

Carne e ossos não conseguiam lhe opor resistência. Deixando um espaço livre, ele parou, alcançou a aterrorizada garota e, cobrindo-a com o escudo, recuou, abrindo caminho impiedosamente. Ele retrocedeu para o canto de uma parede e, colocando a jovem atrás, ficou à sua frente, espumando e gritando num ataque furioso.

Então, houve um barulho de cascos, e um regimento de guardas adentrou a praça, rechaçando os manifestantes à frente deles. O capitão se aproximou: um enorme negro, resplandecente em seda vermelha e armadura trabalhada a ouro.

- Você demorou a chegar. – disse Tananda, que havia se levantado e readquirido muito de seu porte.

O capitão ficou pálido, mas antes que pudesse voltar, Tananda havia feito um sinal que foi percebido pelos homens dele, atrás. Um deles agarrou sua lança com ambas as mãos e dirigiu-a entre os ombros do capitão, com tal força que a ponta lhe saiu pelo peito. O capitão caiu de joelhos, e as estocadas de meia-dúzia de outras lanças completaram o trabalho.

Tananda jogou para trás o longo e desalinhado cabelo negro, e encarou Conan. Ela sangrava de vários arranhões em seus seios e coxas; suas madeixas caíam, desarrumadas, por suas costas, e ela estava tão nua quanto no dia em que nascera. Mas ela olhava para ele sem hesitação e sem se deixar perturbar, e ele devolveu-lhe o olhar, em sincera admiração à sua frieza e à perfeição de seus membros marrons.

- Quem é você? – ela indagou.

- Conan, um cimério. – ele respondeu.

- O que está fazendo em Shumballa?

- Vim para cá em busca de dinheiro. Eu era anteriormente um corsário.

- Ah! – Um novo interesse brilhou nos olhos escuros dela; ela juntou os cabelos atrás com as mãos – Nós ouvíamos histórias sobre você, a quem os homens chamam de Amra, o Leão. Mas, se não é mais um corsário, o que você é agora?

- Um viajante sem dinheiro.

Ela sacudiu a cabeça:

- Não, por Set! Você agora é capitão da guarda real.

Ele olhou casualmente para a figura estendida, vestida de seda e aço, e a visão não alterou o prazer de seu súbito sorriso.

Pouco depois, ele conteve uma rebelião de negros, e passou a ser muito estimado pelo rei.



4)


Shubba retornou a Shumballa e, se dirigindo aos aposentos de Tuthmes onde peles de leopardo cobriam o piso de mármore, ele disse:

- Encontrei a mulher que você desejava. Uma garota nemédia, capturada de um navio comercial de Argos. Eu paguei, ao shemita vendedor de escravos, muitas peças gordas de ouro.

- Deixe-me vê-la. – ordenou Tuthmes, e Shubba saiu da sala e retornou um instante depois, trazendo uma garota pelo pulso. Ela era delicada, e sua pele branca quase ofuscante, em contraste com os corpos marrons e negros aos quais Tuthmes estava acostumado. O cabelo dela caía como uma onda fluvial cacheada, de mechas douradas, sobre os ombros brancos. Ela estava vestida apenas com uma roupa esfarrapada. Shubba removeu-a, deixando a moça encolhida em completa nudez.

Tuthmes acenou a cabeça de forma impessoal.

- Ela é uma bela mercadoria. Se eu não estivesse apostando por um trono, eu talvez cedesse à tentação de guardá-la comigo mesmo. Você ensinou a ela o idioma Kushita, como mandei?

- Sim; na cidade dos shemitas e, nos últimos dias, na estrada da caravana. E infundi nela a necessidade de aprender através de chineladas, à moda shemita. Seu nome é Diana.

Tuthmes sentou-se num leito e gesticulou para que a garota se sentasse de pernas cruzadas, aos pés dele, e ela o fez.

- Vou lhe dar de presente ao rei de Kush. – disse ele – Você será nominalmente a escrava dele, mas na verdade pertencerá a mim. Você receberá suas ordens regularmente, e não deixará de cumpri-las. O rei é degenerado, indolente e desregrado. Não será difícil para você alcançar total domínio sobre ele. Mas, para que você não possa ser tentada a desobedecer, quando se imaginar além do meu alcance no palácio do rei, vou lhe demonstrar meu poder.

Ele pegou-a pela mão e a levou através de um corredor, descendo um lance de escadas com degraus de pedra e adentrando uma sala longa e pouco iluminada. A sala estava dividida em duas partes iguais por uma parede de cristal, transparente como água, embora com uns 90 centímetros de espessura e forte o bastante para resistir ao impacto de um elefante macho. Ele levou-a a esta parede, e a fez ficar de pé, olhando-a, enquanto ele dava um passo para trás. De repente, a luz se apagou.

Ela ficou ali, na escuridão, com os membros esguios tremendo com um pânico irracional; então, a luz começou a pairar na escuridão. Ela viu uma hedionda cabeça disforme brotar das trevas; viu um focinho bestial, dentes em forma de cinzel, pêlos ásperos... Quando aquele horror se moveu em sua direção, ela gritou, se virou e correu, desvairada de medo e esquecida da camada de vidro que mantinha a fera afastada dela. Ela correu direto para os braços de Tuthmes na escuridão, e o ouviu sussurrar-lhe no ouvido:

- Você viu meu criado; não me falhe, pois se você o fizer, ele irá procurá-la onde quer que esteja, e você não conseguirá se esconder dele.

E, quando ele sussurrou mais alguma coisa em seu ouvido, ela imediatamente desmaiou.

Tuthmes carregou-a escada acima e deixou-a nas mãos de uma criada negra, com instruções para reanimá-la, cuidar para que ela tivesse comida e vinho, fosse banhada, penteada, perfumada e vestida para ser apresentada ao rei.


Mas Tananda raptou-a, e Conan, ao vê-la, ficou muito interessado por ela.

Ageera, com seus poderes mágicos, havia descoberto o papel de Tuthmes no assassinato do comandante negro. Depois de acusá-lo, foi preso por ele e torturado até a morte – ou, pelo menos, Tuthmes acreditou nisso. Percebendo que não poderia depor o rei enquanto Conan vivesse, Tuthmes mandou seu mostro kordafano – sobrevivente de uma era esquecida – assassinar o cimério.

Tananda ordenou a Diana que ela lhe contasse os detalhes do plano de Tuthmes, mas a garota se recusou, pois Tuthmes a havia aterrorizado quase a ponto de enlouquecê-la. Tananda chicoteou-a, e Conan entrou para pôr um fim naquilo. Enfurecida, Tananda ameaçou-o, mas ele riu dela, pegou a garota e foi para casa.

Na grande praça da cidade interna, um feiticeiro estava sendo torturado, enquanto uma multidão observava e fazia gracejos. Conan, atacado em sua casa pelo monstro, feriu-o mortalmente e o perseguiu até a praça, onde ele correu para seu senhor, um aventureiro pardo de Kordafan, e caiu morto. A multidão frenética fez o kordafano em pedaços, e então apareceu Ageera, que denunciou Tuthmes. Ele também foi morto pela multidão, os negros se revoltaram e destruíram Shumballa. Conan e Diana escaparam.









Tradução: Fernando Neeser de Aragão (fernando_arag@yahoo.com.br e fernando.neeser2@bol.com.br)


Fonte: “The Comming of Conan, The Cimmerian”, Ed. Del Rey.


Agradecimento especial:
Ao conanmaníaco Roberto Sales Farias Jr. (betojr@gmail.com).
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